A Lei 14382 de 2022 alterou a Lei de Registros Públicos (LRP – Lei nº 6.015/1973) e trouxe diversas inovações para os serviços registrais e notariais, tendo se originado da Medida Provisória nº 1.085 de 2021 que, como mencionamos no nosso artigo “Novo Marco Legal das Garantias”, foi idealizada como parte dos programas governamentais destinados à melhoria e atualização do ambiente de negócios no país.
Para contextualizar a necessidade dessa nova lei, podemos citar a pesquisa feita pela Datafolha em 2022, na qual os Cartórios foram apontados como a instituição que a população considera estar entre as mais confiáveis do país, obtendo destaque como a melhor avaliada entre os entrevistados, com 76% de aprovação.
Por outro lado, os serviços registrais e notariais no Brasil também são conhecidos por serem exaustivamente burocráticos.
Assim, como manter a credibilidade dos Cartórios e, ao mesmo tempo, facilitar o acesso para a população?
A Lei nº 14.382 de 2022 surge como uma solução para essa questão, buscando:
- simplificar e agilizar os procedimentos inerentes aos registros públicos;
- unificar suas informações em uma base de dados; e
- digitalizar o fornecimento de serviços registrais e notariais.
Especialmente para o mercado imobiliário, notam-se diversos impactos positivos, em especial para os atos de registro necessários para as incorporações imobiliárias e, ainda, para a execução de garantias de crédito.
Inclusive, em sua apresentação, a MP nº 1.085/2021 foi apontada como um meio para maximizar a potência do Novo Marco Legal das Garantias que, na época, ainda se tratava de um projeto de lei (PL nº 4.188/2021), influenciando diretamente no crescimento sustentável da economia brasileira.
No artigo de hoje, falaremos sobre a relevância da Lei nº 14.382, as alterações promovidas na Lei de Registros Públicos e seus impactos para os registros imobiliários.
Índice
Relembrando conceitos
Os registros públicos seguem os princípios da publicidade, legalidade, especialidade, continuidade, prioridade, instância, obrigatoriedade, tipicidade, presunção e fé pública, disponibilidade, inscrição e territorialidade.
Para a melhor compreensão do artigo de hoje, vale relembrar as definições de alguns desses princípios:
- Publicidade
Todas as informações constantes no ato registrado se tornarão públicas, isto é, de conhecimento de todos, ficando disponíveis para qualquer pessoa que as buscar no Cartório.
A publicidade dos atos de registro tem por objetivo resguardar interesses e dar segurança jurídica ao ato, garantindo que os dados ali constantes correspondam à realidade e que ninguém alegue que não tinha conhecimento daquelas informações.
- Continuidade
Todos os atos registrados devem conter informações coincidentes entre si sobre os bens, pessoas e direitos ali tratados. Ou seja, os registros feitos sobre um mesmo bem ou direito devem ser contínuos.
Por exemplo, para que se possa registrar qualquer alteração na situação de um imóvel, o oficial do Cartório deverá exigir seu registro anterior (artigo 195 da Lei de Registros Públicos), para confirmar se o ato a ser registrado coincide com as informações registradas anteriormente.
- Obrigatoriedade
A Lei Federal nº 6.015/73 define quais atos deverão ser registrados e a consequência do não atendimento a essa obrigação será experimentada pelas partes interessadas no ato, pois não poderão usufruir dos benefícios do registro. Isto é, o ato não será dotado de autenticidade, segurança e eficácia, não sendo oponível em face de terceiros.
Em síntese, portanto, os registros públicos sempre serão públicos e contínuos, bem como inevitáveis, nos casos previstos em lei, garantindo, assim, a eficácia dos negócios jurídicos.
O que é o registro de imóveis?
O registro de um imóvel é o documento oficial e público, chamado de matrícula, que reúne todas as informações associadas ao bem, como descrição, localização, situação, propriedade, restrições etc.
Cada imóvel terá um número de matrícula, que é a sua identificação. As matrículas são registradas em cartórios de registro de imóveis de acordo com a sua localização.
Na matrícula arquivada no Cartório devem constar todos os registros e averbações relativas ao imóvel, em ordem cronológica, de acordo com a ordem de apresentação dos atos ao Cartório, a fim de garantir a continuidade dos atos.
A concentração dos atos na matrícula do imóvel
A Lei de Registros Públicos determina a obrigatoriedade do registro e averbação de determinados atos na matrícula do imóvel.
Em relação aos atos relativos à transferência ou alienação do imóvel, o Código Civil também prevê que a propriedade de um imóvel só poderá ser transferida entre vivos mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, obrigatoriedade que se estende para qualquer direito real que recaia sobre o imóvel.
Assim, o princípio da concentração dos atos na matrícula, disposto no artigo 54 da Lei nº 13.097 expressa o que já era reconhecido pela LRP e Código Civil.
Essa obrigação nasce da necessidade de conferir publicidade a todas as informações relevantes que orbitam o imóvel, uma vez que a concentração dos atos em um único documento oficial e público garante maior segurança jurídica e credibilidade às transações imobiliárias.
Portanto, de acordo com esse princípio, um negócio jurídico celebrado e registrado na matrícula é eficaz e prevalece sobre qualquer outro negócio ou condição, ainda que anterior, se este outro negócio ou condição não tiver sido levado a conhecimento público por meio de um registro ou averbação na matrícula do imóvel.
Qual a diferença entre escritura pública e registro?
A escritura pública é a representação escrita de qualquer ato ou negócio jurídico praticado feita e arquivada em Cartório de Notas. Em outras palavras, é um documento que será redigido pelo notário, contendo a expressa manifestação da vontade das partes na formalização de um negócio e/ou a declaração de uma situação jurídica relevante.
Sobre a validade de direitos reais sobre imóveis, o artigo 108 do Código Civil prevê que, quando o imóvel ou direito for avaliado em valor superior a 30 salários-mínimos, o ato ou negócio relativo a ele, como a venda, por exemplo, deverá, obrigatoriamente, ser formalizado por meio de escritura pública.
Logo, ressalvadas as exceções legais, não é possível registrar a transferência da propriedade de um imóvel sem uma escritura pública.
Porém, a escritura pública, por si só, não transfere a propriedade do imóvel, sendo imprescindível levá-la a registro perante o Cartório de Registro de Imóveis.
Daí a conhecida frase: “Só é dono quem registra!”
Portanto, o registro do imóvel é o documento que guardará todas as informações relativas ao bem, a ser arquivado no Cartório de Registro de Imóveis competente, enquanto a escritura pública é feita e arquivada em um Cartório de Notas, para garantir a autenticidade e publicidade de um determinado ato ou negócio jurídico e, quando relativa a direitos reais sobre imóveis, deverá ser levada para registro ou averbação na matrícula imobiliária.
A Lei nº 14.382 de 2022
Do que trata a Lei 14.382 de 2022?
A Lei nº 14.382 de 2022 surge da Medida Provisória nº 1.085 de 2021, chamada de MP de Modernização dos Cartórios, idealizada em 2019 como parte das medidas para tornar o Brasil um dos 50 melhores países para se realizar negócios, uma das metas da gestão do Ex-Presidente Jair Bolsonaro que foi incorporada pelo Ministério da Economia do atual governo Lula.
Ainda na apresentação da MP, em coletiva de impressa realizada na data de sua publicação (28/12/2023), o então secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, apontou que a MP traria maior segurança jurídica, transparência e agilidade, servindo também para diminuir a burocracia e os custos dos serviços registrais e notariais.
Vale ressaltar que a MP de Modernização dos Cartórios levou em consideração as discussões com diversas entidades privadas e governamentais, dentre elas o Colégio Registral de Imóveis do Brasil (CORI-BR), Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB), Ministério da Economia, Ministério da Justiça e Secretaria Especial de Modernização do Estado (SEME).
Além da consulta a diversas entidades que seriam diretamente afetadas, por meio de consulta pública disponibilizada pelo Congresso Nacional, a MP teve forte aprovação.
Assim, cerca de 6 meses após a publicação da MP, ela foi convertida na Lei nº 14.382/2022.
Relevância da Lei nº 14.382 para o Direito Imobiliário
Conforme informação divulgada pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH), há mais de 15 mil cartórios no Brasil e, embora muitos já ofertassem alguns serviços eletrônicos, principalmente nas grandes capitais, a maioria dos cartórios não se modernizou.
Assim, além de simplificar diversos procedimentos de registro para incorporações e instituições de condomínio, bem como na execução de garantias, a Lei nº 14.382, conhecida como a Lei de Modernização dos Cartórios, pode revolucionar o acesso aos serviços e informações de registros em todo o país.
Como explicaremos melhor a seguir, o SERP, uma das principais inovações da referida lei, busca unificar as informações de todos os cartórios de registros civil, de títulos e imóveis, e disponibilizá-las online.
Especificamente para o registro de imóveis, a tendência dos serviços eletrônicos já vinha avançando com a plataforma do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (SREI), que havia sido adotada por vários cartórios de todo o Brasil.
Contudo, a Lei nº 14.382/2022 determinou a obrigatoriedade de todos os cartórios disponibilizarem certidões e demais serviços de forma eletrônica, em uma única plataforma. Assim, o que antes era uma liberalidade dos Cartórios de Registro de Imóveis, tornou-se uma obrigação.
Na corrida pela modernização dos serviços de registro de imóveis, o SREI passou a ser integrado pelo portal do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR), que foi disponibilizado ainda em 2023.
Essa mudança, por si só, demonstra a relevância da matéria para o mercado imobiliário, pois o ONR concentra todos os cartórios de Registro de Imóveis do Brasil em um só lugar, facilitando o acesso à informação e garantindo a publicidade dos atos registrados.
Principais inovações
A modernização dos cartórios pelo SERP – Sistema Eletrônico de Registros Públicos
O SERP foi, sem dúvidas, a inovação mais relevante da Lei nº 14.382/2022.
Logo de início, a Lei de Modernização dos Cartórios já deixa claras quais são as funções do SERP (incisos do artigo 3º), que listamos a seguir:
- o registro público eletrônico dos atos e negócios jurídicos;
- a interconexão das serventias dos registros públicos;
- a interoperabilidade das bases de dados entre as serventias dos registros públicos e entre as serventias dos registros públicos e o Serp;
- o atendimento remoto aos usuários de todas as serventias dos registros públicos, por meio da internet;
- recepção e o envio de documentos e títulos, a expedição de certidões e a prestação de informações, em formato eletrônico, inclusive de forma centralizada, para distribuição posterior às serventias dos registros públicos competentes;
- a visualização eletrônica dos atos transcritos, registrados ou averbados nas serventias dos registros públicos;
- o intercâmbio de documentos eletrônicos e de informações entre as serventias dos registros públicos e:
- os entes públicos, inclusive por meio do Sistema Integrado de Recuperação de Ativos (Sira), de que trata o Capítulo V da Lei nº 14.195, de 26 de agosto de 2021; e
- os usuários em geral, inclusive as instituições financeiras e as demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e os tabeliães;
- o armazenamento de documentos eletrônicos para dar suporte aos atos registrais;
- a divulgação de índices e de indicadores estatísticos apurados a partir de dados fornecidos pelos oficiais dos registros públicos, observado o disposto no inciso VII do caput do art. 7º desta Lei;
- a consulta:
- às indisponibilidades de bens decretadas pelo Poder Judiciário ou por entes públicos;
- às restrições e aos gravames de origem legal, convencional ou processual incidentes sobre bens móveis e imóveis registrados ou averbados nos registros públicos; e
- aos atos em que a pessoa pesquisada conste como:
- devedora de título protestado e não pago;
- garantidora real;
- cedente convencional de crédito; ou
- titular de direito sobre bem objeto de constrição processual ou administrativa; e
- outros serviços, nos termos estabelecidos pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça.
A lista de objetivos do SERP é longa, evidenciando um caminho árduo para sua implementação que, de acordo com a Lei nº 14.382, deveria ocorrer até 31 de janeiro de 2023 (artigo 18).
A implantação do SERP
Em 31/01/2023, foi submetida à Audiência Pública a minuta do ato normativo com as linhas gerais de diretrizes de organização do Serp e, como resultado, foi publicado o Provimento nº 139 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 02/02/2023.
Em fevereiro de 2023, a Corregedoria entregou o cronograma da 1ª etapa da implantação do Serp, que seria finalizada em julho de 2023, com o lançamento de seu portal.
Durante o período previsto para a 1ª etapa, três operadores nacionais de cartórios foram lançados e se encontram ativos:
- ONR – Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis;
- ONRCPN – Operador Nacional de Registro Civil do Brasil; e
- ONRTDPJ – Operador Nacional do Registro de Títulos e Documentos e Civil das Pessoas Jurídicas.
A Corregedoria do CNJ também criou o ONSERP – Operador Nacional do Sistema Eletrônico dos Registros Público, que é a entidade civil, sem fins lucrativos, atual responsável pela implantação e coordenação do Serp (Provimento nº 149/2023).
E, em março deste ano, o ONSERP lançou o Serp-Jud plataforma do Sistema Eletrônico dos Registro Público para uso dos Tribunais de Justiça.
Em termos gerais, embora não finalizada, a implantação do SERP caminha a passos largos e, atualmente, grande parte dos serviços registrais e notariais já estão disponíveis online.
Em especial para o registro de imóveis, pois, embora o primeiro contato tenha gerado algum estranhamento entre aqueles que já estavam habituados com o portal do anterior do SREI, o ONR se mostra eficiente e rápido, permitindo o chamado “e-protocolo”, que, agora, tomou contornos mais modernos e intuitivos para o usuário.
No entanto, vale ressaltar que ainda há muito o que melhorar, desde a simplificação dos procedimentos, até a facilitação do contato com os cartórios que, em alguns casos, ainda precisa ocorrer de forma presencial.
Alteração nos prazos para o registro de imóveis
Outra relevante inovação da Lei nº 14.382 são os novos prazos para a obtenção de certidões e protocolos de atos registrais. Vejamos:
- Prazos para as certidões de registro de imóveis
Prazo | Documento |
4 horas úteis | Certidão eletrônica de inteiro teor da matrícula (pelo número) |
1 dia útil | Certidão da situação jurídica atualizada do imóvel |
5 dias úteis | Certidão de transcrições e para os demais casos |
- Prazos para registros e averbações nas matrículas
Prazo | Ato |
20 dias úteis | Validade da prenotação |
40 dias úteis | Validade da prenotação em casos de regularização fundiária de interesse social |
5 dias úteis | Registro de escrituras de compra e venda, quando não houver exigências ou falta de pagamento de custas e emolumentos, contado da data do protocolo |
5 dias úteis | Registro de documentos eletrônicos apresentados por meio do Serp, quando não houver exigências ou falta de pagamento de custas e emolumentos, contado da data do protocolo |
5 dias úteis | Registro de títulos que reingressarem na vigência da prenotação, quando não houver exigências ou falta de pagamento de custas e emolumentos, contado da data do protocolo |
10 dias úteis | Registro, quando não houver exigências ou falta de pagamento de custas e emolumentos, contado da data do protocolo |
10 dias úteis | Emissão de nota devolutiva, contado da data do protocolo |
15 dias úteis | Impugnação de suscitação de dúvida |
Vale ressaltar que a Lei de Modernização dos Cartórios também alterou a forma da contagem dos prazos para serviços registrais e notariais: anteriormente, a LRP considerava os prazos em dias corridos e, agora, em sua atual redação, fala-se, inclusive, em horas úteis (art. 9, §1º da LRP).
A Certidão de Situação Jurídica do Imóvel
A Lei nº 14.382 criou a Certidão de Situação Jurídica do Imóvel para contemplar uma análise jurídica da matrícula do imóvel feita pelo oficial do cartório competente, contendo uma espécie de resumo de suas informações, em especial, descrição, confrontação, propriedade, bem como eventuais direitos, ônus e ações que recaiam sobre ele.
Pode-se interpretar, a princípio, que essa nova certidão substituirá a obrigatoriedade da análise e apresentação das demais certidões para atos de registro de qualquer ordem.
No entanto, a certidão de situação jurídica do imóvel passou a ser obrigatória apenas para loteamentos (artigo 18, inciso IV, alínea c da Lei de Parcelamento de Solo Urbano – Lei nº 6.766), obrigatoriedade que não se estendeu, por exemplo, para as incorporações imobiliárias.
Essa obrigação não dispensou a comprovação do histórico vintenário da propriedade do terreno, de modo que a apresentação das certidões de inteiro teor da matrícula do imóvel e/ou suas transcrições anteriores segue sendo uma das exigências para o registro de parcelamentos de solo urbanos (artigo 18, inciso II da LPSU) e também para as incorporações imobiliárias (artigo 32, alínea c da Lei nº 4.591).
Igualmente, a previsão do artigo 1º do Decreto nº 93.240/1986, que regulamenta a Lei nº 7.433/1985, não foi alterada e ainda determina que a certidão de ônus e ações reais e pessoais reipersecutórias, assim como outras pertinentes, sejam apresentadas para a lavratura de todos os atos notariais, relativos a imóveis.
Portanto, a Certidão de Situação Jurídica não dispensa a análise completa do registro do imóvel e não substitui a certidão de inteiro teor da matrícula ou a certidão de ônus e ações, que continuarão sendo exigidas pelos cartórios para os atos relativos a imóveis.
Benefícios trazidos pela Lei nº 14.382 em relação ao registro de imóveis
Além dos motivos óbvios de extinguir as filas intermináveis nos cartórios e diminuir os custos dos serviços, a modernização dos cartórios é essencial para garantir a eficiência dos registros públicos.
A Lei 14.382, ao disponibilizar serviços de forma remota em todo o país em uma única plataforma, facilita a realização de negociações mais seguras.
A exemplo disso, podemos citar a due diligence, que é o trabalho de investigação de imóveis e seus proprietários atuais e anteriores e/ou possíveis compradores para determinar o risco do negócio, imprescindível na compra e venda de imóveis.
Com a obrigatoriedade das certidões eletrônicas, essa investigação foi simplificada e, melhor ainda, acelerada.
Hoje, alguém que reside no estado do Amazonas pode, em poucas horas, obter a certidão de matrícula de um imóvel localizado no interior de Minas Gerais.
Essa facilidade do acesso à informação e serviços garante a publicidade dos atos, mitigando o risco de celebração de negócios, como a venda de imóveis, com vícios de continuidade e disponibilidade.
A Lei nº 14.382 dispensa as certidões pessoais em negociações imobiliárias?
Conforme tratamos em nosso artigo “Assessoria jurídica imobiliária: atuação consultiva e contenciosa”, a venda de um bem, sobre o qual recai ônus – como crédito de uma hipoteca, alienação e oneração – ou pende ação fundada em direito real ou pretensão reipersecutória – como usucapião, usufruto, uso ou habitação e reivindicatória – pode configurar fraude à execução (artigo 792 do Código de Processo Civil).
Por isso, é imprescindível que, em negociações que envolvam bens imóveis, sejam analisados processos judiciais, dívidas civis, trabalhistas e tributárias, por exemplo, a fim de prevenir que, após a formalização do negócio, uma das partes seja surpreendida com uma limitação administrativa ou, até mesmo, a ineficácia do ato perante um credor.
Neste ponto, a Lei nº 14.382 amplia a obrigatoriedade do registro ou averbação na matrícula de ocorrências que possam afetar a posse, uso ou propriedade do imóvel, ao reformar a previsão do artigo 54 da Lei nº 13.097/2015.
Isto porque, de acordo com a atual redação do mencionado artigo 54, incluindo sua alteração posterior pela Lei nº 14.825 de 2024, para que os negócios jurídicos sobre imóveis NÃO tenham eficácia contra atos precedentes, as seguintes informações deverão estar registradas ou averbadas na matrícula do imóvel:
- registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias;
- averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, de que a execução foi admitida pelo juiz ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos no art. 828 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil);
- averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei;
- averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso IV do caput do art. 792 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil); e
- averbação, mediante decisão judicial, de qualquer tipo de constrição judicial ou a oriunda de hipoteca judiciária – incidente sobre o imóvel ou sobre o patrimônio do titular do imóvel, inclusive a proveniente de ação de improbidade administrativa.
Por outro lado, a Lei nº 14.382 dispensou a verificação de certidões pessoais para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real, passando a não serem exigidas as certidões forenses ou de distribuidores judiciais.
Em razão dessa mudança, bastaria a análise da matrícula do imóvel, acompanhada das certidões de quitação de ITBI, ITCD e demais certidões fiscais, de propriedade e ônus reais (artigo 1º, parágrafo 2º da Lei nº 7.433/1985).
Portanto, outro grande benefício da Lei nº 14.382 no mercado imobiliário é o avanço da concentração dos atos na matrícula imobiliária que, como mencionamos em tópicos anteriores, já vinha sendo aplicada como forma de garantir maior segurança às negociações de imóveis.
Contudo, quando se trata da segurança jurídica das partes, é necessário ter cautela ao dispensar a análise de documentos, pois, além dos créditos tributários inscritos em dívida ativa, que devem ser verificados nas respectivas certidões fiscais, existem outros riscos ao negócio que continuam sendo identificados apenas em certidões forenses e de distribuidores judiciais.
Um exemplo é a desconsideração da personalidade jurídica, pela qual uma dívida da sociedade pode atingir o patrimônio de seus sócios e vice-versa, o que é muito comum em execuções trabalhistas.
Logo, a falta das certidões forenses ou de distribuidores judiciais pode prejudicar a segurança do negócio jurídico, pois as partes podem desconhecer eventuais riscos relativos ao imóvel.
Inclusive, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (ANOREG/BR) e a Confederação Nacional de Notários e Registradores (CNR), em 1º/03/2023, manifestaram-se sobre a Lei nº 14.382/2022, orientando os Notários e Registradores para que constem a informação clara sobre os riscos e/ou consequências jurídicas da dispensa das certidões pessoais do vendedor/alienante em escrituras relativas a bens imóveis.
As entidades também recomendaram que seja feito um alerta para que as partes envolvidas solicitem as respectivas certidões, com o objetivo de garantir a segurança do ato, devendo tal pedido estar expresso no texto das escrituras para comprovar a orientação dos profissionais.
Vale destacar, por fim, que o art. 32 da Lei nº 4.591 não foi alterado, de modo que, para o registro de incorporações, ainda se exige:
- A apresentação de certidões negativas de impostos federais, estaduais e municipais, de protesto de títulos de ações cíveis e criminais e de ônus reais relativamente ao imóvel, aos alienantes do terreno e ao incorporador (alínea b); e
- Certidão negativa de débito para com a Previdência Social, quando o titular de direitos sobre o terreno for responsável pela arrecadação das respectivas contribuições (alínea f).
Dessa forma, embora a Lei nº 14.382 transfira a obrigação do registro da restrição ou existência da ação para o credor, recomenda-se que todas as certidões pessoais do proprietário e demais partes envolvidas na negociação sejam cautelosamente analisadas em due diligence imobiliária.
Impacto da Lei nº 14.382 na incorporação imobiliária
Foram diversos os impactos da Lei nº 14.382/22 na incorporação imobiliária e, a partir de agora, daremos destaque à criação do novo regime de incorporação para casas isoladas e geminadas, às mudanças no regime do patrimônio de afetação, prazos e procedimento de registro.
Novo regime de Incorporação Imobiliária de casas isoladas ou geminadas
Conforme já abordado em nosso artigo “Incorporação de casas isoladas: aspectos da Lei nº 14.382/22”, a procura por casas com mais espaço privativo, longe dos centros urbanos, aumentou consideravelmente nos últimos anos.
Para atender à demanda do mercado, a Lei nº 14.382/2022 criou a possibilidade jurídica da incorporação de casas isoladas e geminadas, alterando a redação do art. 68 da Lei nº 4.591/1964.
Casas isoladas são aquelas que correspondem a uma única unidade autônoma construída sobre o lote; já casa geminada constitui mais de uma unidade autônoma, divididas pela lateral, que sejam construídas em um único lote.
Os principais pontos sobre este novo regime de incorporação imobiliária são:
- Possibilidade da incorporação de casas isoladas ou geminadas para fins comerciais;
- O conjunto resultante da edificação das casas não estará sujeito ao regime do condomínio edilício, de modo que as vias e demais áreas do loteamento, fora do lote da edificação, não serão privativas, isto é, permanecerão de domínio público; e
- Poderá abranger a totalidade ou apenas parte dos lotes do parcelamento.
Outro ponto importante é que, com a alteração feita pela Lei nº 14.382/2022 no artigo 68, a atividade de alienação de lotes integrantes de loteamento, quando vinculada à construção de casas isoladas ou geminadas, caracteriza incorporação imobiliária para todos os efeitos legais, o que possibilita a utilização do patrimônio de afetação e, por conseguinte, a incidência do Regime Especial de Tributação (RET), previsto na Lei nº 10.931/2004.
Para a melhor compreensão do tema, indicamos a leitura completa dos artigos “Incorporação de casas isoladas: aspectos da Lei nº 14.382/22” e “Possibilidade de adoção do RET para loteamentos”.
Modificações no Regime do Patrimônio de Afetação
O patrimônio de afetação, como já falamos por aqui, é um instrumento criado para garantir a segurança jurídica das incorporações imobiliárias.
A Lei nº 14.382/22 também trouxe mudanças também sobre a forma de extinção do patrimônio de afetação, prevista no artigo 31-E da Lei nº 4.591:
- Quando averbada a construção, o registro de cada contrato de compra e venda ou de promessa de venda, acompanhado do respectivo termo de quitação da instituição financiadora da construção, importará a extinção automática do patrimônio de afetação em relação à respectiva unidade, sem necessidade de averbação específica;
- Por ocasião da extinção integral das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento e após a averbação da construção, a afetação das unidades não negociadas será cancelada mediante averbação, sem conteúdo financeiro, do respectivo termo de quitação na matrícula matriz do empreendimento ou nas respectivas matrículas das unidades imobiliárias eventualmente abertas;
- A extinção no patrimônio de afetação no caso de averbação da construção e/ou contrato de compra e venda ou de promessa de venda, acompanhado do respectivo termo de quitação, não implica a extinção do RET; e
- Após a denúncia da incorporação no prazo de carência, proceder-se-á ao cancelamento do patrimônio de afetação, mediante o cumprimento das obrigações previstas no artigo 34 da Lei nº 4.591 e demais disposições legais.
Prazos e requisitos para o registro da incorporação
Com a publicação da Lei nº 14.382/22, os prazos e requisitos para o registro da incorporação também foram alterados
Como já abordamos em tópico anterior, o prazo para registro passou de 15 dias corridos para 10 dias úteis, a partir do protocolo ou apresentação das pendências, quando não identificadas novas pendências (artigo 32, parágrafo 6º da Lei nº 4.591).
Acerca dos requisitos para o registro da incorporação imobiliária, a Lei nº 14.382/22 reformou a previsão do artigo 32 da Lei 4.591, em especial, acerca dos documentos que deverão ser apresentados perante o cartório competente, que agora são:
- título de propriedade ou aquisição de terreno, com cláusula de imissão na posse;
- certidões negativas de impostos federais, estaduais e municipais, de protesto de títulos de ações cíveis e criminais e de ônus reais relativamente ao imóvel, aos alienantes do terreno e ao incorporador;
- histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 anos, acompanhado de certidão dos respectivos registros;
- projeto de construção aprovado;
- cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da global, a das partes comuns, e indicando, para cada tipo de unidade a respectiva metragem de área construída;
- certidão negativa de débito para com a Previdência Social, quando o titular de direitos sobre o terreno for responsável pela arrecadação das respectivas contribuições;
- memorial descritivo;
- avaliação do custo global da obra, atualizada à data do arquivamento, discriminando-se, também, o custo de construção de cada unidade, devidamente autenticada;
- instrumento de divisão do terreno em frações ideais autônomas que contenham a sua discriminação e a descrição, a caracterização e a destinação das futuras unidades e partes comuns que a elas acederão;
- minuta de convenção de condomínio que disciplinará o uso das futuras unidades e partes comuns do conjunto imobiliário;
- declaração em que se defina a parcela do preço;
- certidão do instrumento público de mandato;
- declaração expressa em que se fixe, se houver, o prazo de carência; e
- declaração de vagas de garagem.
A Lei de Modernização dos Cartórios também acrescentou alguns parágrafos ao referido artigo 32, para tratar do procedimento de registro da incorporação e seus efeitos:
- A partir do registro do memorial de incorporação, as unidades futuras se submetem ao regime condominial especial, investindo, assim, o incorporador e os futuros adquirentes, na faculdade de sua livre disposição ou oneração, independente da anuência dos demais condôminos (parágrafo 1º-A);
- No que se refere à certidão de ações positivas apresentada para registro, quando devidamente demonstrado o estado do processo e a repercussão econômica do litígio, a certidão de fatos (objeto e pé) da ação poderá ser substituída pelo documento que constar o andamento do processo digital (parágrafo 14º); e
- O registro do memorial de incorporação e da instituição do condomínio sobre as frações ideais constitui ato registral único (parágrafo 15º).
Para aprofundar no tema da incorporação imobiliária, sugerimos a leitura do nosso artigo “Incorporação Imobiliária – do lote à entrega das chaves”.
Conclusão
Essas foram algumas das principais inovações da Lei nº 14.382/22 para os registros de imóveis, que evidenciam uma clara preocupação do legislador em desburocratizar procedimentos e priorizar a redução de custos.
Em alguns casos, por exemplo, foi dispensada a apresentação de certidões, antes obrigatórias. Além disso, percebe-se um direcionamento mais específico aos cartórios sobre como os atos deverão ser realizados, o que influencia diretamente no cálculo dos emolumentos.
Algumas mudanças podem passar despercebidas, mas, no cálculo final, diversos procedimentos tiveram seus custos reduzidos.
O cálculo dos emolumentos para arquivamento de documentos, como de costume, é feito com base em seu valor declarado. Assim, ao determinar que o arquivamento será feito sem valor declarado, os custos para a averbação da extinção do patrimônio de afetação diminuirão drasticamente.
Ademais, a Lei nº 14.382/22, ao consolidar o princípio da concentração dos atos na matrícula imobiliária, transfere ao credor a obrigação de registro e averbação de eventuais créditos e restrições sobre o imóvel, facilitando a demonstração de boa-fé do terceiro adquirente ou beneficiário.
Igualmente, o Serp, que ainda se encontra em fase de implementação, vem demonstrando grande eficiência na digitalização dos cartórios, em especial os registros imobiliários que, atualmente, possuem a maior parte dos seus serviços disponibilizados em uma única plataforma, o ONR – SREI, já se encontrando integrados no sistema todos os estados do país.
Portanto, até o presente momento, a Lei de Modernização dos Cartórios vem obtendo êxito em seu objetivo de simplificar e unificar os serviços registrais, bem como de modernizá-los, com inúmeros avanços para o mercado imobiliário, conferindo maior segurança jurídica às negociações.
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