Nas publicações anteriores analisamos o Plano Diretor, principal instrumento de desenvolvimento das cidades brasileiras, e a sua aplicação prática na cidade de Belo Horizonte.
Enquanto o Plano Diretor traça as diretrizes (ou seja, os objetos gerais e principais) para o crescimento e ordenação da cidade, é o Código de Obras que fixa, em detalhes, as regras aplicáveis à execução de construções, demolições, reconstruções de edificações no Município.
Ao lado do Estatuto da Cidade, do Plano Diretor e da Lei de Uso e Ocupação do Solo (que só será necessária quando a matéria por ela tratada já não estiver regulada no Plano Diretor), o Código de Obras constitui o cerne de qualquer planejamento urbanístico.
Se você chegou até aqui procurando entender melhor a função e as características desse importante instrumento, neste artigo você descobrirá o que é um Código de Obras, para que ele serve, quais são seus principais assuntos, quais são os instrumentos acessórios e correlatos a ele e as possíveis penalidades que ele pode trazer.
Índice
O que é um código de obras
A palavra obra, segundo a definição do dicionário Michaelis, significa, dentre outras acepções não associadas ao objeto deste estudo, qualquer edifício em construção.
Já código, na significação jurídica, é uma lei que trata de maneira completa e geral uma determinada matéria.
Quando falamos, portanto, em Código de Obras, estamos nos referindo a uma lei em sentido estrito que definirá da forma mais exaustiva possível as normas para a execução de construções.
Diante das particularidades de cada cidade e da própria competência atribuída pela Constituição Federal aos Municípios para legislar sobre matérias de interesse local, o Código de Obras será, sempre, uma lei municipal, acompanhada ou não de legislação acessória, a definir as principais regras operacionaisa serem seguidas na implantação de qualquer novo edifício, qualquer que seja sua natureza, no território municipal.
Isso não significa, todavia, que o Código de Obras é uma lei obrigatória – embora altamente desejável, como o é o Plano Diretor para municípios com população acima de 20.000 habitantes.
Segundo estudo publicado pelo IBGE, em 2015 aproximadamente 66% dos municípios brasileiros, de tamanhos variados, já possuíam um Código de Obras.
Com algumas variações atribuíveis às características próprias de cada cidade, o Código de Obras buscará garantir um ambiente urbano seguro, confortável, acessível e esteticamente agradável, atendendo não só aos interesses do particular, mas também a todos os usuários do território urbano.
Em Belo Horizonte, por exemplo, o legislador deixou esse objetivo bastante claro já nas disposições preliminares do seu Código de Obras:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
Art. 1º – Esta Lei estabelece as normas e as condições para execução, por agente particular ou público, de toda e qualquer construção, modificação ou demolição de edificações, assim como para o licenciamento das mesmas no Município.
Art. 2º – Os parâmetros técnicos estabelecidos nesta Lei buscam assegurar às edificações e instalações condições mínimas de segurança, conforto ambiental, higiene, salubridade, harmonia estética e acessibilidade.
O Código de Obras também pode ser conhecido, como em BH, por Código de Edificações, tratando-se apenas de um sinônimo, sem afetar em nada o conteúdo e a destinação da lei.
Em algumas cidades, como São Paulo, a lei é chamada de Código de Obras e Edificações.
Para que serve o Código de Obras
A função primária do Código de Obras é tratar a construção desde a sua concepção até a sua conclusão, seja tal construção de natureza residencial, comercial, industrial, pública ou privada.
Isso garante, ao mesmo tempo, uniformidade e previsibilidade para as obras urbanas, impedindo que cada proprietário erga sua edificação da forma como melhor lhe convier.
As normas do Código de Obras abordarão desde a elaboração do projeto arquitetônico até a conclusão e aprovação, pelo Município, das obras.
Alguns dos critérios construtivos, como afastamentos mínimos, taxa de permeabilidade do solo e altimetria, podem estar previstos no Plano Diretor e/ou na Lei de Uso e Ocupação do Solo.
Outros parâmetros, como altura e visibilidade de muros, dimensões mínimas de ambientes internos (como pé direito e área) e até posicionamento (para garantir a adequada ventilação) estarão definidos no Código de Obras.
Basicamente, as questões externas à obra ficam sujeitas à regulação do Plano Diretor ou da Lei de Uso e Ocupação do Solo, enquanto os aspectos internos são tratados pelo Código de Obras.
Em última análise, o efeito de um Código de Obras bem redigido é uma cidade organizada, harmônica e agradável para seus habitantes.
É interesse notar como as variações nos Códigos de Obras podem resultar em ambientes urbanos completamente distintos, mesmo que dentro da mesma cidade.
No centro histórico e em muitos dos bairros mais tradicionais e antigos do Rio de Janeiro, por exemplo, os prédios são “colados” uns aos outros, sem nenhum afastamento lateral ou mesmo frontal.
A imagem a seguir, extraída do Google Maps, mostra uma rua do tradicionalíssimo bairro de Copacabana, ficando clara a falta de afastamento lateral entre as construções:
Na mesma cidade, as construções mais novas, sujeitas a diferentes regras, como aquelas no bairro Barra de Tijuca e Recreio, já não são erguidas sem afastamento.
Principais temas tratados no Código de Obras
Para entender os principais temas que podem ser objeto de um Código de Obras, é necessário compreender o processo construtivo desde a sua concepção até a regularização jurídica da obra finalizada.
À exceção de obras simples e pequenas, como reformas internas (sem acréscimo de área) e muros de divisa (sem função de contenção), qualquer construção se inicia com a elaboração de um projeto arquitetônico por profissionalmente legalmente habilitado, ou seja, por arquiteto.
O projeto arquitetônico é, então, submetido à aprovação do Município, que avaliará se os parâmetros urbanísticos contidos no Código de Obras e nas demais leis municipais foram respeitados e seguidos pelo projeto.
Concluindo pela adequação do projeto, o Município o aprovará, expedindo em seguida o alvará de construção, documento que autoriza o início da obra.
O alvará comumente trará, de acordo com o que tiver sido informado no projeto arquitetônico e documentos auxiliares, autorizações de demolição e de supressão de vegetação.
O construtor não é obrigado a iniciar as obras imediatamente, contando com o prazo indicado no alvará para concluir as obras ou, pelo menos, sua estrutura, ficando a renovação do alvará condicionada à verificação do estágio da obra.
Em Belo Horizonte, por exemplo, se a estrutura for concluída dentro do prazo de validade do alvará, que é de quatro anos, o construtor terá direito de renová-lo por igual período sem nenhum ônus ou necessidade de adequação do projeto, ainda que a legislação tenha sido alterada para fixar parâmetros mais restritivos.
Se, ao contrário, a estrutura não estiver pronta e a legislação tiver sido alterada, a parte a ser complementada terá de sofrer adequação, de acordo com os novos parâmetros urbanísticos.
Pouco antes de iniciar a obra, o construtor deverá comunicar sua intenção à Prefeitura para que ela possa passar a fiscalizar a construção.
A fiscalização examinará, dentre outros, (i) a fidelidade da obra ao projeto aprovado; (ii) potenciais irregularidades que possam impedir a futura emissão do “habite-se”, (iii) a ocorrência de infrações previstas em lei, com a subsequente aplicação da penalidade.
Às etapas construtivas – demolição, limpeza do terreno, fundação, estrutura e acabamento – poderão ser atribuídas, pelo Código de Obras, exigências distintas.
Concluída a obra, caberá ao construtor solicitar, junto à Prefeitura, a realização de vistoria para fins de emissão da certidão de baixa de construção, o popularmente conhecido “habite-se”.
Finalmente, depois de emitido o “habite-se” da construção, o proprietário poderá, em determinado momento, realizar novas obras em acréscimo à já existente.
Entendido o processo construtivo em sua totalidade, fica fácil identificar qual será o conteúdo principal de um Código de Obras, que conterá:
- Regras para a elaboração e aprovação de projetos: parâmetros urbanísticos (dimensões mínimas de ambientes internos, vãos de ventilação, vãos de acesso, escadas e rampas, altura de pé-direito, altura de guarda corpo, acessibilidade a cadeirantes, número de elevadores, instalações de armazenamento de lixo, dentre outros), responsabilidade técnica, permeabilidade visual no fechamento de lotes e terrenos, tipos de construção que demandam licenciamento, documentos que deverão ser anexados ao projeto arquitetônico, prazos de tramitação do processo administrativo – tanto para a Prefeitura quanto para o interessado –, taxas a serem pagas etc.
- Prazo de validade do alvará de construção e regras para seu cancelamento, renovação ou caducidade.
- Regras operacionais de execução das obras: demolição, movimentação de terra, entulho e material orgânico, instalação do canteiro de obra, instalação de tapumes e placas de identificação, comunicações obrigatórias ao longo da obra, dentre outras.
- Regras para realização de vistoria de conclusão de obra e emissão da certidão de baixa e habite-se.
- Infrações e penalidades a elas atribuídas.
- Regras para “legalização” de construções irregulares.
Instrumentos acessórios e correlatos
Como comentado na introdução deste artigo, acompanham o Código de Obras, na maior parte dos Municípios, o Plano Diretor e a Lei de Uso e Ocupação do Solo.
Em alguns casos, como o de Belo Horizonte, a matéria que seria atribuída à Lei de Uso e Ocupação do Solo pode ser tratada pelo Plano Diretor.
Esses instrumentos se orientam e se complementam.
Enquanto o Plano Diretor estabelece as diretrizes e objetivos principais de curto, médio e longo prazo para o desenvolvimento da cidade e a Lei de Uso e Ocupação do Solo define os zoneamentos urbanos, abordando coeficientes de aproveitamento, usos permitidos em cada região (residencial, comercial, industrial), parâmetros urbanísticos como afastamentos frontal, lateral e de fundo, altimetria, dentre outros, o Código de Obras trará, de forma clara e objetiva, parâmetros urbanísticos complementares (como iluminação, ventilação, dimensões internas de ambientes etc.) e as normas técnicas operacionais para a realização de qualquer obra, seja ela uma pequena casa ou um grande edifício.
Também é comum existir um Código de Posturas, que regulará o uso de áreas públicas do Município, podendo ter algum tipo de interseção com o Código de Obras, como, por exemplo, normas atinentes à construção e manutenção de calçadas e passeios, horários permitidos para trânsito de caminhões com entulho e terra, uso temporário do logradouro público e demarcação de vagas de carga e descarga.
Penalidades
Como uma regra sem penalidade atribuída está fadada a se tornar “letra morta”, o Código de Obras corretamente redigido trará, na certa, uma seção específica para definir as possíveis infrações e suas respectivas penalidades.
Sendo o objeto principal da lei uma obra, as infrações podem ocorrer, majoritariamente, antes ou durante a construção, uma vez que, estando ela concluída e regularizada (ou seja, com “habite-se” emitido”), somente uma nova obra poderá configurar uma violação das regras.
Ocorrendo a infração antes do início das obras, a pena natural é a não aprovação do projeto, com a perda, em favor do Município, das taxas pagas para a análise.
Se a infração ocorre durante a execução da construção, as penalidades mais comuns, aplicáveis de acordo com a gravidade e com a (re)incidência da infração, são:
- Advertência
- Multa pecuniária
- Embargo de obra
- Cassação do alvará de construção
- Interdição de edificação já concluída
- Demolição
- Suspensão de novo licenciamento
Normalmente, a aplicação das penalidades se dá de forma gradativa, começando pela advertência e culminando com a demolição de uma obra irregular, somada à suspensão de novo licenciamento por determinado período.
Deve-se registrar que o pagamento de uma penalidade sofrida não costuma ser suficiente para extinguir a infração, sendo certo que se o construtor, uma vez multado ou advertido, não regularizar a situação, poderá sofrer novas autuações, com agravamento em função da reincidência.
Como todos os outros pontos do Código de Obras, também as penalidades e os cenários de sua aplicação variarão de Município para Município, sendo imprescindível a leitura atenta e especializada da legislação local antes de se iniciar qualquer obra.
Conclusão
Neste texto explicamos o conceito do Código de Obras e suas principais características, que poderão estar presentes, ou não, na lei do seu Município.
Dada a natureza eminentemente local do instrumento, cada cidade, de acordo com o seu próprio planejamento urbanístico, definirá as regras mais adequadas às diretrizes do Plano Diretor.
Se você pretende iniciar uma construção em sua cidade e ainda não conhece o Código de Obras, não deixe de procurar uma boa assessoria jurídica para examinar os melhores caminhos para o empreendimento.
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*Imagens de Burst, no Pexels e Street View do Google Maps.
Quais as especificações de corrimãos para a instalação nas escadas, atendendo as normas da ABNT
Olá, Jurema! Agradecemos seu comentário. Você precisará consultar o código de obras da sua cidade, com auxílio de arquiteto/engenheiro de sua confiança, para obter tais especificações.
Boa noite.
E quando a cidade não possui o código de obra?
Qual legislação o cidadão deve seguir quando for construir?
Olá, Matheus! Obrigado pelo seu comentário. Se a cidade não tem código de obras, provavelmente as normas a respeito das construções estarão contidas na lei orgânica do Município (que é, analogicamente, a “constituição” municipal), no plano diretor ou na lei de uso e ocupação do solo. Na falta de regulação em tais leis, você deverá seguir as normas técnicas da ABNT.