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Ao lado da Lei das Incorporações Imobiliárias (Lei 4.591/64) e do Estatuto da Cidade, a Lei 6766/79 compõe a base do Direito Imobiliário brasileiro.

Nascida em um momento de acentuada urbanização do país e com os declarados objetivos de organizar a expansão das cidades, impedir loteamentos clandestinos e proteger os compradores de lotes, ela é conhecida por “Lei do Parcelamento do Solo”.

Mas o que significa, exatamente, “parcelamento do solo”? Quais são as modalidades possíveis? Como é o processo de aprovação e registro de um parcelamento? Como deve ser elaborado o contrato de compra e venda de lote?

Abordaremos essas e várias outras questões neste artigo e, ao final, disponibilizaremos gratuitamente uma base para elaboração do quadro-resumo que é, hoje, obrigatório em qualquer contrato de compra e venda de lote.

A intenção é que a leitura completa deste artigo te faça entender, a fundo, todo o processo de criação de um empreendimento urbano, do projeto à venda dos lotes, sem que seja necessário sequer o acesso à lei.

Se o objetivo for alcançado, por favor não deixe de comentar ao final!

O que é parcelamento do solo urbano

Parcelar o solo nada mais é do que dividi-lo em unidades autônomas menores, cada qual com sua própria matrícula imobiliária.

Em sentido mais amplo, qualquer operação de divisão de um imóvel, inclusive por meio, por exemplo, da implantação de um condomínio horizontal (nos moldes da Lei 4591/64) ou da divisão de um imóvel rural para venda de uma parte, pode ser considerada uma espécie de parcelamento.

Neste artigo, entretanto, focaremos no parcelamento do solo urbano.

Embora a Lei 6766/79 não defina, expressamente, o que é esse parcelamento, ela estabelece, já em seu artigo 2º, que ele “poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes”.

Logo, no sentido técnico-jurídico, o parcelamento do solo urbano, em regra, deverá se dar por loteamento ou desmembramento.

A essas duas espécies podemos somar a figura do desdobro ou fracionamento, que, ainda que não prevista na Lei 6766/79, pode ser encontrada em várias leis municipais, como em Nova Lima/MG, Jundiaí/SP e Porto Alegre/RS.

O plano diretor de Porto Alegre, aliás, cuidou de conceituar expressamente o que é parcelamento do solo urbano em seu artigo 134:

Art. 134. Parcelamento do solo urbano é a divisão da terra em unidades juridicamente independentes, com vistas à edificação, podendo ser realizado na forma de loteamento, desmembramento e fracionamento, sempre mediante aprovação municipal.

A definição acima transcrita traz dois pontos interessantes, também existentes na Lei 6766/79, que ajudam a diferenciar melhor o parcelamento do solo para fins urbanos das operações de desmembramento do imóvel rural.

O primeiro deles é o critério de finalidade do parcelamento, que é a geração de lotes para edificação, uma atividade eminentemente urbana e de organização das cidades.

Por isso, dividir um grande imóvel rural em glebas menores, seja para formação de chácaras ou sítios de recreio, seja para a venda de fazendas menores a terceiros, não configura parcelamento para fins urbanos (embora, tecnicamente, também seja uma divisão do imóvel).

O segundo ponto importante do conceito trazido pelo plano diretor de Porto Alegre é a necessidade de aprovação municipal para que um parcelamento do solo urbano seja válido e regular.

Essa obrigação também é encontrada no artigo 12 da Lei 6766/79.

Definição de áreas urbanas

Não podemos deixar de examinar, para entender o tema, o que se consideram áreas urbanas; afinal, o parcelamento do solo nas modalidades aqui estudadas só é permitido nessas áreas, conforme determinado no artigo 3º da Lei 6766/79:

Art. 3º Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.

Mas, então, o Município pode, discricionariamente, definir qualquer área como urbana? Definitivamente não.

A distinção entre área urbana e rural remonta, conforme interessante ensaio de Maria Helena Palmer Lima para o IBGE, a uma Convenção Nacional de Estatística realizada em 1936.

Segundo a mesma autora, os documentos oriundos dessa convenção teriam sido encaminhados ao então presidente Getúlio Vargas, que, por meio do Decreto-Lei 311 de 1938, ainda vigente, trouxe os primeiros critérios de organização político-administrativa dos municípios, estabelecendo, basicamente, que seriam consideradas urbanas as áreas das sedes dos municípios, sedes estas compostas por cidades ou vilas, de acordo com o número de moradias.

Todo o resto, por exclusão, seria área rural.

Hoje, a definição de área urbana pode ser encontrada em várias leis federais, com pouca variação, valendo destacar o artigo 32 do Código Tributário Nacional e o § 2º do artigo 16-C da Lei 9636/98, com redação dada pela ainda recente Lei 13465/2017, que será objeto futuro de estudo específico:

  • Código Tributário Nacional (Lei 5172/1966):

Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.

§ 1º Para os efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público:

I – meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais;

II – abastecimento de água;

III – sistema de esgotos sanitários;

IV – rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar;

V – escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado.

§ 2º A lei municipal pode considerar urbanas as áreas urbanizáveis, ou de expansão urbana, constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, à indústria ou ao comércio, mesmo que localizados fora das zonas definidas nos termos do parágrafo anterior.

  • Lei Federal 9.636/98:

Art. 16-C.  O Ministro de Estado do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, permitida a delegação, editará portaria com a lista de áreas ou imóveis sujeitos à alienação nos termos do art. 16-A desta Lei.                   

§ 1º Os terrenos de marinha e acrescidos alienados na forma desta Lei:

I – não incluirão:

a) áreas de preservação permanente, na forma do inciso II do caput do art. 3º da Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012; ou

b) áreas em que seja vedado o parcelamento do solo, na forma do art. 3º e do inciso I do caput do art. 13 da Lei no 6.766, de 19 de dezembro de 1979;

II – deverão estar situados em área urbana consolidada.

§ 2º  Para os fins desta Lei, considera-se área urbana consolidada aquela:

I – incluída no perímetro urbano ou em zona urbana pelo plano diretor ou por lei municipal específica;

II – com sistema viário implantado e vias de circulação pavimentadas;

III – organizada em quadras e lotes predominantemente edificados;

IV – de uso predominantemente urbano, caracterizado pela existência de edificações residenciais, comerciais, industriais, institucionais, mistas ou voltadas à prestação de serviços; e

V – com a presença de, no mínimo, três dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados:

a) drenagem de águas pluviais;

b) esgotamento sanitário;

c) abastecimento de água potável;

d) distribuição de energia elétrica; e

e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.

As motivações e os contextos de aprovação de cada uma das leis com dispositivos acima transcritos são diversos, mas pode-se deduzir, com facilidade, que são os equipamentos de infraestrutura urbana que servem determinada área que definirão se ela é – ou pode ser – classificada como urbana.

Isso faz bastante sentido quando se limita, por exemplo, o poder de tributar do Município que, para aumentar a sua arrecadação, poderia simplesmente instituir, por lei municipal, que todo o território municipal se situa em zona urbana, atraindo a incidência do IPTU.

A Lei 6766/79 deixa a cargo dos Municípios a definição das zonas urbanas, mas também não descuida de definir a infraestrutura básica e mínima para aprovação de qualquer parcelamento do solo urbano:

Art. 2º O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.

(…)

§ 5º A infra-estrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação.

Portanto, se você pretende transformar sua gleba em lotes urbanizados, saiba desde já que será de sua responsabilidade (e custeio) a implantação de, no mínimo, a infraestrutura definida no § 5º do artigo 2º da Lei 6766/79, sem prejuízo da possiblidade de a legislação municipal estabelecer outras exigências.

Deve-se levar em conta, nesse contexto, que a Lei 6766/79 se destina apenas a fixar regras gerais e parâmetros mínimos, sendo os Municípios livres para prever adequações e adaptações que melhor atendam ao interesse local.

Essa regra decorre diretamente do artigo 24, inciso I, da Constituição Federal do Brasil, que confere à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a competência concorrente para legislar sobre direito urbanístico.

Isso significa, nos termos do § 1º do mesmo artigo 24, que a lei federal (como é o caso da 6766/79) deve se limitar a estabelecer normas gerais.

Vejamos, agora, cada uma das espécies de parcelamento do solo urbano.

Loteamento e Desmembramento

A diferença fundamental entre loteamento e desmembramento é a necessidade, ou não, de se abrir novas vias públicas de circulação para atendimento aos futuros lotes.

Ao contrário do que se observa em desmembramentos de imóveis rurais, em que se é possível estabelecer servidões de passagem e trânsito para que uma determinada área tenha acesso à via pública de circulação, não se admite, no parcelamento do solo urbano, a existência de qualquer lote sem acesso direto à via pública, ou seja, com testada frontal voltada para a rua.

O grifo anterior não é sem motivo: podem existir, em determinada gleba, vias de circulação particulares, como estradas de terra e as próprias servidões de passagem e trânsito.

Essas vias, no entanto, não podem ser aproveitadas para efeito de definição do tipo de parcelamento.

Nos termos do § 1º do artigo 2º da Lei 6766/79, “considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes”.

Note que a simples necessidade de prolongamento de uma via pública já existente demandará, inevitavelmente, a modalidade de loteamento.

E por que esse critério foi eleito pelo legislador para diferenciar loteamento de desmembramento?

Parece-nos que a via de circulação é a primeira e mais básica estrutura para que uma área possa ser considerada urbanizada, porque integra em si outros beneficiamentos, como o meio-fio ou calçamento, bueiros e sarjetas para escoamento de águas pluviais e passagem de tubulação de água e esgoto.

A Lei 6766/79 não exige, expressamente, que as vias de circulação sejam pavimentadas, mas é incomum, nos dias atuais, que um parcelamento seja lançado no mercado com previsão de vias sem pavimentação.

Além disso, presume-se que, se todos os novos lotes oriundos do parcelamento podem ter acesso direto a uma via pública já existente, o empreendimento não é de grande impacto e a região, possivelmente, já terá algum estágio de urbanização (provavelmente decorrente de um loteamento anterior), com os equipamentos urbanos nela existentes sendo suficientes para atender à demanda dos novos usuários.

Por exclusão, conforme previsão do § 2º do artigo 2º da Lei 6766/79, desmembramento será todo parcelamento do solo urbano em que for possível o aproveitamento do sistema viário público existente,não sendo necessária a abertura, prolongamento, modificação ou ampliação das vias já existentes.

Gleba crua antes do parcelamento X Loteamento com infraestrutura já implantada no Muniípio de Itabira/MG , pela nossa cliente IMG Empreendimentos

Desdobro ou Fracionamento

Embora não seja previsto na Lei 6766/79, o desdobro, também conhecido por fracionamento, é encontrado em várias legislações municipais como forma de viabilizar a subdivisão de um imóvel já anteriormente parcelado.

Aplica-se, principalmente, quando determinado lote tem área suficiente para, mesmo depois de subdividido, ainda atender aos parâmetros urbanísticos mínimos definidos na legislação municipal.

Em outras palavras, se o plano diretor e/ou a lei de uso e ocupação do solo de determinada cidade preveem que a metragem mínima admitida em determinada região é de 200m² e o desdobro é admitido, o proprietário de um lote de 400m² pode solicitar o desdobro do seu imóvel em dois outros lotes de 200m², desde que cada novo imóvel tenha acesso à via pública e respeite os demais parâmetros previstos em Lei (como testada mínima).

O desdobro é benéfico para o proprietário porque dispensa maiores formalidades e, principalmente, não implica em perda de área em favor do município.

A Lei 6766/79

Entendido o conceito de parcelamento do solo urbano e vistas as suas espécies, é hora de voltar a atenção para a lei que regula, a nível federal, essa importante atividade.

Origem

Como bem analisado pelo advogado Talden Farias em artigo sobre os 40 anos de vigência da Lei 6766/79, esta surgiu em um contexto de proliferação de invasões de imóveis e de loteamentos clandestinos, motivados pelo déficit de moradia, por sua vez originada na rápida concentração populacional nas maiores cidades brasileiras.

Até então, o tratamento legal dado ao loteamento (ainda não havia a figura do desmembramento) resumia-se ao Decreto-Lei 58/37, que tinha um caráter eminentemente privado, tratando exclusivamente de questões de direito civil, contratual e registral.

Não havia, como se percebe da simples leitura do referido Decreto-Lei, nenhuma preocupação urbanística ou definição de infraestrutura mínima para a implantação do loteamento, embora já se fosse exigida a elaboração de um “memorial” com planta e plano do loteamento e o depósito destes e de outros documentos no cartório de registro de imóvel como condição para a venda de lotes.

Sobreveio, então, a Lei 6766/79, que ainda hoje é um dos principais diplomas a definir o Direito Urbanístico.

Visão geral – capítulos da Lei

A Lei 6766/79 se divide em dez capítulos, a saber:

  • Capítulo I – Disposições Preliminares: define os conceitos de loteamento e desmembramento, a infraestrutura básica dos parcelamentos, quem será considerado o empreendedor responsável pela implantação, onde será admitido e as proibições ao parcelamento do solo urbano.
  • Capítulo II – Dos Requisitos Urbanísticos para Loteamento: estabelece os parâmetros urbanísticos mínimos, como diretriz a ser seguida pelas legislações municipais, e delega a estas últimas a função de definir, para cada zoneamento urbano, os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo. Também define o que são equipamentos urbanos e comunitários.
  • Capítulo III – Do Projeto de Loteamento: estipula o conteúdo mínimo dos projetos de loteamento, trazendo a figura das diretrizes urbanísticas, que devem ser solicitadas ao Município antes da elaboração do projeto.
  • Capítulo IV – Do Projeto de Desmembramento: determina o conteúdo mínimo dos projetos de desmembramento.
  • Capítulo V – Da Aprovação do Projeto de Loteamento e Desmembramento: traz (i) a obrigação de aprovação municipal do projeto de parcelamento, seja qual for a espécie, (ii) a obrigação de execução das obras de infraestrutura dentro do cronograma, sob pena de caducidade (ou seja, revogação) da aprovação, (iii) maior rigor na aprovação de projetos em áreas de risco geológico ou hidrológico, (iv) a competência dos Estados para aprovar determinados tipos de projeto de parcelamento, (v) a determinação para que a lei municipal delimite os prazos de análise dos projetos e aceitação de obras executadas e (vi) proíbe a alteração, depois da aprovação do projeto, dos espaços livres de uso comum, vias, praças e áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos.
  • Capítulo VI – Do Registro do Loteamento e Desmembramento: prevê a obrigação de registro, no Cartório de Registro de Imóveis competente, do projeto de parcelamento aprovado pelo Município, dentro do prazo de 180 dias, sob pena de caducidade da aprovação. Este capítulo é a fonte das maiores dificuldades dos empreendedores, pois enumera vários documentos, alguns de difícil obtenção, para que o registro do parcelamento seja aceito pelo oficial do Cartório. Pela sua importância, o conteúdo deste capítulo será analisado detidamente em tópico próprio deste artigo.
  • Capítulo VII – Dos Contratos: traz normas específicas de Direito Civil e Contratual para proteger, principalmente, os compradores. Igualmente, pela relevância do tema na atividade, será analisado em tópico específico.
  • Capítulo VIII – Disposições Gerais: reforça a obrigação de aprovação e registro do projeto de parcelamento para a venda de lotes a terceiros, coloca à disposição dos compradores lesados e do Município várias medidas destinadas à regularização do empreendimento, a prejuízo do loteador, e traz regras processuais para ações em que se discuta algum dos direitos ou obrigações previstos na Lei 6766/79.
  • Capítulo IX – Disposições Penais: tipifica os crimes relacionados ao parcelamento irregular do solo urbano e à venda de lotes sem a observância dos ditames da Lei 6766/79.
  • Capítulo X – Disposições finais: determina a forma autorizada de alteração de uso do solo (de rural para urbano), define parcelamentos de interesse público e contém o fecho da Lei 6766/79, com previsão da entrada em vigor e revogação de disposições contrárias.

Quando se pode lotear: os requisitos urbanísticos

Já vimos no tópico sobre a definição de áreas urbanas que somente é admitido o parcelamento do solo nos moldes da Lei 6766/79 em tais áreas.

Para além disso, qualquer loteamento estará sujeito às seguintes regras:

  • Uma parte considerável da gleba original deve ser destinada às vias de circulação e à implantação de equipamentos urbanos e comunitários, cabendo à legislação municipal definir, de acordo com a densidade de ocupação prevista para determinada zona urbana, qual será a proporção da parte a ser doada ao Município;
  • Nenhum lote poderá ter área inferior a 125m² e nem testada frontal inferior a 5m, salvo em empreendimentos localizados em zonas de urbanização específica (via de regra, são áreas definidas em lei municipal que, ainda que não sejam próximas à área urbana principal do Munícipio, por alguma razão detêm algum estágio de urbanização; em Minas Gerais, podemos citar o exemplo do Distrito de São Sebastião das Águas Claras, popularmente conhecido como “Macacos”, que faz parte do Município de Nova Lima) ou destinados à edificação de conjuntos habitacionais de interesse social;
  • Deve ser reservada uma faixa mínima não edificável de 15 metros ao longo de faixas de domínio público de rodovias, podendo tal faixa ser reduzida a até 5 metros por lei municipal;
  • Deve ser igualmente reservada uma faixa mínima não edificável, com medida a ser definida pela legislação municipal, de cada lado ao longo de águas correntes (rios e córregos), dormentes (lagos) e faixas de domínio público de ferrovias; e
  • as vias de circulação do loteamento devem ser projetadas de forma a articular-se com as vias públicas já existentes ao redor da gleba, harmonizando-se com a topografia local.

De todas essas restrições relacionadas ao loteamento, sem dúvida a mais polêmica, a causar uma sensação de injustiça nos empreendedores menos experientes, é a obrigação de doação de áreas ao Município, mas, como se verá a seguir, ela tem um fundamento válido.

A polêmica obrigação de doação de áreas ao Município

Para se aceitar a razão por trás da obrigação de doar uma parte muito relevante da gleba “crua” ao Município quando da aprovação de um parcelamento, primeiro é necessário entender o processo de urbanização da própria cidade.

É óbvio que ninguém fica feliz em perder uma parte grande de seu imóvel para o Município, pois menos área disponível significará menos lotes (ou lotes com área menor), impactando diretamente o resultado financeiro do empreendimento.

Mas você já parou para pensar como seriam os bairros da sua cidade se as únicas construções nele existentes fossem de propriedade privada, se não existissem praças, áreas verdes, escolas, áreas de lazer, hospitais públicos, dentre outros?

Se toda a área de um parcelamento fosse destinada a lotes particulares, por onde passariam as redes de água, esgoto, energia elétrica e comunicações?

Quando se decide realizar um parcelamento, para além do interesse particular dos compradores de lotes, existe um interesse público geral de todos os cidadãos, uma vez que aquele parcelamento se tornará, na grande parte das vezes, um novo bairro da cidade.

Por isso, a Lei 6766/79 não descuidou de estabelecer a obrigação de reserva de uma vasta área da gleba para implantação dos chamados equipamentos urbanos e comunitários.

Originalmente, o § 1º do artigo 4º da Lei estabelecia o percentual mínimo de 35% (trinta e cinco por cento) da gleba para esses equipamentos, abrindo exceção somente para loteamentos industriais. Nenhuma lei municipal poderia, portanto, exigir a doação de um percentual inferior.

Com o advento da Lei 9785/99, a redação foi alterada de forma a dar maior liberdade ao Município, sendo hoje a seguinte:

§ 1º A legislação municipal definirá, para cada zona em que se divida o território do Município, os usos permitidos e os índices urbanísticos de parcelamento e ocupação do solo, que incluirão, obrigatoriamente, as áreas mínimas e máximas de lotes e os coeficientes máximos de aproveitamento.

Não há mais, portanto, um percentual mínimo de doação, cabendo a cada Município decidir o que é melhor para a sua organização territorial.

Em Belo Horizonte, por exemplo, o atual Plano Diretor prevê, em seu artigo 125, a transferência de uma área mínima de 15% ao Município, não se computando nesse percentual, todavia, unidades de preservação e áreas destinadas a equipamentos urbanos comunitários e espaços livres de uso público.

Essa previsão tem fundamento no artigo 5º da Lei 6766/79:

Art. 5º. O Poder Público competente poderá complementarmente exigir, em cada loteamento, a reserva de faixa non aedificandi destinada a equipamentos urbanos.

Parágrafo único – Consideram-se urbanos os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado.

Na prática, portanto, a área a ser “perdida” para o Município variará de acordo com a legislação local e com o projeto do empreendimento.

Ainda sobre a doação de áreas ao Município, é importante observar que, por força do artigo 22 da Lei 6766/79, a transferência da propriedade é feita no ato do registro do projeto aprovado de parcelamento no Cartório de Registro de Imóveis.

Dessa forma, ainda que o empreendedor deixe de executar as obras de infraestrutura do empreendimento (ressalvada a hipótese de cancelamento, que precisa de autorização do Município), as áreas destinadas no projeto às vias de circulação, equipamentos urbanos e comunitários ou qualquer outro uso público serão irreversivelmente perdidas para o Município.

Operacionalmente, no ato de registro do parcelamento, o oficial do Cartório de Registro de Imóveis abrirá matrículas individualizadas tanto para os lotes quanto para as estruturas e áreas públicas – pode-se abrir uma matrícula única para todo o sistema viário, por exemplo, ou várias matrículas para trechos distintos das vias de circulação).

Por isso, embora, para fins didáticos, estejamos usando o termo “doação” neste artigo, não se trata, na prática, de uma operação sujeita à incidência do ITCD.

O termo técnico correto é transferência de área ao Município e tampouco atrai a incidência de ITBI.

É possível parcelar gleba localizada em zona rural?

Sob a forma de loteamento ou desmembramento (na acepção urbana), não, por expressa determinação do artigo 3º da Lei 6766/79, já estudado.

Deve-se ter em vista que, na implantação de um projeto parcelamento, o Município tem o direito de receber uma vasta área para destinação ao uso público, mas a esse direito corresponde o dever de efetivamente instalar os equipamentos urbanos e prédios públicos e, em definitivo, de prestar manutenção dessas áreas depois de encerrado o prazo de garantia legal (que é de 5 anos, conforme previsto no parágrafo único do artigo 618 do Código Civil) e de oferecer serviços públicos variados (como iluminação pública, coleta de lixo, segurança etc.).

A criação de um novo bairro em uma zona rural, na qual quase sempre será escassa a disponibilidade de equipamentos e serviços públicos, resultaria em uma onerosidade excessiva ao Município, pois demandaria um enorme esforço financeiro para o atendimento das necessidades mais básicas da potencial população desse bairro.

Por isso, andou bem o legislador a não permitir a implantação de parcelamentos do solo urbano em zona rural.

Não confunda, contudo, zona rural com imóvel rural.

Como visto anteriormente, é a legislação municipal que, ao definir o perímetro urbano e o zoneamento do Município, indicará a localização exata da zona urbana, zona de expansão urbana, eventual zona de urbanização específica e zona rural.

Um imóvel ainda qualificado como rural (sujeito ao pagamento de ITR e cadastrado no INCRA, portanto) pode passar a integrar, com a promulgação de determinada lei municipal (normalmente o plano diretor ou a lei de uso e ocupação do solo), uma zona de expansão urbana ou uma zona de urbanização específica.

Isso não torna o imóvel, automaticamente, urbano, mas permite que o seu proprietário solicite a sua conversão, cadastrando-o no Município para fins de pagamento de IPTU e, consequentemente, descadastrando-o como imóvel rural junto ao INCRA.

A partir daí, será permitido o parcelamento do solo via loteamento ou desdobramento.

Mas qual é, então, a opção para o proprietário de gleba localizada em zona rural que pretende dividir sua área para venda a terceiros? O desmembramento rural.

A lei aplicável não será a 6766/79, mas o conhecido Estatuto da Terra (Lei 4504/64), seu regulamento (Decreto 62504/68) e a Lei 5868/72.

Bem resumidamente, por não ser o parcelamento rural objeto deste texto, o artigo 65 do Estatuto da Terra estabelece que o imóvel rural não pode ser dividido em áreas de dimensão inferior à do módulo mínimo de propriedade rural (que varia de Estado para Estado).

Logo, ele pode ser dividido em quantas áreas quanto forem convenientes a seu proprietário desde que nenhuma delas seja inferior ao limite mínimo previsto para o módulo rural.

O Decreto 62504/68, por sua vez, permite desmembramentos em áreas inferiores ao módulo rural desde que para destinação a atividades específicas, como postos de combustível, restaurantes, hotéis, oficinas mecânicas, dentre outros.

Já a Lei 5868/72, em seu artigo 8º, cria uma “fração mínima de parcelamento” que pode, a depender da localização do imóvel, ser inferior ao módulo rural mínimo, prevalecendo, para fins de desmembramento, a menor área.

Vale registrar que o “parcelamento rural” não é incentivado nem desejado pelos municípios porque, ao contrário do parcelamento do solo urbano, ele não está sujeito a várias obrigações de cunho urbanístico, sendo, muitas vezes, implantado sem condições mínimas de utilização e habitabilidade das áreas desmembradas.

A propósito, veja dois de nossos artigos que se aprofundam nestes temas: Parcelamento do solo rural e Condomínio de lotes em área rural.

Situações em que o parcelamento não é permitido

Como forma de proteger interesses coletivos (relacionado a um grupo identificado de pessoas) e difusos (relacionado a um grupo de pessoas indeterminadas, ligadas entre si por alguma circunstância de fato), a Lei 6766/79 proíbe expressamente o parcelamento do solo (parágrafo único do art. 3º):

I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;

II – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;

III – em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;

V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

A lógica por trás da proibição é clara: impedir que a busca do proprietário da gleba por lucro coloque em risco a saúde e segurança de terceiros (os potenciais compradores) ou afete algum bem ambiental protegido.

A maior parte das hipóteses (incisos I a IV) se volta à proteção humana, não sendo admitida a implantação de empreendimento em locais que possam sofrer inundações, conter materiais nocivos à saúde (como, por exemplo, um aterro sanitário ou um antigo depósito de combustível ou material radioativo), declividade muito acentuada (o que facilitaria deslizamentos de terra) ou outras condições geológicas que não aconselhem a edificação.

O cenário do inciso V, embora também invoque a saúde humana ao falar de condições sanitárias suportáveis, impede o parcelamento de áreas de preservação ecológica.

Como a Lei 6766/79 é anterior à Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) e à Constituição Federal , parece existir uma certa imprecisão no termo “áreas de preservação ecológica”, mas, no atual cenário legislativo de proteção ao meio ambiente, não há dúvida de que esse conceito será, sempre, interpretado extensivamente, de forma a abarcar qualquer área com algum grau de proteção ambiental.

Logo, não se pode, por exemplo, lotear uma área de preservação permanente ou uma reserva particular do patrimônio natural (RPPN).

O mesmo se aplica à reserva legal devidamente averbada na matrícula. Ela não poderá, sob qualquer justificativa, integrar a área loteável do empreendimento.

Há, ainda, situações em que, com algum aprofundamento de análise, o parcelamento pode vir a ser permitido. Trata-se da previsão do § 2º do artigo 12 da Lei 6766/79:

§ 2º Nos Municípios inseridos no cadastro nacional de municípios com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos, a aprovação do projeto de que trata o caput ficará vinculada ao atendimento dos requisitos constantes da carta geotécnica de aptidão à urbanização.

Por outro lado, o § 3º do mesmo artigo veda expressamente o parcelamento nas áreas definidas no Plano Diretor como áreas de risco não edificáveis. O motivo é claro: onde não se pode edificar em função de algum risco geológico, tampouco se pode parcelar. Afinal, de que serviria um lote sem potencial construtivo?

Lembremos, nesse ponto, o conceito inicial de parcelamento, que é a subdivisão de uma gleba em lotes para fins de futura edificação.

O que os projetos de loteamento ou desmembramento devem prever?

Os projetos de loteamento e desmembramento se diferenciam pela complexidade, pois o segundo, como visto, não demanda a abertura, prolongamento ou modificação de vias de circulação.

Salvo em situações específicas – municípios com menos de 50.0000 habitantes ou cujo plano diretor já estipule diretrizes de urbanização para a zona em análise –, um projeto de loteamento se inicia com a solicitação, junto à Prefeitura Municipal (ou Distrito Federal), das diretrizes urbanísticas aplicáveis à zona em que se localiza a gleba a lotear.

Para apresentar tal solicitação, o interessado deverá anexar ao requerimento planta do imóvel contendo, pelo menos (artigo 6º da Lei 6766/79):

I – as divisas da gleba a ser loteada;

II – as curvas de nível à distância adequada, quando exigidas por lei estadual ou municipal;

III – a localização dos cursos d’água, bosques e construções existentes;

IV – a indicação dos arruamentos contíguos a todo o perímetro, a localização das vias de comunicação, das áreas livres, dos equipamentos urbanos e comunitários existentes no local ou em suas adjacências, com as respectivas distâncias da área a ser loteada;

V – o tipo de uso predominante a que o loteamento se destina;

VI – as características, dimensões e localização das zonas de uso contíguas.

Em seguida, a Prefeitura indicará, na própria planta (artigo 7º):

I – as ruas ou estradas existentes ou projetada, que compõem o sistema viário da cidade e do município, relacionadas com o loteamento pretendido e a serem respeitadas;

II – o traçado básico do sistema viário principal;

III – a localização aproximada dos terrenos destinados a equipamento urbano e comunitário e das áreas livres de uso público;

IV – as faixas sanitárias do terreno necessárias ao escoamento das águas pluviais e as faixas não edificáveis;

V – a zona ou zonas de uso predominante da área, com indicação dos usos compatíveis.

Observe que, apesar da obtenção das diretrizes ser anterior ao projeto, é nessa fase que as principais características do loteamento serão definidas.

Com efeito, uma vez emitidas as diretrizes – que são válidas por no máximo 4 anos, sendo esse prazo definido em lei municipal – o interessado terá em mãos um roteiro para a elaboração do projeto de loteamento.

Naturalmente, esse roteiro é obrigatório e, se o loteador apresentar um projeto com divergências em relação às diretrizes fixadas, ele não conseguirá aprová-lo.

A sequência do processo ocorre com a apresentação do projeto de loteamento para aprovação do Município, “contendo desenhos, memorial descritivo e cronograma de execução das obras com duração máxima de quatro anos, (…) acompanhado de certidão atualizada da matrícula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis competente, de certidão negativa de tributos municipais e do competente instrumento de garantia, ressalvado o disposto no § 4º do art. 18 (artigo 9º, caput)”.

Os desenhos, que nada mais são do que as diversas plantas técnicas do empreendimento, deverão conter, no mínimo (§ 1º do artigo 9º):

I – a subdivisão das quadras em lotes, com as respectivas dimensões e numeração;

Il – o sistema de vias com a respectiva hierarquia;

III – as dimensões lineares e angulares do projeto, com raios, cordas, arcos, pontos de tangência e ângulos centrais das vias;

IV – os perfis longitudinais e transversais de todas as vias de circulação e praças;

V – a indicação dos marcos de alinhamento e nivelamento localizados nos ângulos de curvas e vias projetadas;

VI – a indicação em planta e perfis de todas as linhas de escoamento das águas pluviais.

Já o memorial descritivo apresentará (§ 2º do artigo 9º):

I – a descrição sucinta do loteamento, com as suas características e a fixação da zona ou zonas de uso predominante;

II – as condições urbanísticas do loteamento e as limitações que incidem sobre os lotes e suas construções, além daquelas constantes das diretrizes fixadas;

III – a indicação das áreas públicas que passarão ao domínio do município no ato de registro do loteamento;

IV – a enumeração dos equipamentos urbanos, comunitários e dos serviços públicos ou de utilidade pública, já existentes no loteamento e adjacências.

O conjunto dos documentos a serem apresentados para aprovação do projeto de loteamento, como se vê, traça um panorama bastante compreensivo do que será o futuro empreendimento, cabendo ao interessado demonstrar a viabilidade técnica e urbanística dele.

No desmembramento, conforme previsto no artigo 10 da Lei 6766/79, não há, a rigor, necessidade de obtenção prévia de diretrizes (mas também não se proíbe que a legislação municipal assim o exija), bastando a apresentação de certidão atualizada da matrícula da gleba e de planta do imóvel a ser desmembrado contendo:

I – a indicação das vias existentes e dos loteamentos próximos;

II – a indicação do tipo de uso predominante no local;

III – a indicação da divisão de lotes pretendida na área.

Um erro comum é achar que no desmembramento não há perda de área para o Município. Isso não é necessariamente uma verdade, embora a lei municipal possa, sim, dispensar a doação.

Veja, a respeito, o que o artigo 11 da Lei 6766/79 deixa claro:

Art. 11. Aplicam-se ao desmembramento, no que couber, as disposições urbanísticas vigentes para as regiões em que se situem ou, na ausência destas, as disposições urbanísticas para os loteamentos.

Parágrafo único – O Município, ou o Distrito Federal quando for o caso, fixará os requisitos exigíveis para a aprovação de desmembramento de lotes decorrentes de loteamento cuja destinação da área pública tenha sido inferior à mínima prevista no § 1º do art. 4º desta Lei.

Logo, a lei municipal poderá estabelecer, mesmo para o desmembramento, um percentual mínimo de transferência de área.

Como é o processo de aprovação?

Cada Município definirá, em sua legislação, as etapas do processo administrativo de aprovação do projeto de loteamento ou desmembramento.

Geralmente, a lei municipal indicará quais serão os órgãos municipais internos responsáveis pela análise (por exemplo, secretarias municipais de obras, política urbana e meio ambiente), as licenças e autorizações que devem ser obtidas pelo empreendedor antes de ser possível a aprovação do projeto, os prazos de análise e cumprimento de eventuais exigências e as taxas a serem pagas.

Sobre os prazos, não sendo ele previstos na lei municipal, eles serão de 90 dias para aprovação ou rejeição do projeto e de 60 dias para aceitação ou recusa fundamentada das obras de infraestrutura, conforme previsto no § 2º do artigo 16 da Lei 6766/79.

Além disso, se decorridos quaisquer dos prazos previstos sem manifestação da Prefeitura, o projeto será considerado rejeitado e as obras, recusadas, resguardado o direito do empreendedor, nessas hipóteses, à indenização integral pelos prejuízos sofridos com a omissão do Poder Público (§ 1º do artigo 16 da Lei 6766/79).

A sequência normal para a aprovação do projeto de loteamento (no desmembramento poderá não existir a primeira etapa) é:

Solicitação de diretrizes urbanísticas ⟶ Elaboração do projeto ⟶ Submissão do projeto para aprovação da Prefeitura, juntamente com os demais documentos exigidos em Lei + Solicitação das licenças ambientais aplicáveis + Solicitação de declarações de viabilidade técnica de conexão do empreendimento às redes de abastecimento de água, esgoto e energia elétrica Análise técnica pelos órgãos internos da Prefeitura e órgão(s) ambiental(is) ⟶ Possível apresentação de exigências para aprovação ⟶ Adequação do projeto pelo interessado e reapresentação à Prefeitura ⟶ Aprovação do Projeto e obtenção das licenças ambientais ⟶ Registro em Cartório ⟶ Execução das obras de infraestrutura ⟶ Comunicação de término de obra para liberação de garantias pela Prefeitura.

Também não se pode esquecer que, a depender do Estado e do projeto, pode ser necessária a obtenção de licença ambiental também junto ao órgão estadual.

Como há significativas variações nas legislações municipais e estaduais, é essencial o acompanhamento, por advogado especialista em direito imobiliário, do processo de aprovação do projeto de parcelamento.

Com o auxílio desse profissional, muitos obstáculos comumente enfrentados pelos empreendedores serão resolvidos de forma bem mais assertiva e rápida.

Garantia de execução das obras de infraestrutura

No ato do protocolo do projeto de parcelamento para análise do Município, o interessado deverá apresentar, conjuntamente, o competente instrumento de garantia, segundo o artigo 9º da Lei 6766/79.

Não há definição, entretanto, das espécies admitidas de garantia, cabendo à legislação municipal definir o que pode ser aceito ou não.

A espécie mais comum de garantia é o caucionamento de uma determinada quantidade de lotes do próprio empreendimento em favor do Município, mas também se pode prever, por exemplo, caução em dinheiro ou títulos da dívida pública, fiança bancária, seguro garantia e hipoteca de outro(s) imóvel(is).

O número de lotes a serem caucionados será definido pelo próprio Município durante a análise do projeto, com base no custo estimado das obras de infraestrutura do empreendimento (a projeção desse custo normalmente é feita por equipe de engenharia da própria Prefeitura).

O meio de formalização da garantia (hipoteca, alienação fiduciária, dentre outros) também deverá estar previsto em lei municipal.

Uma vez definida a garantia que será oferecida pelo interessado, isso normalmente se formaliza por meio de termo de compromisso assinado com a Prefeitura, servindo tal instrumento, em regra, como prova do ato para fins de registro do projeto aprovado no Cartório de Registro de Imóveis (inciso V do artigo 18 da Lei 6766/79).

Isso porque, como a espécie mais comum de garantia é o caucionamento dos próprios lotes do empreendimento e eles só passam a existir no mundo jurídico no ato do registro do projeto de parcelamento, não é possível a lavratura da escritura pública de hipoteca ou alienação fiduciária antes de tal registro.

Ainda sobre a garantia, à medida que as obras de infraestrutura forem sendo concluídas, o empreendedor pode solicitar a liberação parcial de lotes caucionados, de acordo com as regras previstas na lei local.

O descaucionamento total só ocorrerá com a conclusão e aprovação/recebimento das obras de infraestrutura pelo Município através do documento conhecido como Termo de Verificação de Obra (TVO).

Por razões óbvias, o loteador não poderá vender os lotes caucionados enquanto sobre eles estiver gravada a garantia, seja qual for o formato, a não ser com anuência do Município e, no caso da hipoteca, expresso alerta ao comprador acerca do gravame e do risco de perda do bem.

Grandes projetos e empreendimentos situados em mais de uma circunscrição ou em áreas de interesse especial

 Em algumas situações especiais, o processo de aprovação do parcelamento pode ser ainda mais complexo porque demandará a anuência do Estado. Essas hipóteses estão previstas no artigo 13 da Lei 6766/79:

I – quando localizados em áreas de interesse especial, tais como as de proteção aos mananciais ou ao patrimônio cultural, histórico, paisagístico e arqueológico, assim definidas por legislação estadual ou federal;

II – quando o loteamento ou desmembramento localizar-se em área limítrofe do município, ou que pertença a mais de um município, nas regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas, definidas em lei estadual ou federal;

III – quando o loteamento abranger área superior a 1.000.000 m².

Parágrafo único – No caso de loteamento ou desmembramento localizado em área de município integrante de região metropolitana, o exame e a anuência prévia à aprovação do projeto caberão à autoridade metropolitana.

Cada Estado disciplinará, por meio de lei estadual, como será o processo de avaliação do projeto de parcelamento nas três hipóteses acima transcritas.

Note, todavia, que a competência para a aprovação do projeto de parcelamento continuará sendo, sempre, do Município. Ao Estado caberá dar a anuência, mas não aprovar o projeto.

Naturalmente, se o Estado negar a anuência, o ente municipal não poderá aprovar o projeto.

O registro dos projetos de parcelamento aprovados – o temido artigo 18 da Lei 6766/79

Vencida a primeira fase do processo de viabilização do parcelamento, começa a etapa em que se enfrentam, talvez, as maiores dificuldades: o registro do projeto no Cartório de Registro de Imóveis.

Com o projeto chancelado pela Prefeitura, o interessado deve, no prazo máximo de 180 dias, apresentá-lo para registro, junto com uma série de documentos, ao Cartório de Registro de Imóveis que possua circunscrição sobre a área (em cidades do interior, é comum existir um único cartório de RI com circunscrição sobre todo o território).

Se a apresentação ao Cartório não for feita dentro do prazo, a aprovação do projeto perde a validade (caducidade), como se nunca tivesse ocorrido, obrigando o interessado, se for o caso, a reiniciar o processo administrativo do zero.

Os documentos que devem acompanhar o projeto aprovado estão indicados no artigo 18 da Lei 6766/79.

Para facilitar o entendimento, vamos transcrever o dispositivo completo, inclusive com seus parágrafos, para em seguida explicar um a um os documentos (se quiser já pular para a explicação, clique em cada um dos incisos transcritos):

Art. 18. Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos:

I – título de propriedade do imóvel ou certidão da matrícula, ressalvado o disposto nos §§ 4º e 5º;

II – histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 (vintes anos), acompanhados dos respectivos comprovantes;

III – certidões negativas:

a) de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel;

b) de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 (dez) anos;

c) de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio e contra a Administração Pública.

IV – certidões:

a) dos cartórios de protestos de títulos, em nome do loteador, pelo período de 10 (dez) anos;

b) de ações pessoais relativas ao loteador, pelo período de 10 (dez) anos;

c) de ônus reais relativos ao imóvel;

d) de ações penais contra o loteador, pelo período de 10 (dez) anos.

V – cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do termo de verificação, pelo Município ou pelo Distrito Federal, da execução das obras exigidas pela legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais ou da aprovação de um cronograma, com a duração máxima de 4 (quatro) anos, prorrogáveis por mais 4 (quatro) anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras;

VI – exemplar do contrato padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indicações previstas no art. 26 desta Lei;

VII – declaração do cônjuge do requerente de que consente no registro do loteamento. 

§ 1º – Os períodos referidos nos incisos III, alínea b e IV, alíneas a, e d, tomarão por base a data do pedido de registro do loteamento, devendo todas elas serem extraídas em nome daqueles que, nos mencionados períodos, tenham sido titulares de direitos reais sobre o imóvel.

§ 2º – A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o Oficial do Registro de Imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente.

§ 3º – A declaração a que se refere o inciso VII deste artigo não dispensará o consentimento do declarante para os atos de alienação ou promessa de alienação de lotes, ou de direitos a eles relativos, que venham a ser praticados pelo seu cônjuge.

§ 4º – O título de propriedade será dispensado quando se tratar de parcelamento popular, destinado às classes de menor renda, em imóvel declarado de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a implantar projetos de habitação.                       

§ 5º – No caso de que trata o § 4º, o pedido de registro do parcelamento, além dos documentos mencionados nos incisos V e VI deste artigo, será instruído com cópias autênticas da decisão que tenha concedido a imissão provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na imprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de criação e de seus atos constitutivos.

Na ordem em que são apresentados na Lei, vamos agora entender cada um dos documentos:

I – No Direito Brasileiro, a propriedade imobiliária só se transfere com o registro, no Cartório de Registro de Imóveis competentes, do chamado título translativo que confere àquele pretenso novo proprietário o direito.

Quem nunca ouviu o famoso ditado “quem não registra não é dono”? Ele decorre diretamente do artigo 1.245 do Código Civil , que diz que transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis e que enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como o dono do imóvel (§ 1º).

Embora existam formas de aquisição originária da propriedade, a saber, usucapião e acessão, que não dependem de um ato voluntário e anterior de um terceiro, a forma mais comum de obtenção da propriedade é, mesmo, a transferência, que pode ser dar por compra e venda, permuta, doação, desapropriação e sucessão (herança ou legado), sendo as quatro primeiras entre vivos e a última, causa mortis.

Como visto, se a operação que afeta a propriedade é uma transferência, o imóvel só muda efetivamente de mãos, para todos os efeitos, com o registro do título translativo.

O inciso I do artigo 18 da Lei 6766/79 fala, todavia, em título de propriedade. Qual é a diferença?

O título de propriedade pode ser um título translativo – em regra, escritura pública, mas se admite o contrato particular para imóveis de valor até 30 salários mínimos, venda de lotes ou alienações fiduciárias feitas em favor de instituições integrantes do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI).

Mas também pode ser uma decisão judicial transitada em julgado (desapropriação, carta de arrematação em leilão, usucapião, dentre outros) ou um formal de partilha.

Logo, o título de propriedade será o documento que confere, com fundamento em qualquer previsão legal, a propriedade de um imóvel a determinada pessoa.

Portanto, o documento exigido pelo artigo I do artigo 18 da Lei 6766/79 variará de acordo com a forma em que a propriedade da gleba foi adquirida pelo interessado.

Em qualquer caso, a certidão atualizada da matrícula, já estando o imóvel em nome do empreendedor, obviamente, suprirá a necessidade de apresentação do título de propriedade, dado o conectivo “ou” na redação do inciso I.

II – É o chamado “histórico vintenário”.

Trata-se de um documento que deve ser produzido pelo próprio interessado com uma análise da cadeia dominial do imóvel nos últimos 20 anos, contados da data em que está sendo pleiteado o registro.

Assim, se estou registrando um parcelamento em 2021, preciso analisar e explicar, no documento, todas as transmissões da propriedade desde o ano de 2001.

Como fazer isso? Contrate um advogado especializado em direito imobiliário!

Se, ao contrário, quiser se dar ao trabalho, peça ao Cartório de RI uma certidão vintenária, cujo custo variará de acordo com o número de matrículas que já descreveram aquele imóvel no período.

Caso o imóvel seja do mesmo proprietário há mais de 20 anos, sem desmembramentos ou unificações, o trabalho será mais fácil.

Do contrário, deve-se descrever, no exemplo dado, cada um dos registros e averbações constantes de todas as matrículas da certidão vintenária desde o ano de 2001,que tenham gerado ou modificado algum direito real sobre o imóvel, como compra e venda, sucessão, usufruto, doação etc.

É necessário qualificar os envolvidos em cada uma das operações e expô-las em ordem cronológica.

Quer ter acesso a um exemplo de histórico vintenário? Envie-nos uma mensagem pelo formulário de contato.

III – São as certidões negativas fiscais (alínea “a”), de ações reais (alínea “b”) e de ações criminais que envolvam especificamente crime contra o patrimônio e contra a Administração Pública (alínea “c”).

As certidões fiscais, as famosas “CND´s”, devem ser das três esferas de Poder (federal, estadual e municipal) e podem ser obtidas, respectivamente, nos sites da Receita Federal  , governos estaduais  (exemplo do link – Minas Gerais) e prefeituras municipais  (exemplo do link – Belo Horizonte).

A ação real, por sua vez, é aquela que envolve a discussão de algum direito real sobre o imóvel, como, por exemplo, as ações de usucapião, demarcatória, reivindicatória, desapropriação, dentre outras.

Como, pelo menos até hoje, os sistemas dos órgãos do Poder Judiciário não disponibilizam certidões específicas de ações reais (que demandariam uma busca por imóvel), a certidão de ações reais acaba sendo substituída pelas certidões de ações em nome dos proprietários da gleba nos últimos 10 anos.

Essas certidões são facilmente obtidas nos sites dos próprios tribunais estaduais e federais. Em alguns casos, sendo a certidão positiva, pode não ser possível a emissão pela internet, sendo necessário o comparecimento pessoal.

Caso se identifique alguma classe de ação que possa envolver a discussão de direito real, certamente o oficial do Cartório de Registro de Imóveis solicitará esclarecimentos ao interessado, que deverá provar, documentalmente, que a referida ação não envolve a gleba que se pretende lotear e, caso envolva, que não há risco direto ao empreendimento e/ou aos adquirentes de lotes.

A certidão criminal também poderá ser requerida nos sites dos tribunais estaduais e federais. Sendo ela positiva, todavia, será necessário o comparecimento pessoal do envolvido na certidão ou procurador regularmente constituído, já que as ações criminais, por expressa disposição legal, tramitam em segredo de justiça.

Embora não haja previsão expressa na Lei 6766/79 acerca da necessidade de se obter as certidões em nome dos sócios ou administradores do loteador pessoa jurídica, é comum encontrar, nas regulamentações estaduais dos serviços notariais e de registro, referências a respeito.

Em Minas Gerais, por exemplo, o § 2º do artigo 1.002 do Provimento Conjunto nº 93/2020  (Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça) exige a apresentação da certidão criminal também em nome do representante legal do loteador pessoa jurídica.

Também é relevante ressaltar que, por força do § 1º do artigo 18 da Lei 6766/79, a certidão de ações reais (na prática, a certidão de distribuição de ações pessoais) deverá ser obtida em nome de toda e qualquer pessoa que tenha sido proprietária do imóvel a ser parcelado nos últimos 10 anos.

E o que fazer quando qualquer das certidões obrigatórias for positiva? Isso impede, automaticamente, o registro do parcelamento?

A resposta se encontra no § 2º do artigo 18 da Lei 6766/79, já transcrito acima.

Se a certidão positiva for a criminal e o crime for contra o patrimônio e contra a administração pública, o registro do parcelamento será inevitavelmente negado. Não é necessária a condenação criminal, mas a simples existência de ação que envolva algum crime de tal natureza.

Isso pode parecer injusto, já que o processado pode ser absolvido ao final da ação criminal, mas a clara intenção do legislador foi a de proteger os adquirentes dos lotes contra possíveis efeitos negativos que situações pessoais do loteador e/ou seus sócios ou representantes legais possam causar.

Para as demais certidões (fiscais, reais e outras espécies de crimes), o simples apontamento de processo ativo não impede, por si só, o registro do parcelamento.

Todavia, o interessado deverá convencer o oficial do Cartório de RI (e, em último caso, o juiz) que a existência daquele processo específico não é capaz de gerar qualquer impacto ao empreendimento e/ou risco aos adquirentes de lotes.

Como o oficial do Cartório tem responsabilidade pessoal em caso de negligência no ato do registro, é natural que haja um excessivo rigor na análise dos processos de registro de loteamentos e desmembramentos.

Mas de nada adianta “comprar briga” e se indispor com o oficial.

Na esperada apresentação de exigências para o registro, o loteador deverá se concentrar em resolver o que for possível e justificar o que não for.

IV – Este inciso enumera outras 4 certidões que, em grande parte, se misturam com as certidões previstas no inciso III.

A primeira é a certidão de protestos de títulos, que assim como a de ações reais, terá de ser emitida em nome do loteador e de todos os proprietários anteriores do imóvel nos últimos 10 anos.

Pode ser obtida em cartórios distribuidores de protesto (nas cidades em que existam) ou em cada um dos cartórios de protesto da cidade de localização da gleba e da cidade de residência da pessoa certificada.

A segunda é a certidão de ações pessoais em nome do loteador, também abrangendo os últimos 10 anos. Na prática, pelas limitações dos sistemas dos tribunais, esta certidão será a mesma prevista no inciso III, alínea “b” (ações reais) e, por isso, acabará também tendo que ser emitida em nome de todos os proprietários do imóvel no período.

A terceira é a certidão de ônus reais, que indica se pesa sobre aquele imóvel algum ônus ou gravame. É emitida pelo próprio cartório de registro de imóveis competente para o registro do parcelamento.

Embora a Lei 6766/79 não estabeleça prazo de validade das certidões, é comum encontrar essa previsão nas regulamentações estaduais e nas próprias certidões. A certidão de ônus reais normalmente vale por 30 dias e deve ser renovada a cada nova submissão dos documentos para apreciação do Cartório.

Por fim, a quarta certidão é de ações penais, que será a mesma prevista na alínea “c” do inciso III, já que a certidão criminal, em regra, abrangerá todo e qualquer crime possivelmente praticado pela pessoa pesquisada, independentemente de sua classificação.

V – Aqui se exige cópia o instrumento legal que tenha aprovado o loteamento – normalmente um decreto municipalmais a verificação de uma de duas situações:

(i) se as obras do loteamento já estiverem concluídas ou ao menos bastante avançadas (o que é pouco comum, haja vista o prazo máximo de 180 dias para o registro e a irregularidade de se iniciar as obras antes da aprovação do projeto), deve-se apresentar o Termo de Verificação de Obra (TVO), já mencionado neste estudo, certificando, no mínimo, a execução das vias de circulação, da demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento de águas pluviais;

(ii) se as obras não estiverem em estágio avançado, deve-se apresentar o cronograma de execução de tais obras, devidamente aprovado pela Prefeitura, com previsão de conclusão não superior a 4 anos, prorrogáveis por mais 4, acompanhado do instrumento de garantia, já analisado. Esta situação é muito mais comum.

VI – É a minuta do contrato padrão de compra e venda dos lotes, que deverá observar todos os aspectos formais previstos na própria Lei 6766/79. O contrato, suas características e requisitos serão analisados em tópico próprio deste artigo .

VII – Se a gleba a ser parcelada estiver em nome de pessoa física, a anuência do cônjuge é obrigatória e deve se dar por meio de declaração autônoma. O § 3º do artigo 18 reforça, ainda, que a anuência do cônjuge também será obrigatória em todos os atos de alienação ou constituição de direitos reais sobre os lotes do empreendimento.

Responsabilidade do Registrador Imobiliário

A Lei 6766/79 dá ao oficial do Cartório de RI, ao mesmo tempo, um substancial poder e uma grande responsabilidade nos processos de viabilização de parcelamentos urbanos.

Explico: embora não detenha a palavra final sobre a possibilidade de se registrar, ou, não, um projeto de parcelamento aprovado, o oficial faz as vezes de juiz na análise não só formal, mas também técnica-subjetiva dos documentos apresentados pelo interessado.

Como visto, na ocorrência de certidões positivas ou situações não tão claras, o oficial deve exigir esclarecimentos e explicações do loteador, o que o torna o processo, muitas vezes, lento e oneroso.

Afinal, se o imóvel tiver passado, nos últimos 10 anos, nas mãos de 4 proprietários distintos, por exemplo, provavelmente não existirá nenhuma relação ou mesmo meio de contato entre o loteador e o(s) primeiro(s) proprietários.

Não é incomum, também, que proprietário(s) anterior(es) já tenha(m) falecido, dificultando sobremaneira a obtenção de documentos e informações sobre eventuais processos em seu nome.

Mas a dificuldade não ameniza ou elimina a necessidade de se apresentar, de um jeito ou de outro, os documentos e informações. Sem eles, fatalmente o registro será negado tanto pelo oficial quanto pelo juiz.

É um trabalho árduo e que, por isso, deve ser delegado a profissionais especializados.

Será do oficial a primeira palavra a respeito da regularidade dos documentos. Se ele entender que há algo que não está em ordem ou que alguma informação indica risco ao empreendimento e/ou aos adquirentes de lotes, a decisão final caberá ao juiz, via procedimento de suscitação de dúvida.

Por outro lado, a função também carrega uma grande responsabilidade, pois, além de estar sujeito a multa de 10 vezes o valor dos emolumentos previstos para o registro do parcelamento, o oficial ainda pode sofrer sanções administrativas e criminais se efetivar um registro em desacordo com as exigências legais.

É o que diz o § 4º do artigo 19 da Lei 6766/79:

§ 4º – O Oficial do Registro de Imóveis que efetuar o registro em desacordo com as exigências desta Lei ficará sujeito a multa equivalente a 10 (dez) vezes os emolumentos regimentais fixados para o registro, na época em que for aplicada a penalidade pelo juiz corregedor do cartório, sem prejuízo das sanções penais e administrativas cabíveis.

Por isso, reforçamos o conselho: não entre em rota de colisão com o Cartório e não tente contornar as exigências. É mais fácil e menos desgastante obter os documentos e informações solicitadas do que convencer alguém a se colocar em alto risco.

Publicação de edital, prazo para impugnação e registro do loteamento

Quando, finalmente (não se iluda: é extremamente rara a aprovação direta de um registro de loteamento sem a formulação de exigências), o Oficial do Cartório de RI entender que a documentação apresentada pelo loteador está adequada, ele comunicará sua decisão à Prefeitura e mandará publicar, na imprensa, um edital com resumo do projeto e desenho de localização da área (artigo 19 da Lei 6766/79).

O edital deverá ser publicado por 3 dias consecutivos – nas capitais, a publicação deve ser dar no Diário Oficial do Estado e em algum jornal de circulação diária; nas cidades do interior, apenas em jornal local, se houver, ou em jornal regional – e poderá ser impugnado por qualquer interessado no prazo de 15 dias contados da data da última publicação.

Não havendo impugnação dentro do prazo, o registro será feito imediatamente pelo oficial do Cartório de RI.

Existindo impugnação, a Prefeitura (ou Distrito Federal) será intimada para manifestar-se em 5 dias.

Em seguida, o “processo” será enviado ao juiz competente para decisão (nas maiores cidades, o juiz da Vara de Registros Públicos).

O juiz dará, então, vista ao Ministério Público, para que este se manifeste também em 5 dias, e lançará sua decisão em seguida, ou após instrução (coleta de provas) sumária (§ 2º do artigo 19).

Se a discussão demandar “maior indagação”, ou seja, uma prova mais complexa, o interessado será remetido às vias ordinárias, o que significa que ele terá de passar por uma longa discussão judicial com o impugnante.

Se a decisão judicial for favorável ao empreendedor, o oficial do Cartório de RI registrará o loteamento.

Com ou sem impugnação, depois de registrado o loteamento a Prefeitura deverá ser formalmente comunicada pelo Cartório.

Pode ocorrer, ainda, de o empreendimento estar localizado em mais de uma circunscrição (que significa divisão territorial para fins administrativos), ou seja, em áreas de “competência” de mais de um Cartório de RI, embora seja vedado que um lote se situe em mais de uma circunscrição (§ 1º do artigo 21).

Nesses casos, o artigo 21 da Lei 6766/79 determina que o registro seja feito por etapas, começando na circunscrição em que a maior parte do empreendimento esteja localizada.

A cada registro aprovado, o processo deve ser reiniciado na próxima circunscrição, com comprovação de que a anterior já deferiu o registro.

Se qualquer uma das circunscrições da cadeia negar o registro, o oficial responsável comunicará aos demais para fins de cancelamento do(s) registro(s) anterior(es), a não ser que o motivo do indeferimento diga respeito a uma questão exclusiva da área da circunscrição que denegou o registro, hipótese em que o loteador poderá requerer a subsistência do(s) registro(s) anterior(es), reaprovando o projeto de loteamento com a área remanescente junto à Prefeitura (§ 4º do artigo 21).

Além disso, é expressamente proibido o processamento simultâneo dos registros em mais de uma circunscrição, ou seja, o loteador só poderá protocolar o projeto para aprovação da circunscrição seguinte quando já tiver em mãos o registro da anterior (§ 2º do artigo 21).

Por fim, nessas hipóteses de circunscrições múltiplas, o loteamento só será considerado efetivamente registrado, para todos os fins da Lei 6766/79, quando a última circunscrição deferir o registro (§ 3º do artigo 21).

Cancelamento do registro de loteamento

Uma vez registrado o loteamento, só há 3 possiblidades de cancelamento do seu registro, todas indicadas no artigo 23 da Lei 6766/79:

I – por decisão judicial;

II – a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato;

III – a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, e do Estado.

Observe, inicialmente, que ao contrário da incorporação imobiliária, não há previsão de prazo de carência para desistência do loteamento.

Enquanto na incorporação o empreendedor pode fixar o prazo de até 180 dias para desistir unilateralmente de executar o projeto, sem depender da anuência de qualquer órgão ou pessoa (ressalvada a obrigação de restituição de valores pagos por adquirentes que assinaram contratos no período), o loteamento, uma vez registrado, só pode ser cancelado ou por decisão judicial (inciso I do artigo 23) ou por homologação judicial (incisos II e III).

Ainda que não tenha sido vendido um único lote (inciso II), o cancelamento do registro pode não ser possível caso a Prefeitura já tenha realizado algum melhoramento na área e suas adjacências e/ou entenda que o cancelamento pode gerar algum inconveniente comprovado para o desenvolvimento urbano (§ 1º do artigo 23).

Isso ocorre porque, com a aprovação e registro do projeto de loteamento, a Prefeitura de fato poderá (e provavelmente irá) incluir aquela região em suas políticas de desenvolvimento urbano, projetando o crescimento da cidade naquele vetor.

Mesmo que ela não tenha feito nenhum melhoramento, se ela conseguir provar, fundamentadamente, que aquele empreendimento é relevante para o desenvolvimento urbano, o cancelamento será negado.

Se já tiver ocorrido venda de lote no momento do pedido de cancelamento (inciso III), todos os compradores precisam dar anuência, sem o que o requerimento será sumariamente indeferido, e continuará sendo necessária a anuência da Prefeitura.

Quando o pedido de cancelamento se originar do loteador (incisos II e III), o Oficial do Cartório de RI publicará edital para que quaisquer terceiros, no prazo de 30 dias, possam impugnar o pedido (§ 2º). Aqui não se fala expressamente em 3 publicações, como na etapa do registro, mas pode-se concluir pela mesma necessidade, haja vista a menção à contagem do prazo a partir da última publicação.

Transcorrido o prazo, com ou sem impugnação, o “processo” será enviado ao juiz competente para homologação, com oitiva do Ministério Público.

Antes de homologar, o juiz poderá determinar a realização de vistoria na área projetada para o empreendimento, a fim de certificar a inexistência de adquirentes instalados no local.

Alterações no registro de loteamento

Depois de registrado o projeto de loteamento, qualquer alteração ou cancelamento parcial só serão possíveis com a formalização de acordos com os adquirentes de lotes atingidos pela mudança, bem como com a anuência da Prefeitura.

O artigo 28 da Lei 6766/79 traz essa regra, mas não determina como será o processo, dando a entender não serem necessárias maiores formalidades para a alteração, o que deixa ao arbítrio do Oficial do Cartório de RI a análise dos aspectos formais e materiais do pedido.

Como a anuência da Prefeitura é necessária, haverá de ser feita a reaprovação do projeto, com apresentação dos novos documentos ao Cartório de RI para averbação na matrícula original da gleba e nas matrículas dos lotes afetados pela mudança.

O contrato de compra e venda de lote e suas principais características

Dentro da complexa atividade de parcelamento do solo urbano, o contrato de compra e venda dos lotes assume especial importância, contando com algumas características bem peculiares que o diferenciam de outros contratos imobiliários.

Uma primeira peculiaridade é que, contrariando a regra geral de exigência de escritura pública para a validade do negócio (artigo 108 do Código Civil), o contrato particular de compra e venda de lote pode, independentemente do seu valor, ser registrado diretamente no Cartório de Registro de Imóveis.

Diante dessa “facilidade”, a Lei 6766/79 já determinava desde sua origem, com algum detalhamento, todas as cláusulas mínimas e obrigatórias de qualquer contrato de compra e venda de lote, a saber:

Art. 26. Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI do art. 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações:

I – nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, nacionalidade, estado civil e residência dos contratantes;

II – denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição;

III – descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, confrontações, área e outras características;

IV – preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importância do sinal;

V – taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as prestações vencidas e não pagas, bem como a cláusula penal, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses;

VI – indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote compromissado;

VII – declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente.

§ 1º O contrato deverá ser firmado em 3 (três) vias ou extraídas em 3 (três) traslados, sendo um para cada parte e o terceiro para arquivo no registro imobiliário, após o registro e anotações devidas.

§ 2º Quando o contrato houver sido firmado por procurador de qualquer das partes, será obrigatório o arquivamento da procuração no registro imobiliário.

(…)

§ 6º Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação.

As exigências são, de certa forma, autoexplicativas, demandando uma qualificação completa dos contratantes, descrição precisa do lote (inclusive com indicação da área e confrontações), definição da responsabilidade pelo pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote até a sua quitação total, preço, prazo e forma de pagamento.

Os requisitos que merecem ser comentados individualmente são (i) a limitação da cláusula penal a 10% e (ii) a possibilidade de se prever restrição urbanística convencional do loteamento.

Como se observa do inciso V do artigo 26, acima transcrito, a Lei 6766/79 traz, desde a sua primeira versão, a limitação da cláusula penal a 10% do valor do débito. Essa multa diz respeito às parcelas em atraso e não se relaciona com aquela que veio a ser incorporada no novo art. 26-A, que será também analisada logo mais.

No entanto, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC) em 1990, essa previsão do inciso V do artigo 26 foi tacitamente revogada, uma vez que o § 1º do artigo 52 do CDC limita a multa de mora a 2% do valor da prestação.

Pode ocorrer uma venda originária de lote sem o enquadramento da relação como sendo de consumo? Sim, caso o comprador esteja adquirindo os lotes declaradamente para revenda.

Mas isso é tão raro que, na prática, dificilmente será possível prever multa de mora acima do limite do CDC.

A outra previsão interessante é uma verdadeira limitação convencional ao direito de construir, mostrando que, ao contrário do que muitos ainda pensam, o direito de propriedade não é absoluto.

Se a loteadora projetou um empreendimento voltado, por exemplo, a casas de alto luxo, é razoável que ela possa proibir que seus compradores aprovem e executem projetos destoantes do objetivo geral do empreendimento.

Se o comprador já adquire um lote sabendo que não poderá construir ali, por exemplo, um imóvel comercial ou uma casa simples, não poderá, futuramente, alegar ignorância e tentar burlar a proibição.

Quando a lei fala em restrição convencional, ela autoriza expressamente que as Partes prevejam, em contrato, qualquer proibição construtiva que se incorporará em definitivo ao imóvel, esteja ele nas mãos de quem for.

Previsões como, por exemplo, área mínima de construção, necessidade de anuência da loteadora e/ou da associação de moradores ao projeto arquitetônico, ausência de muros, dentre outras, são encontradas com frequência em empreendimentos de padrão mais elevado.

Mesmo em empreendimentos voltados ao público de baixa renda, é prudente e recomendado incluir nos contratos algumas restrições de natureza urbanística. Isso ajudará, sobretudo, na construção e manutenção de uma imagem positiva do empreendimento, gerando valorização no preço dos lotes e maior facilidade de vendas.

Ainda sobre o artigo 26, vale pontuar que o contrato particular de compra e venda pode ser registrado a qualquer momento, por qualquer das partes, no Cartório de RI. Para tanto, provavelmente será necessário o prévio pagamento do ITBI  (é a lei municipal que dirá isso), ainda que o preço não esteja quitado.

Se o contrato tiver sido registrado antes da quitação do preço, não será necessária, sequer, nova autorização da loteadora para a consolidação da livre propriedade em nome do comprador.

Bastará que o último, conforme previsão do § 6º do artigo 26, comprove junto ao Cartório de RI a quitação da dívida; isso poderá se dar, por exemplo, por meio da apresentação de notas promissórias quitadas ou comprovantes de pagamento de todas as parcelas.

É normal, todavia, que a loteadora forneça, uma vez pago o preço, um único termo de quitação, facilitando a averbação da situação na matrícula do imóvel.

Complementando as exigências então já existentes no artigo 26, a Lei do Distrato  inseriu o artigo 26-A à Lei 6766/79, inovando com a obrigação de se iniciar qualquer contrato de compra e venda de lote com um quadro-resumo, que, além das informações já analisadas do artigo 26, ainda deverá conter:

I – o preço total a ser pago pelo imóvel;

II – o valor referente à corretagem, suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário;

III – a forma de pagamento do preço, com indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas;

IV – os índices de correção monetária aplicáveis ao contrato e, quando houver pluralidade de índices, o período de aplicação de cada um;

V – as consequências do desfazimento do contrato, seja mediante distrato, seja por meio de resolução contratual motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do loteador, com destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para os prazos para devolução de valores ao adquirente;

VI – as taxas de juros eventualmente aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de incidência e o sistema de amortização;

VII – as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), em todos os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do loteador ou do estabelecimento comercial;

VIII – o prazo para quitação das obrigações pelo adquirente após a obtenção do termo de vistoria de obras;

IX – informações acerca dos ônus que recaiam sobre o imóvel;

X – o número do registro do loteamento ou do desmembramento, a matrícula do imóvel e a identificação do cartório de registro de imóveis competente;

XI – o termo final para a execução do projeto referido no § 1º do art. 12 desta Lei e a data do protocolo do pedido de emissão do termo de vistoria de obras.

§ 1º Identificada a ausência de quaisquer das informações previstas no caput deste artigo, será concedido prazo de 30 (trinta) dias para aditamento do contrato e saneamento da omissão, findo o qual, essa omissão, se não sanada, caracterizará justa causa para rescisão contratual por parte do adquirente.

§ 2º A efetivação das consequências do desfazimento do contrato, mencionadas no inciso V do caput deste artigo, dependerá de anuência prévia e específica do adquirente a seu respeito, mediante assinatura junto a essas cláusulas, que deverão ser redigidas conforme o disposto no § 4º do art. 54 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor).

Examinando em bloco as inovações do artigo 26-A, percebe-se que a maior parte delas se destinou a aprimorar a transparência da informação, ao comprador, sobre o preço, encargos, forma de pagamento e sistema de amortização.

Se você já leu um contrato de compra e venda de lote, certamente se deparou com regras financeiras complexas, como a previsão de mais de um índice de correção das parcelas, segundo o momento de seu vencimento, as cláusulas penais e rescisórias e a forma de cálculo dos encargos.

As relações jurídicas evoluem com o tempo e o Direito, ainda que quase sempre tardiamente, acaba acompanhando.

Traduzindo os incisos que tratam de aspectos financeiros do contrato, a loteadora deverá deixar o mais claro possível, tanto no quadro-resumo, quanto no corpo do contrato:

a) qual é o preço total do imóvel na data de assinatura do contrato;

b) se o preço indicado inclui a comissão de corretagem (além de qual o seu valor e para quem ela será paga);

c) quais os gatilhos para a mudança do índice de correção (é muito comum se aplicar um índice setorial que mede a variação do custo de construção, como o INCC/FGV ou o CUB/Sinduscon, até a conclusão das obras e, a partir de então, se aplicar o IPCA/IBGE ou o IGP-M/FGV);

d) as taxas de juros aplicadas sobre as parcelas (nominal e efetiva, sendo que a capitalização mensal só é permitida para instituições financeiras) e o sistema de amortização (os mais comuns, em contratos bancários, são o Sistema de Amortização Constante – SAC e a “Tabela Price”, mas o mercado imobiliário apelidou de “SACOC” a prática das loteadoras e incorporadoras de aplicar, mensalmente, a correção monetária e os juros, gerando uma espécie de sistema de amortização crescente); e

e) se haverá prazo diferenciado para quitação das parcelas em aberto no momento da conclusão das obras de infraestrutura.

Para além das previsões estritamente financeiras, o quadro-resumo deverá trazer de forma expressa e negritada as consequências da inadimplência do comprador no pagamento das parcelas do preço, não só em relação às penalidades imediatas, mas, principalmente, quanto à possibilidade de resolução do Contrato.

O tema do distrato, por ser um dos maiores motivos de litígio entre loteadoras e seus clientes, já foi objeto de estudo específico, mas ainda assim será tratado de forma individualizada no próximo tópico.

Ainda no quadro-resumo, o contrato deverá informar ao comprador sobre a possiblidade de exercício do direito de arrependimento previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, o número do registro do loteamento e da matrícula “mãe” (a comprovar que ele é regular e tem todas as licenças necessárias), informações sobre qualquer ônus que exista sobre o lote (como, por exemplo, faixas não edificáveis, servidões, gravames em favor do Município etc.) e o prazo para conclusão das obras de infraestrutura do empreendimento, que não poderá, como já visto, ser superior a 4 anos.

Se qualquer das informações previstas tanto no artigo 26 quanto no artigo 26-A da Lei 6766/79 não estiverem presentes no quadro-resumo, e, naturalmente, o comprador vier a apresentar reclamação a respeito, o loteador terá o prazo de 30 dias para adequar o instrumento contratual.

Se não o fizer, o comprador poderá pleitear a resolução do contrato por culpa do loteador, com restituição integral dos valores pagos e aplicação da multa prevista contratualmente para a hipótese.

É interessante notar que, ao contrário do que fez em relação à Lei de Incorporações Imobiliárias (4591/64), a Lei do Distrato  não determinou que o contrato de compra e venda de lote estipule, obrigatoriamente, multa em desfavor do loteador para a hipótese de atraso na conclusão das obras de infraestrutura.

Mesmo assim, é recomendável incluir essa previsão no contrato para evitar deixar nas mãos de um juiz, em eventual discussão judicial, a definição do valor dessa multa. Por analogia à Lei de Incorporações, uma multa mensal de 1% sobre os valores já pagos pelo comprador no momento do atraso estará de bom tamanho.

Por fim, para fecharmos esta primeira parte do estudo dos aspectos contratuais da Lei 6766/79, é relevante registrar que o contrato particular pode ser cedido a terceiro, pelo comprador, por meio de simples trespasse (artigo 31), que é, basicamente, a escrita, à mão, de uma cláusula simplória de cessão no verso do próprio contrato.

A cessão não depende da anuência do loteador, mas seus efeitos, quanto a este último, só se produzirão depois que ele for cientificado, seja pelo próprio comprador, seja pelo Oficial do Cartório de RI.

O distrato ao contrato de compra e venda de lote

Já analisamos detidamente no artigo sobre a Lei do Distrato todas as mudanças trazidas por ela, inclusive e especialmente no que se refere ao contrato de compra e venda de lotes.

Se você quiser se aprofundar sobre o tema do distrato, portanto, acesse o artigo.

Resumindo o que lá foi dito e complementando o que falamos sobre a irrevogabilidade dos contratos de compra e venda de lotes por parte do loteador, tenhamos em mente que, em qualquer situação de resolução (ou seja, rescisão) do contrato por culpa do comprador, seja por simples e pura desistência, seja por inadimplência, poderão ser retidas, do valor a restituir, as seguintes verbas (artigo 32-A da Lei 6766/79):

1) Taxa mensal de fruição do lote, caso a posse já tenha sido transferida, até o limite de 0,75%, incidente sobre o valor atualizado do contrato. A data de transmissão da posse deve ser definida no próprio contrato para que essa taxa de fruição possa ser cobrada;

2) Multa de até 10% do valor atualizado do contrato: mesmo que o contrato preveja a perda do sinal em caso de resolução por culpa do comprador, o limite a ser observado será de 10%, de forma que, se o sinal for superior a tal teto, não poderá ser integralmente retido. Se o sinal for inferior aos 10%, o contrato poderá prever multa convencional que, somada ao valor do sinal, também não poderá ultrapassar o limite.

Na prática, se o contrato estiver bem redigido, a cláusula penal sempre será de 10% do valor atualizado do contrato, com ou sem retenção do sinal;

3) Os encargos moratórios pagos pelo comprador ao longo da execução do contrato: juros de mora e multas moratórias pagos sobre parcelas quitadas em atraso poderão ser integralmente retidos;

4) Os débitos de IPTU, taxas de condomínio, contribuições à associação de moradores e quaisquer outras de mesma natureza incidentes sobre o lote, além dos tributos, custas e emolumentos incidentes sobre a operação de rescisão.

Observe que, se o contrato de compra e venda tiver sido registrado em Cartório (algo que, como já mostrado, é autorizado e de certa forma incentivado pela Lei 6766/79), o loteador incorrerá em custos com ITBI  e emolumentos de cartório para cancelar o registro. Esses custos poderão ser descontados do saldo a se restituir ao comprador; e

5) A comissão de corretagem, sempre que ela tiver integrado o preço do lote, ou seja, sempre que a loteadora tiver sido responsável pelo pagamento. Vale relembrar, quando à corretagem, que o quadro resumo do contrato deverá indicar expressamente o seu valor, forma de pagamento e beneficiário.

Depois de deduzidas todas as despesas autorizadas pela lei e pelo contrato, o saldo poderá ser restituído ao comprador em até 12 meses, com primeiro vencimento (i) 180 dias após o prazo previsto em contrato para conclusão das obras de infraestrutura, quando tais obras ainda estiverem em curso ou (ii) 12 meses depois da formalização da rescisão contratual, seja via distrato, seja via notificação extrajudicial.

Em loteamentos com obras já concluídas, portanto, o prazo para restituição total poderá se estender até consideráveis 24 meses.

Se o contrato resolvido por culpa do comprador tiver sido registrado na matrícula do lote, o Oficial do Cartório de RI somente aceitará novo registro de venda do mesmo bem se comprovado, pelo loteador, o início do pagamento das parcelas de restituição do saldo, a não ser que o comprador não tenha sido localizado ou não tenha respondido a notificação de constituição em mora prevista no artigo 32 da Lei 6766/97.

A Lei do Distrato  também deixou claro que os limites e regras previstas por ela trazidas e incorporadas no artigo 32-A da Lei 6766/79 não se aplicam aos contratos e escrituras de compra e venda de lote sob a modalidade de alienação fiduciária.

Isso faz todo o sentido, já que o procedimento previsto na Lei 9514/97, principal norma reguladora da alienação fiduciária, é claramente incompatível com as regras e limites da Lei do Distrato. Para entender melhor essa afirmação, leia nosso artigo sobre o instituto da alienação fiduciária em garantia.

Finalmente, outra importante inovação da Lei do Distrato a respeito dos contratos de compra e venda de lotes foi a obrigação de se levar o imóvel a leilão extrajudicial, segundo o procedimento da Lei 9514/97, quando, no momento da resolução por culpa do comprador, houver benfeitorias necessárias ou úteis incorporadas ao lote pelo comprador.

Isso elimina a necessidade de se discutir, judicialmente, uma eventual indenização em favor do comprador por tais benfeitorias, que, para serem indenizáveis devem, necessariamente, estar de acordo com a lei e com o contrato, ou seja, tratando-se de uma construção, deve existir projeto arquitetônico aprovado, “habite-se” e autorização contratual.

Se o comprador, por sua conta e risco, contra eventual disposição expressa do contrato, decide construir uma casa irregular no lote antes de pagar o preço e vem a ser tornar inadimplente, causando a resolução do contrato, não terá direito a nenhuma indenização.

Também não se pode esquecer que, segundo o procedimento da Lei 9514/97, a possibilidade de o comprador ser indenizado pelas benfeitorias dependerá do valor da dívida e do preço de arrematação do bem em leilão. Pode ocorrer de, mesmo que as benfeitorias estejam regulares, não haja o pagamento de indenização.

Por isso, nunca é demais lembrar a força do princípio do pacta sunt servanda, aplicável a todo e qualquer contrato, que em tradução literal significa que os pactos devem ser cumpridos.

Quem descumpre o contrato será, inevitavelmente, penalizado e poderá sofrer enorme prejuízo.

Incorporação Imobiliária - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

Conclusão

Apesar das normas da Lei 6766/97 serem de observância obrigatória pelas legislações municipais, vimos neste artigo que a lei federal apenas fixa diretrizes e limites, delegando aos Municípios ampla competência para regular, como melhor entenderem, de acordo com as características locais, o parcelamento do solo urbano.

Os temas tratados na Lei do Parcelamento do Solo são extremamente complexos e a atividade, definitivamente, não é para amadores.

Várias etapas precisam ser superadas, muitas com alto custo envolvido, para que seja possível, regularmente, vender lotes a terceiros.

Não há, entretanto, fórmula mágica ou roteiro único a ser seguido.

Somente uma profunda e personalizada análise da legislação municipal será capaz de indicar o caminho mais rápido e menos oneroso para o seu empreendimento.

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