No apagar das luzes de 2021, precisamente no dia 27 de dezembro, o Governo Federal promulgou a Medida Provisória (MP) nº 1085, que dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – SERP, de que trata o art. 37 da Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, e altera a Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, a Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a Lei 6.766, de 19 de dezembro de 1979, a Lei 8.935, de 18 de novembro de 1994, a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, a Lei 11.977, de 2009, a Lei 13.097, de 19 de janeiro de 2015, e a Lei 13.465, de 11 de julho de 2017.

Fruto de longos debates em grupos de estudo formados por conhecidas autoridades do direito imobiliário, a MP 1085/21, embora ainda sujeita a emendas antes de ser efetivamente convertida em Lei (ou, o que não se espera, caducar), traz avanços significativos à legislação imobiliária, afetando não só o sistema notarial e registral, mas também as operações de incorporadoras e loteadoras.

Na exposição de motivos (espécie de “justificação” do autor que acompanha projetos de lei e medidas provisórias) da MP 1085/21, deixou-se claro o objetivo de contribuir para o aprimoramento do ambiente de negócios no País, por meio da modernização dos registros públicos, desburocratização dos serviços registrais e centralização nacional das informações e garantias, com consequente redução de custos e de prazos e maior facilidade para a consulta de informações registrais e envio de documentação para registro.

Conquanto o ponto central da MP 1085/21 seja, de fato, a implantação e operacionalização do chamado Sistema Eletrônico de Registros Públicos (SERP), sobre o qual falaremos em detalhes em publicação futura, há também importantes mudanças nas atividades de incorporação imobiliária e parcelamento do solo.

Pela extensão da MP 1085/21, na intenção de facilitar o entendimento do leitor, abordaremos neste primeiro artigo, de uma série de publicações, as alterações trazidas pelo novo regramento à lei de incorporações imobiliárias.

Foram cinco pontos enfrentados, a saber:

  • documentos integrantes do memorial de incorporação e efeitos do seu registro;
  • consolidação de regras para a prorrogação do registro de incorporação;
  • obrigações do incorporador perante a comissão de representantes e hipóteses de destituição do primeiro; e
  • definição de prazo para eleição da comissão de representantes.

 

Vamos a eles, um a um.

Artigo 31-E – Formas de extinção do Patrimônio de Afetação

Como vimos em detalhe no conteúdo dedicado ao patrimônio de afetação, o instituto foi criado em 2004 para proteger os adquirentes contra possíveis desvios de recursos para outras obras e, também, contra a falência de incorporadoras.

Grosso modo, afetar o patrimônio em uma incorporação significa separar, do patrimônio da incorporadora, o terreno, as obras e as receitas recebidas com as vendas de unidades autônomas, até que tais bens e direitos alcancem 100% (cem por cento) do custo projetado da construção.

O artigo 31-E da lei de incorporações imobiliárias enumera as hipóteses em que o patrimônio de afetação é extinto, liberando as receitas e bens “excedentes” do empreendimento para livre disposição pela incorporadora. São apenas 3 (três) cenários (incisos I, II e III do artigo 31-E):

I – averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento;

II – revogação em razão de denúncia da incorporação, depois de restituídas aos adquirentes as quantias por eles pagas (art. 36), ou de outras hipóteses previstas em lei; e

III – liquidação deliberada pela assembleia geral nos termos do art. 31-F, § 1º.

Enquanto o inciso I indica o caminho natural de uma incorporação bem-sucedida, os seguintes tratam, respectivamente, das hipóteses de desistência do empreendimento pelo incorporador e decisão, pela assembleia geral de adquirentes, no cenário de falência do incorporador, pela liquidação do patrimônio, ou seja, interrupção do empreendimento e alienação das frações/bens a terceiros.

O que a MP 1085/21 fez, nesse ponto da lei de incorporações, foi inserir três parágrafos ao artigo 31-E para desburocratizar a extinção formal, junto ao cartório de registro de imóveis, do patrimônio de afetação.

O primeiro parágrafo prevê a extinção automática do patrimônio de afetação quando o incorporador cumprir as obrigações do inciso I, acima transcrito. Diz-se, expressamente, que será dispensada averbação específica para a extinção do patrimônio de afetação.

O segundo parágrafo facilita a averbação da extinção do patrimônio de afetação nas matrículas de unidades autônomas ainda não vendidas, também quando cumpridas as obrigações do inciso I pelo incorporador.

O parágrafo terceiro, finalmente, estabelece que haverá a desafetação, nas hipóteses dos incisos II e III, com a simples averbação da denúncia da incorporação (acompanhada dos termos de quitação da obrigação de restituir valores eventualmente recebidos de adquirentes) ou da ata da assembleia geral que decidir pela liquidação.

Como se vê, as intervenções da MP 1085/21 acerca do patrimônio de afetação foram tímidas, destinadas, primordialmente, a reduzir os custos cartoriais para a desafetação.

Artigo 32 – Fim da diferenciação entre instituição de condomínio e registro de incorporação?

Embora no estado de Minas Gerais já se aplique desde 2013, com a publicação do já revogado Provimento nº 260/CGJ/2013 e, atualmente, pelo Provimento nº 93/2020, que é o Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça, a distinção entre o ato de instituir condomínio e o ato de registrar a incorporação, até então a maioria dos estados brasileiros, em seus respectivos códigos de normas, apresentam entendimento confuso a respeito do momento em que se considerará instituído o condomínio edilício.

A MP 1085/21 enfrentou essa questão ao alterar a alínea “i” do artigo 32 da lei de incorporações e incluir, ao mesmo artigo, o parágrafo 1º-A. Vejamos a redação anterior e a redação atualizada, aproveitando para também já ler o novo caput do artigo 32:

Art. 32. O incorporador sòmente poderá negociar sôbre unidades autônomas após ter arquivado, no cartório competente de Registro de Imóveis, os seguintes documentos:

Art. 32.  O incorporador somente poderá alienar ou onerar as frações ideais de terrenos e acessões que corresponderão às futuras unidades autônomas após o registro, no registro de imóveis competente, do memorial de incorporação composto pelos seguintes documentos:

(…)

i) discriminação das frações ideais de terreno com as unidades autônomas que a elas corresponderão;

i) instrumento de divisão do terreno em frações ideais autônomas que contenham a sua discriminação e a descrição, a caracterização e a destinação das futuras unidades e partes comuns que a elas acederão;

(…)

§ 1º-A  O registro do memorial de incorporação sujeita as frações do terreno e respectivas acessões a regime condominial especial investe o incorporador e os futuros adquirentes na faculdade de sua livre disposição ou oneração e independe de anuência dos demais condôminos.

As alterações de redação podem parecer, à primeira vista, pequenas, mas a intenção do legislador se revela clara.

O caput do artigo 32, para além de uma modernização do texto, passou a vedar a alienação ou oneração de frações ideais sem o prévio registro do memorial de incorporação. Até então, o incorporador não poderia sequer negociar sobre as unidades autônomas.

Embora, pela sutileza do texto, a cautela ainda seja necessária, parece-nos que, com a nova redação, passa a ser permitida a prática, pela incorporadora, de atos preliminares de negociações das futuras unidades imobiliárias do empreendimento mesmo antes do registro de incorporação, desde que, naturalmente, não seja feita alienação ou oneração, ou seja, venda efetiva ou entrega da fração em garantia.

Portanto, “termo de reserva”, “outorga de opção de compra”, “evento de lançamento” e “cadastro de interessados”, atos que até então eram praticados “clandestinamente” no mercado imobiliário, deixam de ser vedados pela lei.

Recomendamos, todavia, que esses atos precedentes ao registro da incorporação não envolvam o recebimento de quaisquer valores pelos potenciais adquirentes, sob pena de se configurar uma alienação, que continua proibida.

Quanto à alínea “i”, o que antes era apenas um tópico do memorial de incorporação, atendido com a reprodução do Quadro IV-B da NBR 12.721, se transformou em um instrumento de divisão do terreno em frações ideais autônomas, que nada mais é do que o memorial de instituição do condomínio, já existente em Minas Gerais, como dito, desde 2013.

Caberá aos estados editar seus códigos de normas para detalhar os requisitos desse instrumento de divisão. Para referência, no Provimento Conjunto nº 93/2020, de Minas Gerais, o assunto é tratado nos artigos 1.032 a 1.044.

A diferença, nos parece, em relação ao “instrumento de divisão” inaugurado pela MP 1085/21 é que se admite, no Código de Normas mineiro, a instituição de condomínio de forma autônoma ao registro da incorporação, embora ambos os atos possam ser praticados em conjunto.

Para fazer isso de forma autônoma, todavia, aquele que requerer a instituição de condomínio deve declarar ciência a respeito da proibição de alienação de unidades sem o registro da incorporação antes da averbação da conclusão da obra.

Voltando à MP 1085/21, o novo parágrafo §1º-A vem para acabar com a discussão a respeito do momento em que o condomínio é instituído na incorporação imobiliária: o registro do memorial, por si só, cria um condomínio especial e autoriza a incorporadora a já transferir, para os adquirentes, as frações ideais, que são de livre negociação, independentemente da anuência dos demais.

Andou mal a redação, apenas, ao usar a expressão “condomínio especial”, a causar alguma confusão e uma aparente (mas cuja existência não se justifica) distinção com o condomínio edilício.

Seria melhor dispor que o registro da incorporação constitui o condomínio edilício, que pode ter por objeto imóveis em construção, na falta de vedação legal. Afinal, com o registro da incorporação, as matrículas das frações ideais já serão abertas e cada uma dessas frações estará perfeita e individualmente identificada.

Em qualquer caso, deixa de existir dúvida de que o condomínio, seja qual for a nomenclatura que se dê a ele, passará a existir, formalmente, já no registro da incorporação.

A MP 1085/21 também revogou a alínea “o” do artigo 32, deixando de exigir, para o registro da incorporação, a apresentação de “atestado de idoneidade financeira”. A medida é acertada ao reduzir a burocracia, uma vez que os demais documentos integrantes do memorial já são mais do que suficientes para atestar a situação jurídica e financeira da incorporadora.

Também no sentido de fomentar o ambiente de negócios e reduzir a burocracia é que a MP 1085/21 incluiu os parágrafos 14 e 15 ao artigo 32, com a seguinte redação:

§ 14.  Quando demonstrar de modo suficiente o estado do processo e a repercussão econômica do litígio, a certidão esclarecedora de ação cível ou penal poderá ser substituída por impressão do andamento do processo digital.

§ 15.  O registro do memorial de incorporação e da instituição do condomínio sobre as frações ideais constitui ato registral único.

Embora o § 14 seja de difícil aplicação prática, por deixar ao arbítrio do registrador – que, por força do § 7º do mesmo artigo 32, responde civil e criminalmente se efetuar o registro de incorporação com documentação “contraveniente à lei” – a análise de serem os andamentos processuais suficientes ou não para demonstrar o estado do processo e a repercussão econômica do litígio, ao menos existe uma expressa autorização legal para que o oficial mais arrojado possa aceitar uma documentação simplificada.

Um aprimoramento possível seria prever, junto com a apresentação dos andamentos processuais, a anexação de um breve relatório, assinado pelo advogado da causa, liberando o registrador de responsabilidade para essa situação específica.

Finalmente, o § 15 determina que se faça, em um único lançamento na matrícula, tanto o registro da incorporação quanto a instituição do condomínio, impedindo a cobrança de emolumentos, a nosso sentir, sobre os atos considerados separadamente.

Artigo 33 – Consolidação da possibilidade de revalidação da incorporação

A MP 1085/21 também corrigiu uma previsão que causava certa confusão quando se mostrava necessária a prorrogação do prazo para a “concretização” da incorporação.

Embora já se entendesse, na prática do mercado, que a alienação de unidades, início de obras e/ou contratação de financiamento para o empreendimento configurariam a “concretização” da incorporação, a redação anterior do artigo 33 da lei de incorporações não definia tal expressão.

Agora, para além de se extirpar do texto a previsão de validade do registro de incorporação, definiu-se em que consiste a concretização e previu-se que, na falta dela, os documentos integrantes do memorial, quando sujeitos a prazo de validade, precisam ser atualizados a cada 180 (cento e oitenta) dias:

Art. 33.  Se, após cento e oitenta dias da data do registro da incorporação, ela ainda não se houver concretizado, por meio da formalização da alienação ou da oneração de alguma unidade futura, da contratação de financiamento para a construção ou do início das obras do empreendimento, o incorporador só poderá negociar unidades depois de averbar a atualização das certidões e de eventuais documentos com prazo de validade vencido, a que se refere o art. 32.

Parágrafo único.  Enquanto não concretizada a incorporação, o procedimento de que trata o caput deverá ser realizado a cada cento e oitenta dias.

Andou bem o legislador ao deixar a redação mais clara e retirar a previsão de validade do registro de incorporação. Este, agora, uma vez lançado na matrícula, será válido sem limitação temporal, bastante que os documentos sejam atualizados, sem necessidade de revalidar todo o registro.

Falhou, todavia, a redação da MP 1085/21 ao deixar de intervir, também, no artigo 34, que trata do prazo de carência.

Afinal, se o registro de incorporação não mais perde a validade e, enquanto ela não for considerada concretizada, bastará que o incorporador atualize os documentos, seria razoável se esperar a adequação dos parágrafos 2º e 6º do artigo 34, que contam com a seguinte redação:

Art. 34. O incorporador poderá fixar, para efetivação da incorporação, prazo de carência, dentro do qual lhe é lícito desistir do empreendimento.

(…)

§ 2º Em caso algum poderá o prazo de carência ultrapassar o têrmo final do prazo da validade do registro ou, se fôr o caso, de sua revalidação.

(…)

§ 6º O prazo de carência é improrrogável.

A atecnia é clara: se não mais existe prazo de validade do registro de incorporação, tampouco deverá existir limitação à renovação do prazo de carência.

A utilização do procedimento previsto no novo parágrafo único do artigo 33 indica, exatamente, que nenhuma unidade foi alienada até aquele momento e que, portanto, nenhum terceiro pode, eventualmente, ser prejudicado com uma prorrogação do prazo de carência.

Logo, se houve a necessidade de atualização dos documentos por decurso do prazo de 180 (cento e oitenta) dias do registro, é razoável que se permita, expressamente, também a prorrogação pari passu do prazo de carência.

Incorporação Imobiliária - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

Artigos 43 e 50 – Obrigações do incorporador perante adquirentes e comissão de representantes, procedimento de destituição do incorporador e prazo para eleição da comissão

Embora exista deste a redação original da Lei 4.591/64, a figura da Comissão de Representantes é constantemente negligenciada pelo mercado imobiliário, notadamente nos empreendimentos de pequeno porte.

Como não há uma fiscalização ostensiva por parte dos órgãos públicos, e, de outro lado, até então não havia um prazo para a constituição da Comissão de Representantes, não era incomum que um empreendimento fosse integralmente concluído sem a formação da Comissão.

Mesmo com as alterações da MP 1.085/21, a constituição formal da Comissão de Representantes continua não sendo um requisito para o registro da incorporação, e nem poderia ser, já que, à altura do referido registro, nenhuma unidade poderá ter sido validamente alienada, ou seja, não existirão promissários compradores para compor a Comissão.

Agora, todavia, a nova redação do artigo 50 da Lei 4.591/64 fixa um prazo para o cumprimento da obrigação:

Art. 50. Será designada no contrato de construção ou eleita em assembléia geral uma Comissão de Representantes composta de três membros, pelo menos, escolhidos entre os adquirentes, para representá-los perante o construtor ou, no caso do art. 43, ao incorporador, em tudo o que interessar ao bom andamento da incorporação, e, em especial, perante terceiros, para praticar os atos resultantes da aplicação dos arts. 31-A a 31-F.

Art. 50.  Será designada, no contrato de construção ou eleita em assembleia geral, a ser realizada por iniciativa do incorporador, no prazo de até seis meses, contado da data do registro do memorial de incorporação, uma comissão de representantes composta por, no mínimo, três membros escolhidos dentre os adquirentes para representá-los perante o construtor ou, no caso previsto no art. 43, o incorporador, em tudo o que interessar ao bom andamento da incorporação e, em especial, perante terceiros, para praticar os atos resultantes da aplicação do disposto nos art. 31-A a art. 31-F.  

Por razões lógicas, já era de iniciativa e responsabilidade do incorporador a formação inicial da Comissão de Representantes, pois somente ele tem, a princípio, a gestão das vendas realizadas e dos dados pessoais dos promissários compradores, a fim de que seja feita a convocação para a assembleia e a efetiva eleição.

A partir daí, a Comissão de Representantes deve ser livre para substituir seus membros e praticar todos os atos que lhe são atribuídos por lei, inclusive convocar assembleias e tomar decisões de relevo para a incorporação.

O que muda expressamente, na linha do que já vinha sendo exigido pelas instituições financeiras para a liberação de financiamentos bancários, é a previsão do prazo de 6 (seis) meses, contados do registro da incorporação, para a formação da Comissão.

Coincidência ou não, referido prazo se ajusta ao de carência da incorporação, previsto no artigo 34, embora não seja idêntico, já que o último é contado em dias, e não em meses.

Parece-nos ter pecado a MP 1.085/21, todavia, ao deixar de estabelecer penalidade para o descumprimento da obrigação de designação, pelo incorporador, da Comissão de Representantes – afinal, obrigação sem penalidade pode ser letra morta.

Ainda que ela assuma uma função de maior relevo nas construções por administração, em que o aspecto financeiro precisa ser acompanhado ainda mais de perto, a verdade é que não se pode mais admitir, no contexto de utilização da figura do patrimônio de afetação na quase totalidade dos empreendimentos (afinal, a afetação garante o benefício do RET), uma incorporação sem real fiscalização por parte dos adquirentes.

Na falta de uma indicação expressa a respeito de a quem cabe a competência de fiscalizar a constituição, ou não, da Comissão de Representantes, sugere-se, como aprimoramento da MP 1.085/2021, que o documento comprobatório (ata de assembleia registrada em cartório de títulos e documentos) seja de apresentação obrigatória pelo incorporador ao Registro de Imóveis, para averbação complementar ao registro de incorporação e como condição para a futura averbação do “habite-se””, em conjunto com a CND/INSS.

Alinhada com a alteração do artigo 50 da Lei 4.591/64, a MP 1.085/21 trouxe um maior rigor às obrigações do incorporador perante os adquirentes e a Comissão de Representantes, atribuindo a esta maiores poderes de decisão sobre o empreendimento em cenários de crise.

Vejamos as inclusões e alterações:

Art. 43. Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas:

I – informar obrigatòriamente aos adquirentes, por escrito, no mínimo de seis em seis meses, o estado da obra;

I – encaminhar aos adquirentes e à comissão de representantes dos adquirentes a cada três meses:

a) o demonstrativo do estado da obra e de sua correspondência com o prazo pactuado para entrega do conjunto imobiliário; e

b) a relação dos adquirentes com os seus endereços residenciais e eletrônicos;

(…)

§ 1º Deliberada a destituição de que tratam os incisos VI e VII do caput, o incorporador será notificado extrajudicialmente pelo oficial do registro de imóveis da circunscrição em que estiver localizado o empreendimento para que, no prazo de quinze dias, contado da data da entrega da notificação na sede do incorporador ou no seu endereço eletrônico:

I – imita a comissão de representantes na posse do empreendimento e lhe entregue:

a) os documentos correspondentes à incorporação; e

b) os comprovantes de quitação das quotas de construção de sua responsabilidade a que se referem o § 5º do art. 31-A e o § 6º do art. 35; ou

II – efetive o pagamento das quotas que estiverem pendentes, de modo a viabilizar a realização da auditoria a que se refere o art. 31-C.

§ 2º Na ata da assembleia geral que deliberar a destituição do incorporador deverão constar os nomes dos adquirentes presentes, incluídos:

I – a qualificação;

II – o documento de identidade;

III – as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia;

IV – os endereços residenciais ou comerciais completos; e

V – as respectivas frações ideais e acessões a que se vincularão as suas futuras unidades imobiliárias, com a indicação dos correspondentes títulos aquisitivos, públicos ou particulares, ainda que não registrados no registro de imóveis.

§ 3º A ata de que trata o § 2º, registrada no registro de títulos e documentos, constituirá documento hábil para:

I – averbação da destituição do incorporador na matrícula do registro de imóveis da circunscrição em que estiver registrado o memorial de incorporação; e

II – implementação das medidas judiciais ou extrajudiciais necessárias:

a) à imissão da comissão de representantes na posse do empreendimento;

b) à investidura da comissão de representantes na administração e nos poderes para a prática dos atos de disposição que lhe são conferidos pelos art. 31-F e art. 63;

c) à inscrição do respectivo condomínio da construção no CNPJ; e

d) quaisquer outros atos necessários à efetividade da norma instituída no caput, inclusive para prosseguimento da obra ou liquidação do patrimônio da incorporação.

§ 4º As unidades não negociadas pelo incorporador e vinculadas ao pagamento das correspondentes quotas de construção nos termos do disposto no § 6º do art. 35 ficam indisponíveis e insuscetíveis de constrição por dívidas estranhas à respectiva incorporação até que o incorporador comprove a regularidade do pagamento. 

§ 5º Fica autorizada a comissão de representantes a promover a venda, com fundamento no § 14 do art. 31-F e no art. 63 das unidades de que trata o § 4º, expirado o prazo da notificação a que se refere o § 1º, com aplicação do produto obtido no pagamento do débito correspondente.

Começando pelo inciso I do caput do artigo 43, observa-se primeiro a alteração do verbo “informar” para “encaminhar”, denotando uma maior e desejada formalidade para a troca de informações entre o incorporador, os adquirentes e a Comissão de Representantes.

A expressão “estado da obra”, demasiadamente genérica, foi suprimida para dar lugar à obrigação de entregar, a cada 3 (três) meses – contra os 6 (seis) meses anteriores –, aos adquirentes e à Comissão de Representantes, demonstrativo do estado da obra e sua correspondência com o prazo pactuado – o que exigirá a elaboração de um cronograma físico antes do início da construção –, além de uma relação dos adquirentes com os seus endereços residenciais e eletrônicos.

Quanto ao último requisito, há, a nosso sentir, uma violação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), haja vista que a determinação legal de compartilhamento dos dados pessoais de todos os adquirentes com todos os demais adquirentes extrapola, claramente, o princípio da necessidade (artigo 6°, inciso III, LGPD), que prevê que o tratamento dos dados pessoais deve ser feito com o mínimo necessário para uma determinada finalidade.

Se a finalidade dos referidos dados pessoais é (e só pode ser) a formação inicial e o acompanhamento, pela Comissão de Representantes, da evolução das obras, não faz sentido que tais dados sejam divulgados, indistintamente, para todos os adquirentes, senão aqueles que, de fato, foram eleitos para compor a Comissão.

Observe, todavia, que enquanto a MP 1.085/21 estiver em vigor, suas determinações devem ser seguidas à risca, e nenhuma incorporadora poderá, ao enviar os dados conforme mandamento legal, ser considerada como infratora da LGPD, porque a divulgação se dará sob a proteção do inciso II do artigo 7º da Lei, que autoriza o tratamento dos dados pessoais para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador.

Falamos com mais detalhes do princípio da necessidade no conteúdo dedicado à LGPD.

Artigo 44 – Atualização da redação a respeito da obrigação de averbar o “habite-se”

Aqui a adequação foi bem sutil, apenas para que a redação do artigo 44 reflita a “nova” sistemática de instituição do condomínio já com o registro da incorporação.

Vejamos a redação anterior e a atualizada:

Art. 44. Após a concessão do “habite-se” pela autoridade administrativa, o incorporador deverá requerer, (VETADO) a averbação da construção das edificações, para efeito de individualização e discriminação das unidades, respondendo perante os adquirentes pelas perdas e danos que resultem da demora no cumprimento dessa obrigação.

Art. 44.  Após a concessão do habite-se pela autoridade administrativa, incumbe ao incorporador a averbação da construção em correspondência às frações ideais discriminadas na matrícula do terreno, respondendo perante os adquirentes pelas perdas e danos que resultem da demora no cumprimento dessa obrigação. 

Além de se alterar o verbo “requerer” para “incumbir”, a denotar, de forma bem detalhista, a responsabilidade pelo acompanhamento do procedimento de averbação até seu término, o trecho “para efeito de individualização e discriminação das unidades” foi corretamente substituído pelo trecho “em correspondência às frações ideais discriminadas na matrícula do terreno”.

Qual o sentido dessa última alteração? Se o condomínio agora se considera instituído com o registro do memorial de incorporação, de fato não faz mais sentido se falar em individualização e discriminação das unidades apenas com a averbação do “habite-se”, haja vista que, já no registro, antes da conclusão das obras, portanto, tais unidades já estarão, ainda que sob a forma de frações ideais, individualizadas e discriminadas.

Conclusão

A MP 1085/21 tem por principal mérito a modernização e adequação da legislação imobiliária ao atual estado tecnológico, desburocratizando o registro público e, efetivamente, aprimorando o ambiente de negócios.

Na atividade de incorporação imobiliária, em que pese as alterações terem sido pontuais, há inegavelmente, agora, uma maior objetividade e transparência, facilitando o registro da incorporação, a instituição do condomínio e, até, a extinção do patrimônio de afetação.

Mesmo assim, há espaço para ajustes, que provavelmente serão feitos na fase de emendas, antes da votação pelo Congresso, diante da intensa mobilização e debate do mercado imobiliário acerca do tema.

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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.

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