Já ouviu falar em Patrimônio de Afetação? Se você quer se prevenir e aumentar a segurança de seus empreendimentos imobiliários, você deveria!

Historicamente, adquirir um imóvel, seja para moradia própria, seja para investimento, é uma decisão segura e rentável. Afinal, um bem imóvel não pode ser furtado, tem uma vida útil longa e não sofre, em condições normais de mercado, variações bruscas de preço.

A aquisição de um imóvel “na planta”, todavia, demanda bastante cautela, pois há uma série de variáveis que podem afetar a construção, sejam elas econômicas, técnicas ou até jurídicas.

Infelizmente, com ou sem culpa da incorporadora, não é incomum o descumprimento do prazo avençado em contrato para a entrega do imóvel e, nos momentos de maior vigor econômico do mercado imobiliário, é normal faltar mão de obra qualificada e materiais no mercado.

Também nesses momentos de boom econômico, a proliferação de “incorporadores” de pequeno porte, pessoas físicas ou jurídicas – estas administradas, muitas vezes, por pessoas sem qualquer qualificação técnica e conhecimento do mercado –, torna ainda mais importante uma análise profunda e detalhada do empreendimento, visando a diminuir o risco para o comprador.

Quem nunca escutou falar do “tio do conhecido de um amigo”, que tinha um pequeno lote e, no impulso do mercado aquecido, decidiu “incorporar” um prédio no local?

Neste artigo estudaremos um importantíssimo instituto jurídico criado no ano de 2004 para proteger os adquirentes de imóveis “na planta”, o patrimônio de afetação.

Depois de trazer o seu conceito, mostraremos o contexto histórico que motivou a sua criação, como é simples constituí-lo, quais são os seus principais efeitos e regras e o que acontece quando o incorporador, uma vez averbado o patrimônio de afetação na matrícula do terreno, deixa de cumprir com as suas obrigações.

Vejamos, então, o conceito desse importante instituto.

O que é patrimônio de afetação?

Patrimônio pode ser definido como o conjunto de bens, direitos e obrigações pertencentes a determinada pessoa. Basicamente, é tudo que aquela pessoa, física ou jurídica, possui ou deve.

Já a afetação, na significação jurídica, pode ser compreendida como a separação de determinado bem que compõe o patrimônio total de uma pessoa, de modo a criar, ficticiamente, um patrimônio apartado.

De maneira descomplicada, podemos definir o patrimônio de afetação como a “separação de um bem do patrimônio do incorporador, criando um novo patrimônio apartado destinado exclusivamente ao empreendimento”.

Logo, afetar um lote ou terreno significa, em última análise, proteger esse bem contra qualquer obrigação do incorporador que não tenha relação direta com o empreendimento que será construído no imóvel.

É importante observar que, embora na maioria das vezes o único bem existente no momento da averbação do patrimônio de afetação em cartório seja o próprio lote em que será construído o prédio, a proteção jurídica conferida ao patrimônio de afetação compreende:

  • a obra em si;
  • as frações ideais do terreno, uma vez registrada a incorporação; e
  • todas as receitas auferidas pela incorporadora com a venda das unidades autônomas do empreendimento, até se alcançar o montante necessário à conclusão integral das obras.

O objetivo principal do patrimônio de afetação é, portanto, constituir uma garantia, não revogável ou manipulável pela incorporadora, de que as unidades autônomas daquele determinado empreendimento serão, de um jeito ou de outro, concluídas e entregues aos seus respectivos compradores.

De fato, uma vez averbado o patrimônio de afetação, ainda que a incorporadora venha a declarar falência durante as obras, os adquirentes terão resguardado o seu direito de receber seus apartamentos, pois os bens relacionados ao empreendimento não poderão ser desviados pela incorporadora para outras finalidades e nem poderão ser penhorados pelos credores daquela (salvo se a dívida for relacionada ao próprio empreendimento).

Da ótica da incorporadora, o patrimônio de afetação é igualmente interessante, pois, além do seu óbvio apelo comercial – afinal, se um comprador tiver que escolher entre comprar um imóvel em um empreendimento com patrimônio de afetação averbado ou outro em um empreendimento sem essa averbação, certamente optará pela primeira alternativa –, traz um enorme benefício fiscal, como se verá mais adiante.

Antes, porém, vamos analisar o curioso contexto que motivou a criação, por Lei, do patrimônio de afetação.

Contexto Histórico

A Lei que ainda hoje regula as incorporações imobiliárias foi criada em 1964, quando o mercado imobiliário brasileiro e a própria sociedade eram bem menos complexos do que atualmente.

Todavia, mesmo já naquele momento, o legislador parece ter se preocupado com a prática de fraudes imobiliárias, quando um anunciado “futuro” imóvel era vendido, mas nunca construído.

Daí se passou a exigir, antes que fosse possível realizar qualquer venda de imóvel na planta, o registro formal da incorporação em cartório (exigência que perdura até hoje – para saber mais, clique aqui).

Desde 1964, portanto, vender imóvel na planta sem o prévio registro da incorporação é contravenção penal contra a economia popular, punível com multa entre 5 (cinco) e 20 (vinte) vezes o salário-mínimo nacional.

Apesar do esforço legislativo, o prévio registro da incorporação não acabou com a prática de golpes contra os adquirentes, na medida em que a incorporadora continuava a ter livre e irrestrita gestão de todos os recursos do empreendimento.

Não era incomum que as empresas, especialmente nos booms imobiliários, trabalhassem altamente alavancadas, realizando incontáveis empreendimentos de forma simultânea e utilizando, sem nenhum critério ou separação, as receitas auferidas com as vendas de unidades de determinado empreendimento para o pagamento de obrigações de outro(s) empreendimento(s) e até mesmo de obrigações próprias.

Esse modelo de administração, apelidado pela imprensa da época de “bicicleta” (já que a empresa nunca poderia parar se quisesse se manter de pé), quase sempre resultava em falência e lesão a milhares de compradores.

Bastava um desaquecimento do mercado para que as incorporadoras alavancadas deixassem de conseguir novas receitas, que seriam endereçadas à finalização de obras anteriores.

Com o inadimplemento e a paralisação de diversas obras, o pânico se instalava, os credores corriam para exigir seus créditos e os compradores, naturalmente, paravam de pagar suas parcelas, conduzindo à inevitável derrocada econômica da empresa.

O caso mais emblemático e conhecido, que motivou a criação do patrimônio de afetação, foi o da Encol, empresa goiana que, tendo se tornado uma das maiores incorporadoras do país, teve sua falência decretada no dia 16/03/1999.

Para se ter uma ideia da grandeza da Encol, no momento de sua falência ela já tinha construído e entregue mais de 100.000 (cem mil) unidades, tinha 710 (setecentas e dez) empreendimentos em construção, empregava mais de 23.000 (vinte e três mil) pessoas e tinha uma dívida superior a 2 (dois) bilhões de reais.

Na quebra, a Encol lesou nada menos do que 42.000 (quarenta e duas mil) famílias, muitas das quais estão até hoje tentando recuperar pelo menos parte do prejuízo:

Para saber mais sobre a história da Encol e sua falência, clique aqui, aqui ou aqui.

Para os mais curiosos, também existem alguns livros publicados, valendo destacar os escritos por Pedro Paulo de Souza, ex-dono da empresa – “Encol, o sequestro: tudo que você não sabia” – e pelo advogado Hamilton Quirino Câmara – “Falência do incorporador imobiliário: o caso Encol”.

A verdade é que a estratégia agressiva de negócio da Encol nunca foi realmente sustentável.

A empresa anunciava a venda de imóveis sem entrada, sinal ou parcelas intermediárias, aceitava receber veículos, lotes e até linhas telefônicas como parte do pagamento e chegou até a prometer a recompra dos imóveis, com correção monetária e juros, sem, no entanto, oferecer, em contrapartida, qualquer garantia do destino dado aos recursos financeiros obtidos em cada empreendimento.

Nas cidades em que ingressava, a Encol causava verdadeiros estragos, inundando o mercado de imóveis com preços até 20% abaixo das médias praticadas por outras incorporadoras.

Hoje, mais de 20 anos depois de sua quebra, ainda é possível encontrar nos grandes centros os “esqueletos” das construções abandonadas e inacabadas decorrentes da falência da antiga gigante da construção.

O infeliz fim da Encol escancarou a fragilidade da legislação brasileira sobre incorporações imobiliárias e motivou a apresentação, em 24/11/1999 (mesmo ano da decretação de falência da empresa), do Projeto de Lei 2109/1999, que veio a se converter, em 2 de agosto de 2004, na Lei 10.931/2004.

Surgia, enfim, o patrimônio de afetação, com a clara finalidade de reacender a confiança da sociedade no mercado imobiliário e viabilizar negociações mais seguras e transparentes.

Previsão Legal

A mencionada Lei 10.931/2004, dentre outras disposições, incluiu à então vigente Lei de Incorporações (Lei 4.591/1964) o “Capítulo I-A – Do Patrimônio de Afetação”, que vai do artigo 31-A até o artigo 31-F, cada qual com vários parágrafos e incisos.

Anteriormente, vale o registro, a norma de afetação patrimonial da incorporação já houvera sido inserida no ordenamento jurídico, ainda que com redação distinta, através da Medida Provisória 2.221/2001, que posteriormente foi revogada pela Lei 10.931/2004.

A definição precisa do patrimônio de afetação se encontra no artigo 31-A da Lei 4.591/64:

A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime de afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes.

O mesmo artigo da Lei determina, ainda, que o incorporador responderá pelos prejuízos causados ao patrimônio de afetação, que os recursos financeiros integrantes do patrimônio de afetação serão destinados ao pagamento ou reembolso de despesas inerentes à incorporação, bem como estabelece as diretrizes de constituição do patrimônio de afetação, que deve ser feita por averbação.

A falha do legislador, a nosso ver, foi não ter tornado obrigatória a afetação patrimonial, permitindo que algumas incorporadoras continuassem lesando o mercado.

Em Belo Horizonte temos o exemplo da Habitare Construtora e Incorporadora S.A., que repetiu o enredo da Encol e teve a falência decretada em 03/12/2008, deixando dezenas de esqueletos inacabados na cidade e milhares de pessoas no prejuízo.

Parece óbvio, mas não custa dizer: nos dias de hoje, adquirir imóvel em empreendimento sem patrimônio de afetação averbado é algo que simplesmente não faz sentido. Qualquer incorporadora séria será a primeira interessada em averbar o patrimônio de afetação.

Como averbar o patrimônio de afetação

O patrimônio de afetação é constituído através de um simples termo firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos adquirentes das unidades imobiliárias.

A averbação desse termo deve ser requerida ao Cartório de Registro de Imóveis no qual o terreno se encontra registrado, podendo o pedido ser feito durante o processo de registro do memorial de incorporação ou em momento posterior.

A averbação nada mais é do que um lançamento feito na matrícula do imóvel, no caso, do terreno sobre o qual o empreendimento será construído.

A averbação, quando feita, formaliza e dá publicidade a toda e qualquer situação jurídica que envolva o imóvel retratado na matrícula.

De acordo com o artigo 31-B da Lei 4.591/64, o patrimônio de afetação pode ser construído até mesmo para obras em andamento, desde que, obviamente, seja feito até a expedição da certidão de baixa e “habite-se” do empreendimento, já que, a partir de então, a incorporação será considerada como concluída.

Efeitos da averbação do patrimônio de afetação

O patrimônio de afetação nasce, como visto, com a averbação do termo em Cartório, durante ou depois do registro da incorporação.

Com isso, o terreno, as acessões e todos os direitos vinculados ligados ao empreendimento respondem somente pelas obrigações da obra para a qual foram afetados e não há nenhuma comunicação com os demais bens e direitos do incorporador, o que assegura a eficácia do método contra os riscos empresariais do segmento.

A averbação do patrimônio de afetação é um procedimento irretratável, ou seja, não pode ser posterior revogado ou modificado. Veja os principais efeitos:

  • Com a averbação, os recursos financeiros integrantes e destinados ao patrimônio de afetação somente poderão ser utilizados para o pagamento ou reembolso de despesas inerentes à obra;
  • A averbação garante que as quotas vinculadas à construção serão pagas pelo incorporador até que a responsabilidade pela construção seja assumida por terceiros;
  • O incorporador poderá aderir ao RET – Regime Especial de Tributação, o que representa enorme benefício fiscal;
  • Torna obrigatório que a incorporadora, em conjunto com os promissários compradores, crie uma comissão de representantes, destinada a fiscalizar o uso do patrimônio de afetação.

Segregação de riscos e patrimônio

Uma vez criado o patrimônio de afetação, como já explicado anteriormente, o terreno, construções e receitas de vendas de unidades autônomas do empreendimento se tornam imediatamente segregadas do patrimônio do incorporador, formando um conjunto de bens e direitos vinculados direta e exclusivamente ao próprio empreendimento.

A partir da averbação, conquanto se mantenha na administração do patrimônio de afetação, o incorporador deve prestar contas da sua gestão, mantendo a comissão de representantes e os compradores informados sobre a evolução das obras e, principalmente, a alocação dos recursos.

Essa segregação do patrimônio tem a finalidade de impedir que o comprador corra os riscos e suporte as consequências dos demais negócios empresariais da incorporadora.

Isso significa que em caso de falência, solvência ou recuperação judicial da incorporadora, o patrimônio afetado não será atingido, e que os efeitos da falência recairão somente sobre bens desafetados da falida.

Com isso, sob a ótica do comprador, embora o patrimônio de afetação não garanta que 100% (cem por cento) dos recursos já pagos à incorporadora já tenham sido alocados no empreendimento (não esqueça que a incorporadora responde pelos prejuízos causados ao patrimônio de afetação), o instituto, no mínimo, permite que o condomínio de compradores, em caso de inadimplência definitiva da incorporadora, assuma o empreendimento e termine a obra.

RET

Um dos principais efeitos do patrimônio de afetação é a possibilidade de adesão ao Regime Especial de Tributação – RET, que tem caráter opcional e pode ser requerido após a averbação.

Para aderir ao RET e usufruir dos benefícios fiscais do regime, a incorporadora deverá:

  • Promover a inscrição do empreendimento afetado no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, vinculada ao evento 109 – Inscrição de Incorporação Imobiliária – Patrimônio de Afetação;

Os benefícios fiscais para as empresas optantes do RET são diversos. Cada incorporação submetida ao regime poderá promover o recolhimento unificado de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sob a alíquota total de 4%.

Feita a opção pelo RET, a empresa deverá recolher os tributos conforme o regramento do regime já a partir mês de adesão, e é obrigatória a manutenção de escrituração contábil em separado para cada incorporação afetada.

Outro fator importante é que, no regime especial, os créditos tributários não podem ser objeto de parcelamento.

É relevante destacar, ainda, que a empresa optante do RET poderá usufruir dos benefícios fiscais até a venda de todas as unidades imobiliárias, ainda que isso aconteça depois da conclusão da obra.

Para saber mais sobre esse Regime, leia o nosso artigo sobre incorporação imobiliária

Comissão de representantes e fiscalização

Outro importante efeito da averbação do patrimônio de afetação é a ampliação dos poderes da chamada Comissão de Representantes.

Tal comissão, prevista em vários trechos da Lei de Incorporações, é um órgão colegiado formado por pelo menos 3 (três) membros, escolhidos entre os adquirentes de unidades autônomas.

Quando o empreendimento for feito sob o regime de administração, a comissão pode ser eleita e indicada já no contrato de construção firmado entre a incorporadora (ou condomínio) e a construtora.

Nas obras por empreitada (mais comuns), a formação da comissão se dá por meio de assembleia geral dos adquirentes, que deve ser convocada e realizada pela incorporadora assim que vendidas as primeiras 3 (três) unidades do empreendimento, que equivalerão ao número mínimo de membros da comissão.

A partir de sua formação, a incorporadora não terá nenhuma ingerência ou controle sobre a Comissão de Representantes.

Pelo contrário, a independência e autonomia do órgão colegiado são requisitos indispensáveis ao seu bom funcionamento, já que a principal atribuição dele é representar os interesses de todos os compradores frente à incorporadora e à construtora do empreendimento (quando forem empresas distintas).

Além disso, uma vez constituída, a comissão só poderá ter sua composição alterada em nova assembleia geral dos adquirentes, agora já sem a participação da incorporadora.

Importante destacar que a constituição da Comissão de Representantes não transfere a ela nenhum tipo de responsabilidade pela obra, pelo prazo de entrega ou qualquer outra obrigação de responsabilidade da incorporadora ou da construtora.

Os membros nomeados terão somente a responsabilidade de fiscalizar a condução da obra, mas poderão responder por abuso de direito quando não guardarem a devida cautela em relação a informações sigilosas pertinentes ao empreendimento às quais venham a ter acesso.

A comissão cumpre papel igualmente importante na fiscalização dos atos praticados em relação ao patrimônio afetado.

Se a incorporadora for optante do RET, por exemplo, ela deverá entregar à comissão, pelo menos a cada três meses, demonstrativo detalhado do estado da obra que corresponda com o prazo pactuado ou com os recursos financeiros disponíveis no período, com a validação de profissionais habilitados.

Isso permite um controle rígido, pelos representantes dos adquirentes, da evolução da obra e da regular aplicação do patrimônio de afetação.

Se a função for bem exercida, dificilmente uma obra chegará a ser paralisada por inadimplência da incorporadora e/ou falta de recursos, pois será possível identificar, com alguma antecedência, eventuais irregularidades.

A Comissão de Representantes terá diferentes poderes de acordo com a modalidade do empreendimento. Quando se tratar de construção por empreitada, a comissão terá a função de fiscalizar o andamento da obra, obediência aos prazos, bem como de fiscalizar o cálculo de reajuste no caso de contratação de empreitada quando o contrato for reajustável.

No caso de construção por administração ou venda a preço de custo, a incorporadora deverá informar à Comissão de Representantes sobre qualquer alteração no projeto do empreendimento, além de garantir livre acesso à obra, livros contábeis, extrato da conta bancária e qualquer outro documento relativo ao patrimônio de afetação.

Mesmo depois de quase 20 anos de criação do patrimônio de afetação, ainda percebemos, na prática diária da advocacia, que muitas incorporadoras não dão a devida atenção à formação da Comissão de Representantes, o que, além de configurar uma infração legal, pode gerar atritos com os compradores e, principalmente, instituições financiadoras.

É preciso abandonar de vez a ideia de que a Comissão de Representantes será um obstáculo à realização do empreendimento. Pelo contrário, se ela exercer à risca as suas funções legais, poderá inclusive ajudar a incorporadora, na medida em que validará a gestão do patrimônio de afetação e melhorará, sobremaneira, a comunicação com os compradores.

Formas de extinção do patrimônio de afetação

Sendo uma garantia de conclusão das obras, o patrimônio de afetação se extingue no momento que a incorporadora cumpre uma de suas últimas obrigações em relação ao empreendimento, qual seja, quando ela averba, nas matrículas imobiliárias, a certidão de baixa e “habite-se” expedida pelo município.

Afinal, uma vez pronta e regularizada a obra, a razão de ser do patrimônio de afetação deixa de existir, já que a obrigação principal se encontra cumprida.

O artigo 31-E da Lei 4.591/64 dispõe sobre esse e outros meios de extinção do patrimônio de afetação, que podem ser:

1) Averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito aos adquirentes, e quanto for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financeira;

Atenção a este item! No caso da averbação da construção existem exceções.

Não ocorrerá a extinção do patrimônio de afetação se houver um credor que financiou o investimento e/ou enquanto os títulos e propriedade dos imóveis não forem outorgados aos adquirentes, ou seja, enquanto as unidades autônomas não sejam totalmente transferidas aos compradores.

2) Revogação em razão de denúncia da incorporação, depois de restituídas aos adquirentes as quantias por eles pagas;

A denúncia da incorporação é a desistência da incorporadora de realizar o empreendimento, que pode se dar no prazo de até 180 (cento e oitenta) dias contados do registro em cartório. Se houver tal desistência, observe que a extinção do patrimônio de afetação ocorrerá somente depois da restituição integral das quantias até então pagas pelos adquirentes até o momento da denúncia.

3) Liquidação deliberada por assembleia geral.

Existem situações em que a assembleia geral de adquirentes pode decidir pela liquidação do empreendimento.

Quando, por exemplo, ocorre a falência da incorporadora, dependendo do estágio da obra pode não ser interessante terminá-la, fazendo mais sentido alienar o terreno e o que nele tive sido construído a terceiros.

Nessas hipóteses de liquidação, o patrimônio de afetação será extinto, cabendo à Comissão de Representantes requerer a prática dos atos relativos ao cancelamento das respectivas averbações.

Efeito do inadimplemento

Apesar de o legislador não excluir o direito de qualquer adquirente pedir individualmente a rescisão do contrato e de exigir indenização pelo inadimplemento do incorporador, o conteúdo da Lei 4.591/64, no tocante ao patrimônio de afetação, é mais voltado ao interesse coletivo.

O artigo 43, incisos III, VI e VII da Lei prevê, em caso de mora ou falência do incorporador, que a administração do empreendimento seja assumida pela Comissão de Representantes, cujas decisões, tomadas em assembleia, serão soberanas e vincularão também a eventual minoria vencida (artigo 49).

Esse foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça manifestado em 2011 no julgamento do Recurso Especial 1.115.605, de relatoria da Min. Nancy Andrighi. Julgou-se, na ocasião, uma disputa entre a Comissão de Representantes e a massa falida da Encol.

A decisão foi no sentido de autorizar a transferência, à Comissão de Representantes, da gestão do empreendimento, com a contratação de outra incorporadora para terminar as obras, ainda que a falência da Encol tenha ocorrido antes da criação do instituto do patrimônio de afetação.

Hoje, não há dúvida de que, uma vez inadimplida a obrigação da incorporadora, seja por gestão temerária (mora), seja por falência, a Comissão de Representantes assumirá a gestão do empreendimento e poderá tomar todas as medidas necessárias à conclusão das obras.

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Conclusão

A segregação patrimonial de bens do incorporador, denominada de patrimônio de afetação, assegura a conclusão das obras e entrega de chaves dos imóveis aos adquirentes mesmo em caso de falência ou insolvência do incorporador.

A intenção do legislador foi conferir maior segurança aos adquirentes de unidades imobiliárias, além de devolver a credibilidade ao setor que foi duramente abalado pela falência da então maior incorporadora do Brasil, a Encol.

A medida mostra-se atrativa não só para as incorporadoras, em razão do significativo benefício fiscal atrelados ao Regime Especial de Tributação – RET, mas especialmente para os compradores, que passam a ter meios concretos de fiscalização através da Comissão de Representantes, o que garante, de um jeito ou de outro, a conclusão e entrega do empreendimento.

Não há razões legítimas, portanto, para se realizar uma incorporação sem a averbação do patrimônio de afetação.

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*Imagem de Khwanchai Phanthong no Pexels.

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