No movimento de desjudicialização das demandas, que significa evitar levá-las à apreciação do Poder Judiciário, buscando outros mecanismos de resolução, estão os procedimentos extrajudiciais.

Os procedimentos extrajudiciais, como o próprio nome indica, são aqueles realizados fora da esfera judicial, geralmente em cartórios (notas, imóveis etc.).

A título de exemplo, temos o divórcio extrajudicial, que é bastante conhecido, assim como o inventário extrajudicial.

Como esse movimento é uma tendência que veio para ficar, é importante conhecermos quais procedimentos podem ser feitos em Cartórios e em quais situações.

Na análise de hoje, trataremos de dois institutos, já estudados em nosso blog: a usucapião extrajudicial e a adjudicação compulsória extrajudicial.

Após tratarmos de seus conceitos e aplicações, abordaremos as principais semelhanças e diferenças entre usucapião e adjudicação compulsória extrajudicial, a fim de facilitar a compreensão e utilização de cada um dos institutos.

Conceitos

Usucapião extrajudicial

A usucapião consiste no procedimento de aquisição originária da propriedade de um imóvel por meio do uso prolongado no tempo. O procedimento extrajudicial é realizado diretamente no Cartório de Registro de Imóveis onde o bem estiver registrado.

Você pode ler mais sobre a usucapião extrajudicial clicando aqui.

Adjudicação compulsória extrajudicial

A adjudicação compulsória é o procedimento de transferência “forçada” da propriedade ao adquirente do imóvel, que, na modalidade extrajudicial, também é realizado diretamente no Cartório de Registro de Imóveis competente.

Você pode ler mais sobre a adjudicação compulsória extrajudicial clicando aqui.

Feita essa breve introdução, podemos começar a traçar um comparativo entre a usucapião extrajudicial e a adjudicação compulsória extrajudicial.

Principais semelhanças entre os institutos

Vejamos, a seguir, os principais pontos em comum entre os procedimentos:

Via de processamento

Como os próprios nomes sugerem, tanto a usucapião quanto a adjudicação extrajudiciais poderão ser processadas em via administrativa, ou seja, diretamente em cartório.

Ambos estão previstos na Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973) e foram inseridos por meio de modificações recentes na legislação.

A usucapião extrajudicial, inserida pelo Código de Processo Civil de 2015, está prevista no artigo 216-A da Lei de Registros Públicos:

Art. 216-A.  Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:           

I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias, aplicando-se o disposto no art. 384 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil);                       

II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes;                       

III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;                         

IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.

Já a adjudicação compulsória extrajudicial, foi inserida pela Lei 14.382/2022, que acrescentou o artigo 216-B à Lei de Registros Públicos:

Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo.

Finalidade

Podemos afirmar que ambos os institutos possuem o mesmo objetivo: a regularização formal da propriedade do imóvel, ou seja, da matrícula de um imóvel e das informações nela constantes.

Os motivos e fundamentos jurídicos para cada um deles são distintos, mas a finalidade é a mesma: que o proprietário de fato seja, também, o proprietário registral.

Enquanto esse acerto entre a realidade fática e jurídica do imóvel não for feito, instala-se uma situação de insegurança, tanto para o possuidor, quanto para os promitentes compradores e vendedores.

Diversos são os desdobramentos e riscos que essa incompatibilidade pode trazer.

Portanto, ambos são instrumentos de regularização da situação jurídica do bem, visando trazer maior segurança aos envolvidos, a terceiros e à própria Administração Pública, que saberá de quem exigir as obrigações cabíveis.

Resultado

Quando o procedimento de usucapião extrajudicial ou de adjudicação compulsória é concluído com êxito, ocorre a modificação ou transferência da propriedade em benefício do possuidor (usucapião) ou do promitente comprador (adjudicação compulsória), respectivamente.

Competência

Ambos os procedimentos serão processados perante o Cartório de Registro de Imóveis onde o imóvel for registrado, ou, não havendo registro, da circunscrição.

Necessidade de contratar um(a) advogado(a)

Para a realização e acompanhamento dos procedimentos, ainda que em via extrajudicial, será necessária a participação de um(a) advogado(a) representando os interesses do requerente. É ele(a) quem dará início ao processo, apresentando os documentos e requerimentos necessários, assim como em uma ação judicial.

Por isso, ter um profissional qualificado e que conheça bem os requisitos e etapas do procedimento é fundamental para que as chances de êxito da demanda sejam maiores.

Ausência de litígio

Outro elemento indispensável e comum aos dois procedimentos é a existência de consenso entre as partes envolvidas.

Para qualquer procedimento extrajudicial, é imprescindível que não haja litígio envolvendo a propriedade ou a posse do imóvel.

Isso porque, em caso de litígio, apenas o Poder Judiciário poderá resolvê-lo.

Assim, para que se dê início a ambos os procedimentos, serão exigidas certidões negativas dos distribuidores da comarca de situação do imóvel, a fim de comprovar que inexistem processos envolvendo o imóvel a ser usucapido ou adjudicado.

Ata notarial

Também será exigida a apresentação de uma ata notarial, lavrada por Tabelião de Notas, mas com finalidades distintas:

Na usucapião extrajudicial, a ata notarial atestará a existência e qualidade da posse do usucapiente.

Já na adjudicação compulsória extrajudicial, a ata notarial atestará o inadimplemento da obrigação do promitente vendedor, qual seja, a de outorgar a escritura pública de compra e venda ao promitente comprador.

Facultatividade

Tanto a usucapião extrajudicial quanto a adjudicação compulsória extrajudicial são meras faculdades para os interessados, que poderão, sempre que desejarem, elaborar seu pleito perante o Poder Judiciário.

Ressalta-se que, em caso de litígio, é obrigatório o processamento em via judicial.

Principais diferenças

Agora, vamos analisar as principais diferenças entre os institutos:

Origem do direito

O direito de pleitear a usucapião do imóvel nasce de uma situação de fato: o uso de um imóvel como próprio, por um tempo mínimo (5 a 15 anos, a depender da modalidade), de forma ininterrupta e sem oposição.

Já o direito à adjudicação compulsória nasce de uma situação de direito: o inadimplemento contratual pelo promitente vendedor, que não outorga a escritura pública de compra e venda do imóvel, impedindo que seja efetivada a transferência do bem ao promitente comprador.

Modalidade de aquisição da propriedade

A usucapião é uma modalidade originária de aquisição da propriedade.

O usucapiente não precisa ter qualquer relação com o proprietário registral.

Há um rompimento da cadeia registral, de modo que os titulares de direitos anteriores e o antigo proprietário não possuirão qualquer relação com o bem. Assim, o usucapiente adquire a propriedade do imóvel como se fosse o primeiro dono, sem qualquer ônus ou relação com a cadeia registral anterior.

Já a adjudicação compulsória extrajudicial é a uma modalidade derivada de aquisição da propriedade. Assim, o adjudicante adquire a propriedade na forma da cadeia registral, diretamente do último proprietário do imóvel. São mantidos, portanto, quaisquer ônus e direitos que recaiam sobre o bem.

Pagamento

Na usucapião, como não há um negócio jurídico anterior, não há que se falar em pagamento pelo imóvel. O que gera a aquisição da propriedade é o uso prolongado no tempo, e não o pagamento de um preço. Assim, nenhum comprovante nesse sentido precisa ser apresentado ao cartório.

Na adjudicação compulsória, como o direito decorre da promessa de compra e venda ou de cessão onerosa, isto é, venda do imóvel, é necessária e obrigatória a apresentação dos respectivos comprovantes de pagamento.

Justo título

Apesar de ser exigido o chamado “justo título” na usucapião ordinária, para as demais modalidades de usucapião ele não é necessário.

Justo título é qualquer documento que, apesar de comprovar a existência do negócio jurídico, não é apto à transferência de propriedade do imóvel. Em suma, são os contratos particulares de promessa de compra e venda e de cessão onerosa de direitos.

Portanto, na usucapião, não é necessária a apresentação de qualquer título que comprove a relação com o proprietário registral.

Na adjudicação compulsória, por outro lado, é necessário apresentar o título que comprova o negócio jurídico celebrado com o vendedor/cedente, ou a cadeia de negociações.

Regularidade do imóvel

Para a usucapião, não é necessário que o imóvel esteja regularizado, tampouco que possua matrícula ou transcrição, já que, pelo próprio procedimento de usucapião, a regularização poderá ser realizada.

Ressalta-se que é possível adquirir, por meio da usucapião, uma área entre dois imóveis, ou uma área superior a um imóvel, por exemplo, que não possua matrícula própria.

A adjudicação compulsória, por sua vez, somente é possível para imóveis que já possuam registro de matrícula ou transcrição. O objeto é certo: nem uma área a mais ou a menos, mas tão somente aquela restrita às medidas constantes na matrícula.

Planta e memorial descritivo

Na usucapião, tendo em vista que nem sempre o imóvel estará regularizado, é necessário apresentar a planta e o memorial descritivo da área a ser usucapida, para que seja possível precisar as dimensões do imóvel e quem são os confrontantes do usucapiente.

Para a adjudicação, como o imóvel está regularizado e o que se pretende é a transferência daquele bem descrito na matrícula, não há necessidade de apresentar a planta e memorial descritivo do imóvel.

Confrontantes

Como a área de um imóvel a ser usucapido pode alterar ou interferir nas áreas dos confrontantes, eles, necessariamente, precisam anuir com o pedido.

Caso não haja a concordância expressa com a assinatura na planta e memorial descritivo do imóvel, o Oficial de Registro poderá notificá-los e o silêncio será interpretado como anuência.

Para a adjudicação, não há necessidade de consentimento dos confrontantes.

Titular registral

Como o procedimento de usucapião extrajudicial depende do consenso entre os envolvidos, os titulares de direitos reais sobre o imóvel usucapiendo e dos imóveis confrontantes deverão expressar sua anuência.

Assim como no caso dos confrontantes, caso a anuência não se dê de forma expressa, poderá o Oficial de Registro notificá-los e, diante da ausência de impugnação, será reconhecida a anuência tácita.

Na adjudicação, é dispensada a anuência de titulares de direitos reais sobre o imóvel, considerando que não há qualquer interferência no direito destes quando da transferência de propriedade. Os ônus e demais direitos sobre o imóvel permanecem inalterados.

Oitiva dos entes federados

A Constituição da República resguarda os bens públicos de usucapião. Assim, para assegurar que não haja conflito de interesses entre o usucapiente e a União, Estado e Município, eles deverão ser intimados para se manifestarem se o bem ou área a ser usucapida é ou não pública.

Já para a adjudicação, não há necessidade da oitiva dos Entes Federados, já que um bem público, apesar de não poder ser usucapido, pode ser vendido. Caso o ente público não cumpra uma obrigação assumida enquanto vendedor, a transferência da propriedade poderá ser exigida mediante a adjudicação compulsória, judicial ou extrajudicial.

Edital

Considerando que, com a usucapião, há quebra da continuidade registral e todos os registros e averbações anteriores deixam de existir, será publicado um edital para que terceiros interessados possam se manifestar ou se opor à sua realização.

Na adjudicação compulsória, por se tratar de uma relação restrita às partes do negócio de compra e venda, não é necessária a publicação de edital.

Abaixo, um quadro comparativo com as principais diferenças entre os dois institutos:

Adjudicação compulsória extrajudicialUsucapião extrajudicial
Situação de direitoSituação fática
Modalidade derivada de aquisição da propriedadeModalidade originária de aquisição da propriedade
Relação anterior com o ex-proprietário (ou cadeia de proprietários)Prescinde de relação
Presença da promessa de compra e venda de imóvelDispensa a existência de justo título, a depender da modalidade
Pagamento do preço e comprovaçãoDispensa qualquer tipo de pagamento
Dispensa planta e memorial descritivoExige a planta e o memorial descritivo
Dispensa anuência de confrontantesExige a anuência dos confrontantes
Ata notarial para comprovar o inadimplemento da obrigaçãoAta notarial para comprovar a posse (situação de fato)
Dispensa anuência de titulares registraisAnuência dos titulares registrais
Imóvel matriculado ou transcritoImóveis matriculados ou não
Não há oitiva da União, Estado e MunicípioOitiva da União, Estado e Município
Não há publicação de editalPublicação de edital para terceiros interessados

Usucapião e adjudicação compulsória extrajudicial: qual é a via mais adequada?

Vimos que tanto a usucapião quanto a adjudicação compulsória extrajudicial são instrumentos de regularização imobiliária, cujo objetivo é garantir que a realidade fática de um imóvel corresponda à sua realidade jurídica e registral.

Ocorre que, a depender da situação fática do caso, um ou o outro caminho serão mais vantajosos:

  • Se você possui um título (contrato particular de promessa de compra e venda) e
  • Se você possui os comprovantes de pagamento do imóvel → a adjudicação compulsória extrajudicial será o melhor caminho.

Mas…

  • Se você possui um título, mas não tem os comprovantes de pagamento;
  • Se você não possui nenhum documento de compra ou cessão do imóvel; e
  • Utiliza do bem como se proprietário fosse, num período prolongado e ininterrupto de tempo → a usucapião extrajudicial será o melhor caminho.

Outras vantagens de ambos os procedimentos são:

  • Celeridade, se comparado a um processo judicial;
  • Economicidade, de tempo e de recursos;
  • Efetividade, se observados todos os requisitos dos procedimentos.

Assim como tudo no Direito, essas possibilidades não fazem parte de uma ciência exata. Existem outros critérios que deverão ser considerados e analisados caso a caso, respeitando, também, as individualidades dos clientes.

Conclusão

Vimos no artigo de hoje que o movimento de desjudicialização das demandas veio para ficar!

Com isso, cabe ao profissional do Direito se preparar para tais resoluções e, aos interessados, estarem atentos à possibilidade de se optar pela via extrajudicial, minimizando gastos de tempo e dinheiro.

Nesse contexto, estão a usucapião extrajudicial e a adjudicação compulsória extrajudicial, que possibilitam a regularização de um imóvel com muito mais celeridade e facilidade para os requerentes.

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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.

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