Algum tempo atrás examinamos em detalhes uma figura ainda bem recente no universo imobiliário: o condomínio de lotes.

Naquela oportunidade, demonstramos que, embora tenham características semelhantes, há uma grande diferença entre loteamento, loteamento com acesso controlado e condomínio de lotes, tanto em relação à natureza jurídica desses institutos, quanto às situações que melhor se amoldam às necessidades do empreendedor do setor imobiliário.

Neste artigo, focaremos na possibilidade de implementação do condomínio de lotes em área rural.

Como esse assunto ainda é pouco debatido, o que inevitavelmente traz uma certa “cortina de fumaça” e insegurança na hora de iniciar um empreendimento nessa modalidade, buscaremos trazer os principais argumentos que legitimam a aprovação e o desenvolvimento de um condomínio rural de lotes.

Diferença básica entre Loteamento e Condomínio de Lotes

Antes de mais nada, é necessário que esteja clara a diferença entre parcelamento ou desmembramento do solo (loteamento) e condomínio de lotes.

Sem muitos rodeios, o parcelamento ou desmembramento do solo previsto na Lei 6.766/1979, conforme seu artigo 3º, é aplicável exclusivamente a zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica definidas no Plano Diretor ou, na sua falta, por alguma lei municipal, sendo, portanto, inaplicável às zonas rurais dos Municípios.

A aplicação exclusiva da Lei 6.766/1979 a áreas urbanas

E por que a Lei 6766/79 só se aplica às zonas urbanas das cidades?

Porque, através de seus procedimentos (loteamento ou desdobramento) são criados verdadeiros bairros, com atração de um grande fluxo de população, seja para residência, seja para trabalho. Para atender à demanda dessa população, a referida lei estabelece a infraestrutura mínima que o empreendedor deve construir em seu empreendimento e, ainda, prevê a doação de parte considerável da área original ao município para que sejam instalados equipamentos urbanos e serviços públicos.

Na zona rural, quase sempre afastada do centro urbano, a realidade é bastante diferente.

Um novo empreendimento imobiliário, ainda que de grandes proporções, dificilmente criará um fluxo contínuo de pessoas e/ou pressionará a demanda por serviços públicos, especialmente porque, no entorno, não existirá muita estrutura.

Na melhor das hipóteses, um empreendimento rural será capaz de criar uma espécie de núcleo urbano autossuficiente, pois as pessoas que eventualmente residirão no local acabarão por exercer suas atividades profissionais nas proximidades.

O mais comum é que os empreendimentos imobiliários situados em zona rural se destinem, primordialmente, à formação de sítios de recreio, pequenas fazendas ou hotelaria, sendo, antes de tudo, um verdadeiro destino de final de semana.

Logo, é impensável e desproporcional se exigir, no popularmente chamado “chacreamento”, o mesmo nível de infraestrutura de um loteamento urbano, que será densamente povoado e demandará um alto volume de serviços por parte do Município.

É por isso que, por suas próprias características, a Lei 6.766/1979 não se aplica, em nenhum grau, a fracionamentos de imóveis localizados em zona rural.

Como dividir o imóvel rural

Em áreas rurais mais próximas ao centro urbano, a saída para viabilizar o parcelamento do solo é obter a transformação em zona urbana, o que exige, além de vontade política, um prévio estudo de viabilidade promovido pela municipalidade, que deverá seguir os trâmites e exigências do Estatuto da Cidade, especificamente de seu artigo 42-B.

Uma vez transformada a área, por razões óbvias, não mais se falará em parcelamento rural, porque o zoneamento será urbano, atraindo a aplicação da Lei 6.766/1979.

Para se dividir um imóvel efetivamente rural em áreas (chamadas glebas) menores, deve ser respeitada a chamada fração mínima de parcelamento, que varia de cidade para cidade e, ainda, de acordo com a vocação de uso de determinada região.

A ideia por trás da fração mínima de parcelamento é garantir que aquela(s) nova(s) gleba(s) tenha(m) um tamanho suficiente para o pleno exercício de uma atividade rural como, por exemplo, a agricultura ou a pecuária.

Mesmo que, pelo menos primordialmente, a zona rural tenha uma vocação para atividades que dispensam a urbanização, o condomínio, em sentido amplo, pode ser configurado em qualquer área.

Afinal, na essência, o condomínio nada mais é do que a situação jurídica em que duas ou mais pessoas são proprietárias, ao mesmo tempo, de determinado bem.

Instituição do Condomínio de Lotes em zona rural

Se, então, um condomínio pode ser instituído tanto em zona urbana quanto em zonal rural, a questão que se coloca é se, na modalidade condomínio de lotes, haveria alguma restrição de natureza legal ou urbanística que pudesse impedir a implantação de um empreendimento desse tipo.

A resposta começa no artigo 68 da Lei de Incorporações (4.591/64), que estabelece que:

Art. 68. Os proprietários ou titulares de direito aquisitivo, sôbre as terras rurais ou os terrenos onde pretendam constituir ou mandar construir habitações isoladas para aliená-las antes de concluídas, mediante pagamento do preço a prazo, deverão, previamente, satisfazer às exigências constantes no art. 32, ficando sujeitos ao regime instituído nesta Lei para os incorporadores, no que lhes fôr aplicável.

Muito disso se deve ao fato de não haver no condomínio, juridicamente falando, uma divisão física como ocorre no loteamento.

O imóvel onde é estabelecido o condomínio é “visto” como único, porém com vários proprietários detentores de frações ideais tanto do terreno quanto das áreas comuns, que, em suma, são partes do todo (o próprio imóvel).

É claro que as unidades autônomas (que, embora chamadas de “lotes”, na figura do condomínio se amoldem bem mais ao conceito de terreno), como o próprio nome indica, poderão ser livremente negociadas por seus respectivos titulares, mas ainda assim elas estarão inevitável e perenemente conectadas ao “todo”, tendo direitos e obrigações relacionados às áreas comuns do empreendimento e aos demais condôminos.

Assim entendido, sobre o condomínio não há relação entre direitos coletivos (públicos) e privados, tal como ocorre nos loteamentos, que precisam da “mão” do Poder Público entre os espaços das unidades imobiliárias independentes, mas apenas privados, sobretudo porque toda a infraestrutura interna do condomínio (vias de circulação, iluminação, segurança, coleta de lixo etc.) é custeada pelos próprios condôminos (proprietários das frações ideais).

Tratando-se de condomínio de lotes, não haveria então um ônus substancial para a municipalidade, uma vez que todos os custos de “funcionamento” daquele núcleo imobiliário seriam gerenciados pelos próprios condôminos.

Para esclarecer melhor, o condomínio de lotes funciona, na prática, como uma espécie de “bairro privado”, onde apenas os proprietários e pessoas por esses autorizados podem usufruir das benesses e comodidades em seu interior.

Todavia, a incidência dessa autonomia privada sobre os condomínios não significa uma dispensa, por completo, da fiscalização municipal.

Por mais que tenha havido uma regulação federal recente sobre a matéria, ainda é do Município a competência para definir os parâmetros de como efetivamente será implantado o condomínio de lotes, como por exemplo, o limite da área para construção, os requisitos para aprovação do projeto, as exigências mínimas de infraestrutura e as servidões de passagem.

Aliás, como apontado no nosso artigo de condomínio de lotes, o próprio artigo 1.358-A do Código Civil (introduzido pela Lei 13.465/2017), responsável por dar vida jurídica ao condomínio de lotes, menciona expressamente em seu parágrafo segundo a necessidade de respeito à legislação urbanística.   

A implantação de um condomínio de lotes, por mais que em alguns pontos seja similar, não segue a mesma lógica de um loteamento ou desmembramento do solo, especialmente por não gerar nenhuma obrigação formal ao Município e por estar dissociada da necessidade de sua instituição em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica (Lei 6.766/79).

Desde que os condôminos se comprometam a viabilizar o fornecimento de serviços básicos (como eletricidade, água e esgoto) e cumprir todas as obrigações relacionadas ao funcionamento daquele condomínio (como, por exemplo, a coleta e destinação final dos resíduos, a segurança e a manutenção das áreas comuns), não trazendo ônus ao Município, parece-nos totalmente viável a implantação de um condomínio rural de lotes.

Embora não seja indispensável a existência de lei municipal prevendo essa possibilidade, pois a legislação federal já a regula suficientemente, haverá maior segurança jurídica na aprovação e execução do empreendimento caso a matéria esteja tratada em âmbito local.

Mesmo que silente a legislação municipal quanto ao condomínio de lotes, não deixará de ser indispensável o aval do Município para a aprovação do projeto, seja por força da Lei de Incorporação Imobiliária, seja pela previsão do próprio Código Civil.

Argumentos contrários ao condomínio de lotes em área rural

Os principais argumentos contrários à implantação de condomínio de lotes em área rural podem ser resumidos como:

1) a possibilidade de infração à legislação urbanística, permitindo um crescimento desordenado da cidade e gerando, para o Município, um ônus sem a correspondente contraprestação (especialmente no que se refere à doação de áreas para implantação de equipamentos urbanos e serviços públicos); e

2) a possibilidade de burla à legislação federal no que se refere à fração mínima de parcelamento, descaracterizando a área para a atividade rural.

Sobre o primeiro argumento, já falamos bastante. Além de um condomínio de lotes, por sua própria característica (as áreas comuns são particulares e sua manutenção cabe ao próprio condomínio), dispensar a prestação de muitos dos serviços públicos, nenhum empreendimento localizado em área rural, quase sempre longe do centro urbano, será capaz de onerar a cidade em demandas como transporte, segurança e até mesmo saúde e edificação.

Via de regra, como a característica desse tipo de imóvel, localizado em zona rural, será mesmo voltada para atividades rústicas, como pequenas plantações ou criações, sítios de lazer e local de descanso, a população efetivamente residente será pequena.

Num condomínio rural de lotes, isolado do centro urbano e com pouca população residente, não faz sentido se pensar, por exemplo, na instalação de um hospital ou escola, o que, por sua vez, dispensa a necessidade de doação de grandes áreas ao Município.

Por isso não se pode falar, tampouco, em crescimento desordenado da cidade, pois a maior chance é que aquele empreendimento continue, por muitos anos, isolado do centro urbano e da própria zona de expansão da cidade.

Mas, ainda que essa previsão não se confirme e a cidade “alcance” a zona rural, como as áreas internas do empreendimento serão particulares, a sua integração com uma possível conurbação futura não será difícil. 

A respeito do segundo argumento contrário ao condomínio de lotes em área rural, embora, de fato, seja provável que as unidades autônomas sejam menores que a fração mínima de parcelamento, podendo vir a descaracterizar a área para atividade rural, deve-se ter em mente que o condomínio, em sua relação com terceiros, é uma única entidade, não havendo autonomia e independência de suas unidades autônomas em relação ao todo.

Em outras palavras, não há no condomínio rural de lotes, efetivamente, um fracionamento de uma gleba em glebas menores, autônomas e independentes, mas apenas uma divisão jurídica em unidades autônomas que, ao mesmo tempo, são integradas e vinculadas ao todo (condomínio), não podendo dele se desvencilhar.

Logo, para fins de enquadramento no conceito de fração mínima de parcelamento, há de se considerar a área total do empreendimento, e não a área de cada unidade autônoma.

Ademais, além de nada impedir, a critério do empreendedor, que as unidades autônomas respeitem o limite mínimo de área (a FMP), o Decreto Federal 59.428/1966, em seu artigo 96, permite expressamente o que chamou de “loteamento rural”:

Art 96. Os projetos de loteamentos rurais, com vistas à urbanização, industrialização e formação de sítios de recreio, para serem aprovados, deverão ser executados em área que:

I – Por suas características e pelo desenvolvimento da sede municipal já seja considerada urbana ou esteja incluída em planos de urbanização;

II – Seja oficialmente declarada zona de turismo ou caracterizada como de estância hidromineral ou balneária.

III – Comprovadamente tenha pedido suas características produtivas, tornando antieconômico o seu aproveitamento.

Parágrafo único. A comprovação será feita pelo proprietário ou pela municipalidade em circunstanciado laudo assinado por técnico habilitado, cabendo ao IBRA ou ao INDA, conforme o caso, a constatação de sua veracidade.

Onde se lê “IBRA e INDA”, considere o atual Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Note que, há mais de 50 anos, já existe previsão legal de implantação de “loteamentos rurais”, inclusive com vistas à urbanização, algo que só reforça a possibilidade do condomínio rural de lotes. Este último, todavia, não precisará, a nosso ver, cumprir todos os requisitos do artigo 96, acima transcrito, pois, repita-se, não é um loteamento, mas um condomínio de unidades autônomas entre si vinculadas, com propriedade coletiva (mas privada) das áreas comuns.

Assim, estando o projeto do empreendimento nos moldes definidos ou requeridos pelo Município, não existe razão para reprová-lo, sobretudo porque, como dito anteriormente, ao contrário do loteamento, que gera uma obrigação do Município de prestar serviços públicos e atender à demanda por equipamentos urbanos e comunitários, o condomínio, por sua vez, mantém todas as áreas comuns sob propriedade e gestão dos condôminos, permitindo que se crie um “núcleo urbano” em uma área rural sem que traga qualquer um ônus ao Poder Público.

O exemplo de Minas Gerais

Em Minas Gerais, foi editado há pouco mais de um ano, pela Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça, o Provimento Conjunto 93/2020, instituindo o Código de Normas Extrajudiciais, que regula, precipuamente, as atividades notariais e de registro, ou seja, os cartórios.

Em outro artigo, apresentamos em detalhes os principais pontos do Provimento.

O condomínio de lotes mereceu tratamento dedicado nos artigos 1.087 a 1.093 do Provimento, chamando a atenção, no que interessa ao objetivo deste conteúdo, o artigo 1.088:

Art. 1.088. Para o registro da instituição do condomínio de lotes, tanto em imóvel rural quanto urbano, deverá ser comprovada a aprovação do órgão municipal competente.

Observe que o estado de Minas Gerais prevê, expressamente, a possibilidade de implantação de um condomínio rural de lotes.

Aliás, seguindo a mesma linha de raciocínio abordada neste texto, o Provimento Conjunto 93/2020 ainda prevê, em seu artigo 1.090, caput e parágrafos, que se aplicam ao condomínio de lotes os regramentos concernentes à incorporação imobiliária, sem distinção, ficando às custas do empreendedor a implementação de toda infraestrutura interna do condomínio. Observe:

Art. 1.090. Aplicam-se ao condomínio de lotes as disposições relativas à incorporação imobiliária.

§ 1º Quando houver incorporação imobiliária, a implantação de toda a infraestrutura ficará a cargo do empreendedor.

§ 2º Havendo, na incorporação, o intuito de promover e realizar a construção para alienação total ou parcial de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, estas também serão de responsabilidade do incorporador.

O fato é que, seja qual for o empreendimento pretendido, é primordial a consulta com um profissional especialista para que sejam sanadas as dúvidas e, também, realizada uma pesquisa minuciosa sobre as leis, regulamentos e eventuais provimentos locais que regulam a matéria.

Um planejamento estratégico bem estruturado evita muitos infortúnios quando da execução do empreendimento, ainda mais considerando os altos investimentos aportados nesse ramo de atuação, que faz com que qualquer perda seja considerável e, em determinadas circunstâncias, irrecuperável.

Incorporação Imobiliária - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

Conclusão

O condomínio de lotes em área rural, conquanto ainda não tenha se popularizado, muito em virtude da recente regulação legal, é um catalisador de negócios com potencial para alcançar os principais projetos imobiliários do mercado.

Especialmente se levarmos em consideração que há um crescente número de pessoas que, ano após ano, vem optando por se mudar para localidades mais afastadas dos centros urbanos, em busca de uma vida mais tranquila, sem abrir mão, é claro, do conforto, infraestrutura e desenvolvimento encontrados nessas áreas.

Para esse tipo de demanda não há opção melhor senão o condomínio rural de lotes, ainda mais quando comparados os preços em relação aos condomínios de lotes urbanos, pois são bem mais baixos.

Isso sem contar a variedade de áreas que o empreendedor poderá escolher para implantar o seu empreendimento, eis que, no meio rural, diferente do urbano, há extensões bem maiores de terras desocupadas, o que fomenta ainda mais a criatividade e customização estrutural do negócio, ressalvadas as limitações regulatórias municipais, o que inevitavelmente gera maior atração do mercado consumidor.   

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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.

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