Na semana anterior explicamos em detalhes o que é um Plano Diretor, explorando os seus conceitos e todos os instrumentos à disposição do Município para garantir um crescimento equilibrado e organizado do ambiente urbano.

Se você atua no ramo imobiliário na grande Belo Horizonte, ou se interessa pelo assunto do desenvolvimento urbano e da construção civil na cidade, provavelmente acompanhou as discussões e o tumultuado processo de aprovação do polêmico novo Plano Diretor da cidade.

Você sabe, no entanto, quais foram as principais alterações trazidas pela lei, que terão importantes desdobramentos para o mercado imobiliário como um todo do município?

Neste artigo explicaremos brevemente como ocorreu o trâmite de aprovação do Plano Diretor de BH e abordaremos as alterações mais importantes trazidas pela lei em relação à anterior, desde a polêmica unificação do coeficiente de aproveitamento básico em praticamente todo o território municipal, à razão de 1 (um), das maiores dificuldades que as construtoras e condomínios terão para fechar varandas e aprovar vagas de garagem a fim de se aumentar a área construída em edifícios e da questão do aumento da taxa de permeabilidade do solo natural.

Processo de aprovação

A Lei Municipal 11.181/2019, sancionada no dia 08/08/2019, aprovou o novo Plano Diretor de BH, inovando a legislação municipal com diretrizes e exigências técnicas que, certamente, afetarão o mercado imobiliário da cidade nos próximos anos de sua vigência.

De maneira geral, o Executivo e o Legislativo do Município fundamentaram a aprovação do novo Plano Diretor na Função Social da Propriedade, prevista no artigo 182 da Constituição da República, bem como nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), elaborados pela Organização das Nações Unidas (ONU) e na Nova Agenda Urbana, consolidada pela Terceira Conferência das Nações Unidas para Habitação e Desenvolvimento Sustentável.

A defesa do Plano Diretor de BH, pela Prefeitura e pela maioria dos vereadores, foi no sentido de que a nova legislação tem o potencial de proporcionar o crescimento urbano sustentável e equilibrado entre as regiões na cidade, consideradas as suas peculiaridades, proporcionando, ainda, melhorias no transporte público e no acesso à moradia por grupos minoritários.

O novo texto foi enfaticamente defendido pelos partidos mais à esquerda e por instituições organizadas, como movimentos ocupacionais e ambientalistas.

A mudança na legislação era necessária, uma vez que o próprio Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) exige a revisão do Plano Diretor, naqueles Municípios que possuem mais de 20.000 (vinte mil) habitantes, a cada 10 (dez) anos, para que a boa política urbana possa ser realizada – a propósito, temos um artigo dedicado ao Estatuto da Cidade.

Ocorre que, apesar do debate a respeito das diretrizes e propostas de alteração ter se iniciado nos anos anteriores à promulgação do novo Plano Diretor, inclusive com a participação de vários setores organizados da sociedade, notadamente os sindicatos de incorporadoras, construtoras e corretoras, o plano efetivamente aprovado trouxe disposições que não passaram por qualquer análise ou discussão anterior dos cidadãos que, de fato, seriam e são afetados pela lei.

Isso porque, a despeito da grande importância da mudança legislativa, não houve ampla divulgação em meios massivos de comunicação, acerca das discussões envolvendo o novo Plano Diretor de BH e dos canais abertos de consulta e participação da população, para opinar sobre o tema.

As audiências públicas no processo de aprovação foram realizadas a toque de caixa e sem real oitiva, por parte do Poder Público, às demandas e sugestões dos setores interessados.

A discussão sobre o novo Plano Diretor se iniciou na 4ª Conferência Municipal, realizada no ano de 2014, ainda na gestão do prefeito Márcio Lacerda, e só se encerrou no ano de 2019 com a promulgação da Lei 11.181/19.

Desde o início, todavia, a reclamação geral de grande parte dos setores afetados diz respeito à falta de diálogo da Prefeitura com os cidadãos, como se vê, por exemplo, em matéria de 2014 do jornal Estado de Minas.

A tensão foi tamanha durante a 4ª Conferência que o CMI-Secovi e o Sinduscon/MG, ambos representantes das construtoras e incorporadoras, decidiram abandonar as discussões.

A verdade é que a maioria da população da cidade, não efetivamente envolvida com movimentos sociais urbanos ou com o mercado imobiliário, não teve sua participação viabilizada nas discussões.

Além disso, como criticaram aqueles que se opuseram à aprovação do Plano, a mudança mais impactante, que foi a redução do coeficiente de aproveitamento nas áreas centrais, com a possibilidade de edificação em área superior àquela original do terreno somente com o pagamento de outorga onerosa, veio desacompanhada de um estudo de viabilidade e impacto econômico.

Afinal, segundo afirmavam, a medida, que explicaremos abaixo, aumentaria os custos de construção de edifícios no município e, também, desvalorizaria lotes vagos e aumentaria o preço dos aluguéis na cidade.

Por outro lado, havia concordância no Legislativo municipal sobre o fato de que a nova legislação apresentava grandes objetivos de longo prazo, como o estímulo ao desenvolvimento de centralidades próximas a corredores de ônibus e vias com boa infraestrutura ao transporte público.

Nesse contexto destaca-se, também, a reformulação do zoneamento da cidade, buscando adequá-lo à concepção de desenvolvimento urbano contemporânea e novo tratamento às ocupações, com a permissão de novas formas de intervenção nelas.

Em suma, as mudanças já implementadas certamente afetarão os particulares, dentre os quais estão os agentes do mercado imobiliário.

Especialmente nos pontos de interesse desse mercado, foram implementadas normas substancialmente relevantes para edificação, uso do solo e da propriedade, algumas das quais serão brevemente detalhadas a seguir.

Principais alterações do novo Plano Diretor de BH

Veja a seguir as principais alterações trazidas pelo Novo Plano Diretor de Belo Horizonte, que terão importantes desdobramentos para o mercado imobiliário como um todo do município

Unificação do coeficiente de aproveitamento básico dos imóveis

O coeficiente de aproveitamento máximo (CAmax) e o coeficiente de aproveitamento mínimo (CAmin) definem o potencial construtivo máximo e o aproveitamento construtivo mínimo dos terrenos no Município, respectivamente, como demonstramos em nosso artigo sobre Plano Diretor.

Em áreas consideradas como de centralidade, o coeficiente de aproveitamento máximo (CAmax) é substituído pelo coeficiente de aproveitamento de centralidade (CAcent), geralmente superior ao primeiro.

O coeficiente de aproveitamento básico, por sua vez, é aquele inerente ao terreno, a ser exercido de forma gratuita.

Pode ser único para todo o território municipal ou variar de acordo com a região, estimulando ou desincentivando, conforme o caso, um maior adensamento de pessoas.  

A definição dos coeficientes mínimo, básico e máximo resulta, na prática, em uma obrigação do proprietário de aproveitar um terreno no município em seu aproveitamento mínimo e, ao mesmo tempo, em um direito de exercer o seu potencial construtivo básico gratuitamente.

No Plano Diretor anterior, alguns bairros da cidade tinham o coeficiente básico de 2,7, com o coeficiente máximo chegando a 3,5.

O atual Plano Diretor de BH, em seu artigo 4º, inciso VII, alínea “a”, determina o coeficiente de aproveitamento básico 1,0 (um inteiro) para todo o município.

Isso significa que, ao contrário das diferenciações regionais estabelecidas pela legislação anterior e ao contrário dos preexistentes elevados coeficientes de aproveitamento básico (na região Centro-Sul, por exemplo, era 2,7), o novo texto autorizou, em toda a cidade, de forma gratuita, apenas a construção líquida, em metros quadrados, do tamanho original do terreno.

Mais adiante no texto (artigo 45 e seguintes) o legislador permitiu a superação do potencial construtivo básico até o limite do potencial construtivo máximo, ou do potencial construtivo de centralidade da região, mediante:

(i) pagamento de Outorga Onerosa do Direito de Construir (ODC);

(ii) Transferência do Direito de Construir (TDC);

(iii) adoção de soluções projetuais de gentileza urbana, previstas no Anexo XII do Plano Diretor;

(iv) benefício decorrente da produção de Habitação de Interesse Social (BPH); ou

(v) utilização de certificados de potencial adicional de construção (Cepacs), quando regulamentados em regime de Operação Urbana Consorciada (OUC).

Ampliação da aplicação da Outorga Onerosa do Direito de Construir (ODC)

Na nova legislação, nos termos do § 1º do artigo  45 do Novo Plano Diretor de BH, o CAmax e o CAcent são definidos como direitos de construção, pertencentes ao Município, sendo essa concepção, justamente, o que autoriza a cobrança de contraprestação ao Poder Público, daqueles que pretendem superar o potencial construtivo básico.

Por isso, ao menos conceitualmente, a Outorga Onerosa do Direito de Construir (ODC) não seria um novo tributo municipal, uma vez que já era prevista na legislação anterior – mas de forma bem delimitada.

E, ao que tudo indica, por ser mais simples e menos específica do que as outras hipóteses de contraprestação ao Município, para superação do potencial de construção básico, a ODC fará parte do cotidiano das construtoras e incorporadoras, a fim de que obtenham autorização para executar seus empreendimentos.

A celebração da ODC entre os particulares e o Poder Público, assim como as demais hipóteses de aquisição do direito de construir para além do potencial construtivo básico, se fará mediante assinatura de Termo de Conduta Urbanística (TCU) pelo responsável pelo projeto a ser licenciado.

No tocante à referida outorga, em conformidade com o artigo 48 do Plano Diretor, ela é o instrumento de política urbana que permite o exercício do direito de construir acima do CAbas, mediante contrapartida do responsável legal pelo projeto licenciado ao Executivo em função do ônus decorrente da carga adicional na estrutura urbana.

Mas como o valor da ODC é calculado? E como deverá ser feito o seu pagamento?

Cálculo da ODC

Para regulamentar mais a fundo tanto a ODC quanto os demais instrumentos do Plano Diretor de BH, na mesma data em que este efetivamente entrou em vigor (05 de fevereiro de 2020), outras duas normas também entraram: a Lei Municipal 11.216/2020 e o Decreto 17.272/2020.

De passagem, é importante explicar que o Decreto é um instrumento originado do Poder Executivo, ou seja, do(a) prefeito(a), enquanto a lei, seja ela ordinária ou complementar, sempre será de competência do Poder Legislativo (no caso, da Câmara Municipal), mesmo que a apresentação do projeto de lei possa ser de iniciativa também do Executivo.

O objeto de um Decreto é bastante limitado, destinando-se ele a regulamentar (basicamente, detalhar) um ou outro ponto de uma Lei, ponto(s) este(s) que a própria lei previu que seria(m) objeto de regulamentação.

Então, no caso de Belo Horizonte, a Lei 11.216/2020 foi editada para regular a aplicação dos instrumentos de política urbana previstos nos Capítulos II, III e IV do Título II da Lei nº 11.181, de 8 de agosto de 2019, que aprova o Plano Diretor do Município de Belo Horizonte, enquanto o Decreto 17.272/2020 veio para regulamenta[r] as Seções II, III, V e VI do Capítulo IV do Título II da Lei nº 11.181, de 8 de agosto de 2019, os Capítulos V e VI da Lei nº 11.216, de 4 de fevereiro de 2020.

No que se refere à ODC, a fórmula para seu cálculo consta do artigo 13 da Lei 11.216/2020, sendo CT= 0,5 x (CAof x AT x V), na qual:

  • CT corresponde ao valor da contrapartida onerosa devida pelo responsável legal pelo projeto licenciado;
  • CAof corresponde ao coeficiente de aproveitamento a ser praticado mediante ônus financeiro, não computado o potencial construtivo adicional decorrente da superação do CAbas adquirido a partir dos meios previstos nos incisos II a V do § 2º do artigo 45 do Plano Diretor;
  • AT corresponde à área do terreno, medida em metros quadrados;
  • V corresponde ao valor do metro quadrado do terreno, obtido de acordo com a Planta de Valores Imobiliários utilizada para o cálculo do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis por Ato Oneroso Inter Vivos – ITBI.

Trocando em miúdos, a contrapartida financeira para a aquisição de ODC corresponderá a metade (em virtude do 0,5 no início da fórmula) do produto da multiplicação da (i) área total do terreno pelo (ii) coeficiente praticado mediante ônus financeiro, ou seja, apenas o coeficiente superior ao básico e que não tenha sido obtido por meio de outro instrumento, como o TDC ou o BPH (explicados em detalhes no nosso artigo anterior) e (iii) pelo valor atribuído no cadastro municipal ao metro quadrado do terreno.

Vale destacar que o responsável por elaborar e atualizar a Planta de Valores Imobiliários para o cálculo do ITBI é o próprio Município, de forma a existir ampla margem de discricionariedade (e muitas vezes injustiça) na cobrança da ODC.

Como não há uma tabela fixa de valores publicada pela Prefeitura, o valor do metro quadrado do terreno, que compõe a fórmula exposta acima, varia constantemente de acordo com as negociações imobiliárias realizadas na mesma região.

Para consultar o valor do metro quadrado do seu imóvel, clique aqui.

Forma de pagamento da ODC

Uma vez calculado o valor da contrapartida, o interessado na aprovação do projeto deve pagar, como condição para obtenção do alvará de construção, um sinal de 10% (dez por cento), conforme previsto no inciso I do artigo 14 da Lei 11.216/2020.

O pagamento do restante do valor (90%) é condicionante para o início das obras e deverá ser feito no ato da comunicação de intenção de início, nos termos do inciso II do mesmo artigo 14.

A partir da emissão do alvará, o interessado tem o prazo de 1 (um) ano para dar início às obras e, portanto, tem igual período para quitar o restante da contrapartida associada à ODC.

Se não iniciar as obras no período e nem requerer o cancelamento do alvará, terá de pagar o valor integral e perderá tudo para o Município se vier a, posteriormente, desistir de executar o projeto.

Caso, ao contrário, ele requeira o cancelamento dentro desse prazo de 1 (um) ano, perderá apenas o sinal pago e não será obrigado a pagar o restante.

Por outro lado, se pretender iniciar as obras antes desse prazo de 1 (um) ano, terá de pagar os 90% restantes da contrapartida. Não o fazendo, ou seja, iniciando as obras sem o pagamento, o débito será inscrito em dívida ativa, atraindo a aplicação de pesadas multas, que podem chegar a até 30% (trinta por cento) do total, sem prejuízo de juros de mora e correção monetária, estes últimos ilimitados, e do possível embargo da obra.

A título de esclarecimento, todas essas conclusões decorrem da leitura dos parágrafos 1º a 7º do mesmo artigo 14 da Lei 11.216/2020.

A ODC poderá, ainda, ser paga total ou parcialmente mediante: i) transferência ao Município de outro imóvel de propriedade daquele que pretende construir acima do CAbas, desde que tal imóvel seja considerado de interesse público pelo ente municipal; ou ii) transferência da faixa de recuo de alinhamento ao Executivo Municipal.

Nesses casos, a referência para o valor da propriedade imobiliária também será a planta de valores do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis por ato oneroso inter vivos). Se quiser saber mais sobre esse importante imposto, veja outro de nossos artigos sobre o tema.

Ainda é relevante mencionar que o artigo 21 da Lei 11.216/2020 previu que, durante o período de transição entre Planos Diretores (3 anos contados da entrada em vigor, de 05/02/2020 a 05/02/2023), o valor da ODC será calculado de maneira idêntica à já prevista para a plena vigência da nova legislação, para regiões que tenham o CAbas de transição igual ou inferior a 1,0 (um inteiro).

Em contrapartida, para as regiões que tenham o CAbas superior a 1,0 (um inteiro), no período de transição, a ODC será calculada a partir do preço da área a ser construída mediante ônus financeiro, com base no valor cheio do metro quadrado do terreno, dividida pelo valor do CAbas de transição da região.

Mudanças no cálculo da área líquida construída

Ao contrário do que ocorria na vigência do Plano Diretor anterior, não são excluídas do cálculo da área líquida construída de cada edificação as varandas e os espaços destinados a estacionamento, estes quando ultrapassarem o mínimo legal exigido (previsto no Anexo XII do atual Plano Diretor de BH).

Essa mudança é de grande relevância e impacta diretamente na atratividade comercial de novos empreendimentos imobiliários, especialmente nos de médio e alto padrão, haja vista ser normal, em tais casos, a oferta de várias vagas de garagem por unidade autônoma.

A ideia por trás da inclusão das vagas de garagem como área construída é, claramente, desincentivar, “na marra”, o uso do transporte particular, tentando transferir para o transporte coletivo a demanda por mobilidade da sociedade.

Isso, todavia, nos parece uma verdadeira utopia em uma cidade que já não consegue atender satisfatoriamente a atual demanda por transporte público, vide as sucessivas e recorrentes reportagens da mídia sobre ônibus lotados, atrasados e em condições precárias de conservação.

Ora, se hoje o sistema de transporte coletivo não consegue atender à demanda da população, como justificar a legitimidade de uma disposição do Plano Diretor que somente sobrecarrega ainda mais o sistema?

A ficção adotada pelo Plano Diretor de BH quanto às vagas de garagem, contida em seu Anexo XII, estabelece como regra geral, para uso residencial, a inclusão de apenas uma vaga para cada 3 (três) unidades habitacionais.

Isso significa que, em um edifício com 30 (trinta) apartamentos, apenas 10 (dez) vagas são exigidas.

É claro que a incorporadora poderá optar por construir mais vagas, mas a área delas, ao contrário da legislação anterior, agora é considerada área construída.

Existe, no já mencionado Anexo XII, a previsão de um “benefício” de conversão da área líquida das unidades autônomas em áreas comuns, vagas e áreas de manobras, na proporção de 0,7m² para cada 1m² de área líquida de unidade autônoma.

Esse “benefício”, todavia, precisa ser repartido por todo o empreendimento, tanto nas áreas comuns e de lazer quanto nas áreas de estacionamento.

Assim, não parece ser, verdadeiramente, um benefício, especialmente se comparado à situação anterior.

Quanto às varandas, a inovação do Plano Diretor visa, sobretudo, à inibição ou à diminuição de práticas outrora comuns de aumento da área líquida construída em empreendimentos já aprovados, por meio do fechamento de varandas, por exemplo, com a criação de novos cômodos e espaços em áreas que, inicialmente, não seriam consideradas como de fato construídas.

Essas mudanças implicaram, também, a edição de norma válida para edificações já existentes.

Trata-se da proibição ao livre aumento da área construída líquida de edificações ou unidades, erguidas ainda na vigência da lei anterior, por meio do fechamento de varandas.

Afinal, conforme disposto no artigo 394 do Plano Diretor de BH, independentemente do atingimento/transpasse do CAmax ou do CAcent, pelo fechamento de varandas de qualquer natureza, serão devidas contraprestações ao Município pelos proprietários dos imóveis já construídos. Veja-se a redação do dispositivo:

Art. 394 – Independentemente da superação do CAmax ou do CAcent ou da disponibilidade de EPCA, fica autorizado o fechamento de varandas aprovadas com base em legislação urbanística anterior a esta lei, condicionado, alternativamente:

I – ao pagamento de contrapartida referente à área da varanda ao Executivo direcionada ao FC;

II – à aquisição de potencial construtivo referente à área da varanda por meio de TDC.

§ 1° – A contrapartida devida pelo fechamento da varanda corresponderá a 50% (cinquenta por cento) do resultado da multiplicação da área da varanda pelo valor do metro quadrado do terreno, obtido de acordo com a Planta de Valores Imobiliários utilizada para o cálculo do ITBI.

§ 2° – A autorização prevista no caput deste artigo é condicionada à permeabilidade visual do fechamento.

Nota-se que, além de um dos dois pagamentos referidos nos incisos I e II do artigo transcrito acima, no valor da metade da área da varanda multiplicada pelo valor do metro quadrado do terreno, há a condicionante de prevalecer permeabilidade visível da parte do imóvel a ser fechada. Isto é, deve ser possível a visualização do interior do cômodo, mesmo com seu fechamento, por meio de grades, janelas, dentre outros.

Obrigação de taxa de permeabilidade mínima em terreno natural

Uma das diretrizes do Plano Diretor de BH é o aumento do índice de permeabilidade do solo no município, tanto em áreas públicas como em áreas particulares, conforme definido nos seus artigos 7º, inciso XIII e 10, inciso II.

Tendo em vista esse objetivo, diferentemente da legislação anterior, o Plano atual prevê que a taxa de permeabilidade (TP) mínima de cada empreendimento somente seja alcançada a partir da manutenção de percentual do terreno em solo natural.

Conforme previsto no artigo 161, § 1º, do Plano Diretor, a TP corresponde à porcentagem mínima da área do terreno a ser mantida descoberta, em terreno natural e dotada de vegetação e arborização.

Se tratando de condomínios, a parcela do solo destinada ao cumprimento da TP deverá estar nas áreas comuns, de modo que não são consideradas eventuais áreas descobertas em unidades individuais.

Ademais, fica expressamente proibida, nos termos do § 5º do mesmo artigo, a utilização de qualquer tipo de pavimentação, ainda que drenante, para fins de atingimento da TP mínima prevista para a região em que o terreno se localiza.

As TPs mínimas de cada região do município estão determinadas nos Anexo II (Mapa de Estrutura Ambiental) e XII (Parâmetros Urbanísticos) do Plano Diretor de BH.

Destaca-se que o Plano Diretor mantém a obrigatoriedade de caixa de captação nas edificações, que deverá, ainda, estar associada à dita manutenção de parcela do terreno ao natural, com cobertura vegetal, para cumprimento da TP, em conformidade com o disposto no já mencionado artigo 161.

Por fim, a esse respeito, há a disposição de benefício urbanístico de 1m² (um metro quadrado) de área líquida edificada a ser outorgada gratuitamente ao proprietário do empreendimento, para cada 1m² (um metro quadrado) de área permeável no afastamento frontal do terreno, desde que 50% (cinquenta por cento) da área permeável obrigatória esteja nesse afastamento frontal, para terrenos com testada inferior ou igual a 15m (quinze metros), ou desde que pelo menos 80% (oitenta por cento) da área permeável obrigatória esteja no afastamento frontal, para terrenos com testada  maior que 15m (quinze metros).

Ampliação e regulamentação do IPTU progressivo no tempo

O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) autoriza os Municípios a instituírem o IPTU progressivo no tempo, bem como, sucessivamente, a desapropriação mediante pagamento de títulos da dívida pública, como instrumentos de garantia do exercício da Função Social da Propriedade. Veja o nosso artigo sobre o Estatuto da Cidade.

Em Belo Horizonte, tais institutos já tinham sido incluídos na legislação após alteração no Plano Diretor anterior, promovida em 2010, mas ainda careciam de maior regulamentação e apresentavam-se de forma menos completa do que atualmente.

No Plano Diretor de BH vigente, os institutos citados estão previstos nos artigos 40 e seguintes e estão regulamentados também pela Lei 11.216/2020.

Nota-se que, como alternativa ao desempenho da Função Social da Propriedade, o IPTU progressivo e a desapropriação só serão exercidos pelo Município após frustrada a edificação, o parcelamento ou o uso compulsório do imóvel subutilizado ou não utilizado por completo.

Obviamente, a obrigatoriedade de edificação, parcelamento ou uso do solo é aplicável em conformidade com a destinação de cada terreno, prevista no Plano Diretor, de acordo com os objetivos e instrumentalidades das regiões em que estão inseridos.

Sendo assim, são excluídos do âmbito de incidência do dispositivo, por exemplo, imóveis que se localizem em regiões nas quais não há CAmin definido, imóveis que possuam impedimentos ambientais de ocupação e imóveis que apresentem impossibilidade técnica de implantação de saneamento básico, rede elétrica ou sistema de circulação.

Nos termos do artigo 41 do Plano Diretor de BH, imóveis subutilizados são aqueles: (i) cuja área total construída seja inferior à multiplicação da área do terreno pelo CAmin;ou (ii) que, estando inseridos em área de ocupação preferencial de nível 3 (OP-3), sejam utilizados como estacionamento e não estejam associados a outra atividade exercida em área maior ou igual àquela do estacionamento, ou não sejam edifício-garagem com aproveitamento construtivo igual ao potencial básico.

O § 1º do artigo mencionado excetua do conceito de subutilizados os imóveis em que conste edificação de área construída líquida inferior ao CAmin, desde que destinados a atividade comercial lá comprovadamente exercida, observada, ainda, vedação à atividade de estacionamento dentro da ocupação preferencial de nível 3.

Por outro lado, o imóvel não utilizado por completo é, nos termos do artigo 42 do Plano:

(i) a gleba não parcelada e o lote não edificado;

(ii) o imóvel abandonado;

(iii) o imóvel edificado, mas sem uso comprovado há mais de 5 (cinco) anos; ou

(iv) o imóvel inserido em edificação caracterizada como obra paralisada, entendida como aquela inacabada, que não apresente alvará de construção em vigor e não possua certidão integral de baixa de construção.

Procedimento para a cobrança do IPTU progressivo no tempo

Uma vez identificado imóvel subutilizado ou não utilizado, pelo Executivo Municipal, seu proprietário será notificado para utilização, edificação ou parcelamento do bem de forma compulsória. A notificação deverá ser averbada no registro imobiliário do bem.

Tanto no procedimento de declaração de inutilização do bem, como após a notificação da Prefeitura, para aproveitamento do bem, em vista da sua subutilização ou da sua inutilização, serão garantidos ao proprietário o contraditório e a ampla defesa, lhe sendo dada a chance de apresentar recurso administrativo e afins.

Não sendo cumpridas as exigências feitas na notificação do Executivo Municipal, no prazo legal, passará a incidir o IPTU progressivo no tempo, em que a alíquota do ano seguinte será igual ao dobro daquela do ano anterior e assim sucessivamente, por 5 (cinco) anos, respeitado o limite máximo da alíquota de 15% (quinze por cento).

Os prazos para regularização do imóvel deverão constar na notificação municipal, mas também estão expressamente previstos no artigo 4º da Lei 11.261/2020, abaixo citado:

Art. 4º – A partir do recebimento ou da publicação da notificação para parcelar, edificar ou utilizar o imóvel, ou da decisão de indeferimento do recurso, se for o caso, o proprietário observará os seguintes prazos e condições:

I – dois anos, contados do recebimento ou da publicação da notificação para parcelar, para aprovação do projeto de parcelamento do solo;

II – um ano, contado do recebimento ou da publicação da notificação para edificar, para aprovação do projeto de edificação; 

III – dois anos, contados da emissão do alvará de urbanização ou de construção, para início das obras do empreendimento;

IV – quatro anos, contados da emissão do alvará de urbanização ou de construção, para a conclusão das obras, de acordo com cronograma aprovado pelo órgão municipal responsável pelo planejamento urbano, seguida da obtenção da certidão de origem ou da certidão de baixa de construção;

V – seis meses, contados do recebimento ou da publicação da notificação para utilização do imóvel ou da emissão da certidão de baixa de construção para efetivar a utilização da edificação, cabendo ao proprietário a comprovação perante o órgão municipal responsável pelo planejamento urbano. 

Destaca-se que, pela redação da Lei 11.216/2020, não é mera liberalidade do Município a cobrança do IPTU progressivo no tempo, mas um ato obrigatório da Administração Municipal, uma vez não cumpridas as exigências e prazos do artigo 4º para aproveitamento do imóvel pelo proprietário.

Nesse cenário, o Município possui a obrigação de tributar o contribuinte, já no exercício seguinte, na alíquota progressiva do IPTU, caso não cumpridas as determinações.

Após o decurso do prazo de 5 (cinco) anos de cobrança do IPTU progressivo, poderá ocorrer: (i) a desapropriação do imóvel, após decreto de utilidade pública, mediante pagamento de títulos da dívida pública ao proprietário; (ii) a manutenção da cobrança do IPTU pela alíquota máxima, até que as obrigações sejam de fato cumpridas pelo proprietário do imóvel; ou (iii) a criação de consórcio imobiliário entre o Município e o proprietário do imóvel, como forma de viabilizar o cumprimento da Função Social da Propriedade.

Aqui, diferentemente do que ocorre para início da incidência do IPTU progressivo, existe a liberalidade da Administração Municipal acerca de qual opção adotar a fim de que o bem imóvel cumpra seu objetivo diante das diretrizes urbanísticas da cidade.

No tratamento desses instrumentos destinados a fazer valer a Função Social da Propriedade, parece-nos que o Plano Diretor de BH andou muito bem, fundando as bases para que imóveis abandonados e “esqueletos” deixados na cidade por incorporadoras falidas possam ser, finalmente, regularizados.

Não deixe de conferir o nosso artigo sobre Patrimônio de Afetação, no qual trouxemos o emblemático caso da empresa goiana Encol e as dezenas de construções inacabadas decorrentes de sua falência, muitas ainda hoje não concluídas, depois de passados mais de 20 anos.

Altura máxima na divisa para edificações, afastamentos laterais e de fundos

Por fim, uma última alteração na legislação municipal que impactará a atividade imobiliária na cidade é a mudança dos padrões urbanísticos referentes aos afastamentos laterais, de fundos e às alturas máximas das divisas.

Isso ocorreu, basicamente, em decorrência da mudança no zoneamento municipal, com a alteração das diretrizes que guiarão o desenvolvimento de cada região, de maneira que se torna interessante a transcrição dos quadros constantes no Anexo XII do Plano Diretor de BH, referentes a essas divisas e limites construtivos:

4. AFASTAMENTOS LATERAIS E DE FUNDOS

Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

5. ALTURA MÁXIMA NA DIVISA – AMD

Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

Para regiões em que os padrões sejam inexistentes, prevalecem as regras gerais de limitação das edificações, previstas no Código Civil e, também, aquela de afastamento lateral e de fundos de 1,5 m (um metro e meio), prevista no Código de Edificações do Município (Lei 9.725/2009) (ou Código de Obras, conforme explicamos em artigo próprio), o qual, nesse ponto, não foi modificado pela nova legislação.

Não houve, igualmente, alteração do Código de Edificações no tocante às normas de iluminação e ventilação, de modo que, nas referências das tabelas acima aos diâmetros constantes na citada norma, deve-se ler aqueles constantes nos seus artigos 61 e seguintes, com a mesma redação desde 2009.

Plano Diretor de BH - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria
Belo Horizonte: 1989 / 2015

Prazo de transição

O Plano Diretor de BH já está vigente, tendo entrado em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial do Município, em 09/08/2019, para algumas disposições e, para a maior parte da lei, 180 dias após a sua publicação, isto é, em fevereiro de 2020.

Porém, a lei definiu prazo de transição para a completa implementação da sua principal mudança, que é, como visto, o coeficiente de aproveitamento básico padrão igual a 1,0 (um inteiro).

Essa alteração respeitará, nos termos do artigo 356 do Plano, o período de transição de 3 (três) anos, a partir do início da vigência da lei. Nesse período serão aplicados os coeficientes diversificados, estabelecidos no Anexo XVII do Plano Diretor.

Os coeficientes de transição, basicamente, são valores intermediários entre aqueles previstos na legislação anterior e a razão de 1,0 da nova lei, para áreas em que o coeficiente era mais elevado.

Por exemplo, o coeficiente de aproveitamento básico da região Centro-Sul, que antes era de 2,7, o mais elevado da cidade, será de 1,8, no período de transição.

Naturalmente, os projetos protocolados para aprovação antes da entrada em vigor do atual Plano Diretor serão avaliados de acordo com a legislação anterior, constituindo direito adquirido do interessado.

Impacto para o mercado da construção civil

Inicialmente, destaca-se que as construtoras deverão adaptar seus projetos às novas exigências construtivas impostas pelo Plano Diretor de BH.

Por exemplo, os novos parâmetros trazidos com a redução do número de vagas para veículos leves exigidas, aliados à não exclusão dos espaços destinados a estacionamento da área líquida construída dos imóveis, tende a levar o mercado imobiliário a alterar o perfil de suas construções na capital mineira, com a redução do número de vagas de garagem por unidade habitacional.

Empreendimentos com 4 ou 5 vagas de garagem se tornarão algo raro e, quando forem viabilizados, certamente será com prejuízo ou da área privativa dos apartamentos ou do número total de unidades autônomas, encarecendo, em qualquer cenário, o valor médio do m² e, num ciclo vicioso, também a taxa de condomínio (afinal, uma mesma despesa dividida por um menor número de apartamentos resultará num encargo individual maior).

O padrão construtivo das casas e edifícios que venham a ser construídos sob a vigência do Plano Diretor atual também pode ser alterado a partir da exigência de uma maior área permeável do solo, ao natural, com cobertura vegetal, implicando na necessidade de se manter mais áreas verdes, como jardins e gramados, nos empreendimentos.

Também deve-se destacar os importantes impactos econômicos que o Plano Diretor tem a potencialidade de trazer ao mercado imobiliário da cidade.

Afinal, como visto, as edificações se tornarão mais caras do que o eram anteriormente à vigência da lei, principalmente nas áreas mais centrais da cidade, nas quais o coeficiente de aproveitamento básico era superior a 1,0.

Isso, certamente, terá implicações nos preços dos imóveis, tornando mais caras unidades habitacionais em grandes empreendimentos, nos quais incidirá a outorga onerosa.

Também podem ficar mais caros os aluguéis, que tendem a ser proporcionais ao preço de aquisição dos imóveis.

Por fim, nota-se que há, de fato, uma tendência de desvalorização dos terrenos vagos na capital, porque, além de as construções ficarem, no geral, mais caras, impondo uma pressão de redução dos custos com aquisição de lotes, pelos construtores, os terrenos vazios poderão ser mais onerosos àqueles que os detenham, por causa do IPTU progressivo da forma determinada no Plano Diretor.

Incorporação Imobiliária - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

Conclusão

É certo que as alterações na legislação urbanística do Município imporão ao mercado imobiliário necessidades adaptativas e, até mesmo, certas dificuldades.

Entretanto, o atual Plano Diretor de BH e as demais inovações legislativas dele advindas nada mais são do que adequações da política urbanística municipal a algumas tendências que aos poucos vinham se fazendo presentes nos contextos urbanos não só da capital mineira, como de outras grandes cidades ao redor do mundo.

Ainda que existam alguns erros avaliativos crassos do legislador, como, por exemplo, a pressão para que a população passe a usar mais o transporte público que já é, hoje, saturado, muitas partes do Plano Diretor de BH são dignas de elogio.

O setor imobiliário precisará mudar algumas estratégias para que sua atividade permaneça lucrativa e continue a gerar riquezas na cidade.

Serão exigidos novos planejamentos, obtenção de informações e realização de estudos e consultas contábeis econômicas e jurídicas, pelas construtoras e incorporadoras, individualmente, para que tirem proveito da nova legislação e consigam exercer com eficiência suas atividades, mediante a correta administração dos riscos e a entrega de bons e adequados produtos ao mercado.

Só o tempo será capaz de julgar.

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*Imagens de Divulgação PBH, Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte e Arquivo Público Mineiro.

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