Você já ouviu falar na “Lei do Distrato?” Sabe quais são os requisitos que ela impôs aos contratos imobiliários de compra e venda de unidades em incorporações e loteamentos? Imagina os importantes impactos econômicos que a norma provocou no mercado imobiliário nacional, tanto para os consumidores como para as empresas atuantes no setor?
Neste artigo abordaremos essas e outras questões sobre a Lei 13.786/2018, que alterou sensivelmente a lei que regula as incorporações imobiliárias (Lei 4.591/1964) e a lei que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.776/1979).
Índice
O que é distrato?
O distrato nada mais é do que uma das formas de se extinguir um contrato. Um distrato ocorre quando as partes envolvidas na negociação resolvem desfazer o contrato por mútuo acordo.
Se quiser saber mais sobre as demais formas de extinção de um contrato, leia nosso artigo sobre contratos imobiliários!
A Lei do Distrato
Apesar do nome pelo qual ficou popularmente conhecida, a Lei do Distrato também regula outras situações de desfazimento de contratos, relativas às hipóteses de desistência de apenas uma das partes (a resilição unilateral) e às hipóteses de resolução do contrato por descumprimento de obrigações por uma das partes.
Mais especificamente, a Lei do Distrato regula, em diversos aspectos, que serão abordados ao longo deste texto, contratos de compra e venda de unidades imobiliárias fruto de incorporações e de parcelamento do solo urbano, por desmembramento ou loteamento.
Contexto de aprovação
A última década foi de altos e baixos para o mercado imobiliário brasileiro, que viveu tanto o seu auge histórico quanto um forte e rápido declínio.
O período de sucesso e crescimento econômico, impulsionado, sobretudo, por incentivos fiscais a consumidores e setores produtivos, pode ser ilustrado pela criação e ampliação do Programa Minha Casa Minha Vida – hoje substituído pelo Programa Casa Verde e Amarela -, bastante associado ao Regime Especial de Tributação (RET) do qual tratamos em artigos anteriores (veja aqui e aqui).
Já a pesada crise financeira vivenciada após a Copa do Mundo de 2014, com um ponto crítico em 2016, no contexto dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, levou a um imenso volume de negócios imobiliários desfeitos e a um enfraquecimento de caixa para os atores desse segmento.
Déficit fiscal, desconfiança internacional, perda de investimentos e alta do dólar, importante parâmetro em relação ao custo dos insumos da construção civil, se somaram à alta e crescente taxa de juros e ao aumento da inflação, tornando a produção mais cara e difícil. Ao mesmo tempo, o desemprego aumentava, as famílias se endividavam e o crédito imobiliário se tornava escasso.
E qual foi o resultado dessa perversa equação? O aumento da inadimplência e as rescisões de contratos.
Além das vendas já feitas que se perdiam com as rescisões, o número de lançamentos imobiliários Brasil afora diminuiu e novas comercializações de imóveis ficaram cada vez mais difíceis.
É o que apontam, a propósito, matérias jornalísticas da época, que trazem estudos econômicos e relatos de especialistas no assunto:
Assim, visando à proteção e recuperação do setor imobiliário, a Lei do Distrato passou a integrar o sistema jurídico brasileiro no final de 2018.
A norma trouxe mais previsibilidade às situações que podem ocorrer no curso dos contratos. Assim, garante segurança às incorporadoras e loteadoras, mas também aos clientes delas, os adquirentes de imóveis.
O setor imobiliário, por envolver projetos e empreendimentos caros e de médio/longo prazo, via de regra, trabalha com alta alavancagem, sendo um dos primeiros a ser afetado por altas taxas de inadimplência em períodos de crise.
Portanto, nada mais razoável do que tentar propiciar maior estabilidade a esse importante segmento da economia nacional.
Alcance e irretroatividade da lei
Como dito, a Lei do Distrato não se aplica a qualquer contrato imobiliário, mas apenas àqueles de compra e venda de apartamentos, casas ou lotes, edificados no âmbito do parcelamento do solo urbano ou das incorporações imobiliárias, celebrados entre o incorporador ou o loteador e o cliente final.
Dessa forma, não serão regidas pela Lei do Distrato outras modalidades de contratos imobiliários, a exemplo da compra e venda de terrenos rurais, de casas e terrenos que não estejam compreendidos em empreendimentos incorporados ou áreas parceladas para fins da venda de lotes.
Também não serão atingidas pelas exigências dessa lei as negociações de compra e venda de apartamentos, casa e lotes que tenham sido fruto de incorporações imobiliárias ou parcelamento do solo, mas que não sejam feitas diretamente pelo incorporador ou loteador. Ou seja, a Lei do Distrato não se aplica à revenda das unidades imobiliárias pelos seus adquirentes originais.
A Lei do Distrato foi publicada e entrou em vigor em 27/12/2018, sendo aplicável aos contratos assinados posteriormente a essa data.
Vale ressaltar que contratos em execução que tenham sido assinados anteriormente a 27/12/2018 também não se submetem à Lei do Distrato. Não há, pois, retroatividade dessa lei.
Obviamente, as partes envolvidas em contratos anteriores à lei, mas ainda em execução, podem pactuar, pela via de aditivo contratual, a incorporação das regras trazidas pela Lei do Distrato, caso julguem que assim haverá maior segurança jurídica para o negócio.
Principais alterações
Vamos examinar, uma a uma, as principais alterações determinadas pela Lei do Distrato?
Quadro-Resumo
Uma das principais novidades da Lei do Distrato foi a exigência de que conste, nas compras e vendas de casas, apartamentos e lotes entre incorporador/loteador e o cliente final, um Quadro-Resumo do contrato, que deve vir antes das cláusulas do instrumento contratual.
A finalidade disso, naturalmente, é conferir maior transparência à negociação e facilitar a compressão das obrigações assumidas pelo cliente, especialmente no que se refere às consequências do desfazimento do negócio.
O Quadro-Resumo nada mais é do que uma tabela em que constam as principais informações do contrato, conforme exigências da Lei do Distrato.
Citam-se, a seguir, quais são essas exigências em relação aos instrumentos de compra e venda de unidades de incorporações imobiliárias e de lotes, respectivamente:
Art. 35-A. Os contratos de compra e venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas integrantes de incorporação imobiliária serão iniciados por quadro-resumo, que deverá conter:
I – o preço total a ser pago pelo imóvel;
II – o valor da parcela do preço a ser tratada como entrada, a sua forma de pagamento, com destaque para o valor pago à vista, e os seus percentuais sobre o valor total do contrato;
III – o valor referente à corretagem, suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário;
IV – a forma de pagamento do preço, com indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas;
V – os índices de correção monetária aplicáveis ao contrato e, quando houver pluralidade de índices, o período de aplicação de cada um;
VI – as consequências do desfazimento do contrato, seja por meio de distrato, seja por meio de resolução contratual motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do incorporador, com destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para os prazos para devolução de valores ao adquirente;
VII – as taxas de juros eventualmente aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de incidência e o sistema de amortização;
VIII – as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), em todos os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do incorporador ou do estabelecimento comercial;
IX – o prazo para quitação das obrigações pelo adquirente após a obtenção do auto de conclusão da obra pelo incorporador;
X – as informações acerca dos ônus que recaiam sobre o imóvel, em especial quando o vinculem como garantia real do financiamento destinado à construção do investimento;
XI – o número do registro do memorial de incorporação, a matrícula do imóvel e a identificação do cartório de registro de imóveis competente;
XII – o termo final para obtenção do auto de conclusão da obra (habite-se) e os efeitos contratuais da intempestividade prevista no art. 43-A desta Lei.
Art. 26-A. Os contratos de compra e venda, cessão ou promessa de cessão de loteamento devem ser iniciados por quadro-resumo, que deverá conter, além das indicações constantes do art. 26 desta Lei:
I – o preço total a ser pago pelo imóvel;
II – o valor referente à corretagem, suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário;
III – a forma de pagamento do preço, com indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas;
IV – os índices de correção monetária aplicáveis ao contrato e, quando houver pluralidade de índices, o período de aplicação de cada um;
V – as consequências do desfazimento do contrato, seja mediante distrato, seja por meio de resolução contratual motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do loteador, com destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para os prazos para devolução de valores ao adquirente;
VI – as taxas de juros eventualmente aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de incidência e o sistema de amortização;
VII – as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), em todos os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do loteador ou do estabelecimento comercial;
VIII – o prazo para quitação das obrigações pelo adquirente após a obtenção do termo de vistoria de obras;
IX – informações acerca dos ônus que recaiam sobre o imóvel;
X – o número do registro do loteamento ou do desmembramento, a matrícula do imóvel e a identificação do cartório de registro de imóveis competente;
XI – o termo final para a execução do projeto referido no § 1º do art. 12 desta Lei e a data do protocolo do pedido de emissão do termo de vistoria de obras.
E o que acontece se um contrato que deveria possuir um Quadro-Resumo com informações claras e precisas não cumprir essa obrigação legal?
A Lei do Distrato determina que a ausência de previsão de qualquer das exigências pode ser retificada em um prazo de 30 (trinta) dias, após o qual, se não houver a pertinente correção, poderá ocorrer a rescisão do contrato pelo adquirente, por justa causa, o que atrai os ônus rescisórios (restituição de valores pagos e multa) para o incorporador/loteador.
Evidentemente, uma redação ambígua ou obscura do Quadro- Resumo pode, também, ser interpretada como omissão das informações obrigatórias, o que exige, para o incorporador/loteador, bastante atenção na elaboração dos contratos, que deve ser feita por profissionais que dominem a técnica jurídica adequada para evitar problemas futuros.
Um destaque importante: a Lei do Distrato exige a assinatura do adquirente, anuindo com as consequências do desfazimento do negócio, já no próprio Quadro-Resumo.
Distrato na incorporação x distrato na compra de lote
Como se percebe, não há grandes diferenças entre os requisitos formais que a Lei do Distrato impõe aos contratos de compra e venda de lotes e de unidades em incorporações imobiliárias, havendo um paralelismo claro entre o que deve constar nos Quadros-Resumo de contratos dessas naturezas.
Porém, no tocante às demais regras, há algumas distinções relevantes, as quais destacamos aqui:
Regra | Incorporação Imobiliária | Loteamento |
Prazo de tolerância para conclusão das obras | Prazo de tolerância de 180 dias ao incorporador, para conclusão do empreendimento e entrega do imóvel, para além do prazo inicialmente estabelecido, sem qualquer ônus, desde que prevista no contrato. | Ausente previsão a respeito (deverá ser definido no contrato). |
Valores retidos do adquirente, no caso de desfazimento do negócio por distrato, resilição ou resolução por ele provocadas | No caso de distrato ou resolução por inadimplência do adquirente, devem ser restituídos os valores já pagos por este, corrigidos, conforme índice do contrato, descontados de: 1) a integralidade da comissão de corretagem; 2) a pena convencional, que não poderá exceder a 25% (vinte e cinco por cento) da quantia paga. 3) quantias correspondentes aos impostos reais incidentes sobre o imóvel, vencidos no período em que o imóvel esteve disponibilizado ao adquirente; 4) cotas de condomínio e contribuições devidas a associações de moradores, vencidos no período em que o imóvel esteve disponibilizado ao adquirente; 5) valor correspondente à fruição do imóvel, equivalente à 0,5% (cinco décimos por cento) sobre o valor atualizado do contrato, pro rata die, correspondente período em que adquirente estiver na posse do imóvel; 6) demais encargos incidentes sobre o imóvel e despesas previstas no contrato. |
No caso de rescisão por fato atribuível ao adquirente, devem ser restituídos os valores já pagos por este, corrigidos, conforme índice do contrato, descontados de: 1) os valores correspondentes à eventual fruição do imóvel, até o equivalente a 0,75% (setenta e cinco centésimos por cento) sobre o valor atualizado do contrato, cujo prazo será contado a partir da data da transmissão da posse do imóvel ao adquirente até sua restituição ao loteador; 2) o montante devido por cláusula penal e despesas administrativas, inclusive arras ou sinal, limitado a um desconto de 10% (dez por cento) do valor atualizado do contrato; 3) os encargos moratórios relativos às prestações pagas em atraso pelo adquirente; 4) os débitos de impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana, contribuições condominiais, associativas ou outras de igual natureza que sejam a estas equiparadas e tarifas vinculadas ao lote, bem como tributos, custas e emolumentos incidentes sobre a restituição e/ou rescisão; 5) a comissão de corretagem, desde que integrada ao preço do lote. |
Prazo para restituição dos valores pagos pelo adquirente | O pagamento da restituição ao adquirente ocorrerá: 1) Caso a incorporação esteja submetida ao regime do patrimônio de afetação, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após o habite-se ou documento equivalente, expedido pelo órgão público municipal competente, admitindo-se, nessa hipótese, que a multa seja estabelecida até o limite de 50% (cinquenta por cento) da quantia paga; 2) Caso a incorporação não esteja submetida ao regime do patrimônio de afetação, após o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data do desfazimento do contrato; ou 3) Caso ocorra a revenda da unidade antes de transcorridos os prazos acima, o valor remanescente devido ao adquirente será pago em até 30 (trinta) dias da revenda. |
O pagamento da restituição ocorrerá em até 12 (doze) parcelas mensais, com início após o seguinte prazo de carência: 1) em loteamentos com obras em andamento: no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias após o prazo previsto em contrato para conclusão das obras; ou 2) em loteamentos com obras concluídas: no prazo máximo de 12 (doze) meses após a formalização da rescisão contratual. |
Direito de arrependimento | Poderá ocorrer, ou não, a depender da previsão expressa em contrato e, também, no Quadro Resumo, mas sempre ocorrerá em caso de assinatura da compra e venda em estande de vendas ou fora da sede do incorporador ou estabelecimento comercial. | Poderá ocorrer, ou não, a depender da previsão expressa em contrato e, também, no Quadro Resumo, mas sempre ocorrerá em caso de assinatura da compra e venda em estande de vendas ou fora da sede do loteador ou estabelecimento comercial. |
Aplicabilidade do procedimento de constituição de alienação fiduciária e leilão da Lei 9.514/1997 | Procedimento de restituição não se aplica à modalidade de compra e venda com adjeto de alienação fiduciária, caso em que será aplicado o procedimento mais específico, de restituição, após leilão do bem, conforme previsto na Lei 9.514/1997. | Procedimento de restituição não se aplica à modalidade de compra e venda com adjeto de alienação fiduciária, caso em que será aplicado o procedimento mais específico, de restituição, após leilão do bem, conforme previsto na Lei 9.514/1997. |
Compensação de valores | Permitida a compensação dos débitos do adquirente, relativos à posse do imóvel (impostos, taxa de fruição, taxas condominiais, etc.) com a quantia a ser restituída ao adquirente. | Permitida a compensação dos débitos do adquirente, relativos à posse do imóvel (impostos, taxa de fruição, taxas condominiais, etc.) com a quantia a ser restituída ao adquirente. |
Substituição de comprador | É possível o desfazimento do negócio pelo comprador, com a nomeação de um substituto, | Ausente previsão a respeito (deverá ser definido no contrato). |
Prazo de tolerância
Uma das maiores seguranças que a Lei do Distrato trouxe para as incorporadoras foi o estabelecimento de prazo de tolerância para a conclusão das obras e entrega das unidades aos compradores, no caso da venda de unidades em incorporações imobiliárias.
Na verdade, a tolerância de 180 (cento e oitenta) dias para entrega de unidades imobiliárias, após o prazo inicialmente previsto, já era um marco largamente adotado pelos Tribunais brasileiros. O fato de a Lei do Distrato haver incorporado ao texto legal o que já vinha sendo decidido pelo Poder Judiciário foi bastante saudável, eliminando a margem que antes havia para discussão.
Por meio da regra trazida pela Lei do Distrato ao novo artigo 43-A da Lei de Incorporações Imobiliárias, o incorporador, ao estabelecer com o comprador o prazo final para o término das obras do empreendimento e entrega das unidades, poderá estipular essa tolerância de 180 (cento e oitenta) dias em relação à data originalmente prevista, com o devido destaque dessa situação no Quadro-Resumo.
Direito de arrependimento
Como já mencionado no tópico sobre o Quadro-Resumo, a Lei do Distrato previu a possibilidade do direito de arrependimento do comprador, em consonância com o que já era estabelecido no Código de Defesa do Consumidor.
Quando o contrato é celebrado em estandes de venda ou locais diversos da sede e estabelecimentos comerciais da incorporadora/loteadora, o consumidor pode desistir da negociação sem sofrer qualquer ônus e com o direito de receber integralmente os valores que já tenha pagado, no prazo de 7 (sete) dias contados da data de assinatura do instrumento contratual.
Nos casos de assinatura na sede ou estabelecimentos comerciais da incorporadora/loteadora, o direito de arrependimento poderá ser concedido pela vendedora, mas não será obrigatório.
Multa por atraso na entrega
Se, por um lado, a Lei do Distrato trouxe maior segurança às incorporadoras ao implementar expressamente o prazo de tolerância, ela também estabeleceu multa por atraso na entrega das unidades caso ultrapassado tal prazo.
Será devida, pela incorporadora ao comprador, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente já pago para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato (artigo 43-A, §2º, da Lei 4.591/1964).
O interessante, aqui, é a multa devida pela incorporadora não incide sobre o preço do imóvel, mas sobre o valor total já pago pelo comprador até a data prevista para conclusão das obras (ou o fim do prazo de tolerância).
Nada mais justo, já que o comprador, quando atrasa parcelas do preço, também só paga multa e juros sobre o que estiver em atraso. Permitir o contrário (multa sobre o preço do imóvel) geraria verdadeiro enriquecimento sem causa do comprador, haja vista que ele receberia uma multa sobre algo que sequer pagou.
Além da multa, passou-se a facultar ao comprador a resolução do contrato por culpa da incorporadora caso desrespeitado o prazo de tolerância para a entrega das unidades (artigo 43-A, §1°, da Lei 4.591/1964).
Limites de multa na rescisão por culpa do comprador
Uma das mais destacadas alterações trazidas pela Lei do Distrato foi a estipulação de limites para as multas aplicáveis em caso de desfazimento do negócio por culpa do adquirente.
A partir da nova legislação, tais multas poderão ser, na incorporação imobiliária, de até 25% (vinte e cinco por cento) dos valores pagos nos empreendimentos “comuns” e de até 50% (cinquenta por cento) naqueles empreendimentos sob o regime de patrimônio de afetação (artigo 67-A da Lei 4.591/1964).
Como hoje é bastante raro um empreendimento ser incorporado sem a averbação do patrimônio de afetação, em função dos benefícios do RET, a multa, na larga prática, acabará sendo mesmo de 50% (cinquenta por cento) dos valores pagos.
No que tange à compra e venda de lotes, a Lei do Distrato determinou um limite diferente: a multa que pode ser cobrada pelo loteador é de até 10% (dez por cento), incidente, porém, sobre o valor atualizado do contrato, e não sobre o total pago pelo comprador.
Isso significa que, na aquisição de lotes, a multa cobrada, apesar de possuir um limite menor, terá como base de cálculo o valor atualizado do imóvel e, não, simplesmente, o que foi pago até então, o que poderá resultar, em alguns casos, em perda integral dos valores pagos.
Taxa de fruição (ilimitada)
A Lei do Distrato também previu a possibilidade de cobrança, por incorporadoras e loteadoras, de taxa de fruição pelo uso do imóvel enquanto o bem estiver sob a posse do comprador. Essa taxa é cobrada pelo período no qual o comprador permanece no imóvel após o desfazimento do contrato, até a restituição do bem ao vendedor.
Para incorporações imobiliárias, a taxa de fruição que poderá ser cobrada do adquirente em razão do inadimplemento ou desfazimento do negócio por parte dele é de 0,5% (meio por cento) do valor atualizado do contrato.
Já para loteamentos, a taxa que poderá ser cobrada a título de fruição do imóvel é de 0,75% (setenta e cinco décimos por cento) do valor atualizado do contrato.
Parece ter andado mal o legislador nesse ponto, já que não há motivos lógicos para que a taxa de fruição de um lote sem construção seja maior do que a taxa de fruição de um apartamento ou casa.
Por razões óbvias, é muito mais fácil obter maior rentabilidade com a locação de um apartamento do que com a locação de um lote, preço por preço, tamanho por tamanho.
Como a taxa de fruição pela posse exercida pelo comprador, nos casos de rescisão contratual, poderá ser cobrada a cada dia de atraso na restituição do imóvel, ela é, portanto, ilimitada.
Se você tem alguma dúvida quanto à diferença entre posse e propriedade, não deixe de ler nosso artigo sobre contratos imobiliários!
Possíveis efeitos econômicos da Lei do Distrato
Como você já sabe, Lei do Distrato buscou reverter um quadro de fragilidade do setor imobiliário em face da crise que assolou o país, de acordo com a análise que fizemos do contexto econômico que motivou a aprovação da norma.
Diante disso, vamos examinar quais são os possíveis efeitos econômicos dessa lei?
Redução no número de distratos em razão de uma melhor informação ao comprador
Os distratos são, muitas vezes, motivados pela ausência de compreensão, por parte do comprador, das consequências de sua inadimplência ou mesmo do desejo de não dar continuidade ao negócio.
Assim, ao trazer regras que protegem os adquirentes, como a (i) exigência do Quadro-Resumo nos contratos, (ii) a limitação das multas impostas em caso de rescisão e (iii) a sincronia com o Código de Defesa do Consumidor no que se refere à possibilidade de desistência da contratação, sem qualquer ônus, em hipótese específica, a Lei do Distrato tem, potencialmente, o efeito de reduzir o número de distratos.
Isso, necessariamente, melhora as chances de estabilidade e crescimento econômico do setor.
Redução nos preços dos imóveis em razão de maior segurança para o vendedor
Por outro lado, ao garantir a incorporadoras/loteadoras maior previsibilidade em relação aos negócios imobiliários, a Lei do Distrato tem o potencial de, associada a outros fatores macroeconômicos, levar a uma redução no preço dos imóveis, tanto pela diminuição de riscos quanto por possibilidades como a cobrança de taxa de fruição até a restituição do imóvel nos casos de desfazimento do contrato.
Conclusão
A Lei do Distrato é um importante ato normativo, que, ao trazer mudanças relevantes para a lei que regula as incorporações imobiliárias (Lei 4.591/1964) e para a lei que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano (Lei 6.776/1979), gerou ganhos de segurança jurídica para um segmento fundamental da economia no Brasil.
Apesar das orientações claras contidas no texto da Lei do Distrato, contar com uma assessoria de qualidade para a revisão e a elaboração de contratos é fundamental para que as novas exigências legais sejam corretamente atendidas, evitando-se, inclusive, o desfazimento de negócios por justa causa.
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*Imagens de Ketut Subiyanto, Alexander Tencio e Aramyan, no Pexels.
Gostaria de saber quais seriam meus direitos em caso de distrato de um Terreno em loteamento. Moro em São Paulo e há 4 anos comprei um terreno que está localizado no estado do Ceará, não tem nenhuma construção no mesmo, está intacto. Por ser longe nunca nem vi. Comprei pela internet. Todas as prestações estão em dia.
Olá, Clayton! Para respondê-lo com segurança, precisamos analisar o contrato. Entretanto, se o prazo para entrega do lote já se esgotou, você poderá, pelo menos, pedir a restituição dos valores pagos. Ficamos à disposição para ajudá-lo nesse caso!
Comprei um Terreno e paguei 18 parcelas, solicitei direto com a empresa o distrato e querem reter mais de 50% do valor pago. Isso está correto? Todo local que vejo sobre distrato informam que o valor máximo retido quando não tem regime de afetação é de, no máximo, 25%. Quem está correto sobre isso?
Olá, Rodrigo! A Lei nº 6.766/79, que trata dos loteamentos, determina que, em caso de distrato, a loteadora poderá reter a multa pela rescisão (de até 10% do valor do contrato), encargos de mora relativos a prestações pagas com atraso, comissão de corretagem, e, se a posse já tiver sido transmitida, eventuais débitos relativos ao imóvel (como IPTU) e uma taxa de fruição de 0,75% sobre o valor do contrato. Esses valores, somados, podem ultrapassar os 25% (ou até mesmo 50%) da quantia paga.
No caso de distrato de imovel na planta, o imovel que comprei custava 2.6 milhoes, paguei 185 mil, a construtora quer me devolver 19 mil reais alegando que foi pago taxa de corretagem e eu sei que não foi pago pq a corretora é amiga minha. O que eles poderiam reter deste valor pago?
Olá, Saimon! Em regra, se o valor da comissão de corretagem e a corretora tiverem sido indicados no contrato, a construtora pode fazer essa retenção, sim. Também podem ser retidas outras verbas, de acordo com a lei. Mas, para te orientar com segurança, precisaríamos analisar o contrato e entender os detalhes do caso. Se quiser agendar uma consulta, entre em contato conosco pelo e-mail contato@lageportilhojardim.com.br, será um prazer ajudá-lo!
No caso de compra de fração de multipropriedade hoteleira, fechado o negócio na emoção e há quase 1 ano aguardando o contrato ser enviado por email, há a possibilidade de fazer o distrato sem ônus? Por não ter recebido sequer o quadro resumo?
Olá, Lorena! Se o contrato ainda não foi assinado e as regras para rescisão não foram negociadas ou formalizadas, não há, em tese, nenhum impedimento ao distrato. Tecnicamente, na verdade, sequer haveria distrato, já que não houve contrato. Porém, para uma orientação mais segura, é necessário conhecer os detalhes do caso.