Uma porção bastante significativa do mercado empresarial brasileiro é constituída pelas chamadas “empresas familiares”, muitas das quais são estruturadas sob a forma de sociedades limitadas.

Nesse cenário, são frequentes as doações de quotas entre pais e filhos, até mesmo como antecipação da transmissão de patrimônio que ocorreria, naturalmente, com a sucessão (embora existam opções bem mais sofisticadas de planejamentos sucessórios, que não serão abordadas neste artigo).      

Na esteira desse tipo de doação, têm sido frequentes as discussões travadas entre contribuintes e o Fisco estadual mineiro relativamente ao ITCD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos.  

Os conflitos decorrem de divergências quanto à aplicação dos critérios legais de avaliação do patrimônio doado, sobretudo quando a empresa cujas quotas estão sendo doadas possui imóveis em seus ativos.

Quer entender como deve ser calculado o ITCD nesses casos? Participou de alguma operação de doação dessa natureza e não tem certeza se a cobrança do tributo foi correta ou não? Venha conosco neste artigo e entenda a polêmica que vem ocorrendo em processos administrativos e judiciais em Minas Gerais.

 

ITCD

 

O ITCD é o imposto estadual que incide na transmissão de patrimônio causa mortis (herança), nas doações, quando há excedente de meação entre ex-cônjuges ou ex-companheiros, na cessão de direitos hereditários e na instituição, extinção e renúncia de usufruto.

A hipótese de incidência desse tributo que aqui nos interessa é a doação, especificamente a doação de quotas de uma sociedade limitada.

 

Legislação

 

A Lei Estadual 14.941/2003, que dispõe sobre o ITCD em Minas Gerais, tem a seguinte redação:

 

Art. 1º  O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCD – incide:

(…)

III- na doação a qualquer título, ainda que em adiantamento da legítima;

(…)

§ 2º  O imposto incide sobre a transmissão de bens móveis, inclusive semoventes, direitos, títulos e créditos, e direitos a eles relativos, quando:

I – o doador tiver domicílio no Estado;

(…)

§ 3º  Para os efeitos deste artigo, considerar-se-á doação o ato ou fato em que o doador, por liberalidade, transmitir bem, vantagem ou direito de seu patrimônio ao donatário, que o aceitará expressa, tácita ou presumidamente, incluindo-se a doação efetuada com encargo ou ônus.

Art. 4º  A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito recebido em virtude da abertura da sucessão ou de doação, expresso em moeda corrente nacional e em seu equivalente em Ufemg.

§ 1º  Para os efeitos desta Lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da avaliação ou da realização do ato ou contrato de doação, na forma estabelecida em regulamento.

Art. 5º  Em se tratando de ações representativas do capital de sociedade, a base de cálculo é determinada por sua cotação média na Bolsa de Valores na data da transmissão, ou na imediatamente anterior quando não houver pregão ou quando essas não tiverem sido negociadas naquele dia, regredindo-se, se for o caso, até o máximo de cento e oitenta dias.

(…)

§ 1º  No caso em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital de sociedade não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos cento e oitenta dias, admitir-se-á seu valor patrimonial na data da transmissão, nos termos do regulamento.

Art. 8º  O valor da base de cálculo será considerado na data da abertura da sucessão, do contrato de doação ou da avaliação, devendo ser atualizado a partir do dia seguinte, segundo a variação da UFEMG, até a data prevista na legislação tributária para o recolhimento do imposto, na forma estabelecida em regulamento.

Art. 9º  O valor venal do bem ou direito transmitido será declarado pelo contribuinte, ficando sujeito a homologação pela Fazenda Estadual, mediante procedimento de avaliação.

 

A par do contrato de doação, a transferência de quotas entre sócios de uma sociedade limitada se efetiva com a alteração contratual que formaliza a operação e, naturalmente, o momento de ocorrência do fato gerador do tributo é a data da pertinente alteração.

Em consequência, a avaliação a ser feita pela fiscalização quanto ao valor dos bens doados para a determinação da base de cálculo do imposto (valor patrimonial das quotas na data da transmissão) deve levar em conta, evidentemente, qual era a situação desses bens em tal data.

Caso contrário, haveria uma distorção da finalidade que motivou a instituição do ITCD sobre doações, que é a de tributar a riqueza gerada no momento em que há transferência de patrimônio em alguma das hipóteses legais de incidência desse imposto.

No que toca ao momento de incidência do imposto, eis a lição de Regina Celi Pedrotti Vespero Fernandes[1]:

 

Na doação, a incidência se dá no momento da transmissão do bem ou direito ao donatário. (…) Tratando-se de bens móveis, a propriedade é transferida pela tradição, entendida esta como a entrega da coisa ao adquirente. (…) Desse modo, com relação aos bens móveis, somente a entrega do bem ao donatário – tradição – é que concretiza a transmissão. Portanto, ocorrendo doação de bem móvel, somente a partir desse momento é que se poderá exigir o imposto sobre a transmissão a título gratuito inter vivos.

 

Conforme o artigo 83, III, do Código Civil, as quotas sociais são consideradas bens móveis para os efeitos legais:

 

Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais:

(…)

III – os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.

 

Assim, não há dúvidas de que a avaliação do valor patrimonial das quotas doadas deve respeitar as circunstâncias fáticas existentes quando se formalizou a doação.

Muitas vezes, porém, as autoridades fiscais de Minas Gerais invocam as normas do Decreto Estadual 43.981/2005, especificamente o § 2° do artigo 11, como suposto contraponto ao direito dos contribuintes de verem atendida a exigência legal de avaliação do patrimônio doado considerando-se as características dos bens no momento da formalização da doação:

 

Art. 11.  A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito recebido em virtude da abertura da sucessão ou de doação, expresso em moeda corrente nacional e em seu equivalente em UFEMG.

(…)

§ 1º  Considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação.

§ 2º  Na impossibilidade de se apurar o valor de mercado do bem ou direito na data a que se refere o § 1º deste artigo, será considerado o valor de mercado apurado na data da avaliação e o seu correspondente em UFEMG vigente na mesma data.

 

Todavia, especialmente quando a sociedade limitada que tem suas quotas doadas possui bens imóveis em seus ativos, o que parece haver é uma certa confusão feita pela administração fazendária mineira em relação àquilo que deve ser objeto de avaliação para compor a base de cálculo do ITCD.

Em tais casos, o que há de ser avaliado é o valor das quotas, e não simplesmente o valor dos imóveis que integram o patrimônio da sociedade.

Ressalte-se que, nos termos do § 1º do artigo 5º da mencionada Lei Estadual 14.941/2003, “no caso em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital de sociedade não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos cento e oitenta dias, admitir-se-á seu valor patrimonial na data da transmissão“.

Ora, o que vem a ser o valor patrimonial da quota de uma sociedade limitada? Explicamos a seguir.

 

Valor patrimonial das quotas

 

Segundo as normas contábeis, o valor patrimonial de uma quota é apurado mediante a divisão do valor do patrimônio líquido pela quantidade de quotas representativas do capital social integralizado da sociedade.

Em outras palavras, os dados necessários à apuração do valor patrimonial das quotas de uma sociedade limitada só podem ser fornecidos por dois elementos: (i) o contrato social, que indicará o número de quotas; e(ii) o balanço, que indicará o valor do patrimônio líquido da pessoa jurídica. 

Muitas vezes, em processos administrativos, o balanço patrimonial apresentado pelos contribuintes ao Fisco estadual mineiro não chega a ser, em nenhum momento, contestado, desacreditado ou desqualificado pela fiscalização, que, ainda assim, resolve proceder a uma reavaliação do ativo da sociedade cujas quotas foram doadas.

Ocorre que a legislação empresarial em vigor não mais admite reavaliação dos ativos imobilizados, em razão da convergência aos padrões contábeis internacionais promovida pela Lei Federal 11.638/2007.

A propósito, a Resolução do Conselho Federal de Contabilidade 1.157/2009 esclareceu:

 

A Lei nº 11.638 de 2007 eliminou todas as menções à figura da reavaliação espontânea de ativos. Assim, prevalecem apenas as menções de que os ativos imobilizados, por exemplo, só podem ser registrados com base no seu efetivo custo de aquisição ou produção. Algumas dúvidas têm sido suscitadas quanto à interpretação de que a não menção à reavaliação não impede que ela seja feita espontaneamente. O CFC alerta para o fato de que a reavaliação está sim, impedida, desde o início do exercício social iniciado a partir de 1º de janeiro de 2008, em função da existência dos critérios permitidos de avaliação para os ativos não monetários.

 

Ainda que a fiscalização invoque a legislação estadual para exercer o direito de reavaliar os ativos da sociedade que teve as quotas doadas (não sendo tecnicamente adequado falar-se em reavaliação espontânea), há leis federais que impõem limites ao exercício de tal direito e que não podem ser ignoradas.

Eis o que dispõe o artigo 183 da Lei 6.404/1974 – Lei das Sociedades Anônimas:

 

Art. 183. No balanço, os elementos do ativo serão avaliados segundo os seguintes critérios:

I – as aplicações em instrumentos financeiros, inclusive derivativos, e em direitos e títulos de créditos, classificados no ativo circulante ou no realizável a longo prazo:

a) pelo seu valor justo, quando se tratar de aplicações destinadas à negociação ou disponíveis para venda; e

b) pelo valor de custo de aquisição ou valor de emissão, atualizado conforme disposições legais ou contratuais, ajustado ao valor provável de realização, quando este for inferior, no caso das demais aplicações e os direitos e títulos de crédito;

II – os direitos que tiverem por objeto mercadorias e produtos do comércio da companhia, assim como matérias-primas, produtos em fabricação e bens em almoxarifado, pelo custo de aquisição ou produção, deduzido de provisão para ajustá-lo ao valor de mercado, quando este for inferior;

III – os investimentos em participação no capital social de outras sociedades, ressalvado o disposto nos artigos 248 a 250, pelo custo de aquisição, deduzido de provisão para perdas prováveis na realização do seu valor, quando essa perda estiver comprovada como permanente, e que não será modificado em razão do recebimento, sem custo para a companhia, de ações ou quotas bonificadas;

IV – os demais investimentos, pelo custo de aquisição, deduzido de provisão para atender às perdas prováveis na realização do seu valor, ou para redução do custo de aquisição ao valor de mercado, quando este for inferior;

V – os direitos classificados no imobilizado, pelo custo de aquisição, deduzido do saldo da respectiva conta de depreciação, amortização ou exaustão;

VII – os direitos classificados no intangível, pelo custo incorrido na aquisição deduzido do saldo da respectiva conta de amortização;

VIII – os elementos do ativo decorrentes de operações de longo prazo serão ajustados a valor presente, sendo os demais ajustados quando houver efeito relevante.

 

Ainda que as normas contábeis em questão estejam inseridas na legislação das sociedades anônimas, a sua aplicação transcende o tipo societário. Ou seja, elas são perfeitamente aplicáveis às sociedades limitadas – tipo societário analisado neste estudo.

A propósito, vale lembrar o que o Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) estabelece quanto à força probante dos documentos:

 

Art. 417. Os livros empresariais provam contra seu autor, sendo lícito ao empresário, todavia, demonstrar, por todos os meios permitidos em direito, que os lançamentos não correspondem à verdade dos fatos.

 Art. 418. Os livros empresariais que preencham os requisitos exigidos por lei provam a favor de seu autor no litígio entre empresários.

Art. 419. A escrituração contábil é indivisível, e, se dos fatos que resultam dos lançamentos, uns são favoráveis ao interesse de seu autor e outros lhe são contrários, ambos serão considerados em conjunto, como unidade.

 

Portanto, até mesmo pelo fato de poder fazer prova contra o próprio contribuinte, no sentido de revelar que ele deveria pagar um montante mais elevado a título de ITCD, tal escrituração não deveria jamais ser desprezada.

Assim, a fiscalização não pode atribuir aos imóveis que compõem o ativo imobilizado de uma sociedade um valor maior do que aquele lançado no balanço apresentado por tal sociedade, a não ser que tal balanço venha a ser contestado desacreditado ou desqualificado.

Em verdade, o Decreto Estadual 43.981/2005 não dá ao Fisco mineiro uma “liberdade” ou discricionariedade absolutas para reavaliar o patrimônio doado. Confira-se:

 

Art. 13.  Em se tratando de ações representativas do capital de sociedade, a base de cálculo é determinada por sua cotação média na Bolsa de Valores na data da transmissão, ou na imediatamente anterior quando não houver pregão ou quando essas não tiverem sido negociadas naquele dia, regredindo-se, se for o caso, até o máximo de 180 (cento e oitenta) dias.

§ 1º  No caso em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital de sociedade não seja objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, a base de cálculo será o seu valor patrimonial na data da transmissão, observado o disposto nos §§ 2º a 4º deste artigo.

§ 2º  O valor patrimonial da ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital de sociedade será obtido do balanço patrimonial e da respectiva declaração do imposto de renda da pessoa jurídica entregue à Secretaria da Receita Federal, relativos ao período de apuração mais próximo da data de transmissão, observado o disposto no § 4º deste artigo, facultado ao Fisco efetuar o levantamento de bens, direitos e obrigações.

§ 3º  O valor patrimonial apurado na forma do § 2º deste artigo será atualizado segundo a variação da UFEMG, da data do balanço patrimonial até a data prevista na legislação tributária para o recolhimento do imposto.

§ 4º  Na hipótese em que o capital da sociedade tiver sido integralizado em prazo inferior a cinco anos, mediante incorporação de bens móveis e imóveis ou de direitos a eles relativos, a base de cálculo do imposto não será inferior ao valor venal atualizado dos referidos bens ou direitos.

Art. 15.  O valor venal do bem ou direito transmitido será declarado pelo contribuinte, nos termos do art. 31, sujeito à concordância da Fazenda Estadual.

Art. 16.  Recebida a Declaração de Bens e Direitos, a Administração Fazendária:

I – na hipótese do § 2º do art. 13, realizará a avaliação dos demais bens ou direitos e encaminhará a declaração para a Delegacia Fiscal para análise relativamente às ações, quotas, participação ou qualquer título representativo do capital de sociedade que não foram objeto de negociação nos últimos cento e oitenta dias em Bolsa de Valores;

II – não configurada a hipótese prevista no inciso anterior, promoverá a avaliação dos bens e direitos e realizará os procedimentos necessários à emissão da Certidão de Pagamento ou Desoneração do ITCD.

Parágrafo único.  O Superintendente Regional da Fazenda poderá determinar que a avaliação, em qualquer processo relativo ao imposto, seja realizada pela autoridade fiscal, inclusive para atender a solicitação do chefe da Administração Fazendária.

 

Logo, nos termos da própria legislação estadual, o Fisco tem de respeitar o valor patrimonial da quota obtido a partir do balanço e pode apenas efetuar o levantamento de bens, direitos e obrigações para verificar se todos constam adequadamente da escrituração contábil, mas jamais reavaliar os ativos, como a fiscalização invariavelmente tem feito em Minas Gerais.      

Ademais, é o Código Tributário Nacional – CTN (Lei 5.172/1966) que impõe:

 

Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.

Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

 

Com efeito, o legislador estadual respeitou as diretrizes dos artigos 109 e 110 do Código Tribunal Nacional, ao definir, de modo objetivo, os procedimentos para aferição do valor patrimonial de uma quota social.

Cabe ao Fisco fazê-lo também.

 

A importância do critério objetivo de avaliação

 

E não poderia ser diferente, pois mensurar quanto vale uma sociedade empresária, com todos os seus tangíveis e intangíveis (goodwill, fundo de comércio, clientela, expectativas de negócios, segredos industriais etc), envolve avaliações muito subjetivas. 

Sem um critério firme, os contribuintes e o Fisco jamais chegariam a um equilíbrio na definição da base tributável do ITCD, o que certamente frustraria o alcance dos desejados e necessários valores da justiça fiscal e do respeito à capacidade contributiva, previstos no artigo 145 da Constituição Federal de 1988:

 

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

(…)

§ 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

 

Os contribuintes têm o direito líquido e certo de pagarem o ITCD conforme a estrita observância das normas legais e não podem aceitar uma atuação fiscal que:

 

  • não observe corretamente o momento de ocorrência do fato gerador;
  • despreze o balanço patrimonial apresentado sem que este tenha sido contestado, desacreditado ou desqualificado tecnicamente;
  • realize reavaliação do ativo em descompasso com os padrões contábeis internacionais (Lei Federal 11.638/2007, que alterou a Lei Federal 6.404/1976);
  • desconsidere a força probante dos livros contábeis (artigos 417 a 419 do Código de Processo Civil); e
  • altere a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado (artigos 109 e 110 do CTN) ao negar às figuras do valor patrimonial e do balanço patrimonial os efeitos que a própria legislação estadual confere a elas (artigo 5º, § 1º, da Lei Estadual 14.941/2003 e artigo 13, §§ 1º e 2º, do Decreto Estadual 43.981/2005).

 

Na prática, quando atuam em desrespeito às citadas normas, as autoridades fiscais acabam sujeitando os contribuintes a verdadeiro arbitramento, o que não se pode admitir por ausência de previsão legal específica.

É o que prevê o CTN:

 

Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.

 

A legislação utiliza a expressão “valor de mercado” com um sentido próprio e em situações específicas, como, por exemplo, no artigo 11 do Decreto Estadual 43.981/2005.

No entanto, tal dispositivo legal não está sozinho no ordenamento jurídico, devendo ser interpretado sistematicamente e em consonância com as demais normas (princípios e regras) aplicáveis às situações ora examinadas.

Evidentemente, valor de mercado não é uma “fórmula mágica” a permitir que o Fisco atribua, ao seu bel-prazer, grandeza econômica a uma determinada operação.

Aliás, o artigo 13 do mesmo Decreto Estadual 43.981/2005, complementando a regra do mencionado artigo 11, determina que:

(a)no caso em que a (…) quota (…) não seja objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, a base de cálculo será o seu valor patrimonial na data da transmissão (…); e

(b)o valor patrimonial da (…) quota (…) será obtido do balanço patrimonial e da respectiva declaração do imposto de renda da pessoa jurídica entregue à Secretaria da Receita Federal, relativos ao período de apuração mais próximo da data de transmissão, (…) facultado ao Fisco efetuar o levantamento de bens, direitos e obrigações“.

Como já se viu, valor patrimonial e balanço patrimonial têm conceitos próprios no direito privado, sendo inadmissível qualquer tipo de interpretação extensiva que represente uma distorção desses conceitos.

Ao Fisco cabe apenas “efetuar o levantamento de bens, direitos e obrigações“, nos exatos termos da parte final do § 2º do artigo 13 do Decreto Estadual 43.981/2005, é dizer, para a finalidade de apuração da base de cálculo do ITCD, cabe à fiscalização apenas verificar se o balanço e/ou as declarações dos contribuintes contemplam todos os bens que serão transmitidos na operação tributável. 

 

Conclusão

 

Como se sabe, “a atividade administrativa de lançamento é vinculada” (parágrafo único do artigo 142 do CTN), sendo certo que “da própria definição legal de tributo (artigo 3º do CTN) tira-se que é prestação pecuniária cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (…) [o que] significa que o lançamento é obrigatório e (…) não dá margem a discricionariedade da autoridade, senão à aplicação irrestrita das normas legais e infralegais que disciplinam e orientam a fiscalização tributária[2]“.

Essas disposições do CTN estão em plena sintonia com o princípio constitucional da capacidade contributiva, o que se afirma com tranquilidade a partir do texto do § 1º do artigo 145 da Constituição Federal: “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte“.

Cabe àqueles que se sentirem prejudicados por uma atuação abusiva do Fisco estadual buscar a tutela jurisdicional para que a legislação tributária seja corretamente aplicada, com base em interpretação mais adequada ao Estado Democrático de Direito.

A situação abordada neste artigo vem ocorrendo também em outros Estados. Embora tenhamos tratado especificamente da situação em Minas Gerais, você que reside em outra jurisdição estadual pode estar passando por algo semelhante. Ficou em dúvida se a avaliação das quotas doadas de uma sociedade limitada respeita os parâmetros legais? Entre em contato conosco por aqui. Será um prazer ajudá-lo(a)!

Deixe um comentário dizendo o que achou no conteúdo e nos avalie no Google. O seu feedback é muito importante para nós!

*Foto de Getty Images, no Canva.


[1] FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – ITCMD. RT, 2002, pp. 103/014.

[2] PAULSEN, Leandro. Direito Tribuário – Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 15ª Ed. Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2013, p. 1046.

Posts relacionados
Share This