De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD divulgada pelo IBGE, em 2015 praticamente 85% (oitenta e cinco por cento) da população brasileira vivia em áreas urbanas, contra pouco mais de 30% (trinta por cento) na década de 1940.

Esse cenário de rápida e desordenada urbanização, observado a partir do início do processo de industrialização do país (década de 1950), exigiu que o planejamento urbano fosse uma prioridade da sociedade para evitar que as cidades se tornassem ainda mais desorganizadas.

O Plano Diretor, objeto deste estudo, é hoje a principal ferramenta à disposição dos Municípios para o pleno exercício desse planejamento urbano.

Provavelmente você já ouviu falar sobre ele ou, até mesmo, acompanhou alguma discussão a respeito do planejamento da sua cidade.

Mas você sabe exatamente o que é o Plano Diretor, para que ele serve e quais são as suas implicações diretas no mercado imobiliário das cidades?

Neste artigo abordaremos em detalhes o tema, explicando do que se trata esse importante ato normativo, descrevendo conceitos como a outorga onerosa do direito de construir, a UTDC e penalidades para desobediência em relação à norma, dentre outros assuntos.

O texto é extenso, mas prometemos que, se você ficar até o final, estará preparado até para atuar na redação de um Plano Diretor.

O que é Plano Diretor e base legal

De forma bastante resumida, o Plano Diretor é a lei municipal que traça as diretrizes para o ordenamento e o crescimento da cidade, de forma a orientar os gestores públicos e a própria população sobre o caminho desejado para aquele Município.

A partir de um prévio estudo da realidade física, econômica, social e administrativa da cidade, cabe ao Poder Público (aqui abrangidos os Poderes Executivo e Legislativo), de tempos em tempos, elaborar, colocar em ampla discussão com a sociedade e, ao final, definir as propostas de curto, médio e longo prazo para o desenvolvimento do Município.

Em outras palavras, o processo de construção e aprovação de um Plano Diretor começa com a pergunta “onde estamos?” para formular resposta à questão “para onde queremos ir?”.

Regula-se, via Plano Diretor, como o território da cidade será ocupado e utilizado, definindo-se, por exemplo, áreas de expansão urbana (para onde a cidade irá crescer), adensamento preferencial (bairros mais “vazios” nos quais se deseja uma maior ocupação) e adensamento restrito (regiões que, por alguma razão, não podem ser ocupadas).

Também é no Plano Diretor que o Município prevê se determinada zona pode ter ocupação residencial, comercial ou mista, bem como o que cada proprietário deve fazer para atender à função social da propriedade, com definição de penalidades para o descumprimento.

Antes, todavia, de examinarmos o conteúdo do Plano Diretor, é importante conhecermos seu tratamento legal.

A primeira previsão acerca do Plano Diretor foi feita na Constituição Federal, promulgada em 1988:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

 § 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.

§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

§ 3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.

§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

I – parcelamento ou edificação compulsórios;

II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.

Como se percebe, a Constituição tratou do Plano Diretor de forma mais ampla e aberta, sem definir seu conteúdo, mas já o definindo como o instrumento básico do planejamento urbano e tornando-o obrigatório para cidades com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes, o que corresponde a cerca de 1/3 dos municípios brasileiros, segundo o último censo realizado pelo IBGE.

Em 2020, portanto, exatos 1.788 (mil, setecentos e oitenta e oito) municípios tinham a obrigação de ter em vigor um plano diretor, o que reforça a importância do documento.

A Constituição também autorizou os Municípios a aplicar importantes métodos coercitivos para exigir, na prática, o cumprimento da função social da propriedade, segundo as diretrizes do Plano Diretor, começando pelo parcelamento (que pode se dar via loteamento ou desmembramento de uma gleba ainda não urbanizada) ou edificação compulsórios, seguindo pela cobrança de IPTU progressivo e resultando na penalidade capital de desapropriação sem prévia indenização, com pagamento por meio de títulos da dívida pública.

Passados 13 (treze) anos da previsão original do Plano Diretor, foi somente com a Lei 10.257/2001, popularmente conhecida por Estatuto da Cidade, que o instrumento foi, a nível federal, regulamentado:

Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei.

Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

§ 1º O plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as diretrizes e as prioridades nele contidas.

§ 2º O plano diretor deverá englobar o território do Município como um todo.

§ 3º A lei que instituir o plano diretor deverá ser revista, pelo menos, a cada dez anos.

§ 4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:

I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;

II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;

III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.

Dos dois artigos transcritos já é possível extrair as primeiras conclusões:

  • É o Plano Diretor que definirá, a nível municipal, o que será considerado, objetivamente, como efetivo cumprimento da função social da propriedade urbana;
  • A integralidade do território do Município deve ser tratada no Plano Diretor, não se admitindo, por exemplo, que uma área rural seja ignorada ou que um bairro não esteja situado em um determinado zoneamento;
  • Os demais instrumentos urbanos, acessórios ao Plano Diretor e que também serão analisados neste texto, devem obedecê-lo e promover as suas diretrizes;
  • É obrigatória a revisão do Plano Diretor pelo menos a cada 10 (dez) anos; e
  • É obrigatória a participação popular na elaboração do Plano Diretor, por meio de audiências públicas realizadas, naturalmente, antes de sua aprovação, bem como a ampla publicidade do processo, facultando-se a qualquer interessado o acesso a todo e qualquer documento produzido.

No Estatuto da Cidade, embora tampouco haja uma conceituação clara do que é um Plano Diretor – com uma mera repetição do texto constitucional –, o seu conteúdo mínimo foi objetivamente definido, como veremos no próximo tópico. Veja o nosso artigo dedicado ao Estatuto da Cidade.

Conteúdo mínimo e principais temas tratados em um Plano Diretor

Ainda que caiba a cada Município definir o melhor caminho para a sua população e o seu território, o Estatuto da Cidade cuidou de definir um conteúdo mínimo para que o Plano Diretor seja considerado adequado.

De acordo com os artigos 42 e 43 da Lei, integra o conteúdo mínimo do Plano:

  • a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infraestrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5º desta Lei: o Plano Diretor deve indicar em quais áreas do município (se não em todas) poderão ser aplicadas as determinações de aproveitamento compulsório do imóvel; em tais áreas, já deve existir infraestrutura e demanda para o referido aproveitamento, ou seja, não faz sentido se exigir que um proprietário de uma pequena fazenda situada em área de expansão urbana, que ainda não esteja servida por serviços e equipamentos básicos (como iluminação pública, coleta de lixo, vias públicas pavimentadas, escolas, hospitais, comércio etc.), seja obrigado a lotear sua gleba;
  • disposições requeridas pelos artigos 25, 28, 29, 32 e 35 desta Lei, que são (i) direito de preempção (artigo 25); (ii) outorga onerosa do direito de construir (artigos 28 e 29); (iii) operações urbanas consorciadas (artigo 32); e (iv) transferência do direito de construir (artigo 35): iremos analisar todos esses instrumentos tópicos apartados; e
  • sistema de acompanhamento e controle: de nada adianta definir metas e prazos se não houver um eficiente sistema de monitoramento e gestão. Por isso, o Plano Diretor deve estipular, também, como será fiscalizada, na prática, a execução das diretrizes nele contidas.

Existe uma 4ª exigência de conteúdo caso o município em questão possua áreas suscetíveis de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos.

Nesses casos ele também precisará prever em seu Plano Diretor regras específicas para mitigar o risco de desastres e assegurar a realocação da população afetada por eventual sinistro.

Para além do conteúdo mínimo, é comum se encontrar nos Planos Diretores das principais cidades brasileiras disposições referentes a:

  • Política urbana, diretrizes e objetivos gerais;
  • Patrimônio Histórico e Cultural;
  • Meio Ambiente;
  • Política de Habitação;
  • Mobilidade urbana;
  • Parcerias público-privadas, concessões e permissões;
  • Gestão participativa (democrática) da cidade; e
  • Parâmetros urbanísticos para utilização do solo, como afastamentos mínimos, altimetria máxima, taxa de ocupação, taxa de permeabilidade, dentre outros.

O que é coeficiente de aproveitamento

Dada a alta taxa de urbanização das cidades brasileiras, muitas das quais não mais possuem áreas rurais, assume especial importância, dentro do Plano Diretor, a atividade de edificação, seja de casas ou edifícios.

Todo proprietário tem o direito de usar, gozar e dispor do seu imóvel (artigo 1.228 do Código Civil), mas a esse direito corresponde a obrigação de dar ao bem sua devida função social, sendo indesejável, para a sociedade, que imóveis fiquem subutilizados ou simplesmente inutilizados por longo período para fins especulativos.

A função social da propriedade pode ser exercida de diversas formas e cada Município definirá, em seu Plano Diretor, o que será considerado, objetivamente, o seu cumprimento.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que o proprietário que planta, cria animais, parcela (loteamento ou desmembramento com urbanização de gleba) ou insere uma edificação em um terreno está, a rigor, dando a devida destinação ao bem.

No ambiente urbano, a hipótese mais comum de descumprimento da função social é a manutenção de lotes vagos, sem qualquer edificação ou uso, por longos períodos. Também é corriqueiro o abandono de construções.

Por outro lado, a melhor forma de cumprir a função social dentro da cidade é, exatamente, construir uma edificação no terreno, seja ela de fins residenciais ou comerciais, o que depende da elaboração e prévia aprovação, pelo Município, de um projeto arquitetônico.

Esse projeto deverá atender a todos os parâmetros urbanísticos definidos no Plano Diretor e talvez o mais importante deles seja o coeficiente de aproveitamento do imóvel.

Grosso modo, o coeficiente de aproveitamento indica a área máxima que poderá ser construída em determinado lote ou conjunto de lotes e está diretamente relacionada à área de solo do próprio terreno, definindo o seu potencial construtivo.

Um mesmo lote, via de regra, possui três coeficientes de aproveitamento, quais sejam, mínimo, máximo e básico.

Começando pelo coeficiente mínimo, ele define, para fins de cumprimento da função social da propriedade, qual a área mínima daquele imóvel que deve ser aproveitada, seja por meio de edificação, seja por meio do exercício de alguma atividade.

O aproveitamento construtivo abaixo do mínimo pode ensejar, a qualquer tempo, a critério do Município, a aplicação dos instrumentos de parcelamento, edificação ou uso compulsórios.

Paralelamente, o coeficiente máximo define o limite acima do qual não se pode exercer nenhum aproveitamento construtivo do imóvel. Se isso se der de forma não autorizada, ensejará a aplicação de sanções gradativas pelo Município, conforme o Plano Diretor, como multa, demolição, suspensão da atividade do infrator, suspensão de novo licenciamento, dentre outros.

Em áreas consideradas como de centralidade (normalmente Hipercentros das maiores cidades), o coeficiente de aproveitamento máximo (CAmax) pode ser substituído pelo coeficiente de aproveitamento de centralidade (CAcent), geralmente superior ao primeiro.

O coeficiente de aproveitamento básico, por sua vez é aquele indissociável do terreno, ainda que seu valor possa ser alterado em Plano Diretor posterior. Nenhuma regulação, todavia, poderá prever a extinção do coeficiente básico, sendo ele um direito fundamental do proprietário de construir em seu terreno.

Isso significa, pois, que, inicialmente, o proprietário tem a obrigação de aproveitar um terreno no Município em seu coeficiente mínimo e, ao mesmo tempo, tem o direito de exercer o seu potencial construtivo básico, gratuitamente.

Para construir acima do coeficiente básico até o limite do coeficiente máximo, não haverá “almoço grátis”. O proprietário precisará, necessariamente, (i) adquirir onerosamente esse direito junto à Prefeitura Municipal que, nessa hipótese, concederá ao primeiro a Outorga Onerosa do Direito de Construir (ODC) ou (ii) adquirir de terceiros, provavelmente também de forma onerosa, Unidades de Transferência do Direito de Construir (UTDC).

Logo, se o terreno em que será edificada uma casa, por exemplo, possuir 400m² e o coeficiente de aproveitamento básico da região em que ele se localiza for 1, com o coeficiente máximo sendo 2, a casa poderá ter, sem custo adicional ao proprietário, os mesmos 400m² de área construída.

Se, todavia, ele pretender construir acima de 400m², poderá fazê-lo com a aquisição, via ODC ou UTDC, do Direito de Construir, até o limite, no exemplo dado, de 800m².

A definição de área construída, por sua vez, varia de cidade para cidade e entre Planos Diretores sucessivos do mesmo Município.

Um exemplo disso é a cidade de Belo Horizonte, que em Planos Diretores anteriores ao atualmente vigente adotava critério distinto para considerar, ficticiamente, que vagas de garagem e áreas descobertas de varanda não seriam consideradas, para fins de cálculo do coeficiente de aproveitamento, como áreas construídas.

Agora, essas mesmas áreas são consideradas para fins de apuração do coeficiente.

O que é outorga onerosa do direito de construir (ODC) e qual a finalidade do dinheiro arrecadado pelo município?

A Outorga Onerosa do Direito de Construir (ODC) é, basicamente, a compra, pelo particular junto ao Município, de um direito adicional de construção em seu terreno, para além do que já lhe é gratuitamente permitido por meio do coeficiente de aproveitamento básico.

Em tese, o Município deve criar uma espécie de “banco fictício ou estoque de metros quadrados” para cada região, a depender do seu estágio de adensamento, e, havendo disponibilidade de área no tal banco, vender ao particular, mediante contrapartida (que nem sempre será puramente financeira), o direito de adicionar tal área à sua construção.

É interessante notar que o Estatuto da Cidade dá ampla margem aos Municípios para definir, em seus respectivos Planos Diretores, diferentes regras quanto à definição dos coeficientes de aproveitamento e da ODC:

Art. 28. O plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, coeficiente de aproveitamento é a relação entre a área edificável e a área do terreno.

§ 2º O plano diretor poderá fixar coeficiente de aproveitamento básico único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana.

§ 3º O plano diretor definirá os limites máximos a serem atingidos pelos coeficientes de aproveitamento, considerando a proporcionalidade entre a infra-estrutura existente e o aumento de densidade esperado em cada área.

Em qualquer caso, sempre que o coeficiente de aproveitamento básico for inferior ao coeficiente de aproveitamento máximo, o Plano Diretor deverá estabelecer regras claras para a aquisição, pelo particular, da ODC.

Normalmente, o valor da contrapartida é calculado de acordo com o valor venal do metro quadrado do terreno, previsto nos cadastros municipais, que não necessariamente será equivalente ao valor que é considerado para fins de cobrança do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).

Imagine-se, por exemplo, que o proprietário deseja construir um total de 2.000m² em um terreno com área de 1.000m², coeficiente de aproveitamento básico igual a 1 e coeficiente de aproveitamento máximo igual a 3.

Os primeiros 1.000m² serão gratuitos, correspondentes ao coeficiente de aproveitamento básico, cabendo ao proprietário comprar, via ODC ou UTDC, os outros 1.000m².

Se o valor venal médio do metro quadrado da região onde se localizada o terreno for, nos cadastros municipais, de R$ 1.000,00, então, ao adquirir 1.000m² de ODC, o proprietário deverá pagar uma contrapartida de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Essa contrapartida, como já apontado, não precisa necessariamente ser paga em dinheiro, desde que o Plano Diretor admita, expressamente, outra forma de pagamento.

O atual Plano Diretor de Belo Horizonte, por exemplo, admite em seu artigo 48, § 3º, que o Executivo aceite imóveis cuja aquisição seja de interesse público como pagamento pela ODC.

Mas se o proprietário tem o direito de usar, gozar e dispor do seu imóvel, o que legitima essa cobrança adicional pelo Município?

O fundamento universalmente adotado, nem sempre verdadeiro, é o impacto adicional gerado à estrutura urbana pela esperada maior ocupação do imóvel.

Isso pode até ser válido quando pensamos em um edifício residencial, por exemplo, em que uma área maior construída provavelmente significará um maior número de unidades autônomas, atraindo, consequentemente, um maior número de pessoas e uma maior demanda pelos equipamentos urbanos (trânsito, transporte, escolas e serviços de saúde públicos, coleta de lixo, dentre outros).

Por outro lado, o argumento não se sustenta quando se trata, por exemplo, da construção de uma casa, cuja potencial maior área não gerará nenhuma pressão adicional na estrutura ao seu redor.

Seja como for, tratando-se a ODC de um instrumento de política urbana, não há como ignorá-la ou contorná-la.

Finalmente, tanto por força do artigo 31 do Estatuto da Cidade quanto em virtude de previsões específicas dos Planos Diretores, os recursos arrecadados pelo Município com a venda de ODC devem ser utilizados em benefício da própria população, seja com obras de regularização fundiária, execução de programas e projetos habitacionais de interesse social, implantação de equipamentos urbanos e comunitários, criação de espaços públicos de lazer e unidades de proteção ambiental, proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico. Temos um artigo que trata especificamente do Estatuto da Cidade, não deixe de ler!

O que é UTDC?

A sigla UTDC significa Unidade de Transferência do Direito de Construir.

A UTDC é a versão privada da ODC, também gerando um direito de construção adicional, mas com aquisição de tal direito junto a um particular, e não ao Município.

Enquanto a área total disponível para compra via ODC é calculada pelo próprio Município e varia de acordo com o “estoque” de cada região, a UTDC é gerada por um imóvel que, por alguma razão de interesse público, não pode exercer plenamente o seu potencial construtivo.

Observe que não é qualquer imóvel, a bel prazer de seu proprietário, que poderá ser gerador de UTDC. Há de existir alguma restrição externa, de interesse público, tendo o Estatuto da Cidade elencado as seguintes hipóteses em seu artigo 35:

Art. 35. Lei municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de:

I – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;

II – preservação, quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural;

III – servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social.

§ 1º A mesma faculdade poderá ser concedida ao proprietário que doar ao Poder Público seu imóvel, ou parte dele, para os fins previstos nos incisos I a III do caput.§ 2º A lei municipal referida no caput estabelecerá as condições relativas à aplicação da transferência do direito de construir.

Todas as três hipóteses previstas no artigo 35 tratam, claramente, de restrições impostas ao imóvel gerador de UTDC por força de algum interesse público.

Se, por exemplo, o imóvel se localiza em uma área de conservação ambiental, se possui uma construção tombada pelo patrimônio histórico municipal ou, como é comum nas grandes cidades, se é alvo de uma ocupação social (popularmente chamadas de favelas ou comunidades), o seu proprietário poderá requerer ao Município, na proporção da restrição existente, que a área não passível de utilização para o pleno exercício do potencial construtivo do bem (segundo o seu coeficiente básico de aproveitamento) possa ser construída em outro imóvel do próprio proprietário ou alienada a terceiros.

Em algumas situações, como no caso de uma ocupação social ou restrição ambiental, é possível que toda a área do imóvel seja considerada para fins de geração de UTDC.

Em outras, como no tombamento, não há proibição de construção, mas apenas uma restrição parcial (não se pode demolir a construção existente, que, por sua vez, pode não ter “gastado” todo o coeficiente básico do terreno), cenário em que apenas a área não construída será passível de geração de UTDC.

É interessante notar que, se previsto em lei municipal, o proprietário também poderá doar um imóvel ao Município para alguma das finalidades previstas no artigo 35 do Estatuto da Cidade e obter o direito de geração de UTDC.

Isso pode viabilizar, para além do benefício social (afinal, algum interesse público será atendido), um planejamento patrimonial do particular, que pode doar um imóvel em área não tão valorizada e utilizar seu potencial construtivo, via UTDC, em outra região, aplicadas as devidas reduções previstas na lei municipal.

Normalmente, a fórmula de geração e recepção de UTDC considera o valor do metro quadrado do imóvel gerador, segundo o cadastro municipal, e o valor do metro quadrado do imóvel receptor.

Logo, se o valor do metro quadrado do imóvel gerador for, por exemplo, de R$ 500,00 e o valor do metro quadrado do imóvel receptor for de R$ 1.000,00, a cada dois metros quadrados gerados, apenas um será transferido e recepcionado.

A transferência do direito de construir se dá necessariamente por meio de escritura pública, só se consolidando efetivamente com o registro de tal escritura tanto na matrícula do imóvel gerador quanto na matrícula do imóvel receptor.

A lavratura da escritura, por sua vez, dependerá de prévia emissão de certidão pelo Município, na qual se indicará efetivamente qual é a área que poderá ser transferida, de acordo com a fórmula contida no Plano Diretor local.

O registro da escritura é de extrema importância porque informa a quaisquer terceiros que vierem a negociar com o proprietário do imóvel gerador que aquele bem não possui mais nenhum potencial construtivo, ao mesmo tempo em que atualiza o potencial construtivo do imóvel receptor.

A UTCD não tem relação direta com a ODC, sendo elas, contudo, formas alternativas, ou até complementares, se assim for previsto na legislação, de aquisição do direito de construir para além do coeficiente básico de um terreno.

Direito de Preempção

Outro instrumento obrigatório de qualquer Plano Diretor é o chamado direito de preempção.

Preempção nada mais é do que preferência ou prioridade no exercício de algum direito. É uma faculdade e não uma obrigação do seu detentor.

Na abordagem do Estatuto da Cidade, é assegurada ao Município, nos limites previstos em lei municipal, a preferência para aquisição de imóvel urbano que venha a ser objeto de negociação entre particulares.

Observe que, se não há uma prévia intenção de transação, manifestada por meio de notificação ao Município (artigo 27 do Estatuto da Cidade), não há que se falar em direito de preempção, ou seja, ninguém será obrigado a alienar um imóvel ao município, ainda que ele se localize em área definida em lei municipal como de incidência do referido direito.

É claro que, se houver o interesse público a justificar a transferência de um imóvel particular ao Município, o proprietário ainda pode perder o bem contra a sua vontade, mas apenas por meio de regular processo de desapropriação, com prévio pagamento de indenização (que não se confunde com o preço de compra que seria pago em exercício de direito de preempção).

O direito de preempção também não será absoluto.

Ele só incidirá em áreas previamente definidas em lei municipal e pelo prazo máximo de 10 (dez) anos – inicia-se com no máximo 5 (cinco) anos, mas há possiblidade de renovação.

Além disso, a lei municipal deverá fundamentar a previsão de direito de preempção em alguma das seguintes hipóteses (artigo 26 do Estatuto da Cidade):

I – regularização fundiária;

II – execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;

III – constituição de reserva fundiária;

IV – ordenamento e direcionamento da expansão urbana;

V – implantação de equipamentos urbanos e comunitários;

VI – criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;

VII – criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental;

VIII – proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;

Como se percebe, o direito de preempção estará sempre relacionado a algum interesse público específico do Município.

Percebendo a administração, por exemplo, que a cidade se adensou muito em determinada região, sem que os equipamentos urbanos tenham acompanhado, na proporção necessária, o crescimento, e não existindo bens públicos disponíveis para implantação de tais equipamentos, seria viável a edição de uma lei para estabelecer, na área, o direito de preempção.

A partir da publicação da lei, sempre que qualquer proprietário de imóvel daquela região pretender vender o bem, precisará notificar previamente o Município para que este, a seu exclusivo critério, exerça ou não o direito de preempção.

O valor a ser pago pelo Município e a forma de pagamento, caso ele exerça a preferência, deverão necessariamente ser aqueles indicados na notificação do proprietário.

Afinal, haverá apenas uma prioridade de compra, mas não um direito de pagar preço inferior ou de forma distinta do que estiver previsto na proposta que o proprietário já possuir.

Caso o Município não se manifeste – via publicação de edital com declaração de intenção de exercício do direito de preempção – no prazo máximo de 30 (trinta) dias, o proprietário poderá alienar o imóvel ao proponente original, nos exatos termos da proposta, ou seja, sem conceder desconto ou mudar a forma de pagamento, sob pena de nulidade da operação (§ 5º do artigo 27 do Estatuto da Cidade).

Além da nulidade de pleno direito (ou seja, automática) da operação, se o proprietário alienar o imóvel em condições distintas da proposta, o Município poderá adquirir o bem pelo valor atribuído a ele no cadastro municipal do IPTU, muitas vezes inferior ao valor da proposta descumprida.

O direito de preempção se esgota quando, no prazo de até 30 (trinta) dias, o proprietário apresenta ao Município cópia da escritura pública para comprovar a realização da transação de acordo com a proposta.

Operações urbanas consorciadas

Uma operação urbana consorciada (OUC), na definição trazida pelo § 1º do artigo 32 do Estatuto da Cidade, é o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.

Ela se destina essencialmente a implementar, em determinado bairro ou região da cidade, uma mudança estrutural, normalmente focando em locais degradados ou com urbanização não condizente com os objetivos gerais do Plano Diretor.

Deve ser aprovada por lei municipal que defina, dentre outros, (i) a área a ser atingida; (ii) o programa básico de ocupação dessa área; (iii) as finalidades da operação e (iv) a forma de controle de sua implementação.

Além disso, é obrigatório o estudo de impacto de vizinhança antes da proposição e aprovação de qualquer OUC.

Uma OUC pode ser utilizada, dentre outros, para (i) implantar projetos de qualificação estruturante, como um anel rodoviário ou um grande estádio de futebol; (ii) criar ou melhorar espaços públicos e áreas verdes; (iii) redirecionar a forma de ocupação de um bairro, incentivando, por exemplo, uma maior atividade comercial; (iv) ampliar ruas e avenidas de maior circulação, melhorando o trânsito; (v) preservar o patrimônio histórico e cultural; e (vi) regularizar assentamentos urbanos precários.

Em Belo Horizonte, por exemplo, a OUC Antônio Carlos/Leste-Oeste , anunciada no ano de 2013, destinou-se a promover significativas alterações urbanísticas nas adjacências de dois dos maiores corredores viários da capital: a Avenida Antônio Carlos, que liga a região norte ao centro, e as Avenidas dos Andradas e Tereza Cristina (conhecida por Via Expressa), que interligam as regiões leste e oeste.

As diretrizes da mencionada OUC não se limitaram à melhoria do trânsito, mas buscaram primordialmente o adensamento populacional, com ênfase em potenciais usuários do transporte coletivo, da região afetada pelos corredores, num total de 99 bairros , abrangendo cerca de 9% do território municipal e impactando uma população aproximada de 230.000 pessoas.

E como o Poder Público pretendia alcançar os objetivos da OUC? Por meio da:

  • Alteração dos parâmetros de uso e ocupação do solo dos bairros afetados para incentivar, por exemplo, a implantação de empreendimentos voltados à população de baixa renda, com apartamentos de área menor (até 50m²), apenas um banheiro, no máximo uma vaga de garagem e baixo custo de condomínio. Na quadra central, por exemplo, o Coeficiente de Aproveitamento Máximo foi elevado para 6, podendo chegar a 7 para tipologia incentivada com redução de vagas.
  • Venda de potencial construtivo adicional (não por ODC, mas por meio dos CEPACs – Certificados de Potencial Adicional Construtivo) e utilização dos recursos arrecadados nas obras de infraestrutura.
  • Criação de políticas públicas de cunho social, como, por exemplo, o aluguel social e o já mencionado incentivo aos empreendimentos habitacionais de interesse social;
  • Criação de políticas de mobilidade (prevalência e incentivo ao transporte coletivo), ambiental (melhorias em praças e parques já existentes e criação de corredores arborizados) e de patrimônio cultural (restauração de imóveis tombados).

Outro uso bastante comum da OUC é para revitalizar uma determinada região da cidade que, por razões diversas, possa ter se tornado decadente ou subutilizada.

É o caso, por exemplo, da Operação Urbana Centro, aprovada pela Prefeitura de São Paulo com o objetivo de promover a melhoria e a revalorização da área central, para atrair investimentos imobiliários, turísticos e culturais e reverter o processo de deterioração do Centro.

Quem conhece a capital paulista sabe que, embora a macrorregião central da cidade tenha um tamanho considerável, podendo abarcar inúmeras atividades de diferentes naturezas, há uma clara subutilização das construções, a maioria muito antiga e deteriorada, com vários edifícios abandonados.

Embora não exista previsão expressa no Estatuto da Cidade, o Plano Diretor pode trazer, ainda, a figura da Operação Urbana Simplificada (OUS), como feito em Belo Horizonte (artigo 66 e seguintes da Lei 11.181/2019).

A OUS nada mais é, como seu próprio nome indica, do que uma OUC simplificada, voltada para um objetivo ainda mais específico, como a regularização fundiária de uma ocupação social.

Ao contrário da OUC, pode ser feita por meio de convênio entre o Município e um único particular, por exemplo, uma construtora interessada em implantar um grande empreendimento habitacional de interesse social em área próxima a uma ocupação, de forma a absorver a demanda local por moradia.

Em troca da flexibilização dos parâmetros urbanísticos, permitindo um maior aproveitamento do terreno, a Prefeitura poderia exigir, por exemplo, um preço de venda tabelado ou subsidiado.

Aliás, essa é uma característica comum às OUC´s: a previsão de contrapartida a ser exigida de proprietários de imóveis afetados, usuários permanentes e investidores privados interessados em participar da operação.

Isso está determinado de forma expressa no inciso VI do artigo 33 do Estatuto da Cidade:

Art. 33. Da lei específica que aprovar a operação urbana consorciada constará o plano de operação urbana consorciada, contendo, no mínimo:

(…)

VI – contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos nos incisos I, II e III do § 2º do art. 32 desta Lei;

Os benefícios mencionados no § 2º do artigo 32, por sua vez, são:

I – a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente;

II – a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente.

III – a concessão de incentivos a operações urbanas que utilizam tecnologias visando a redução de impactos ambientais, e que comprovem a utilização, nas construções e uso de edificações urbanas, de tecnologias que reduzam os impactos ambientais e economizem recursos naturais, especificadas as modalidades de design e de obras a serem contempladas.

Uma vez aprovada a OUC, todo o valor arrecado pelo Município com as contrapartidas deverá ser aplicado exclusivamente na própria região atingida.

Além disso, qualquer licença ou autorização expedida pelo Município em desacordo com os parâmetros urbanísticos aprovados para a OUC serão nulos.

Instrumentos de indução ao desenvolvimento urbano

A Constituição da República traz alguns instrumentos de política pública urbanística que podem ser utilizados pelos municípios e que estarão presentes, na prática, em qualquer Plano Diretor.

Afinal, esses instrumentos representam para o Município poderosas ferramentas de intervenção específica e direcionada em imóveis particulares que estejam, segundo os critérios do Plano Diretor, descumprindo a função social da propriedade urbana.

Trata-se, especificamente, de (i) parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, (ii) aplicação de IPTU progressivo no tempo e (iii) desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública.

Da primeira à terceira, essas medidas são gradativamente mais gravosas ao particular.

Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios

Quando identifica a existência de um imóvel subtilizado ou simplesmente inutilizado, o Município poderá (pelas regras de Direito Público, deverá, caso assim previsto no Plano Diretor) notificar o proprietário para que dê alguma função ao bem, seja por meio de parcelamento, edificação ou alguma outra forma de utilização, como, por exemplo, a implantação de alguma atividade comercial no local.

A notificação deverá ser averbada pelo Município na matrícula do imóvel, a fim de dar publicidade ao ato, e indicará o prazo para que o proprietário realize a adequação, de acordo com o que estiver determinado no Plano Diretor, mas tal prazo, quando a ordem for de parcelamento ou edificação, não poderá ser inferior a 1 ano para o protocolo do projeto na Prefeitura e a 2 anos, a partir da aprovação do projeto, para a execução da obra.

A alienação do imóvel depois de averbada a notificação de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios transfere ao adquirente a responsabilidade pela medida, dentro do prazo já fixado.

Será considerado subutilizado, para fins da aplicação do instrumento urbanístico, o imóvel cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no Plano Diretor ou em legislação dele decorrente (artigo 5º, inciso I, Estatuto da Cidade). É, portanto, a inobservância do coeficiente mínimo de aproveitamento, sobre o qual já falamos.

IPTU progressivo no tempo

Descumprida a notificação pelo proprietário, o Município deverá passar a cobrar o IPTU progressivo no tempo, majorando a alíquota do imposto pelos próximos cinco anos consecutivos, até que, eventualmente, o imóvel seja regularizado.

Caberá ao Plano Diretor estabelecer as regras do IPTU progressivo, mas o Estatuto da Cidade, em seu artigo 7º, impõe os limites:

§ 1º O valor da alíquota a ser aplicado a cada ano será fixado na lei específica a que se refere o caput do art. 5º desta Lei e não excederá a duas vezes o valor referente ao ano anterior, respeitada a alíquota máxima de quinze por cento.

§ 2º Caso a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar não esteja atendida em cinco anos, o Município manterá a cobrança pela alíquota máxima, até que se cumpra a referida obrigação, garantida a prerrogativa prevista no art. 8º.

§ 3º É vedada a concessão de isenções ou de anistia relativas à tributação progressiva de que trata este artigo.

Como o IPTU é um imposto municipal e a definição de sua alíquota é livre, também a aplicação prática do IPTU progressivo variará de Município para Município.

Se, por exemplo, a alíquota normal for de 4% e vier a ser aplicada a progressividade com sua força máxima (dobrando-se anualmente), já no segundo ano o limite de 15% será atingido, não sendo possível nova majoração nos anos seguintes.

Até se completar o período de 5 anos contados do início da progressividade, a alíquota será cobrada no limite máximo.

Desapropriação com pagamento de indenização em títulos da dívida pública

O marco temporal de 5 anos previsto no § 2º do artigo 7º do Estatuto da Cidade é importante porque, a partir de então, abre-se para o Município a faculdade de aplicação do próximo instrumento de indução, que é a desapropriação do imóvel com pagamento em títulos da dívida pública.

Essa desapropriação, note, difere da desapropriação “comum” em um ponto central: a forma de pagamento da indenização.

Pode ser considerada verdadeira punição ao proprietário negligente porque, no rito comum de desapropriação, o pagamento da indenização deve ser prévio e total, ou seja, o particular recebe integralmente o preço fixado para o imóvel (seja por acordo ou decisão judicial) antes de perder a sua propriedade para o Poder Público.

Com o pagamento em títulos da dívida pública, a indenização pode ser paga pelo Município no prazo de até 10 anos, fazendo com que o proprietário seja privado do domínio sobre o imóvel e só receba a compensação por isso muito tempo depois.

Vale registrar, também, que enquanto a aplicação do IPTU progressivo é uma obrigação do Município em caso de descumprimento da etapa anterior (notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios), a desapropriação é uma faculdade, podendo o ente público optar, dentro de sua discricionariedade administrativa, por continuar cobrando o IPTU na alíquota máxima de 15% pelos anos subsequentes.

Nessa hipótese, em pouquíssimo tempo a dívida fiscal já terá atingido 100% do valor do imóvel, permitindo que o Município, por meio de execução fiscal, acabe ficando com a propriedade do bem (seja por adjudicação, seja por leilão judicial) sem pagar nenhuma indenização ao proprietário.

Optando o Município pela desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública, a dívida fiscal já acumulada permanecerá exigível, por força do § 3º do artigo 8º do Estatuto da Cidade.

O proprietário poderá, além de perder o imóvel, continuar sujeito ao pagamento da dívida tributária.

Como formas de intervenção na propriedade particular, os instrumentos de indução ao desenvolvimento urbano não podem ser aplicados indistintamente em qualquer área do Município.

Caberá ao Plano Diretor definir quais regiões da cidade estarão sujeitas à aplicação desses instrumentos, mas, como já dito anteriormente, há de existir uma clara correspondência entre o planejamento urbanístico e a região afetada.

Afinal, não se pode exigir que o proprietário de um imóvel localizado em zona rural, por exemplo, edifique um prédio.

Falamos um pouco mais detalhadamente sobre os critérios para classificação de uma área como urbana ou rural no artigo sobre a Lei 6766/79.

Por fim, no aspecto operacional, mesmo que um determinado Município não preencha os requisitos legais para ser obrigado a possuir um Plano Diretor, se ele quiser se valer desses instrumentos de coerção, terá que promulgar o Plano, por força da previsão do inciso I do artigo 42 do Estatuto da Cidade:

Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:

I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5º desta Lei;

Direito real de superfície

Embora não seja um item obrigatório do Plano Diretor, o direito de superfície é aquele que permite utilizar a superfície de um terreno, o seu subsolo e/ou seu espaço aéreo, sem que o seu titular seja proprietário do bem.

O proprietário de um terreno pode, dessa forma, ceder a alguém, de forma gratuita ou onerosa, o direito da superfície do seu imóvel.

O direito de superfície também não se confunde com a posse do bem, ou seja, o direito ao seu uso, porque é um direito real, configurando um vínculo mais forte entre o superficiário e o imóvel do que a mera posse, garantida em contrato de locação, comodato, dentre outros.

Um contrato ou escritura pública de cessão de direito de superfície, por constituir um direito real do superficiário, deve ser obrigatoriamente registrado na matrícula do imóvel, ao contrário de um contrato de aluguel ou outras negociações que, meramente, envolvam a posse do bem.

Além disso, como direito real, é hereditário, de modo que, no caso de morte do superficiário, o direito contratado será transmitido a seus herdeiros, enquanto os termos do negócio firmado com o proprietário estiverem em vigor.

Tal direito é previsto no Código Civil (artigo 1.225, inciso II) e também no Estatuto da Cidade, nesta lei como uma ferramenta apta à indução do desenvolvimento urbano e garantia da função social da propriedade (artigo 4º, inciso V, alínea “l”).

Na acepção do Estatuto da Cidade, a permissão da utilização da superfície de um terreno por pessoa diversa do seu proprietário pode evitar que aquele espaço urbano seja inutilizado ou subutilizado, com fins especulativos ou desinteressantes à sociedade.

O superficiário terá o direito de preferência no caso de alienação do imóvel ou do próprio direito de superfície.

Um exemplo comum, apesar de ser mais presente em zonas rurais, é a cessão do direito de superfície de glebas para a instalação de usinas de produção de energia fotovoltaica ou eólica.

Nesse caso, não é correto se utilizar da figura do arrendamento rural, seja por não ser uma atividade de tal natureza, seja porque os equipamentos e instalações necessários ao desempenho das atividades no local serão instalados pelo próprio superficiário e não serão preexistentes no terreno.

Revisão periódica

Já sabemos que o Plano Diretor é o instrumento básico e principal da política urbana, do qual derivam todos os demais (planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento anual, dentre outros), também que ele é obrigatório para Municípios com população acima de 20.000 habitantes.

Mas, uma vez aprovado, como e quando o Plano Diretor deve ser atualizado?

O Estatuto da Cidade, mais uma vez, deixou a cargo dos Municípios definir as regras de revisão de seus respectivos Planos Diretores, mas determinou, no § 3º do artigo 40, que essa revisão deve ser feita pelo menos a cada 10 anos.

Isso significa que o Plano Diretor pode prever a sua revisão a cada 4 ou 5 anos, mas diante dos claros objetivos de médio e longo prazo nele contidos, não faz tanto sentido mudar todo o planejamento urbano a cada nova legislatura.

Em Belo Horizonte, por exemplo, o artigo 86 do atual Plano Diretor define o prazo mínimo de 8 anos para a alteração do conteúdo da lei, com algumas poucas ressalvas para permitir uma “margem de manobra” ao Executivo.

O processo de aprovação e revisão do Plano Diretor também será definido localmente, atentando-se, sempre, todavia, a um dos mais elementares princípios trazidos pelo Estatuto da Cidade: o da gestão democrática da cidade:

Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

(…)

§ 4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:

I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;

II – a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos;

III – o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos.

Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:

I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;

II – debates, audiências e consultas públicas;

III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;

IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

Art. 44. No âmbito municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea f do inciso III do art. 4º desta Lei incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal.

Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania.

Caberá ao Poder Executivo sugerir, de acordo com a sua proposta de governo, as eventuais alterações do Plano Diretor em vigência.

Pode acontecer, principalmente nas hipóteses de reeleição, de não ser necessária nenhuma alteração significativa da lei.

Afinal, revisar não significa, necessariamente, modificar, se aproximando muito mais do sentido de uma análise crítica para concluir pela adequabilidade ou não de um documento ou situação.

Todavia, em um cenário de alterações significativas no Plano Diretor, a sociedade deve ser ouvida, e isso pode ser dar de várias formas.

As discussões podem se dar em audiências públicas com participação de setores específicos para abordar assuntos determinados.

Por exemplo, se o tema em pauta é a habitação social, será importante a participação dos líderes de associações de moradores, de movimentos sociais, dos órgãos técnicos da Prefeitura e dos sindicatos de construtoras e incorporadoras.

Se o debate for sobre política ambiental, deverão ser convidadas a se manifestar organizações não governamentais de proteção ao meio ambiente.

De uma forma mais abrangente, a revisão do Plano Diretor pode ser dar por meio de uma conferência urbana, que é um evento mais amplo, composto por várias audiências públicas segmentadas por assunto.

Observe que esse processo de participação popular, seja qual for o meio adotado, deverá sempre ser prévio à aprovação, pelo Legislativo, do projeto de lei que se destine a modificar o Plano Diretor.

Se as mudanças forem significativas, será prudente e indicado se prever, na nova lei, um período de transição para permitir aos afetados um melhor planejamento, preservando-se dessa forma os direitos adquiridos e os interesses já existentes no momento da revisão.

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Conclusão

Na transição de uma população predominantemente rural para a sociedade altamente urbanizada que temos hoje, o Plano Diretor foi e continuará sendo um dos mais importantes instrumentos para garantir um crescimento minimamente ordenado dos maiores municípios brasileiros.

O Plano Diretor, como dito, deve seguir as diretrizes impostas pelo Estatuto da Cidade, conforme explicamos detalhadamente em outro artigo.

Isso não quer dizer que ele deva ser um privilégio somente das grandes cidades, sendo recomendado também para aquelas que não são obrigadas a tê-lo, na medida em que, uma vez implementado, coloca à disposição do Poder Público, como visto neste artigo, várias ferramentas interessantes para, ao mesmo tempo, evitar posturas indesejáveis e reforçar o cumprimento da função social da propriedade urbana.

Se você é um gestor público e pretende aprovar um novo Plano Diretor na sua cidade, não perca mais tempo. Tire a ideia do papel e a coloque em discussão com a população.

Caso, por outro lado, você esteja estudando as características do Plano Diretor porque pretende construir no seu terreno, não deixe de procurar uma boa assessoria jurídica para estudar a legislação da sua cidade.

Neste outro conteúdo, examinamos mais a fundo o novo Plano Diretor de Belo Horizonte, mas, como visto, sensíveis variações podem ocorrer de município para município.

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*Imagem de Burst, no Pexels.

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