O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) é uma análise prévia sobre as implicações da implementação de um empreendimento, intervenção urbanística ou funcionamento de uma atividade que possa causar uma sobrecarga na estrutura urbana de determinada localidade.

 

 

Já escrevemos no blog sobre as peculiaridades de um Plano Diretor e, especificamente, sobre o Novo Plano Diretor de Belo Horizonte, objeto de muitas polêmicas ao longo de seu processo de aprovação.

Além disso, publicamos também conteúdo sobre a Lei Federal 10.257/2001, que instituiu o Estatuto da Cidade e que regula diversos aspectos da organização urbana dos municípios brasileiros.

Desta vez, ainda no campo do Direito Urbanístico, falaremos sobre o Estudo de Impacto de Vizinhança, mais conhecido pela sigla EIV (ou RIV, a depender da legislação municipal).

Se você já teve ou tem alguma dúvida sobre o EIV, siga conosco neste texto! Esta é a sua oportunidade de entender melhor como funciona esse importante instrumento de política urbanística.

 

O que é o EIV e para que serve?

 

O EIV nada mais é do que uma análise prévia sobre as implicações, positivas e negativas, da implementação de um empreendimento, intervenção urbanística ou funcionamento de uma atividade que cause uma sobrecarga expressiva na estrutura urbana de determinada localidade (vizinhança).

Desse conceito já é possível extrair uma conclusão: o EIV não se aplica a todo e qualquer empreendimento, sendo aplicável àqueles de maior representatividade, aptos a afetar substancialmente a dinâmica espacial, logística e até mesmo cultural na vida da população instalada em suas imediações.

Logo, o EIV está intimamente ligado ao Plano Diretor do Município. Afinal, por ser um dos instrumentos disponíveis para o controle e gestão do crescimento de zonas urbanas, ele favorece que os objetivos do Plano Diretor sejam alcançados.

Embora seja até possível, apesar de incomum, a existência do EIV mesmo nos casos de ausência de um Plano Diretor, pode-se afirmar que a função principal dessa figura é a garantia do cumprimento de políticas urbanas locais, sendo certo que suas hipóteses de aplicação e exigências dependem do tipo de gestão e da filosofia dos representantes do Poder Público local.

Sob a ótica do empreendedor, o EIV é indispensável para a obtenção das licenças e autorizações imprescindíveis para a construção, ampliação ou funcionamento de um empreendimento.

Confira o teor do artigo 36 do Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/01):

 

Art. 36. Lei municipal definirá os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público municipal.

 

Grosso modo, é como se o EIV fosse um “irmão” do Estudo de Impacto Ambiental (EIA), pois ambos são instrumentos de natureza eminentemente técnica, que visam, sobretudo, à obtenção de conhecimento prévio acerca dos impactos de um empreendimento no ambiente em que ele pretende se inserir.

Embora sejam de algum modo similares, existindo, inclusive, quem defenda a dispensa do EIA quando já elaborado o EIV, sobretudo quanto à análise de afetação da fauna, flora e exploração dos recursos naturais, não se nega que tais instrumentos contemplam finalidades e exigências distintas.  

Como os próprios nomes indicam, enquanto o EIV se atém aos efeitos do empreendimento em relação à urbanidade (tráfego de veículos, adensamento populacional, poluição etc.), o EIA tem como cerne a identificação das alterações e o levantamento das consequências no meio ambiente para fins de viabilidade de empreendimentos que não necessariamente serão desenvolvidos em local urbanizado.

Nessa lógica, mesmo sendo advindo do Estatuto da Cidade, que é norma federal, o EIV é um instrumento de aplicação local e, por isso, sempre caberá ao Município definir quais serão os parâmetros e os empreendimentos ou atividades que dependerão de sua elaboração.

 

Diretrizes básicas do EIV

 

Feita a ressalva quanto à competência municipal para regular o EIV, o Estatuto da Cidade contém algumas disposições básicas que precisam, obrigatoriamente, ser seguidas na elaboração do documento.

De modo geral, o EIV precisa conter todos os pontos positivos e negativos do empreendimento ou atividade que se deseje realizar. Para isso, é necessário que o EIV possua, no mínimo, os elementos listados no artigo 37 do Estatuto da Cidade:

 

Art. 37. O EIV será executado de forma a contemplar os efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade quanto à qualidade de vida da população residente na área e suas proximidades, incluindo a análise, no mínimo, das seguintes questões:

I – adensamento populacional;

II – equipamentos urbanos e comunitários;

III – uso e ocupação do solo;

IV – valorização imobiliária;

V – geração de tráfego e demanda por transporte público;

VI – ventilação e iluminação;

VII – paisagem urbana e patrimônio natural e cultural.

Parágrafo único. Dar-se-á publicidade aos documentos integrantes do EIV, que ficarão disponíveis para consulta, no órgão competente do Poder Público municipal, por qualquer interessado.

 

Nos Municípios mais desenvolvidos, além dos itens básicos listados no artigo 37 do Estatuto da Cidade, é frequente a presença de outras exigências. Em São Paulo, por exemplo, o EIV precisa abordar questões de impacto como:

 

1) geração de ruídos e vibrações;

2) modificação da economia local;

3) alteração do zoneamento do Plano Diretor; e

4) alteração do uso de imóveis comerciais e/ou residenciais.

 

Já em Belo Horizonte, um dos requisitos do EIV, presente no Plano Diretor da cidade, é a abordagem das condições de acessibilidade pelos modos de locomoção não motorizados, o que indica uma clara preocupação do Poder Público local com as pessoas que possuam alguma dificuldade de locomoção.  

Como se vê, a par do que é essencial em qualquer EIV, as definições dele estarão condicionadas às pretensões e preocupações do Poder Público de cada Município relativamente ao desenvolvimento e crescimento de sua zona urbana.

Mas não só isso.

Note que o EIV também é um meio de informações para estabelecer o Poder Público como um mediador de conflitos em situações de disputa entre interesse privados e interesses coletivos.

Isso mesmo! O EIV tem o papel de informar previamente a gestão municipal, de forma qualitativa e quantitativa, quais são as repercussões da implantação de determinado empreendimento, para que ele seja avaliado sob uma ótica de harmonia entre interesses públicos e interesses dos particulares.

Evidentemente, um empreendimento pode atingir diretamente a dinâmica cotidiana da população situada em determinada localidade urbana, a curto, médio ou longo prazo. Por essa razão, o parágrafo único do citado artigo 37 do Estatuto da Cidade exige que todos os documentos que compõem o EIV sejam públicos, passíveis de serem acessados por qualquer interessado, sem prejuízo da realização de audiências públicas, se for o caso.

Eis uma dimensão bastante interessante dessa ferramenta: a antecipação de potenciais divergências entre o público e o privado, a permitir, naturalmente, a antecipação de soluções para conciliar os interesses em conflito.

 

Principais questões do EIV

 

Como seria de se esperar, os requisitos mínimos do EIV estabelecidos no Estatuto da Cidade são os que mais aparecem nas abordagens sobre o instituto.

Trataremos de forma sucinta de alguns aspectos políticos e socioeconômicos que levaram o legislador a introduzir essas questões no texto legal.

 

Adensamento Populacional e Equipamentos Urbanos e Comunitários

 

O adensamento populacional nada mais é do que o aumento da população local provocada pela implantação ou ampliação de um empreendimento ou atividade.

Tenha em mente que movimentos populacionais tendem a ocorrer ao longo do tempo, e não de maneira imediata, o que impõe que a análise contida no EIV seja feita em atenção à uma projeção do adensamento a médio e longo prazo, até a estabilização.

A ideia é subsidiar outros estudos relacionados à infraestrutura e aos serviços necessários ao atendimento da população que será acrescida na localidade após o empreendimento ou atividade, tais como o transporte público, serviços de lazer, educação, saúde etc. – os chamados equipamentos urbanos e comunitários.

Portanto, o EIV deve elencar a infraestrutura, os serviços e os equipamentos urbanos e comunitários já existentes, assim como a capacidade de atendimento deles, para, posteriormente, relacionar essa capacidade à projeção da população futura e, se necessário, propor a ampliação ou a criação de outros itens para atender à nova demanda decorrente da implantação do empreendimento ou atividade.

 

Uso e Ocupação do Solo e Valorização Imobiliária

 

Há casos em que as intervenções urbanísticas geram profundas alterações na dinâmica local, sobretudo em relação à sua configuração espacial e à concentração ou dispersão de atividades comerciais. Um efeito direto disso é a variação nos preços dos imóveis.

A instalação de um novo condomínio residencial em áreas periurbanas, por exemplo, gera uma pressão pela expansão dos limites da área urbanizável, o que pode, inclusive, induzir a perda das características de uma zona rural (que, após a implementação do empreendimento, pode passar a ser mais uma zona urbana ou uma zona de expansão urbana).

Esse tipo de mudança, além de alterar a configuração do local, pode gerar um incremento considerável no valor da terra, com efeitos positivos ou negativos.

Para novos empreendimentos em áreas degradadas, a expectativa é de que ocorra uma valorização imobiliária que desperte interesse no desenvolvimento da região, com a criação de mais comércios, empregos etc.

Em contrapartida, é possível que essa mesma valorização atraia efeitos perversos, como a expulsão indireta de moradores de renda mais baixa em decorrência do aumento dos aluguéis, das taxas e dos preços das mercadorias colocadas à disposição do consumidor final.

É preciso, nessas situações, apontar soluções que impeçam ou mitiguem a ocorrência de tais efeitos.

 

Geração de Tráfego e Demanda por Transporte Público

 

Um aspecto básico de qualquer nova atividade ou empreendimento expressivos é o incremento do número de veículos nas imediações, com desdobramentos na malha urbana.

Nesse sentido, o EIV deve identificar se a atividade ou empreendimento gera uma sobrecarga no tráfego a ponto de demandar transformações no sistema viário e ampliação do transporte público, até porque isso é vital para que o trânsito gerado não prejudique a mobilidade na vizinhança.

É fácil perceber, intuitivamente, que empreendimentos de grande porte, como shopping centers, universidades e arenas esportivas e de eventos, concentram um número expressivo de atividades e pessoas nas suas imediações. Essa aglomeração tende a resultar na diminuição da qualidade e fluidez do trânsito, bem como no aumento da quantidade de viagens na área de influência direta e indireta do empreendimento. Você certamente já vivenciou isso em sua cidade, concorda?

Assim, para além do empreendimento propriamente dito, o EIV deve abordar as soluções, intervenções estruturas que deverão ser realizadas nas chamadas vias de transição.

 

Ventilação e Iluminação

 

O EIV deve também analisar aspectos de conforto ambiental relacionados à circulação de ar, iluminação natural, poluição sonora e aumento de temperatura.

Fatores relacionados às condições climáticas e regionais específicas que influenciam, sobretudo, o microclima urbano, como a impermeabilização do solo, a supressão da vegetação e variações de umidade, também devem ser analisados.

Casos conhecidos como o da cidade de Balneário Camboriú representam bem essa exigência: lá, a altura dos prédios residenciais e hotéis instalados ao redor da orla afetaram diretamente a iluminação da cidade e a circulação de ar, algo bastante sensível para a população local. A Prefeitura da cidade precisou realizar uma obra de alargamento da faixa de areia na praia central para tentar mitigar tais problemas.

Paisagem Urbana e Patrimônio Natural e Cultural

A compatibilidade e a boa relação do empreendimento ou atividade com a cidade em termos de inserção na paisagem urbana também são dimensões cuja análise deve estar contida no EIV.

Em Municípios com expressivo patrimônio histórico e cultural, o EIV pode funcionar para consolidar parâmetros a serem incorporados em normas de conservação e para avaliar a implantação de empreendimentos que afetem imóveis tombados, por exemplo.

 

Regulamentação do EIV

 

Ao determinar que o EIV deve estar previsto em legislação municipal, o Estatuto da Cidade não especifica a natureza da lei que deva regulamentar o instituto.

Por isso, há EIVs previstos em leis específicas, em leis orgânicas de Municípios ou até mesmo de maneira esparsa em diversos textos legislativos municipais.

Contudo, o Conselho Nacional das Cidades, por meio da Resolução nº 34/2005, recomenda que os critérios para aplicação do EIV estejam contidos no Plano Diretor, logicamente pela íntima relação da figura com essa lei.

Idealmente, a normatização legislativa do EIV deveria conter, exemplificativamente:

 

1) os tipos de empreendimentos ou atividades para os quais é exigível;

2) a natureza dos impactos que serão analisados,

3) os critérios para definição de medidas compensatórias;

4) os critérios para definição da área de influência do empreendimento; e

5) as competências do Poder Público e dos empreendedores do processo do EIV.

 

Por razões óbvias, a regulamentação do EIV não pode prescindir da definição clara dos procedimentos e fluxos para aprovação, mesmo que eles possam variar de um Município para o outro.

Sem isso, eventuais assimetrias de informação podem custar caro à população local e às municipalidades no futuro.

 

Aprovação do EIV e a função social da propriedade

 

Para ser aprovado, o EIV não depende apenas do preenchimento de requisitos objetivos, como ocorre na maioria dos procedimentos administrativos. Isso acontece porque o EIV guarda uma profunda relação com a promoção da função social da propriedade no contexto urbano.

Dessa maneira, ainda que um projeto esteja em conformidade com as regras urbanísticas e atenda a todas as exigências impostas pela legislação, ele pode ter sua aprovação ou licenciamento condicionado, ou até mesmo negado, por representar distúrbios para o interesse público sob a ótica da função social da propriedade.

Nesse aspecto, o EIV rompe com o paradigma de que o licenciamento é apenas um mero ato administrativo “puro”, eis que, a partir dele, o licenciamento torna-se ato público discutido com a sociedade e aprovado de acordo com o interesse da coletividade.

Dependendo do porte da atividade ou empreendimento a ser implementado, a participação dos cidadãos pode se estender aos moradores do bairro ou aos moradores da cidade com um todo, inclusive os temporários, como pode ocorrer com trabalhadores e frequentadores de escolas, hospitais e entidade assistenciais.

Como tudo na vida, um empreendimento ou atividade terá vantagens e desvantagens. É a partir da análise conjuntural do projeto e das informações constantes no EIV que saberemos se as modificações derivadas daquele empreendimento ou atividade gerarão um saldo positivo ou negativo para a coletividade sob o prisma da função social da propriedade.  

 

Incorporação Imobiliária - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

 

 

Conclusão

 

As exigências relativas a um Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) serão um misto daquilo que está estabelecido na legislação federal (Estatuto da Cidade) e das opções de política social e urbana dos Municípios.

Pela complexidade dos temas que podem ser objeto de controvérsia nesse cenário e pelo delicado balanço entre interesses públicos e privados, é essencial contar com profissionais especializados para lidar com esse tipo de ferramenta, principalmente se considerarmos a variedade de legislações municipais Brasil afora.

Por tudo o que se viu, não é exagero pensar o EIV como um “divisor de águas” entre a aprovação ou não de um empreendimento ou atividade, sendo a qualidade do EIV o que determinará o maior ou menor poder de persuasão dos idealizadores de um determinado projeto em relação aos interlocutores do Poder Público.

Dizendo de outro modo, a adequação, a consistência e a boa apresentação de um EIV afetarão diretamente os rumos de um empreendimento ou atividade, mesmo que estes ainda dependam de outros procedimentos para “sair do papel”.

Esperamos que este conteúdo tenha sido útil e agradável para você que chegou até aqui. Não deixe de conferir, também, nosso material sobre Plano Diretor e sobre o Estatuto da Cidade.

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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.

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