A Certidão de Situação Jurídica de Imóvel foi uma das inovações da Lei de Modernização dos Cartórios (Lei nº 14.382/2022), que alterou a Lei de Registros Públicos – LRP (Lei nº 6.015/1973).
A nova certidão é um reflexo do esforço legislativo para a desburocratização e simplificação dos serviços notariais e registrais no Brasil.
Contudo, a similaridade com outras certidões que já existiam e a ideia de um resumo de todas as informações associadas a um imóvel podem gerar dúvidas para o usuário e até mesmo para os cartórios.
Muitos cartórios e usuários ainda não se adaptaram a toda as novidades trazidas pela lei. Por isso, embora já tenhamos definido a Certidão de Situação Jurídica de Imóvel em outro artigo, essa nova modalidade de certidão merece maior destaque.
No texto de hoje, trataremos dessa nova modalidade de certidão, esclarecendo sua função e conteúdo.
Índice
O que é a Certidão de Situação Jurídica de Imóvel?
Considerando que a Certidão de Situação Jurídica de Imóvel é uma criação legislativa recente, ainda existem muitas dúvidas sobre sua finalidade e, até mesmo, seu conceito.
A Certidão de Situação Jurídica está definida no §9º do artigo 19 da Lei de Registros Públicos:
“Art. 19. […]
- 9º A certidão da situação jurídica atualizada do imóvel compreende as informações vigentes de sua descrição, número de contribuinte, proprietário, direitos, ônus e restrições, judiciais e administrativas, incidentes sobre o imóvel e o respectivo titular, além das demais informações necessárias à comprovação da propriedade e à transmissão e à constituição de outros direitos reais.
Essa definição legal gera certo estranhamento, afinal, todas as informações que devem estar expressas na Certidão de Situação Jurídica de Imóvel também estarão na matrícula do imóvel.
Inclusive, a Lei nº 14.382 de 2022, ao reformar o artigo 54 da Lei nº 13.097/2015, também consolidou o princípio da concentração dos atos na matrícula do imóvel, ampliando a obrigação de registrar ou averbar na respectiva matrícula todas as ocorrências que possam afetar sua posse, uso ou propriedade do imóvel.
Então, qual seria a finalidade dessa nova certidão, se para obter tais informações bastaria solicitar a Certidão de Inteiro Teor da Matrícula do imóvel?
Sobre o tema, o Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Belo Horizonte/MG trouxe uma interpretação interessante:
Ou seja, enquanto a Certidão de Inteiro Teor da Matrícula seria a reprodução fiel de todos os atos registrados ou averbados na matrícula do imóvel, a Certidão de Situação Jurídica contemplaria um resumo de suas informações atuais, em especial, descrição, confrontação, propriedade, bem como eventuais direitos, ônus e ações que recaiam sobre ele.
A criação da nova certidão pela Lei nº 14.382/2022
A Medida Provisória nº 1.085 de 2021, que deu origem à Lei nº 14.382 de 2022 (Lei de Modernização dos Cartórios), incluiu o §9º na redação do artigo 19 da Lei de Registros Públicos, criando a Certidão de Situação Jurídica do Imóvel.
Anteriormente, os Cartórios de Registro de Imóvel emitiam somente as seguintes certidões:
- Certidão de Inteiro Teor da Matrícula ou de Transcrição do Imóvel – Reprodução integral da matrícula do imóvel (Livro 2) ou da transcrição (Livro 3), referente ao sistema anterior de escrituração das transações relacionadas a imóveis (anterior a dezembro de 1975);
- Certidão de Ônus e Ações – Certifica a existência ou não de ônus reais, pessoais e ações reipersecutórias que estejam associados ao imóvel. Poderá ser emitida em conjunto com o inteiro teor da matrícula ou transcrição;
- Certidão de Documento Arquivado – Fornece a cópia reprográfica do documento arquivado no acervo da Serventia (Cartório) que tenha instruído um determinado ato registrado, averbado ou transcrito;
- Certidão Positiva/Negativa de Propriedade – Certifica a existência ou não de imóvel(is) registrado(s) em nome da pessoa física ou jurídica pesquisada; e
- Certidão por Quesitos – Certifica uma determinada informação associada ao imóvel questionada pelo requerente.
Após a conversão da MP na referida Lei de Modernização dos Cartórios, foi acrescentada nesse rol a Certidão de Situação Jurídica do Imóvel.
A mesma Lei também incluiu a nova certidão no rol de documentos obrigatórios para o registro de loteamentos, conforme a previsão do artigo 18 da Lei de Parcelamento de Solo Urbano (inciso IV, alínea c).
Contudo, essa previsão não se estendeu para os demais atos de registro, como, por exemplo, de incorporações imobiliárias, para o qual as certidões obrigatórias continuam sendo a de inteiro teor da matrícula e a de ônus e ações.
Para que serve a Certidão de Situação Jurídica de Imóvel?
Diante da definição da Certidão de Situação Jurídica do Imóvel, percebe-se que o objetivo do legislador foi criar uma certidão semelhante à de breve relato.
As Certidões de Breve Relato são muito comuns para os registros de pessoas naturais e jurídicas, contemplando apenas um resumo e principais informações de um determinado registro, que é exatamente o proposto para a Certidão de Situação Jurídica de Imóvel.
A finalidade da Certidão de Situação Jurídica de Imóvel se torna mais clara quando comparada ao inteiro teor da matrícula de um imóvel:
Basicamente, a nova certidão, ao contrário do inteiro teor da matrícula, identificará apenas as informações da situação atual de um imóvel, facilitando a interpretação da matrícula que, muitas vezes, pode ser extensa e constar diversos atos que já foram cancelados ou modificados.
Imagine, por exemplo, que a matrícula de uma determinada fazenda foi aberta em janeiro de 1976 (após a publicação da Lei de Registros Públicos), e que seu inteiro teor contempla quase 50 (cinquenta) anos de registros e averbações de qualquer ato que tenha modificado sua situação, área, propriedade e posse.
Essa matrícula, certamente, será um documento extenso e complexo, cuja análise demandará algum conhecimento e experiência prévia com a matéria.
Com a Certidão de Situação Jurídica, fica mais fácil identificar quais são as características atuais do imóvel, sua propriedade e, ainda, quais ônus e ações ainda recaem sobre ele.
Como solicitar?
A Lei nº 14.382 de 2022 também introduziu o SERP – Sistema Eletrônico de Registros Públicos.
Um dos operadores do SERP é o ONR – Operador Nacional de Registro Eletrônico de Imóveis, que, atualmente, é o portal online pelo qual emitimos todas as certidões digitais em Cartórios de Registro de Imóveis no país.
Curiosamente, ainda que o SERP e a nova certidão tenham sido criados pela mesma lei, muitos cartórios ainda não oferecem a emissão da Certidão de Situação Jurídica de Imóvel pelo ONR.
Em uma breve pesquisa sobre as certidões oferecidas via ONR pelos Cartórios de Registro de Imóveis, percebe-se que nem mesmo os Oficiais das Serventias estão familiarizados com a nova certidão.
Isso se deve, provavelmente, à pouca demanda, uma vez que, além de ter um alto valor, não é obrigatória para os atos de registro, com exceção dos loteamentos.
Assim, até que o portal ONR e os Ofícios de Registro de Imóveis se adaptem, caso você precise obter essa certidão, a melhor opção é entrar em contato diretamente com o cartório onde se encontra inscrita a matrícula do imóvel para solicitar uma orientação sobre sua emissão.
Qual o valor da nova certidão?
O valor das certidões expedidas por qualquer cartório é definido na Tabela de Emolumentos Extrajudiciais ou dos Serviços Notariais e Registrais, que varia de acordo com o estado da federação.
Cada estado, por meio de sua Corregedoria Geral de Justiça elabora a sua tabela, que é atualizada anualmente e, em geral, fica disponível para consulta pública nos portais dos Tribunais de Justiça estaduais.
Atualmente, pelo ONR, é possível consultar todas as Tabelas de Emolumentos Extrajudiciais no território nacional, o que facilita a verificação do valor da Certidão de Situação Jurídica na localidade do imóvel pesquisado.
Qual o prazo para a liberação da certidão?
A Lei nº 14.382/2022 também especificou os novos prazos para a emissão de certidões. No caso da Certidão de Situação Jurídica de Imóvel, o prazo é de até 1 dia após a confirmação do pagamento dos emolumentos (artigo 19, §10, inciso II).
Contudo, no ano seguinte à publicação da referida lei, o CNJ – Conselho Nacional de Justiça emitiu a Orientação nº 12/2023 para determinar que, até a completa implementação e integração do SERP, a emissão dessa certidão observará o prazo de 5 dias (artigo 19, §10, inciso III).
Qual o prazo de validade da certidão?
Assim como os valores dos emolumentos, a validade das certidões é definida pela Corregedoria-Geral de Justiça de cada estado, por meio da norma que complementará as regras sobre os serviços notariais e de registro em âmbito estadual.
No entanto, pode-se afirmar, em termos gerais, que o costume é de que a validade das certidões associadas a imóveis seja de 30 dias, como é o caso de Minas Gerais.
Quais informações compõem a Certidão de Situação Jurídica de Imóvel?
Os dados do imóvel que deverão estar expressos na Certidão de Situação Jurídica, como já mencionamos, estão indicados no artigo 19, §9º da Lei nº 6.015/1973.
Contudo, considerando que essa nova modalidade de certidão consistirá em um resumo das principais e atuais informações do imóvel pesquisado, vale aqui ressaltar o que não pode faltar em seu conteúdo:
Possíveis impedimentos ou ônus que podem ser apontados na certidão
O §9º do artigo 19 da LRP prevê expressamente que a Certidão de Situação Jurídica de Imóvel deverá descrever os atuais ônus e restrições, judiciais e administrativas, incidentes sobre o imóvel e seu respectivo titular.
Portanto, poderão constar na certidão os seguintes gravames:
- Penhora: é um meio de execução de uma obrigação descumprida, pelo qual são indicados bens que serão penhorados para a satisfação do débito em execução.
Recaindo a penhora sobre um bem imóvel do devedor, esta deverá ser registrada em sua matrícula e, se efetivada, o bem será leiloado, conforme as respectivas previsões legais, para a quitação da dívida em favor do credor.
- Hipoteca: é um tipo de garantia real, pela qual o imóvel ficará hipotecado em favor de uma instituição financeira para o pagamento de um valor financiado.
A existência da hipoteca fica registrada na matrícula e, caso o devedor não pague a dívida na data de vencimento, o credor poderá executá-la, solicitando a alienação do bem para satisfazer seu crédito.
- Alienação fiduciária: Também é uma espécie de garantia real que deve ser informada na matrícula do imóvel, pela qual o devedor transfere a propriedade do bem ao credor até a quitação de sua obrigação.
Na alienação fiduciária de bem imóvel, se a dívida não for paga, a propriedade do imóvel será consolidada em favor do credor, que deverá promover o leilão do bem para, com o valor obtido, satisfazer o seu crédito.
- Indisponibilidade: a indisponibilidade de um imóvel se trata de um impedimento judicial contra a alienação do imóvel.
A indisponibilidade será lançada na matrícula do imóvel, por ordem de um juiz, quando verificados indícios de que o proprietário (devedor) não pretende cumprir suas obrigações e está se desfazendo dos seus bens, por exemplo.
- Outras restrições comuns:
- Usufruto – concessão da posse, uso, administração e percepção dos frutos do bem a outra pessoa que não seja a proprietária do imóvel;
- Servidão – direito ou utilidade exercido por meio de outro imóvel, por exemplo, a servidão de passagem; e
- Tombamento – instituto de proteção de patrimônio cultural pela Administração Pública.
Importância da verificação prévia da situação jurídica atual de um imóvel
Existem inúmeros riscos possivelmente associados ao imóvel que poderão prejudicar sua transferência e, por consequência, frustrar um negócio, trazendo prejuízos às partes interessadas.
De certa forma, a Certidão de Situação Jurídica facilitará a verificação da existência de ônus que recaiam sobre o bem e possam prejudicar o negócio pretendido, vez que constará somente as informações atuais do imóvel.
Contudo, a nova certidão não será suficiente para comprovar a existência ou não de tais ônus para os atos registrais e notariais que envolvam o imóvel, pois essa competência foi resguardada exclusivamente para as certidões de inteiro teor sobre o imóvel, conforme a expressa previsão do artigo 19, §11 da Lei 6.015/1973, senão vejamos:
Art. 19. […]
- 11. No âmbito do registro de imóveis, a certidão de inteiro teor da matrícula conterá a reprodução de todo seu conteúdo e será suficiente para fins de comprovação de propriedade, direitos, ônus reais e restrições sobre o imóvel, independentemente de certificação específica pelo oficial. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
Com efeito, a Certidão de Situação Jurídica de um imóvel não dispensa, de forma alguma, a verificação e apresentação da Certidão de Inteiro Teor da Matrícula, que permanece sendo o único documento apto para comprovar a situação jurídica de um imóvel.
Por isso, a nova modalidade de certidão pode não se popularizar entre os usuários dos serviços notariais e registrais do país, com exceção dos casos em que sua apresentação for obrigatória, como é o caso dos loteamentos.
Igualmente, a Certidão de Situação Jurídica do Imóvel não dispensa a realização da Due Diligence imobiliária, que permanece sendo imprescindível para a verificação de todas as informações sobre o imóvel que possam comprometer uma negociação ou um empreendimento imobiliário.
Essa investigação prévia sobre o imóvel e proprietário ainda deverá ser realizada por um profissional altamente capacitado e especializado em Direito Imobiliário, para garantir não só a detida análise do histórico do bem, como também o uso de instrumentos eficazes para blindar a negociação, trazendo maior segurança jurídica ao seu investimento e/ou empreendimento.
Conclusão
A Certidão de Situação Jurídica do Imóvel, criada pela Lei 14.382/2022, tem o objetivo claro de simplificar a interpretação da matrícula, documento que foi instituído pela Lei de Registros Públicos e é o único sistema de registro de bens imóveis desde 1976.
Cada imóvel, em regra, possuirá uma única matrícula e, em razão do princípio da continuidade, todos os atos e incidentes associados ao bem deverão constar na matrícula, ainda que o ato seja cancelado ou modificado após seu registro ou averbação.
Embora a concentração dos atos na matrícula do imóvel esteja firmemente consolidada para os registros imobiliários, esses documentos se tornam cada dia mais extensos e complexos.
Por isso, o legislador, ao criar uma espécie de certidão de breve relato para imóveis, simplificou e acelerou a verificação das informações atualizadas de um imóvel. Isto porque, anteriormente, a interpretação da matrícula deveria ser feita pelo usuário e, agora, é possível solicitar que essa interpretação seja feita pelo próprio Cartório, pela Certidão de Situação Jurídica.
A intenção foi louvável. No entanto, o alto custo com os documentos obrigatórios e o próprio valor dos atos registrais vem dificultando a popularização dessa nova certidão, que é obrigatória somente para os casos de loteamento.
O preço para o usuário continua alto, visto que a Certidão de Situação Jurídica de Imóvel não se presta à comprovação das informações que atesta, competência que permanece resguardada para as Certidões de Inteiro Teor, conforme a previsão da própria Lei de Registros Públicos (artigo 19, §11).
Portanto, até o momento, a nova modalidade de certidão se mostra desnecessária para a maior parte das negociações que envolvem imóveis e, para os loteamentos, significa apenas mais um documento adicionado ao extenso rol do artigo 18 da Lei de Parcelamento de Solo Urbano.
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