Na compra de um imóvel (terreno, casa, apartamento etc.), seja para moradia, lazer ou, até mesmo, desenvolvimento de um empreendimento imobiliário, é necessário (ou pelo menos aconselhável) que sempre seja realizado um trabalho de investigação sobre os proprietários atuais e anteriores, assim como sobre o próprio imóvel objeto da negociação.

Tal pesquisa é o que chamamos de due diligence imobiliária e serve, sobretudo, para determinar os riscos do negócio e conferir segurança jurídica aos potenciais compradores, evitando possíveis fraudes e surpresas desagradáveis no futuro.

Todavia, essa busca por obstáculos que possam inviabilizar a compra pode se tornar uma tarefa que demanda muito tempo e que, por vezes, é dificultada pelo dinamismo do mercado imobiliário ou pela pluralidade de domicílios dos vendedores, tornando inevitável que haja, ainda que pequeno, um certo grau de insegurança em tais casos.

Com foco na mitigação desses problemas é que surgiu o princípio da concentração dos atos na matrícula, fruto de uma construção doutrinária e jurisprudencial que foi, no ano de 2015, contemplado pela na legislação brasileira na Lei 13097/2015, e sobre o qual trataremos neste artigo.

Portanto, se você deseja compreender melhor o tema, seus principais pontos e sua finalidade, fique conosco até o final.

Matrícula imobiliária

A matrícula imobiliária nada mais é que o número de identificação de determinado imóvel no Cartório de Registro de Imóveis da localidade em que em ele se encontra. Falando de maneira trivial, a matrícula é o “CPF” do imóvel.

É nela que se encontra todas as características, localização, medições e, principalmente, quem é o real proprietário daquele bem.

Mas não só isso.

A matrícula também traz consigo todo o histórico de fatos e acontecimentos que, de alguma forma, afetem o direito de propriedade dos titulares ou o imóvel em si, como por exemplo, as compras e vendas até então realizadas, a existência de ônus real (hipoteca, usufruto, alienação fiduciária etc.), a celebração de matrimônio que afete a propriedade, a instauração de condomínio, entre outros.

Isso significa que, em se tratando de análises imobiliárias, a matrícula é documento essencial, sobretudo por ser a maior fonte de informações formais e juridicamente reconhecidas de um imóvel.

No direito brasileiro, inclusive, adquire-se a propriedade de imóvel entre pessoas vivas apenas pelo registro na matrícula do imóvel, conforme preleciona o artigo 1.245, §1º, do Código Civil:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

Inclusive, foi daí que originou aquela velha máxima popularmente conhecida: “Só é dono quem registra (na matrícula)!”.

Com base nisso, podemos dizer que a matrícula imobiliária, acompanhada do seu histórico de registros e averbações, possui efeitos:

a) constitutivos – uma vez que o registro é formalidade essencial, indispensável à aquisição do direito;

b) comprobatórios – visto que o registro prova a existência e a veracidade do ato ao qual se reporta;

c) publicitários – os atos registrados na matrícula são acessíveis a qualquer interessado.

Pelo tamanho da importância da matrícula em meio as transações imobiliárias, é que fora ventilada a ideia de materialização e obrigatoriedade da concentração de absolutamente todos os atos que reflitam no imóvel neste documento.

Passaremos, adiante, a tratar sobre essa questão.

Princípio da concentração dos atos na matrícula e a Lei 13097/2015

Em suma, o princípio da concentração dos atos na matrícula significa que tudo o que refletir sobre o imóvel deve, necessariamente, estar inscrito (registrado/averbado) em sua respectiva matrícula.

Em outras palavras, apenas é protegido juridicamente aquilo que está devidamente informado na matrícula imobiliária do imóvel, de forma que qualquer situação que não esteja ali descrita, não poderá ser oposta por ninguém.

Embora tenha sido expressamente contemplado apenas na Lei 13097/2015, tal princípio já era aplicado e reconhecido pela doutrina e jurisprudência, inclusive sendo objeto de entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, através da Súmula nº 375:

O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. 

Neste ponto, é de se dizer que o âmago do princípio é que se dê publicidade a todas as informações relevantes que orbitam o imóvel e o direito de propriedade, justamente para conferir credibilidade e segurança jurídica às transações imobiliárias e a todos os fatos descritos no registro cartorário. 

O objetivo é que os registros públicos sejam fontes seguras de informações, evitando-se a dispersão de dados para a concretização dos negócios, ainda mais num país com dimensões continentais como o nosso e que possui uma grande parcela da população desfavorecida economicamente.

Portanto, a Lei 13097/2015, veio somente a formalizar e trazer mais força àquilo que já era reconhecido e, racionalmente, aplicado nos tribunais.

Tal Lei trouxe consigo diversas regulações de temas diferentes, todavia, o que realmente importa para a nossa análise é a redação do artigo 54, que é o principal dispositivo sobre o princípio da concentração dos atos na matrícula:

Art. 54. Os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações(Vigência)

I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;

II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, de que a execução foi admitida pelo juiz ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos da previstos no art. 828 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil; 

III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e

IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do disposto no inciso IV do caput do art. 792 da Lei nº 13.105, de 2015 – Código de Processo Civil.  

§ 1º  Não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no registro de imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos art. 129 e art. 130 da Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel. 

§ 2º Não serão exigidos, para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real:     

I – a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do disposto no § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985; e  

II – a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais.  

Pela leitura do caput do artigo supracitado, nota-se que o seu intuito é impedir que atos posteriormente inscritos na matrícula que constituam, transfiram ou modifiquem direitos sobre o imóvel, tenham eficácia sobre os atos anteriormente registrados (títulos de dívida, impedimentos etc.) – descritos nos incisos I ao IV.

Veja-se, é necessário que todos os atos sejam registrados, caso contrário, atos posteriores que venham a ser registrados serão sim eficazes e poderão prejudicar os efeitos dos atos que, apesar de temporalmente anteriores, não tenham sido registrados.

Portanto, as ações reais (que tratam sobre o domínio do imóvel), as ações pessoais e reipersecutórias (obrigações entre credores e devedores) e demais constrições judiciais ou extrajudiciais, para que sejam exigíveis perante terceiros em relação ao imóvel, deverão estar registrados na matrícula.

Nessa mesma lógica, o parágrafo 1º do artigo 54 regula que não poderão ser levantadas questões não registradas na matrícula em face do terceiro que, de boa-fé, adquiriu o imóvel em si ou direitos sobre ele.

Por fim, percebe-se que a Lei dispensou a antiga exigência de apresentação de certidões que demonstrassem as ações judiciais distribuídas em nome dos vendedores (conhecido como “feitos ajuizados”) ou quaisquer outros documentos além daqueles previstos no artigo 1º, §2º, da Lei 7433/1985.

A bem da verdade é que tais certidões, sobretudo a de feitos ajuizados, não traduziam uma efetiva segurança de informações, eis que a fonte consistia na declaração dos próprios vendedores que, em muitos casos, ocultavam domicílios e deixavam de comunicar questões relevantes.

Todavia, ainda assim não é incomum vermos órgãos cartorários exigindo a apresentação de tais certidões, como era feito antes da Lei 13097/2015, muito pela cautela, legalidade e porque as normas de serviço das corregedorias ainda não foram alteradas.

Além disso, destaca-se que qualquer erro na matrícula imobiliária pode ser corrigido através de requerimento de retificação, inclusive da área do imóvel.

Conclusão

A concentração dos atos na matrícula, muito embora já fosse em certo grau reconhecida e aplicada nos tribunais, e que venho a ganhar forma pela Lei 13097/2015, é um importante avanço jurídico em meio as negociações imobiliárias.

Isso porque, só há proteção dos direitos e obrigações constantes na matrícula do imóvel, o que traz grande segurança para as relações e credibilidade às informações dos registros públicos.

Para um país com dimensões continentais, dados fragmentados e dispersos que afetem a propriedade imobiliária, significaria uma enorme abertura para injustiças, cancelamento de negócios e ajuizamentos de ações judiciais para um sistema que já é sobrecarregado.

Todavia, a eficácia apenas dos fatos inscritos na matrícula não pode ser justificativa para que seja negligenciada a realização da due diligence imobiliária, especialmente porque ela continua sendo um instrumento essencial para evitar “dores de cabeça” e dimensionar os potenciais riscos do negócio. 

Afinal, eficaz ou não a reclamação de um ato não registrado, ela continua sendo uma reclamação que pode gerar custos e encargos que os compradores não estejam dispostos a assumir para adquirir os direitos sobre o imóvel.

Esperamos que esse conteúdo lhe tenha sido, de alguma forma, útil.

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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.

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