Há pouco mais de 1 ano, precisamente em 23/06/2020, foi publicado pela Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais o Provimento Conjunto 93/2020 (adiante apenas Provimento 93/2020), que instituiu o que veio a ser chamado Código de Normas Extrajudiciais, com uma vasta e completa regulação das atividades notariais e de registro, atribuídas a tabeliães e oficiais de cartório.
Até então, a matéria era tratada pelo Provimento CGJ 260/2013.
Conquanto o Provimento 93/2020 seja extenso, com nada menos do que 1.243 artigos, e trate de temas tão distintos como protesto de títulos e registro civil de pessoas naturais, quem atua no mercado imobiliário do estado de Minas Gerais precisa conhecer, ao menos, as partes do documento que tratam das atribuições dos tabelionatos de notas e dos cartórios de registro de imóveis.
Afinal, embora temas como incorporações imobiliárias e parcelamento do solo sejam regulados a nível federal (respectivamente, nas Leis 4.591/1964 e 6.766/1979), o Provimento 93/2020 esmiuça em detalhes cada etapa do processo de registro de empreendimentos imobiliários.
Como tanto os tabeliães de notas quanto os registradores de imóveis precisam seguir, à risca, as regras do Provimento 93/2020, se o incorporador/loteador que atua em Minas Gerais desconhecer a norma, terá, inevitavelmente, dificuldades na regularização jurídica de seu empreendimento, tendo de lidar com sucessivas notas de devolução antes que consiga obter o almejado registro, que permite o início da comercialização das unidades autônomas ou lotes.
Por isso, e dado o foco da nossa atuação em Direito Imobiliário, neste artigo analisaremos exclusivamente os pontos do Provimento 93/2020 que tratam das atribuições dos tabelionatos de notas e dos cartórios de registro de imóveis.
Esperamos que, ao final da leitura, você se sinta plenamente preparado para a fase de formalização jurídica do seu empreendimento, aprendendo o caminho mais curto para a obtenção do registro.
Índice
O que é o Provimento 93/2020 – Código de Normas Extrajudiciais
Também conhecido por “Código Mineiro das Serventias Extrajudiciais”, o Provimento 93/2020 é um ato administrativo conjunto do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e da Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais destinado a sistematizar e reunir, em um único documento (por isso a classificação de “código”), todas as regras aplicáveis aos serviços notariais e de registro, ou seja, aos tabelionatos e cartórios extrajudiciais.
Em que pese a legislação federal (notadamente a Constituição Federal – artigo 236 –, a Lei 8.935/94 – conhecida por Estatuto dos Tabeliães e Registradores – e a Lei 6.015/73 – Lei dos Registros Públicos) já regular a atividade, cabe aos Estados federados organizar o funcionamento tanto do Poder Judiciário local quanto das serventias extrajudiciais.
Como as serventias estão diretamente vinculadas e subordinadas ao Poder Judiciário, atuando em nome do Estado, mas sob gestão particular, mostrou-se necessário o estabelecimento de normas claras e objetivas para o exercício das atividades notariais e de registro, de forma a padronizar o serviço.
A padronização garante segurança jurídica aos cidadãos que precisam inevitavelmente recorrer aos cartórios em algum momento de sua vida (e até da morte, que demanda a atuação de um registrador civil para a emissão de certidão de óbito e, conforme o caso, de um tabelião de notas para lavratura de escritura de inventário).
E é exatamente com tal objetivo que o Provimento 93/2020 foi editado: reproduzir, de forma sistemática, os principais pontos da legislação federal e estadual, além de consolidar todos os atos normativos anteriores e regular, em um único documento, as serventias extrajudiciais no Estado de Minas Gerais.
O Provimento 93/2020, além de prever regras gerais aplicáveis a qualquer pessoa com delegação de serviços notariais e de registro, como normas de ingresso (exclusivamente por concurso público), processos punitivos, obrigações perante os usuários e o Estado e hipóteses de perda da delegação, se debruça nos detalhes de cada ato/processo jurídico que possa ser realizado em cartórios e tabelionatos.
Explica, por exemplo, o trâmite para lavratura de uma escritura pública, detalha todos os passos para se registrar um loteamento ou uma incorporação e regular até mesmo o reconhecimento extrajudicial de usucapião.
Aqui focaremos apenas nas questões que envolvem, direta ou indiretamente, a atividade imobiliária.
Regra geral para cobrança de emolumentos
Comecemos, então, por um ponto que muitas vezes gera nos usuários uma sensação de injustiça e de cobrança desproporcional ao serviço recebido: os emolumentos.
O assunto é tratado no artigo 135 do Provimento 93/2020, que invoca regra contida na Lei Estadual 15.424/2002, mas vai além para permitir que o tabelião de notas questione o valor do negócio informado pelas partes caso entenda, subjetivamente, que ele está destoante do valor real ou de mercado do bem:
Art. 135. O ato notarial ou registral relativo a situação jurídica com conteúdo financeiro será praticado com base nos parâmetros constantes no § 3º do art. 10 da Lei estadual nº 15.424, de 2004, prevalecendo o que for maior.
§ 1º Se o preço ou valor econômico do bem ou do negócio jurídico inicialmente declarado pelas partes, bem como os demais parâmetros previstos em lei, estiverem em flagrante dissonância com seu valor real ou de mercado, será previamente observado o seguinte:
I – o tabelião ou oficial de registro, na qualidade de agente arrecadador de taxas, esclarecerá o usuário sobre a necessidade de declarar o valor real ou de mercado do bem ou negócio;
II – sendo acolhida a recomendação, o ato será praticado com base no novo valor declarado, que constará do corpo do ato;
III – não sendo acolhida a recomendação, poderá ser instaurado procedimento administrativo de arbitramento de valor perante o diretor do foro, adotado o procedimento previsto nos arts. 150 a 161 deste Provimento Conjunto.
§ 2º O novo valor declarado ou arbitrado será utilizado tão somente para fins de recolhimento da TFJ e dos emolumentos.
A regra geral em uma compra e venda ou permuta, para infelicidade dos usuários, é que os emolumentos de cartório serão, sempre, cobrados sobre o maior valor entre:
1. O preço declarado pelas partes envolvidas na transação;
2. O valor do imóvel fixado na última guia de IPTU (quando urbano) ou ITR (quando rural); e
3. O valor de avaliação do imóvel para fins de cobrança do ITBI.
Por isso, de nada adianta declarar um valor irrisório como preço, pois, sendo tal valor menor do que o de avaliação do Poder Público (seja na cobrança do IPTU/ITR, seja na cobrança do ITBI), os emolumentos serão cobrados sobre o maior valor.
É importante entender, também, que o valor final cobrado do usuário é composto dos emolumentos em si, que são destinados ao cartório, da taxa de fiscalização judiciária, que é recolhida ao Estado, e da chamada RECOMPE, que é cobrada para suportar os custos tanto de cartórios deficitários (cujo faturamento não é suficiente para remunerar o serviço) quanto de atos gratuitos feitos em favor de pessoas que contam com o referido direito.
Um último ponto importante sobre a cobrança de emolumentos, no estado de Minas Gerais, é que, caso uma única escritura se refira a várias unidades imobiliárias (por exemplo, a compra de um andar corrido que, apesar de ser uma operação “única”, entre as mesmas partes, envolve várias matrículas das salas comerciais e eventuais vagas de garagem), a cobrança dos emolumentos será feita como se estivessem ocorrendo vários negócios separados, enquadrando-se o valor de cada imóvel nas faixas de cobrança da Tabela de Emolumentos.
Procedimento de suscitação de dúvida
Ao praticar qualquer ato junto a um tabelião de notas (procuração ou escritura, por exemplo) ou a um registrador de imóveis (registro de escritura, registro de incorporação/loteamento etc.), é comum a apresentação de uma nota devolutiva, na qual o tabelião/registrador apresenta exigências de adequação de documentos para que o ato possa ser realizado.
Quando o usuário não concorda com alguma exigência formulada, pode solicitar o início de um procedimento chamado suscitação de dúvida.
Bem resumidamente, o procedimento consiste em uma consulta a um juiz de direito (quando a comarca tiver uma vara especializada em registros públicos, será dela a competência para o julgamento de dúvidas; do contrário, a competência será da vara cível ou vara única), que, depois de analisar os argumentos do cartório e do interessado no ato, decidirá quem está com a razão.
Se a dúvida for julgada procedente, o ato não será realizado e os documentos protocolados serão devolvidos ao interessado.
Se, por outro lado, ela for julgada improcedente, o cartório será obrigado a praticar o ato, mesmo contra o seu entendimento original, arquivando conjuntamente a decisão judicial.
O Provimento 93/2020 trata detalhadamente do procedimento de suscitação de dúvida nos artigos 150 a 161, valendo destacar os seguintes dispositivos:
Art. 150. Havendo exigências a serem satisfeitas, o tabelião ou oficial de registro deverá indicá-las ao apresentante por escrito, em meio físico ou eletrônico, no prazo de 15 (quinze) dias contados da apresentação do título ou documento.
§ 1º As exigências deverão ser formuladas de uma só vez, por escrito, articuladamente, de forma clara e objetiva, em papel timbrado da serventia, com os fundamentos de fato e de direito, data, identificação e assinatura ou chancela do preposto responsável, para que o interessado possa satisfazê-las ou, não se conformando, requerer a suscitação de dúvida.
Art. 151. Não se conformando o interessado com a exigência ou não podendo satisfazê-la, será o título ou documento, a seu requerimento e com a declaração de dúvida formulada pelo tabelião ou oficial de registro, remetido ao juízo competente para que este possa dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte:
I – o requerimento de suscitação de dúvida será apresentado por escrito e fundamentado, instruído com o título ou documento;
II – o tabelião ou oficial de registro fornecerá ao requerente comprovante de entrega do requerimento de suscitação de dúvida;
III – nos Ofícios de Registro de Imóveis será anotada, na coluna “atos formalizados”, à margem da prenotação, a observação “dúvida suscitada”, reservando-se espaço para oportuna anotação do resultado, quando for o caso;
IV – após certificadas, no título ou documentos, a prenotação e a suscitação da dúvida, o tabelião ou oficial de registro rubricará todas as suas folhas;
V – em seguida, o tabelião ou oficial de registro dará ciência dos termos da dúvida ao interessado, fornecendo-lhe cópia da suscitação e notificando-o para impugná-la diretamente perante o juízo competente no prazo de 15 (quinze) dias;
VI – certificado o cumprimento do disposto no inciso V deste artigo, as razões da dúvida serão remetidas ao juízo competente, acompanhadas do título ou documento, mediante carga.
Art. 153. Decorridos 15 (quinze) dias do requerimento escrito para suscitação de dúvida, não sendo ela suscitada pelo tabelião ou oficial de registro, poderá ocorrer suscitação diretamente pelo próprio interessado (“dúvida inversa”), caso em que o juiz de direito competente dará ciência dos termos da dúvida ao tabelião ou oficial de registro para que a anote no Livro de Protocolo e para que preste as informações que tiver no prazo de 15 (quinze) dias.
Parágrafo único. Eventual negativa do tabelião ou oficial de registro em suscitar a dúvida deverá ser informada ao interessado.
Art. 154. Se o interessado não impugnar a dúvida no prazo, será ela, ainda assim, julgada por sentença.
Art. 156. Se não forem requeridas diligências, o juiz de direito proferirá decisão no prazo de 15 (quinze) dias, com base nos elementos constantes dos autos.
Art. 158. Transitada em julgado a decisão da dúvida, o tabelião ou oficial de registro procederá do seguinte modo:
I – se for julgada procedente, os documentos serão restituídos à parte, independentemente de traslado, dando-se ciência da decisão ao tabelião ou oficial de registro para que a consigne no protocolo e cancele a prenotação, se for o caso;
II – se for julgada improcedente, o interessado apresentará novamente os seus documentos juntamente com o respectivo mandado ou a certidão da sentença, que ficarão arquivados na serventia, para que, desde logo, se proceda à lavratura do ato ou ao registro, declarando o tabelião ou oficial de registro o fato na coluna de anotações do protocolo.
Art. 159. A decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do processo contencioso competente.
Art. 160. O procedimento de suscitação de dúvida concernente à legislação de registros públicos é da competência do Juízo de Registros Públicos, devendo ser distribuído por sorteio entre as varas cíveis quando não houver vara especializada na comarca.
Principais atribuições e funções do tabelião de notas
O Provimento 93/2020 define muito bem as atribuições, responsabilidades e funções de cada tipo de tabelião ou registrador.
A função notarial é regulada pelos artigos 163 a 179 do Provimento.
Os interessados na prática do ato podem escolher livremente o tabelionato em que o ato será praticado, existindo, portanto, concorrência entre os tabelionatos de notas, ao contrário dos cartórios de registros de imóveis, que têm seu território de “atuação” claramente definido.
No tabelionato de notas são feitos:
1. As escrituras públicas de qualquer natureza (compra e venda, permuta, doação, procuração, inventário, testamento);
2. As atas notariais, que são documentos que narram e atestam a veracidade de uma situação presenciada ou verificada pelo tabelião, como um depoimento de alguém, uma publicação na internet (que pode ser posteriormente excluída) ou uma situação possessória de um imóvel, por exemplo;
3. Reconhecimentos de firma (assinatura) por semelhança – quando a parte signatária tiver preenchido previamente um cartão de assinatura no tabelionato – ou por autenticidade – quando a parte signatária apõe sua firma na frente do escrevente; e
4. Autenticação de cópias de documentos.
Observe que, para adquirir a propriedade de um imóvel, não basta ter, em seu favor, uma escritura pública assinada pelo(s) vendedor(es); essa escritura precisa, necessariamente, ser levada a registro no cartório de registro de imóveis no qual o imóvel estiver matriculado.
Portanto, sob o aspecto jurídico, ter “a escritura do imóvel” não significa que a pessoa é proprietária do bem. Somente o registro dessa escritura é que transfere, efetivamente, a propriedade.
Logo, ao analisar uma situação de compra de um imóvel, exija do vendedor a matrícula atualizada do imóvel, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis, que indicará, efetivamente, quem é o atual dono do bem.
Escritura pública
A escritura pública recebeu atenção especial do Provimento 93/2020, sendo tratada nos artigos 182 a 191.
Segundo o artigo 182, ela é o instrumento público notarial dotado de fé pública e força probante plena, em que são acolhidas declarações sobre atos jurídicos ou declarações de vontade inerentes a negócios jurídicos para as quais os participantes devam ou queiram dar essa forma legal.
Basicamente, uma escritura pública nada mais é do que um contrato formalizado no tabelionato de notas que, pela sua própria característica, é público, ou seja, pode ser acessado por qualquer pessoa, mesmo que ela não tenha participado do ato.
A razão de existir da escritura pública é atender à exigência legal de adoção da forma pública para a prática de determinados atos.
Por exemplo, o artigo 108 do Código Civil determina que, não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país.
Isso quer dizer que não é possível, por meio de um contrato particular, transferir a propriedade de um imóvel cujo valor seja, hoje, superior a pouco mais de R$ 33.0000 (trinta e três mil reais).
Como são raríssimos os casos de imóveis com valor abaixo desse limite, praticamente em qualquer operação imobiliária, embora seja válida (e recomendada) a assinatura prévia de um contrato particular de compra e venda, é somente por meio da lavratura da escritura pública que o negócio poderá, efetivamente, ser realizado.
A escritura pública poderá ter, ou não, conteúdo financeiro.
Se outorgo, por exemplo, uma procuração para que um amigo possa gerir meus assuntos pessoais enquanto eu estiver em uma viagem internacional, por exemplo, sem especificar atos e valores específicos, a escritura não terá conteúdo financeiro.
Se, por outro lado, estou vendendo, permutando ou doando um imóvel, a escritura terá conteúdo financeiro, atraindo a regra de cobrança explicada no tópico sobre os emolumentos.
Também é importante registrar, como explicamos em detalhes em nosso artigo sobre o Provimento 100 do Conselho Nacional de Justiça, que qualquer ato notarial (inclusive escrituras e procurações) pode ser feito, hoje, inteiramente de forma eletrônica, sem a necessidade de comparecimento das partes ao tabelionato.
O trâmite para a elaboração e assinatura de uma escritura pública se inicia com a apresentação de informações e documentos, por protocolo, ao tabelionato de notas de escolha das partes envolvidas.
No estado de Minas Gerais, os documentos exigidos das partes são:
1. Documentos de identificação e qualificação civil: identidade, CPF, certidão de nascimento (se solteiro) ou de casamento (se casado, divorciado ou viúvo), estas expedidas há no máximo 90 dias; se a parte for pessoa jurídica, cópia da última alteração contratual ou estatuto social vigente e de certidão simplificada expedida pela Junta Comercial há no máximo 30 dias;
2. Matrícula(s) atualizada(s) do(s) imóvel, expedida há no máximo 30 dias;
3. Certidão de ônus reais, ações reais e ações pessoais reipersecutórias, emitida há no máximo 30 dias pelo cartório de registro de imóvel onde o imóvel estiver matriculado;
4. Certidão fiscal negativa do imóvel, expedida pela prefeitura local (quando urbano) ou pela Receita Federal (quando rural); e
5. Se o vendedor for pessoa jurídica que não tenha por atividade exclusiva a compra e venda ou locação de imóveis, certidão negativa de débito expedida pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
Idealmente, a minuta (esboço, primeira versão) da escritura já deve ser enviada pronta ao tabelião, feita por advogado de confiança das partes.
Também é possível pedir que o tabelião faça a minuta segundo o seu próprio modelo, mas inevitavelmente esse modelo será mais simples do que a versão preparada por um advogado.
Apresentada a minuta pelo tabelião, as partes poderão solicitar, caso necessário, revisão ou inclusão de cláusulas.
Fechada a redação final, antes que a escritura possa ser, efetivamente, assinada, é imprescindível a apresentação da certidão de quitação do ITBI.
Embora os próprios interessados possam gerar e pagar a guia do imposto junto à prefeitura local, a maioria dos tabelionatos de notas, pelo menos em Minas Gerais, fazem a expedição da guia e a entregam para pagamento, retirando, posteriormente, a certidão de quitação.
Apresentados todos os documentos mencionados anteriormente, validade a redação da escritura e emitida a certidão de quitação do ITBI, as partes podem, finalmente, assinar a escritura pública, pagando ao tabelião, na ocasião, os emolumentos devidos.
Veja aqui o nosso artigo que trata especialmente de Escritura Pública.
Procuração
O Provimento 93/2020 dedicou os artigos 291 a 298 para normatizar as procurações lavradas em tabelionatos de notas, classificando-as em quatro tipos:
1. Procuração genérica;
2. Procuração para fins de previdência e assistência social;
3. Procuração em causa própria; e
4. Procuração relativa à situação jurídica com conteúdo financeiro.
O aspecto mais interessante a ser destacado neste tópico é a respeito da procuração em causa própria.
Esse tipo de procuração está previsto no artigo 685 do Código Civil:
Art. 685. Conferido o mandato com a cláusula “em causa própria”, a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.
O Provimento 93/2020 foi além e estabeleceu alguns requisitos para a elaboração dessa procuração:
Art. 296. Considera-se procuração em causa própria o instrumento que autoriza o procurador a transferir bens para si mesmo, desde que, além dos requisitos para qualquer procuração, constem do referido ato:
I – preço e forma de pagamento;
II – consentimento do outorgado ou outorgados;
III – objeto determinado;
IV – determinação das partes;
V – anuência do cônjuge do outorgante;
VI – quitação do imposto de transmissão, quando a lei o exigir.
§ 1º O consentimento consiste no necessário comparecimento de todas as partes envolvidas no negócio jurídico, assinando o instrumento ao final.
§ 2º Da procuração em causa própria deverá constar expressamente que sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas e podendo transferir para si os bens objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.
§ 3º Ausente qualquer dos requisitos previstos nos incisos I a VI do caput deste artigo, a procuração não será classificada como procuração em causa própria, ainda que, por meio dela, sejam outorgados poderes para transferência de bem para próprio outorgado ou para terceiros por ele indicados.
§ 4º A procuração em causa própria será instrumento capaz de promover a transmissão de bens imóveis se contiver todos os requisitos da escritura pública translatícia.
Como se percebe com facilidade, a procuração em causa própria se assemelha muito a uma escritura de compra e venda, com a substancial diferença de não determinar, necessariamente, quem será o próximo proprietário do imóvel.
Afinal, se tenho uma procuração em causa própria para alienar um determinado imóvel, posso transferi-lo diretamente para meu nome ou posso, se preferir, vender a terceiros, transferindo a propriedade diretamente do mandante da procuração para o referido terceiro.
A principal característica da procuração em causa própria é que, uma vez outorgada, ela não pode mais ser revogada, ou seja, ela é irretratável e os poderes conferidos ao procurador/beneficiário não se extinguem sequer com a morte do mandante.
Os ofícios de registros de imóveis
Os ofícios (ou cartórios) de registros de imóveis têm a função precípua de arquivar, administrar e informar sobre as situações jurídicas de todos os bens imóveis localizados no território brasileiro, sejam eles urbanos ou rurais, dando segurança jurídica às operações rotineiras de transferência de propriedade e constituição de outros direitos reais e garantias, como hipoteca e alienação fiduciária em garantia.
Até a edição da Lei 6.015/73, conhecida como Lei de Registros Públicos, sempre que um imóvel era negociado, seja para transferência de propriedade, seja para constituição de alguma garantia, cabia aos cartórios de registros de imóveis fazer a chamada transcrição do título (sendo a escritura pública o título mais comum).
Logo, cada novo ato envolvendo o imóvel gerava uma nova transcrição, que não necessariamente seria feita no mesmo cartório da transcrição anterior.
Isso, por razões óbvias, deixava o sistema registral confuso, inseguro e descentralizado, obrigando o interessado na aquisição de um bem a pesquisar atos relacionados a ele em todos os cartórios locais.
Com a promulgação da Lei de Registros Públicos, criou-se a figura da matrícula, que nada mais é do que o documento único que descreve determinado bem imóvel, informa seu atual proprietário e lança, em averbações e registros sucessivos, todos os atos de transferência de propriedade, constituição de ônus e garantias sobre aquele imóvel.
Assim, ao contrário do sistema anterior, o atualmente vigente respeita o chamado princípio da unicidade da matrícula, pelo qual a cada imóvel situado no território brasileiro deve corresponder uma única matrícula, arquivada em um único ofício de registro de imóveis.
Quando o município possuir mais de uma serventia de registro de imóveis, caberá ao ato normativo que definir a organização político-administrativa local a delimitação do território que será atribuído a cada cartório, a chamada circunscrição.
Definida a circunscrição (ou área de atuação) de cada cartório, não cabe ao cidadão escolher em qual cartório quer registrar o seu imóvel (ou a escritura pública que o envolva), já que essa definição já terá sido previamente feita por ato normativo.
Portanto, enquanto há ampla concorrência entre os tabelionatos de notas, não há nenhuma entre os cartórios de registro de imóveis, que contam com verdadeiros “monopólios” em suas respectivas circunscrições.
As principais características, obrigações e atribuições dos cartórios de registro de imóveis estão contidas nos artigos 713 a 1.193 do Provimento 93/2020, que compõem o Livro VII.
É digna de nota a dedicação, pelo Provimento 93/2020 de exatos 480 artigos, quase a metade de todo o ato normativo, para tratar de temas direta ou indiretamente relacionados aos cartórios de registros de imóveis, demonstrando a ainda relevante importância dessa figura para o Direito Imobiliário Brasileiro.
Nas palavras do Provimento 93/2020 (artigo 714), aos oficiais de registro de imóveis cumpre, na forma da lei, garantir autenticidade, publicidade, segurança, disponibilidade e eficácia dos atos jurídicos constitutivos, declaratórios, translativos ou extintivos de direitos reais sobre imóveis.
Princípios registrais
Os princípios registrais (artigo 715), como orientadores de toda a atividade dos cartórios, também são de conhecimento obrigatório:
I – da obrigatoriedade, a impor o registro dos atos previstos em lei, mesmo que inexistam prazos ou sanções por seu descumprimento;
II – da territorialidade, a circunscrever o exercício das funções delegadas do registro de imóveis à área territorial definida nos termos da legislação em vigor;
III – da continuidade, a impedir o lançamento de qualquer ato de registro sem a existência de registro anterior que lhe dê suporte formal, excepcionadas as aquisições originárias;
IV – da especialidade objetiva, a exigir a plena e perfeita identificação do imóvel na matrícula e nos documentos apresentados para registro;
V – da especialidade subjetiva, a exigir a perfeita identificação e qualificação das pessoas nomeadas na matrícula e nos títulos levados a registro;
VI – da prioridade, a outorgar ao primeiro apresentante de título a prevalência de seu direito sobre o de apresentante posterior, quando referentes ao mesmo imóvel e contraditórios;
VII – da tipicidade, a afirmar serem registráveis apenas títulos previstos em lei;
VIII – da disponibilidade, a precisar que ninguém pode transferir mais direitos do que os constantes do registro de imóveis, a compreender as disponibilidades física (área disponível do imóvel) e jurídica (a vincular o ato de disposição à situação jurídica do imóvel e da pessoa);
IX – da concentração, a possibilitar que se averbem na matrícula as ocorrências que alterem o registro, inclusive títulos de natureza judicial ou administrativa, para que haja uma publicidade ampla e de conhecimento de todos, preservando e garantindo, com isso, os interesses do adquirente e de terceiros de boa-fé.
Embora o texto transcrito seja autoexplicativo, queremos reforçar a importância, para a segurança jurídica das operações imobiliárias no Brasil, dos princípios da tipicidade e da concentração.
Por força de ambos os princípios, aplicados conjuntamente, somente títulos e atos expressamente autorizados em lei podem ser levados a averbação/registro nas matrículas imobiliárias (tipicidade). Isso, ao mesmo tempo, impede que situações frívolas possam contaminar a matrícula e garante que, se houver de fato alguma restrição ou informação que possa interferir na decisão de compra de determinado imóvel, ela estará na matrícula (concentração).
Princípio da concentração dos atos na matrícula – Lei 13.097/2015
O princípio da concentração dos atos na matrícula do imóvel foi levado ao extremo pela Lei 13.097/2015, que, grosso modo, transferiu integralmente ao terceiro interessado a obrigação de averbar sua dívida ou pretensão, qualquer que seja sua origem ou natureza, na(s) matrícula(s) de imóvel(is) do devedor/responsável, sob pena de, não o fazendo, não poder, posteriormente, buscar a anulação de operações sobre aquele(s) imóvel(is), ainda que sob a alegação de fraude contra credores ou à execução.
Por sua relevância, vejamos na íntegra os artigos da Lei 13.097/2015 que tratam da questão:
Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações:
I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;
II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil ;
III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e
IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.
Parágrafo único. Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel.
Art. 55. A alienação ou oneração de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária, parcelamento do solo ou condomínio edilício, devidamente registrada, não poderá ser objeto de evicção ou de decretação de ineficácia, mas eventuais credores do alienante ficam sub-rogados no preço ou no eventual crédito imobiliário, sem prejuízo das perdas e danos imputáveis ao incorporador ou empreendedor, decorrentes de seu dolo ou culpa, bem como da aplicação das disposições constantes da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 .
Art. 56. A averbação na matrícula do imóvel prevista no inciso IV do art. 54 será realizada por determinação judicial e conterá a identificação das partes, o valor da causa e o juízo para o qual a petição inicial foi distribuída.
§ 1º Para efeito de inscrição, a averbação de que trata o caput é considerada sem valor declarado.
§ 2º A averbação de que trata o caput será gratuita àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.
§ 3º O Oficial do Registro Imobiliário deverá comunicar ao juízo a averbação efetivada na forma do caput, no prazo de até dez dias contado da sua concretização.
§ 4º A averbação recairá preferencialmente sobre imóveis indicados pelo proprietário e se restringirá a quantos sejam suficientes para garantir a satisfação do direito objeto da ação.
Art. 57. Recebida a comunicação da determinação de que trata o caput do art. 56, será feita a averbação ou serão indicadas as pendências a serem satisfeitas para sua efetivação no prazo de 5 (cinco) dias.
Observe, aliás, que o artigo 55, acima transcrito, protege expressamente os adquirentes de imóveis objeto de incorporação imobiliária ou parcelamento do solo, de forma a impedir que eventuais dívidas do empreendedor possam, em tempo futuro, vir a atingir as operações de venda de unidades a terceiros de boa-fé.
Registro X Averbação
Uma dúvida muito comum, causada por uma confusão conceitual da própria Lei de Registros Públicos, diz respeito à diferença entre registro e averbação.
Ambos são atos lançados em matrículas imobiliárias e só podem se dar nos estritos limites da permissão legal, ou seja, são hipóteses taxativas da prática de atos registrais.
Em regra (que, como se verá, admite várias exceções), registram-se os atos, situações e informações que impactam ou podem afetar, de alguma forma, o direito de propriedade de determinado imóvel.
Dessa forma, operações de compra e venda, permuta, doação (que transferem a propriedade), penhoras, contratos de promessa de compra e venda ou cessão, incorporações, parcelamentos, servidões em geral, hipotecas, alienações fiduciárias são, todas, hipóteses de registro na matrícula, pois afetam ou podem afetar o principal direito ligado ao imóvel, que é o de propriedade.
Por outro lado, as situações e atos que apenas alteram ou cancelam registros já lançados na matrícula ou se prestam apenas a informar algum conteúdo relevante sobre o proprietário do imóvel são, normalmente, objeto de averbação.
Logo, cancelamentos de ônus reais, alterações no estado civil do proprietário, mudança de denominação de rua ou número do imóvel, inclusão ou correção de dado pessoal (como CPF ou identidade) são casos de averbação.
Há, como dito, as inexplicáveis exceções lógicas, trazidas pela Lei de Registros Públicos e reproduzidas pelos artigos 716 e 717 do Provimento 93/2020.
Um contrato de locação, por exemplo, pode ser objeto de registro, se contiver cláusula de vigência, em caso de alienação do imóvel, ou de averbação, se se destinar apenas a preservar o direito legal de preferência.
Enquanto servidões em geral são objetos de registro, a servidão ambiental e a reserva legal, ambas a limitar diretamente o direito de propriedade, são hipóteses de averbação.
Não há, como se vê, uma distinção clara e segura entre as hipóteses de registro e averbação, de forma que, se você, por qualquer motivo, precisar sabê-las a fundo, terá que simplesmente decorar o texto da lei.
Além disso, há também a retificação, que pretende corrigir eventuais equívocos na matrícula imobiliária. Para saber mais sobre o tema, veja nosso artigo sobre retificação de área de imóveis.
Conclusão
O Provimento 93/2020, verdadeira bíblia a ser seguida por todas as serventias do estado de Minas Gerais, é de suma importância para a rotina daqueles que atuam no mercado imobiliário, eis que traça, à exaustão, normas bastante específicas sobre todos os procedimentos e atos que podem ser realizados em tabelionatos de notas e cartórios de registros de imóveis, dentre outros.
Não se pretendeu, neste artigo, esgotar todos os infindáveis assuntos tratados pelo Código de Normas, mas apenas estudar, brevemente, os pontos que mais afetam a atividade diária do mercado imobiliário no estado de Minas Gerais.
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*Imagem de Pixelshot, no Canva Pro.
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