Ao contrário do que muitos empreendedores costumam pensar, a atividade de incorporação vai muito além da venda de imóveis “na planta”.

Sem dúvida alguma, para que a empresa tenha competitividade no mercado, é necessário que seja feita uma gestão eficiente de seus negócios.

O que muitos desconhecem é que uma estruturação societária bem planejada pode ser uma excelente forma de otimização dos custos, divisão dos riscos dos empreendimentos, diminuição das responsabilidades e captação de investimentos.

Para isso, existem instrumentos societários como a SCP – Sociedade em Conta de Participação e a SPE – Sociedade de Propósito Específico, que podem auxiliá-lo a alcançar esse objetivo.

Hoje vamos explicar um pouco mais sobre essas formas de organização social, como cada uma funciona e os seus respectivos benefícios e desvantagens.

Conceitos e diferenças entre SCP e SPE

Por mais que o termo “sociedade” seja muito utilizado na vida cotidiana, antes de discutirmos os conceitos de SCP e SPE é necessário que se compreenda os motivos principais para que sua empresa realize um planejamento societário adequado para o tipo de empreendimento ou projeto que se pretende implementar.

O impacto da estruturação societária para o sucesso da incorporadora

Inicialmente é importante explicar como o Código Civil caracteriza as sociedades.

Segundo o artigo 981, celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Tradicionalmente, esse dispositivo, existente desde a primeira versão do Código Civil, exigia que a sociedade tivesse a presença de, no mínimo, 2 (duas) pessoas diversas, fossem elas físicas ou jurídicas.

Em 2019, por meio da Lei 13.874, foi criada a figura da sociedade unipessoal, por mais incoerente que isso possa soar (afinal, sociedade remete ao agrupamento de pessoas).

A intenção do legislador, com isso, foi trazer para o mundo jurídico uma realidade largamente verificada há anos, na qual um dos sócios detinha 99% ou mais das quotas ou ações, deixando o outro com um percentual ínfimo (muitas vezes uma única quota) apenas para configurar a pluralidade de pessoas.

Hoje, não é mais preciso “simular” uma sociedade. Pode-se regularmente abrir uma “sociedade” com um único sócio, não sendo obrigatória a figura da EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada), que exige um alto capital social e o depósito do valor integral em instituição bancária, ao contrário da sociedade unipessoal.

Seja como for, em uma sociedade “tradicional”, espera-se que os sócios contribuam, de forma proporcional à quantia estipulada no contrato social para cada um, com bens a serem integralizados pela sociedade ou com serviços. Todas as contribuições formam o que se chama capital social.

No entanto, na quase totalidade das vezes, um dos sócios toma a frente dos negócios, exercendo isoladamente a administração ou, no mínimo, liderando a trajetória da sociedade, seja porque tem o maior número de quotas ou ações, seja porque, com reconhecimento dos demais sócios, se mostra mais preparado para a função.

Em empreendimentos de maior porte, principalmente, configuram-se sociedades entre pessoas jurídicas, especialistas em determinada área da economia e dotadas de maior poderio financeiro, e pessoas físicas leigas, que adentram o negócio apenas por serem proprietárias de bens ou direitos.

Na construção civil, é cada dia mais comum (e altamente recomendável) a procura por assessoria jurídica para pensar e sugerir a melhor formatação para um determinado empreendimento.

A escolha do melhor tipo societário traz grandes implicações, positivas ou negativas, podendo impactar, inclusive, o resultado financeiro do empreendimento.

Por razões óbvias, os administradores das incorporadoras e construtoras relutam em aceitar a presença, nos empreendimentos, de terceiros estranhos aos seus negócios, principalmente ao se tratar de proprietários de terrenos, que, por insegurança ou mero capricho, buscam fiscalizar e até interferir nas decisões de negócio.

A presença de terceiros alheios à atividade em uma sociedade formal pode, também, afetar o score de crédito de uma incorporadora/construtora e dificultar o registro de incorporação ou loteamento.

Outras figuras recorrentes nas incorporações imobiliárias são os investidores, que ajudam na captação dos recursos necessários à obra, e os efetivos parceiros de negócio, que contribuirão com capital ou serviços na empreitada.

Assim, é extremamente importante que você compreenda que para cada relação da incorporadora/construtora/loteadora com terceiros, haverá um tipo societário mais adequado e que trará resultados mais satisfatórios ao desenvolvimento dos negócios.

Por isso, vale a pena saber mais sobre duas estruturações societárias muito utilizadas na prática: SCP e SPE.

SCP – Sociedade em Conta de Participação

A SCP, apesar de existente no Brasil desde 1850, com a promulgação do Código Comercial (Lei 556/1850, artigos 325 a 328), ainda é uma figura pouco difundida na prática empresarial nacional, tendo sido mais “notada” a partir da entrada em vigor do Código Civil, em 2003.

Em linhas gerais, a SCP é delineada para que um terceiro, detentor de capital, possa investir em um negócio, novo ou já existente, sem correr riscos adicionais ao de, eventualmente, vir a perder a integralidade do valor aportado.

Isso acontece porque a SCP é um tipo societário caracterizado pela divisão dos sócios em duas categorias: o sócio ostensivo e o sócio participante/oculto.

O investidor, denominado sócio participante, tem, em regra, uma única obrigação para com seu(s) sócio(s): disponibilizar os valores ou bens contratualmente estipulados, a tempo e modo previstos.

É claro que o contrato social, personalizado caso a caso, pode prever outras obrigações acessórias para o sócio participante, como o atendimento a novas chamadas de capital, mas, em regra, ele faz um único aporte e, ao final, recebe proporcionalmente os lucros do empreendimento.

A pessoa física ou jurídica que recebe o investimento, chamada sócio ostensivo, é quem vai, efetivamente, exercer a atividade empresarial, assumir todos os riscos do negócio e relacionar-se com terceiros.

Por sua própria essência, a SCP não é dotada de personalidade jurídica própria, ainda que seu contrato social venha a ser registrado em Cartório ou Junta Comercial.

Isso quer dizer que, apesar de ter um CNPJ próprio, exclusivamente para fins de fiscalização tributária, toda a responsabilidade pelo que for feito em sua administração será do sócio ostensivo. Ou seja, ele assumirá em seu próprio nome, todas as obrigações perante terceiros.

Em outras palavras, o sócio participante, desde que não interfira nas relações da SCP com terceiros, não responderá diretamente por um único centavo de nenhuma obrigação contraída pelo sócio ostensivo em prol da sociedade.

Poderá, é fato, perder todo o investimento, mas nunca será responsável por valor superior a ele se não tiver, repita-se, intervido diretamente na relação que deu origem à obrigação cobrada.

Se a principal característica deste tipo de sociedade é manter o investidor oculto protegido de terceiros, qualquer publicidade que se dê à configuração do quadro societário acabará por desvirtuar o acordo.

Veja, a seguir a disposição do Código Civil a respeito:

Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes

Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.

Além de aportar o capital, o sócio participante tem o direito de fiscalizar a gestão (o que não se confunde com gerir) do sócio ostensivo, mas deve se abster, sob pena de responsabilização, de influenciar diretamente a administração e a vida empresarial.

É justamente nesse ponto que conseguimos verificar na prática diária um erro muito comum do empresariado brasileiro.

Muitas vezes o investidor, acreditando estar integralmente resguardado apenas por compor uma SCP, acaba querendo intervir ou assumir o controle do negócio, assumindo uma postura ativa na relação do sócio ostensivo com terceiros, o que atrai para ele também a responsabilidade.

Por outro lado, como o sócio participante aplica seu capital em negócio de terceiro, normalmente sem garantia de retorno, não é permitido ao sócio ostensivo admitir novos investidores no negócio, salvo se expressamente estipulado de forma diversa no contrato social.

Em síntese, a SCP é ideal para os negócios em que determinado investidor, pessoa física ou jurídica, acreditando no sucesso de um determinado negócio ou na capacidade empreendedora de certa pessoa, quer aplicar capital com limitação do risco, traduzida na possibilidade, na pior das hipóteses, de perda integral do valor investido, sem assumir novas obrigações ou riscos inerentes à atividade empresarial.

Da ótica do investidor, busca-se um investimento com grau moderado e controlado de risco, com o intuito, obviamente, de auferir os lucros daquela empresa o quanto antes.

Do lado do sócio ostensivo, a entrada, sem custo financeiro direto, de capital adicional poderá impulsionar a atividade.

Por isso, a SCP pode ser uma excelente forma de captação de investimentos externos pela incorporadora/loteadora, uma vez que, apesar de aportar o capital, o investidor não terá ingerência nos negócios.

Mais adiante falaremos mais sobre a SCP no cenário imobiliário.

SPE – Sociedade de Propósito Específico

Já a SPE,ao contrário do que popularmente se imagina, não é um tipo societário, mas uma mera conformação de uma sociedade a uma ou mais finalidades determinadas, qualquer que seja a natureza escolhida (limitada, anônima etc.).

Ou seja, é um modelo de organização empresarial pelo qual, basicamente, se constitui uma nova empresa, de qualquer tipo, com um objetivo determinado, como, por exemplo, executar um único empreendimento imobiliário.

Para efeitos jurídicos, a SPE é uma nova empresa. Por isso, é necessário que ela seja formalizada, ou seja, tenha seu contrato (ou estatuto social) arquivado na Junta Comercial.

Posicionando-se como uma espécie de meio-termo entre o consórcio societário (previsto nos artigos 278 e 279 da Lei 6.404/76) e a joint venture norte americana, a SPE tem como característica primordial a realização, num período previsto de tempo, de um ou mais projetos previamente escolhidos pelos sócios (que não têm intenção de se unir para exercer, indefinidamente, alguma atividade).

Essa forma de organização é prevista pelo parágrafo único do artigo 981 do Código Civil:

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.

Em regra, as SPE´s são criadas com data de validade, ou seja, “nascem com a morte já anunciada”.

Nada impede, é certo, que o prazo previsto para a consecução daquela finalidade específica seja prorrogado, mas o fato é que a SPE, em essência, se revela uma ferramenta para que duas ou mais pessoas, físicas ou jurídicas, se unam temporariamente em torno de um projeto comum, projeto este que não admite uma perpetuação no tempo; ao contrário, o interesse mútuo dos envolvidos é realizar com a máxima eficiência o propósito comum para, ao final, auferir lucro.

Nesse cenário, a SPE, longe de ter uma utilização restrita, é indicada para qualquer projeto ou empreendimento em que os envolvidos pretendam, conjuntamente, dividir os riscos e esforços da empresa para, ao final, partilhar o resultado.

Nas incorporações, pode-se, por exemplo, formatar uma parceria entre incorporadora e construtora, na qual esta última realizará a obra a preço de custo, sendo remunerada pela própria SPE, para também participar de parte do resultado do empreendimento. Essa participação pode ser maior caso a construtora também opte por injetar recursos próprios na obra.

Outra hipótese de utilização da SPE é a formação de parceria entre o proprietário do terreno que pretende, além de disponibilizar o lote, contribuir para o custo da obra, tornando-se verdadeiro sócio investidor da incorporadora/construtora.

Em qualquer cenário, a parceria dos sócios durará apenas até a conclusão do projeto.

Mas atenção: é altamente recomendado que, ao se fixar o prazo de duração da SPE, compute-se o prazo de garantia legal da obra!

Isso significa que os sócios não serão implicados em qualquer outra obrigação senão às inerentes à própria finalidade específica da sociedade.

Além de regulamentar parcerias, um dos motivos fundamentais para a utilização da SPE na construção civil é para diluir e segregar riscos de empreendimentos distintos.

Uma prática comum é a abertura, para cada novo empreendimento iniciado por determinada incorporadora, de uma SPE em cujo nome será desenvolvido o projeto (e, consequentemente, em cujo nome serão recebidas as receitas e pagas as despesas), delimitando as responsabilidades por quaisquer ônus daquele empreendimento, sem que um eventual insucesso comercial possa interferir nos demais negócios da empresa.

Além disso, com a criação de uma SPE para cada empreendimento, a obtenção de certidões e documentos destinados ao registro da incorporação ou loteamento será bem mais simples, já que, por se tratar de uma nova empresa, sem passivo ou ativo, ela estará “com o CNPJ limpo”.

SPE x Consórcio contratual

Vale diferenciar a SPE, ainda, do consórcio contratual.

O consórcio contratual é instituído pela Lei 6.404/76, conhecida como Lei das S/A:

Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo.

§ 1º O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade.

O consórcio é, portanto, um contrato firmado entre duas sociedades anônimas que, assim como nas SPE´s, visam a alcançar um objetivo específico.

A grande diferença entre os dois reside no fato de o consórcio não possuir personalidade jurídica. Assim, não é formada “uma nova empresa”, mas apenas um novo CNPJ para representá-lo.

Isso significa que esse consórcio terá restrições que a SPE não tem, como, por exemplo, não poderá adquirir bens em nome próprio.

Papel dos sócios na SCP e SPE

Uma das maiores diferenças entre a SCP e a SPE são os papéis exercidos pelos sócios. Por isso, é importante saber as diferenciações entre elas:

Na sociedade em conta de participação – SCP

A característica mais marcante da Sociedade em Conta de Participação é, sem dúvida, a existência de “categorias” diferentes de sócios. Veja a seguir um breve resumo sobre o papel de cada um.

Sócio ostensivo

Como o próprio nome diz, é quem ficará em evidência perante terceiros. É visto como a pessoa principal do negócio, realizando de forma exclusiva a sua administração.

É esse sócio que trabalhará efetivamente na SCP, ficará responsável por realizar, fiscalizar e coordenar atividades como contratação de colaboradores, prestação de serviços e tarefas administrativas. Esse sócio ostensivo pode ser, por exemplo, uma incorporadora.

Sócio participante ou oculto

Em suma, o sócio oculto é o investidor. Ele apenas entra na sociedade com o capital.

Sua tarefa será, além de fornecer o investimento, a de, querendo, fiscalizar a sua utilização.

A consequência principal da divisão, como já analisado, é que apenas o sócio ostensivo responderá pelas obrigações firmadas com terceiros.

Como explicaremos melhor nos tópicos seguintes, essa categoria pode ser uma forma muito interessante de captação de investimentos para a empresa, uma vez que esse investidor, apesar de fazer o aporte de capital e de receber parcela dos resultados, não participa ativamente das decisões e nem interfere nas atividades administrativas da sociedade, o que mantém o controle nas mãos do sócio ostensivo.

Contudo, para que o sócio oculto permaneça sem assumir essas responsabilidades, deverá se abster de influenciar diretamente a administração e a vida empresarial.

Na sociedade de propósito específico – SPE

Já na SPE, pelo menos no papel, os sócios têm as mesmas categorias e responsabilidades, conforme previsão do contrato social ou estatuto.

Como a SPE não é um tipo societário específico, a responsabilidade dos sócios será conforme o tipo adotado. Ou seja, se for uma sociedade limitada, os sócios responderão até o limite do capital social. Se for anônima, será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas.

Utilização da SCP e SPE no mercado imobiliário

Vejamos, agora, como a Sociedade em Conta de Participação e a Sociedade de Propósito Específico são utilizadas pelo mercado imobiliário.

Antes de optar pela abertura de uma delas, é importante que sua empresa esteja ciente das características, motivos e objetivos principais de cada uma.

SCP no mercado imobiliário

Como vimos anteriormente, um dos atributos mais marcantes da SCP é a divisão dos sócios em duas categorias: ostensivo e participante/oculto.

Apesar dessa divisão aparentar ser meramente formal, não se engane!

Isso pode ser de grande valia para a incorporadora, principalmente se precisar de captação de investimentos externos.

O sócio oculto é meramente o investidor e não assume em nome próprio nenhuma responsabilidade a não ser a de fiscalização das contas do sócio ostensivo, caso assim deseje.

Enquanto isso, o sócio ostensivo é quem possui a expertise do negócio e, nessa condição, será a pessoa que tomará todas as decisões administrativas. 

Isso significa dizer que caso a incorporadora vise à execução de um empreendimento específico, para o qual necessita de investimento externo, poderá se associar a outra pessoa (física ou jurídica), que fornecerá apenas os valores, sem interferir nas decisões tomadas, no planejamento e na execução do projeto.

Essa estratégia é excelente para a incorporadora, porque seus gestores continuam à frente do negócio, detendo todo o controle e tomando todas as decisões.

Ao mesmo tempo, também é vista como uma boa forma de aplicação de recursos para investidores externos, uma vez que não é necessário que entendam efetivamente o negócio e ainda podem investir possuindo como risco apenas o valor empregado, já que não estão juridicamente envolvidos em nome próprio.

Veja alguns cenários do mercado imobiliário em que a SCP pode ser utilizada:

Investimento no empreendimento como um todo

Quando um investidor, pessoa física ou jurídica, está interessado em aplicar no empreendimento como um todo, sem comprar uma ou mais unidades específicas (caso em que o lucro seria, provavelmente, menor), mas entregando à incorporadora/construtora um determinado capital, equivalente a um percentual “x” do custo de construção, para fazer jus, ao final, a igual percentual na receita de vendas (VGV).

Neste caso, se o empreendimento for um sucesso e os preços subirem, o investidor participará ativamente do resultado.

Para a incorporadora/construtora, o negócio também se mostra vantajoso à medida que ela tem uma menor exposição de capital, especialmente em momentos de retração do crédito imobiliário.

“Permuta financeira”

Antes de tudo, é importante saber que essa modalidade não é prevista em lei, mas é largamente utilizada no mercado imobiliário. Falamos mais sobre isso aqui e aqui.

Geralmente, utiliza-se a SCP quando o proprietário de um terreno aceita entregar o bem em “permuta financeira”, sem exigir garantias reais ou pessoais. Nessa hipótese, o valor do terreno constituirá o aporte do proprietário na SCP e ele fará jus, em troca, a uma participação proporcional no VGV.

O risco, para o terrenista, limita-se à perda do imóvel.

Outro ponto bastante importante é que atualmente muitas incorporadoras/construtoras optam por utilizar a SCP para regular parcerias entre elas, mas, na prática, adotam posturas absolutamente incompatíveis com o tipo societário.

Como demonstraremos a seguir, o melhor modelo para parcerias empresariais temporárias é a Sociedade de Propósito Específico.

SPE no mercado imobiliário

A SPE, por sua vez, costuma ser utilizada com outro objetivo. Normalmente é constituída como forma de separar as contas, as atividades e o risco de um empreendimento específico ou para regulamentar parcerias empresariais.

Como possui personalidade jurídica própria, ou seja, é uma pessoa jurídica autônoma em relação a seus sócios, cada sócio terá seus demais negócios desvinculados da SPE.

Isso gera uma garantia adicional para clientes e demais figuras envolvidas no projeto, já que, ainda que a controladora da SPE enfrente dificuldade financeiras, isso não afetará, necessariamente, o empreendimento, especialmente se tiver sido averbado, na matrícula do terreno, o patrimônio de afetação.

Veja que se a incorporadora inaugura uma SPE para cada empreendimento imobiliário, a gestão dos custos e das atividades se torna específica e segmentada. Ao mesmo tempo, se a incorporadora vivenciar algum problema com algum empreendimento, isso não afetará os demais.

Um ponto histórico curioso que destaca um dos motivos para a criação das SPE´s é a falência da Construtora Encol.

Naquela época, não era incomum que as empresas, especialmente nos booms imobiliários, trabalhassem altamente alavancadas, realizando incontáveis empreendimentos de forma simultânea e utilizando, sem nenhum critério ou separação, as receitas auferidas com as vendas de unidades de determinado empreendimento para o pagamento de obrigações de outro(s) empreendimento(s) e até mesmo de obrigações próprias.

Esse modelo de administração, apelidado pela imprensa da época de “bicicleta” (já que a empresa nunca poderia parar se quisesse se manter de pé), quase sempre resultava em falência e lesão a milhares de compradores.

Falamos mais sobre esse fato histórico no artigo sobre patrimônio de afetação.

Por ora, basta compreender que, ao contrário do caso da Encol, com a criação de SPE´s, a incorporadora consegue transmitir maior segurança e transparência a investidores e compradores, uma vez que os valores de cada empreendimento são devidamente separados.

Assim, a independência administrativa, obrigacional e fiscal daquele empreendimento específico garante maior agilidade na contratação de empréstimo bancário para a construção da obra e flexibilidade na realização de parcerias na incorporação.

Destacamos a seguir, algumas vantagens da SPE no mercado imobiliário como forma de evitar eventuais riscos:

  • Não há impacto no score de crédito bancário, uma vez que as instituições financeiras consideram e aceitam o perfil da controladora na análise de risco;
  • A criação de patrimônio de afetação do empreendimento (conforme previsto nos artigos 31-A a 31-F da Lei de Incorporações) fica extremamente facilitada;
  • Com o patrimônio de afetação averbado, a incorporadora pode se beneficiar do Regime Especial de Tributação (RET), reduzindo a carga tributária para uma alíquota de apenas 4% (quatro por cento), sendo que, até 31/12/2013, a alíquota era de 1% (um por cento) para projetos de interesse social;
  • Em caso de eventuais problemas durante as obras, as obrigações geradas recairão, em primeiro lugar (e de forma exclusiva, se a lei fosse cumprida à risca pelo Poder Judiciário), sobre o patrimônio da própria SPE, protegendo os bens próprios de seus sócios; e
  • A SPE, por ser de criação recente, não terá nenhuma dificuldade em obter as incontáveis certidões negativas necessárias tanto à obtenção de financiamento bancário quanto ao registro do memorial de incorporação.

Diferença de tributação da SCP e SPE

Tributação da SCP

Apesar de ser uma sociedade não personificada, ou seja, sem personalidade jurídica própria, de acordo com a legislação do Imposto de Renda a SCP se equipara à pessoa jurídica e, portanto, é contribuinte de IRPJ – Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, PIS/Pasep e COFINS.

Como já visto, o sócio ostensivo é o responsável pela gestão da SCP. Por essa razão, ele deve apurar seus resultados, preencher adequadamente os registros contábeis e demonstrações financeiras, além do Livro de Apuração do Lucro Real.

Contudo, essa apuração deve ser feita separadamente da apuração e recolhimento dos tributos devidos pelo próprio sócio ostensivo. A SCP pode optar pelo lucro presumido ou real, sendo que a opção de regime tributário da SCP não interfere na opção de regime tributário do sócio ostensivo, e vice-versa.

Quanto à escrituração das operações da SCP, o sócio ostensivo deve escolher se efetuará em seus próprios livros ou em livros próprios da SCP. A distribuição de lucros e dividendos pelas SCP recebem o mesmo tratamento das demais pessoas jurídicas.

Tributação da SPE

Como a Sociedade de Propósito Específico não é um tipo societário autônomo, será constituída sob a forma de limitada, anônima, fechada, aberta etc.

Por essa razão, poderá adotar o mesmo regime tributário de qualquer outra pessoa jurídica, inclusive cumprindo todas as obrigações acessórias instituídas em Lei.

Basicamente são possíveis o regime de lucro presumido, o regime de lucro real, o Simples Nacional ou o Regime Especial de Tributação (RET), aplicável quando averbado o patrimônio de afetação.

Leia nosso artigo dedicado à tributação da SPE imobiliária para saber mais sobre o tema.

Investimentos imobiliários: os atrativos da SCP e SPE

O mercado imobiliário sempre foi visto com bons olhos pelos investidores. 

Segundo estudo da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), um imóvel adquirido em 2010 gerou uma rentabilidade média de 15,3% ao ano, considerando ganhos de valorização e aluguel, ou seja, renda muito acima do 1,4% obtida com a poupança.

Ao contrário do esperado, o setor foi um dos poucos a crescer em 2020, mesmo com a crise econômica causada pelo Coronavírus, encerrando o ano com crescimento de 26% nas vendas líquidas além de ter sido a maior fonte de vagas de trabalho.

Esses e outros fatores são muito significativos para a atração de investidores para o mercado imobiliário. Portanto, este é um excelente momento para captação de recursos externos pelas incorporadoras.

A criação de uma SCP pode ser uma excelente forma de viabilização desses investimentos. Isso porque, como visto anteriormente, esse tipo societário se baseia na diferenciação entre categorias de sócios.

Essa diferenciação costuma ser enxergada como um dos maiores atrativos da modalidade. Aos investidores, é interessante porque participam dos lucros ou divisão de dividendos na forma do contrato social, sem precisarem se comprometer diretamente com o funcionamento da sociedade e sem assumir riscos por sua administração.

Normalmente, a SCP é indicada para investidores que buscam pequenas empresas. Desta forma eles conseguem se isentar das responsabilidades administrativas, mas ainda assim lucrar.

Para os gestores também pode ser interessante, já que esse é uma forma de captação de recursos externos sem custo financeiro imediato e sem perda do controle.

A SPE, por sua vez, também é vista como uma excelente forma de captação de investimentos. Sua formação e sua estruturação separadas da incorporadora são um grande atrativo aos investidores, uma vez que os ativos e passivos dela não se confundirão com os dos demais empreendimentos da incorporadora.

A dissociação entre o capital da incorporadora e da SPE, limitando a responsabilidade financeira apenas ao empreendimento imobiliário vinculado, transmite maior transparência ao investidor. Assim, sua vantagem é captar investimentos reduzindo custos e riscos.

Nesse caso, como há uma participação mais ativa dos sócios e a responsabilidade é dividida entre eles, é uma modalidade de organização mais indicada para grandes projetos e empreendimentos.

Incorporação Imobiliária - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

Conclusão

A SCP e a SPE são ferramentas poderosas para a execução de empreendimentos imobiliários, mas, como se viu, guardam entre si diferenças significativas que as tornam, caso a caso, adequadas ou não a determinado projeto.

Para que se possa otimizar os negócios realizados pela incorporadora, cada situação vivenciada demanda uma formatação jurídica específica, sendo certo que a escolha terá, fatalmente, impactos relevantes sobre o principal objetivo de qualquer atividade empresarial: o lucro.

O que determinará essa escolha será o objetivo primordial do empreendimento ou projeto (economia fiscal, agilidade nos procedimentos, diluição de riscos, segurança dos sócios etc.) e, principalmente, o perfil subjetivo de cada envolvido.

Por isso, é de extrema importância que sua empresa seja devidamente assessorada e orientada na utilização mais adequada de mecanismos como SCP e SPE para o alcance desses objetivos.

Caberá ao advogado entender a vontade dos sócios e adequá-la aos institutos jurídicos próprios, acompanhando e atuando no processo desde sua origem (a negociação pré-constituição da sociedade) até sua conclusão (a realização integral do projeto/empreendimento).

Esperamos que este conteúdo tenha esclarecido os principais pontos sobre a SCP e SPE e a necessidade de um correto planejamento societário para seu negócio.

Caso você ainda continue em dúvida sobre a utilização dessas modalidades, não deixe de entrar em contato conosco!

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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.

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