Em oportunidades anteriores, neste mesmo espaço, analisamos os tipos de contratos imobiliários e os requisitos indispensáveis a qualquer contrato de compra e venda de imóvel.

Sendo uma das mais comuns operações imobiliárias do mercado, a compra e venda pode ser simples, sem maior dificuldade, mas também pode se apresentar desafiadora, principalmente quando o imóvel desejado se encontra em inventário.

Esse cenário, por si só, já costuma assustar vários potenciais compradores, que, com receio da conhecida morosidade do Poder Judiciário, acreditam que comprar um imóvel em inventário envolve riscos maiores do que uma aquisição “comum”.

A menor liquidez faz com que o preço de venda do imóvel se torne bastante atrativo e, movido pelo senso de oportunidade, não é raro que um comprador desavisado faça um mau negócio, ficando por anos a fio lutando para conseguir a propriedade do imóvel.

Conquanto a compra e venda de imóvel em inventário seja frequente, é muito fácil ocorrer problemas indesejados que geram prejuízos financeiros vultosos, sobretudo se estivermos falando de um imóvel no qual se pretenda desenvolver um empreendimento específico.

Nesse artigo, abordaremos de forma prática algumas questões e nuances que devem ser levadas em consideração em uma negociação como essa, buscando desvendar alguns “mitos” e mostrar o melhor caminho para a compra ou venda de um imóvel inventariado.

 

O que é inventário?

 

Em poucas palavras, justamente para facilitar o entendimento, inventário é um procedimento obrigatório para apuração de todos os bens, direitos e obrigações de uma pessoa falecida (“de cujus”), para que seja feita a atribuição/transmissão efetiva de tais bens, direitos e obrigações aos herdeiros.

Essa “transmissão” é realizada, por determinação de lei, de maneira automática aos herdeiros no exato momento do falecimento, que, a partir daí e até, pelo menos, que o processo de inventário se encerre, exercerão a propriedade dos bens em condomínio.

Em outras palavras, por uma “ficção jurídica”, a partir do exato segundo da morte do proprietário, existindo ou não processo de inventário, seus herdeiros legais já passarão a ser considerados, em conjunto (caso exista mais de um), proprietários dos bens deixados, servindo o inventário, apenas, para formalizar essa transmissão e definir quem ficará com o quê. 

Portanto, o processo de inventário, que pode ser judicial ou extrajudicial, se destina a arrecadar os bens e definir quais deles serão atribuídos a cada herdeiro ou, ainda, se todos os herdeiros permanecerão proprietários do bem, de forma definitiva, em condomínio.

Quando essa definição ocorre (seja por acordo entre os herdeiros, seja por decisão judicial), é expedido o chamado formal de partilha, que será o documento hábil (título) para registro no Cartório de Registro de Imóveis.

O processo de inventário, seja ele judicial ou extrajudicial, demanda, obrigatoriamente, a nomeação de um inventariante (normalmente um dos herdeiros, definindo a lei a ordem preferencial), que será o responsável pela condução do processo e administração de todo o patrimônio deixado, além de representar, em juízo ou fora dele, o chamado espólio do falecido, que nada mais é do que o conjunto de bens, direitos e obrigações deixados.

 

Contrato de compra e venda de imóvel em inventário judicial

 

Embora a legislação brasileira tenha avançado bastante nos últimos anos no sentido da desburocratização do inventário, há várias situações em que o processo precisa, necessariamente, ocorrer através da via judicial, como por exemplo, se um dos herdeiros for menor, relativamente incapaz ou se entre eles houver qualquer tipo de conflito sobre a partilha.

Além disso, nada impede que, na inexistência de qualquer hipótese de obrigatoriedade, o inventário aconteça na forma judicial por mera conveniência dos herdeiros.

Seja ela judicial ou extrajudicial, o inventário será, inevitavelmente, um procedimento caro, pois além dos custos diretos (emolumentos de cartórios, custas judiciais e honorários advocatícios), não há como fugir do famigerado Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), cuja alíquota varia de 2% a inacreditáveis 8% do valor do patrimônio.

Nesse cenário, em que ainda estão sendo levantados todos os bens, direitos e obrigações do falecido e discutida a proporção devida a cada herdeiro, é comum, portanto, que haja a necessidade iminente de vender algum bem, antes que seja encerrado o processo de inventário.

São inúmeras as hipóteses que levam a esse tipo de situação, como por exemplo, mas sem se limitar a:

 

  • Dívidas deixadas pelo próprio falecido, que, enquanto não se encerra o processo, continuam gerando juros e encargos para o espólio;
  • Custas processuais e tributos incidentes sobre os bens que os herdeiros não tenham capacidade econômica de arcar;
  • Depreciação do bem ao longo do tempo;
  • Boa oportunidade de venda, que, a depender da circunstância, não pode ser perdida etc.

 

É claro que a universalidade de hipóteses vai muito além das citadas acima, todavia, em uma análise rápida, são as que mais ocorrem na prática.

Em razão disso, focaremos nelas para explicar a compra e venda de imóvel em inventário judicial, até porque as estratégias e cuidados gerais que devem ser tomados nessas situações se aplicam perfeitamente a qualquer outra que possa vir a surgir.

O primeiro ponto de atenção, que sempre deverá ser observado, é que, tratando-se de inventário judicial, qualquer venda deve ser obrigatoriamente autorizada pelo Juiz responsável, através de um requerimento judicial formulado pelo inventariante.

Aliás, é de se mencionar que essa é a forma mais segura de realizar esse tipo de transação, justamente por garantir que todas as etapas da compra e venda sejam feitas no âmbito do processo, sob a tutela jurisdicional.

Certo é que, se todos os herdeiros estiverem de acordo com a venda, não há necessidade de muitos “rodeios” para que o pedido seja deferido e, por conseguinte, concretizada a venda ao interessado.

Todavia, caso um dos herdeiros discorde, o requerimento demandará um esforço maior para justificar, de forma fundamentada, a indispensabilidade da venda naquele momento, exatamente para formar o convencimento do juiz da causa.

Pressupõe-se, porém, que antes de que seja apresentado qualquer requerimento de autorização no processo, o inventariante já tenha um comprador para o imóvel, preferencialmente com uma ou mais avaliações de valor de mercado do bem em mãos, feitas por imobiliárias locais.

Isso porque, se a venda for autorizada, o alvará expedido pelo Juiz terá um prazo para ser cumprido, que, na grande maioria das vezes, será curto para buscar um comprador e realizar todos os procedimentos necessários.

Para que fique claro, alvará judicial é um documento expedido a mando do juiz que contém uma autorização ou uma ordem.

No caso específico do inventário, o alvará judicial conterá a descrição do imóvel e as condições em que a venda foi autorizada, sendo comum que o alvará indique, inclusive, o nome do comprador.

Esse alvará judicial, então, deve ser apresentado ao Tabelião de Notas como condição para que o inventariante possa assinar, em nome do espólio, a escritura pública de compra e venda daquele bem determinado.

Sem o alvará, é importante deixar claro desde já, a escritura pública não poderá ser validamente lavrada, ainda que todos os herdeiros se disponham a assiná-la.

Por isso, na posição de comprador, jamais acredite na promessa de que, com a concordância de todos os herdeiros, a operação pode ser feita sem ordem judicial. Lembre-se, sempre, que podem existir outros herdeiros ainda não reconhecidos no inventário, como filhos não registrados.

Uma vez liberado o alvará judicial para venda do imóvel em inventário e lavrada a escritura pública, o preço pago pelo comprador passa, em substituição ao bem imóvel vendido, a integrar os bens do espólio, cabendo ao inventariante prestar contas de eventual utilização do valor.

Não é anormal, aliás, que o juiz determine o depósito judicial do preço, de forma a preservar os direitos de todos os herdeiros, principalmente daqueles que, eventualmente, não tenham anuído expressamente com a operação ou sejam incapazes.

 

Outras formas de alienação de bem imóvel em inventário

 

Embora a forma de compra e venda de imóvel em inventário judicial mais segura seja aquela lastreada na autorização do magistrado do processo, mediante pedido de autorização do inventariante, há outros caminhos que, apesar de não serem tão seguros quanto o primeiro, podem ser seguidos pelo comprador ou vendedor (herdeiro) sem a prévia chancela judicial.

Abordamos a possibilidade de venda de bens do espólio pelo inventariante sem autorização judicial em outro artigo do nosso blog.

É óbvio que, nesse caso, os riscos deverão ser bem calculados por ambas as partes, especialmente pelo comprador que é quem, normalmente, desembolsará a quantia para concretização do negócio.

Imagine que, em determinado processo de inventário, um ou mais herdeiros estejam passando por dificuldades financeiras e não tenham tempo para esperar a conclusão dos trâmites judiciais, mas também não tenham chegado a um acordo com os demais herdeiros a respeito da venda de determinado bem.

Para a análise de risco de qualquer negócio envolvendo imóvel em inventário, deve-se entender uma regra bastante simples: nenhum herdeiro pode, antes da realização da partilha, vender qualquer bem determinado da herança sem autorização judicial, mas qualquer herdeiro pode, independentemente da concordância dos demais, vender a totalidade dos seus direitos hereditários.

Traduzindo: se sou herdeiro, ao lado de mais 3 irmãos, de um patrimônio constituído pelos imóveis A, B, C e D, ainda que exista “um imóvel para cada herdeiro”, não posso, antes de concluída a partilha, presumir que o imóvel “A” será, ao final, meu, e por isso não posso, sozinho e sem autorização judicial, prometer vender esse imóvel a terceiros.

Por outro lado, posso validamente vendar meus direitos hereditários sobre a totalidade da herança, abrangendo tais direitos não só os imóveis, mas também eventuais direitos e obrigações associadas à herança.

Se cedo meu direito hereditário, o terceiro que vier a comprá-lo passará a ter, no exemplo dado, 1/4 da totalidade da herança, o que não significa que ele ficará com a propriedade exclusiva do imóvel “A” ou de qualquer outro, já que pode acontecer, por exemplo, uma situação de condomínio.

Por isso, é essencial analisar com bastante profundidade o risco envolvido nesse tipo de operação, algo que é muitas vezes negligenciado pelo mercado.

Fora do cenário ideal (alvará judicial), existirão duas formas de se comprar ou vender um imóvel em inventário:

 

 

Essas formas poderão se aplicar em diversos casos, inclusive nos inventários extrajudiciais, mas envolvem riscos consideráveis, especialmente para o comprador, como veremos a seguir.

 

Contrato de cessão hereditária

 

No contrato de cessão hereditária, o herdeiro (ou herdeiros) venderá ao terceiro interessado a sua cota parte na herança, isto é, o seu direito sobre o conjunto de bens deixado pelo falecido e não o bem imóvel em si.

Esse tipo de instrumento caracterizará um contrato aleatório, justamente porque o comprador não sabe ao certo o que receberá em contrapartida ao pagamento acordado.

Isso acontece porque a herança deixada pelo falecido é una e indivisível, sendo certo que se a cessão hereditária não for realizada com a totalidade dos herdeiros, o comprador, quando realizada a partilha dos bens, poderá vir a exercer a propriedade em condomínio com os demais herdeiros.

Perceba que, nessas circunstâncias, nem se o comprador realizar o contrato de cessão hereditária com todos os herdeiros lhe será conferido o direito de adquirir apenas o imóvel desejado, até porque a cessão é da cota parte sobre todos os bens, direitos e obrigações.

Só fugiríamos da aleatoriedade do contrato se estivéssemos diante uma cessão hereditária com todos os herdeiros em que a herança fosse apenas um imóvel.

No entanto, ainda assim existiriam riscos sobre o recebimento pleno do bem, especialmente pela existência de eventuais dívidas deixadas pelo falecido.

Afinal, o comprador estaria adquirindo as cotas partes dos herdeiros sobre a herança, o que invariavelmente englobaria também as obrigações e deveres do espólio do falecido, isso sem mencionar as dívidas em nome dos próprios herdeiros que podem, a qualquer momento, recair sobre as suas respectivas cotas na herança, até que formalizada a transmissão dos direitos.   

Por isso, para tentar se resguardar ao máximo nesse tipo de situação, o terceiro interessado deve, além de realizar um contrato de cessão hereditária com todos os herdeiros, se certificar que não há dívidas que possam afetar direta ou indiretamente o patrimônio adquirido por meio de uma due diligence.

 

Contrato particular de promessa de compra e venda

 

O contrato de promessa de compra e venda, diferentemente da cessão hereditária, tratará da venda do bem imóvel de maneira determinada, específica e individualizada, como se fosse no contexto da venda sob autorização judicial, anteriormente comentada.

Geralmente, esse tipo de operação acontece quando já existe um acordo entre os próprios herdeiros sobre a destinação de quem ficará com o bem negociado.

Acontece muito quando um dos herdeiros já vive no imóvel e há um consenso entre eles de manter essa situação, ou quando o processo de inventário já está num estágio avançado e a partilha esteja pendente apenas de homologação e/ou pagamento de tributos.

Nesse contexto, é realizado entre o terceiro interessado na compra e o herdeiro vendedor um contrato de promessa de compra e venda daquele imóvel que, num futuro breve, será de propriedade do herdeiro vendedor.

O instrumento em si não exige nenhuma formalidade específica, podendo ser confeccionado nos mesmos moldes de um contrato de promessa de compra e venda padrão, claro, prevendo cláusulas para resguardar as partes contratantes.

Todavia, por questões de segurança, é imprescindível a assinatura de todos os herdeiros no instrumento, como anuentes da negociação que está sendo concretizada, bem como de seus eventuais cônjuges, desde que não sejam casados pelo regime de separação de bens.

Isso porque o consenso entre os herdeiros existe somente no plano fático da relação de compra venda do imóvel, sendo que no plano jurídico, até que seja formalizada a partilha no inventário, o imóvel continua sendo de todos eles, que exercem conjuntamente o direito sobre o bem.  

Além do mais, é preciso a assinatura de todos os herdeiros, justamente para se evitar a incidência da regra prevista no artigo 1.793, parágrafo 2º, do Código Civil:

 

Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

(…)

§ 2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.

 

que, por mais que haja um “acordo” entre os herdeiros que, de certa forma, autorize o herdeiro vendedor a formalizar essa negociação sobre o imóvel, ela é ineficaz em relação ao demais, ou seja, não gera nenhum efeito jurídico sobre eles.

Em outras palavras, a não ser que o acordo entre os herdeiros esteja escrito, a compra e venda poderá ser obstada por qualquer um deles antes de realizada a partilha da herança.

Além disso, adquirir um imóvel em inventário por simples contrato particular é uma operação de alto risco porque esbarrará na impossibilidade de transferência da propriedade até que o inventário seja finalizado e a partilha registrada na matrícula do imóvel.

Muita coisa pode, até o encerramento do inventário, acontecer ao imóvel e/ou aos herdeiros, afetando a pretendida operação de compra e venda do bem.

Por isso, só recomendamos a compra e venda de imóvel em inventário por simples contrato particular quando a situação for muito clara, o inventário já estiver em fase muito avançada e nenhum risco maior houver sido identificado em due diligence prévia.

 

Direito de preferência e a due diligence do imóvel

 

Outro ponto que, por vezes, é negligenciado pelas partes que negociam bens nessas condições é a necessidade de se respeitar o direito de preferência dos herdeiros sobre os bens e cotas partes da herança deixada pelo falecido.

Isso quer dizer que, antes de formalizada a cessão de direitos hereditários ou um contrato de promessa de compra e venda com o terceiro interessado, o herdeiro deve oferecer seu quinhão hereditário ou o imóvel aos demais co-herdeiros primeiro, nas mesmas condições que seriam oferecidas ao terceiro.

Caso isso não ocorra, o herdeiro prejudicado poderá anular a negociação, desde que reclame no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a transmissão e deposite em juízo a quantia paga pelo terceiro.

Por isso, é de suma importância que a concessão desse direito de preferência seja dada por escrito, através de uma notificação, com prazo para resposta e prevendo que o silêncio será traduzido como uma recusa.

Ademais, também não pode ser deixada de lado a realização de uma due diligence sobre o imóvel e os herdeiros, sobretudo para saber dos riscos envolvidos na negociação para além dos já mencionados, evitando surpresas indesejadas.

 

Conclusão

 

A compra e venda imóvel em inventário é uma prática bastante comum no mercado imobiliário brasileiro, mas envolve alguns riscos adicionais que precisam ser ponderados antes de se optar pela concretização da operação.

É possível, sim, comprar validamente um imóvel em inventário, mas para que essa compra seja válida, eficaz e segura, é indispensável a realização, por um profissional especializado em direito imobiliário, de uma due diligence abrangente.

Os instrumentos contratuais deverão, igualmente, tratar com detalhes de todos os possíveis desdobramentos da operação, antevendo saídas para eventuais obstáculos, como a oposição de um ou mais herdeiros, do Ministério Público (quando houver incapaz) ou do próprio juiz (a autorização não é obrigatória, sendo uma faculdade do juiz conceder, ou não, o alvará para venda de imóvel em inventário).

A estratégia a ser tomada dependerá de cada caso e será um “divisor de águas” entre os graus de segurança do comprador ou, até mesmo, do vendedor.

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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.

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