Todo mundo sabe que, após a morte de uma pessoa, é preciso tomar uma série de providências burocráticas, especialmente se o falecido tiver deixado uma herança.

Nesses casos, para que a herança seja regularmente transmitida aos herdeiros, deve-se iniciar o procedimento de inventário e partilha dos bens, que serão divididos de acordo com o disposto na lei ou em testamento, se houver.

Pode acontecer, porém, de um herdeiro desejar ou precisar “vender” seus direitos sobre a herança, seja por questões financeiras, seja em razão de conflito com os outros herdeiros, ou qualquer outro motivo.

Para viabilizar esse tipo de negócio, o instrumento previsto em lei é a cessão de direitos hereditários. Já abordamos, anteriormente, a possibilidade da venda de bens do espólio sem autorização judicial no Rio de Janeiro.

No artigo de hoje, abordaremos o conceito e as principais características desse instituto. Falaremos, também, sobre outras possibilidades de negócios com bens do espólio.

Se quiser entender mais sobre o tema, fique conosco até o final deste artigo!

 

O que são direitos hereditários?

 

O conjunto de bens e direitos deixados pela pessoa falecida é chamado de herança. Ela pode ser composta por bens móveis, imóveis, valores em dinheiro, participações em empresas, créditos e também dívidas.

Com o falecimento, momento chamado de “abertura da sucessão”, a herança é automaticamente transferida aos herdeiros, como se fosse um único bem, indivisível.

Em regra, cada herdeiro terá direito a uma quota desse bem, o que, na prática, significa que eles terão uma quota sobre cada um dos bens que compõem a herança.

É a esse direito que se dá o nome de direito hereditário.

Em regra, a quota a que cada herdeiro tem direito é definida por lei, e varia de acordo com o grau de parentesco entre o herdeiro e o falecido e a constituição da família naquele momento. Para entendermos melhor, vejamos alguns exemplos:

 

  • Se os herdeiros forem o cônjuge e os pais do falecido, cada um terá direito a 1/3 da herança;
  • Se o falecido tiver dois filhos, cada um terá direito a metade da herança, e os pais (avós dos filhos) não serão herdeiros;
  • Se o falecido tiver dois filhos, sendo um já falecido também, e três netos deixados pelo filho falecido, um filho vivo terá direito a metade da herança, e os netos terão direito a ¼ cada um.

 

Se o falecido tiver deixado testamento, as quotas poderão ser diferentes, ou alguns bens determinados poderão já estar atribuídos a cada herdeiro. O testamento é uma das formas de fazer um planejamento sucessório, visando simplificar a partilha.

 

Indivisibilidade e imobilidade da herança

 

Como falamos, o conjunto de bens e direitos que compõem a herança é tratado pela lei como um único bem indivisível.

Com a transferência da herança aos herdeiros, que acontece automaticamente, logo após o falecimento, eles se tornam coproprietários desse bem único e indivisível. Isso quer dizer que cada herdeiro passa a ser dono de uma parte da herança, ou de uma parte de cada bem que compõe a herança, mas essa parte ainda não é determinada.

A consequência prática dessa situação é que os herdeiros passam a ser condôminos, já que são coproprietários de um bem indivisível.

É o que diz o artigo 1.791 do Código Civil:

 

Art. 1.791. A herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros.

Parágrafo único. Até a partilha, o direito dos co-herdeiros, quanto à propriedade e posse da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.

 

Além disso, a lei trata o direito à herança como um bem imóvel (artigo 80, inciso II, do Código Civil), ainda que os bens que a integram sejam móveis, como valores em dinheiro ou automóveis.

 

O que é a cessão de direitos hereditários

 

A cessão de direitos hereditários é um negócio jurídico por meio do qual um herdeiro cede seus direitos hereditários a outra pessoa, que pode ou não ser outro herdeiro.

O instituto está previsto no artigo 1.793 do Código Civil: “O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.”

Imagine, por exemplo, a seguinte situação:

Você e seus três irmãos são os únicos herdeiros de seu pai, que faleceu e deixou uma casa, um carro, 50% das quotas de uma empresa e alguns valores em dinheiro.

Esses bens, em conjunto, foram avaliados em 1,5 milhões de reais, chamado de “monte-mor”. Sendo quatro herdeiros, cada um terá direito a 25% do monte-mor, que equivale a 375 mil reais.

Um dos herdeiros, contudo, está de mudança para outro país e não tem interesse em ficar com nenhum bem específico da herança. Por outro lado, o irmão mais velho já trabalha na empresa, mora na casa do pai, onde deseja continuar, e pretende assumir os negócios da família.

Numa situação como essa, a cessão de direitos hereditários resolve a questão: o herdeiro que está de mudança poderá ceder seus direitos ao irmão mais velho e receber o equivalente em dinheiro.

Mas o negócio precisará seguir algumas formalidades e observar certas restrições.

Agora que você entendeu o que é a cessão de direitos hereditários, vamos falar sobre suas características, requisitos, formato e limitações.

 

Como fazer uma cessão de direitos hereditários

 

O primeiro ponto a se observar para a cessão de direitos hereditários é o momento em que o negócio pode ser feito.

Como visto, a herança é transmitida aos herdeiros logo após o falecimento, como um bem único e indivisível, e assim permanece até o final do procedimento de inventário, quando ocorre a partilha dos bens.

Antes do falecimento, não é possível celebrar qualquer negócio referente aos bens que integrarão a herança: “Art. 426 do Código Civil. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.”

Se, ainda assim, o contrato for celebrado, ele será considerado nulo.

Por outro lado, concluída a partilha dos bens, a herança deixa de ser indivisível. Cada herdeiro passa a ser o dono de um ou mais bens determinados, e estará livre para fazer o que quiser com a sua parte da herança.

Portanto, a cessão de direitos hereditários é cabível durante o período entre o falecimento do autor da herança e a conclusão da partilha dos bens.

Quanto à forma, a cessão de direitos hereditários deve ser feita por escritura pública (artigo 1.793). E o motivo é muito simples: a herança, antes da partilha, é considerada bem imóvel, e o artigo 108 do Código Civil determina que negócios que tenham por objeto bens imóveis devem ser celebrados por escritura pública.

Além disso, se o cedente for pessoa casada, o cônjuge deverá concordar expressamente com a cessão (vênia conjugal), salvo se o regime do casamento for o da separação de bens.

Ainda em relação à forma, a cessão poderá ser onerosa ou gratuita, ou seja, com ou sem recebimento de um preço. A forma onerosa, contudo, é a escolhida na grande maioria das vezes.

A operação, naturalmente, será tributada. Se gratuita, incidirá o imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCD); se onerosa, incidirá o imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI).

 

Restrições à cessão de direitos hereditários

 

Além da forma específica (escritura pública), para que a cessão de direitos hereditários seja válida, é necessário observar mais alguns requisitos e restrições.

Antes da partilha, a herança é considerada um bem único, indivisível e imóvel, de propriedade de todos os herdeiros, que são tratados pela lei como coproprietários. Consequentemente, os direitos dos herdeiros sobre a herança são regidos pelas regras do condomínio geral.

Isso tem um efeito prático: em caso de cessão de direitos hereditários, os demais herdeiros terão direito de preferência de aquisição da quota cedida.

Em outras palavras, para que a cessão seja válida, o herdeiro deve oferecer sua quota, primeiro, aos outros herdeiros, pelo mesmo valor que ofereceria a um terceiro (artigo 1.794 do Código Civil). Se nenhum herdeiro se interessar, aí sim a cessão poderá ser oferecida a pessoa de fora.

Caso um dos herdeiros não tenha sido notificado sobre a cessão, ele poderá anular o negócio, depositando em juízo o preço e requerendo a quota para si no prazo de 180 dias (artigo 1.795 do Código Civil).

Se houver mais de um herdeiro interessado, a quota será dividida entre eles.

Além disso, também existem restrições ao objeto da cessão. O herdeiro não pode escolher um determinado bem da herança para ceder, mas somente uma quota, como explicaremos a seguir.

 

Cessão de direitos hereditários sobre um bem determinado

 

Dispõe o artigo 1.793, §2º do Código Civil: “É ineficaz a cessão, pelo coerdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.”

A lei é clara: o herdeiro que deseja ceder direitos hereditários não pode escolher um determinado bem da herança. Ele só pode ceder a integralidade da sua quota.

Com isso, ainda que, por exemplo, sejam quatro herdeiros e a herança seja composta por quatro imóveis de igual valor, não será possível ceder um imóvel individualizado. O objeto da cessão deverá ser, necessariamente, ¼ de toda a herança.

A alienação de um bem específico do espólio é possível, mas por outro meio. O negócio depende da anuência de todos os herdeiros e se dá por outros tipos de contrato, como compra e venda ou permuta, por exemplo.

 

Outras formas de alienar bens da herança

 

Já que a cessão de direitos hereditários não é o meio adequado para a alienação de um bem determinado antes da conclusão do inventário, quais são as possibilidades para esse tipo de negócio?

Em primeiro lugar, é preciso que todos os herdeiros estejam de acordo com a alienação, em todos os seus termos: preço, comprador, prazos etc.

Depois, é necessário requerer autorização judicial, requisito previsto no artigo 1.793, §3º do Código Civil: “Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.”

O ITCD, imposto devido pela transmissão de bens causa mortis, cujo pagamento é condição para o processamento do inventário, também deverá estar quitado ou, pelo menos, garantido pela existência de outros bens a partilhar.

O valor obtido com a venda deverá ser depositado judicialmente, nos autos do inventário, para que seja partilhado ao final, assim como o restante dos bens.

Atendidos todos os requisitos, o juiz da causa deverá autorizar o negócio e expedir um alvará, documento necessário para a transferência da propriedade do bem alienado.

Como um dos requisitos é a autorização judicial, conclui-se que, em regra, a compra e venda de bens do espólio dependerá da existência de procedimento de inventário judicial em curso e o respectivo alvará para venda de imóvel em inventário.

Recentemente, a Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro publicou um provimento inovador, que possibilita a alienação de bens do espólio sem autorização judicial. Com isso, o inventário pode ser realizado na modalidade extrajudicial, mais rápida e econômica.

A norma, contudo, é válida somente no estado do Rio de Janeiro.

 

Cessão ou renúncia à herança?

 

Como vimos até aqui, a cessão de direitos hereditários é o instrumento pelo qual um herdeiro cede seu direito à herança a outro herdeiro ou a um terceiro, geralmente de forma onerosa.

Trata-se de um negócio jurídico bilateral, que não se confunde com a renúncia à herança.

Na renúncia, o herdeiro “abre mão” de seus direitos hereditários, de forma gratuita e unilateral, e sua quota “volta” para o monte-mor. Assim, se havia quatro herdeiros, por exemplo, e um renunciou, a herança será partilhada entre os três restantes.

Portanto, em caso de renúncia, a partilha será apenas entre os demais herdeiros, como se o renunciante nunca tivesse existido.

 

Conclusão

 

A cessão de direitos hereditários é um negócio jurídico por meio do qual um herdeiro cede seus direitos hereditários a outra pessoa, que pode ou não ser outro herdeiro.

O negócio é relativamente simples, mas deve atender a alguns requisitos impostos pela lei.

É necessário observar uma forma específica (escritura pública) e o objeto da cessão não pode ser um bem determinado, mas apenas a integralidade da quota do herdeiro cedente.

Além disso, os demais herdeiros têm direito de preferência, o que significa que o cedente precisa, primeiro, oferecer a quota aos outros herdeiros. Se nenhum deles se interessar, a cessão poderá ser feita a um terceiro.

A alienação de um bem específico do espólio é possível por outros tipos de contrato, como a compra e venda de imóvel em inventário ou permuta, mas depende do consenso de todos os herdeiros e de autorização judicial.

A cessão de direitos hereditários é diferente da renúncia à herança, que é um ato unilateral e gratuito, por meio do qual a quota do renunciante volta para o monte-mor, que será partilhado entre os herdeiros restantes.

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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.

 

 

 

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