Existe um ditado popular nos Estados Unidos segundo o qual há apenas duas coisas certas na vida: a morte e os tributos. Já mencionamos isso, inclusive, em um artigo anterior publicado no blog, que você pode conferir aqui

Na verdade, essa frase foi extraída de uma carta escrita por Benjamin Franklin, conhecido como o “inventor” do para-raios e autor de outras importantes contribuições científicas, filosóficas e literárias, a Jean-Baptiste Le Roy, um físico francês. Em uma adaptação/tradução livre, a frase original era a seguinte: “a nossa nova Constituição está agora estabelecida e tudo indica que ela será duradoura; porém, neste mundo, nada pode ser tido como certo, exceto a morte e os tributos”.  

À primeira vista, a ordem lógica ao mencionarmos as duas certezas de Benjamin Franklin deveria ser outra, pois o pagamento de tributos precede a morte, certo? Bem, depende. Para aqueles que ficam, a transmissão do patrimônio da pessoa falecida atrai custos significativos, sendo que o mais relevante deles decorre, geralmente, da tributação.  

Advogados que trabalham com sucessões certamente já passaram pela difícil missão de listar, aos parentes enlutados de quem se foi, todas as despesas relacionadas a um inventário. 

Quem já arcou com os custos de um processo sucessório tradicional também conhece as agruras de, em um momento de dor, ter de fazer as contas necessárias para “fechar” o inventário. 

Se você empreende no mercado e construiu ou está construindo um patrimônio que pretende ver preservado e transmitido às próximas gerações da sua família, a preocupação com os procedimentos sucessórios deve estar no seu radar. 

Por fim, se não se enquadra em nenhum desses casos, é provável, no mínimo, que você já tenha ouvido falar de conflitos familiares intermináveis decorrentes de procedimentos sucessórios mal resolvidos. Sabe aquele imóvel pelo qual você passa todos os dias e que nunca é vendido ou alugado e que parece estar abandonado? Pois é. São grandes as chances de que ele seja um bem que esteja “enrolado” em algum inventário.  

Mas, afinal, se não é possível fugir nem da morte e nem dos tributos, há maneiras de economizar na transmissão de patrimônio na sucessão e de evitar ou minimizar conflitos entre os sucessores?  

A resposta é sim. É a isso que a expressão planejamento sucessório costuma se referir. 

Cursos e palestras sobre planejamento sucessório se tornaram absurdamente comuns nos últimos tempos. Há gente séria e qualificada ensinando e “vendendo” soluções possíveis à luz da legislação vigente, há os que tratam do tema com certa superficialidade e há, também, quem prometa “milagres” e caminhos mirabolantes que, na prática, não funcionarão e atrairão riscos desnecessários para os envolvidos.  

Tenha em mente que a expressão planejamento sucessório pode abarcar muitas propostas e institutos distintos, abrangendo desde operações mais simples, como doações diretas em vida, até sofisticados arranjos societários. 

O objetivo deste artigo é esclarecer o que tem levado muita gente a procurar no mercado serviços destinados a planejar a sucessão para além da forma clássica dela. Assim, conhecendo as principais ferramentas disponíveis, você saberá se alguma(s) dela(s) faz(em) sentido diante dos seus objetivos e dos objetivos dos seus familiares.  

Vamos lá! 

 

O que é planejamento sucessório? O conceito mais adequado e a equação da eficiência 

 

Em relação à nomenclatura, você já deve ter se deparado com textos e “ofertas” que se referem a planejamento patrimonial sucessório, planejamento familiar sucessório ou a planejamento tributário sucessório. Seja como for, para fins didáticos e em atenção aos objetivos deste artigo, preferimos simplificar e distinguir os planejamentos tributários puros daqueles que se amoldam à noção de planejamento sucessório. Portanto, esta é a expressão que utilizaremos daqui em diante. 

Como dito, cabem inúmeras ideias diferentes dentro da “caixinha” intitulada planejamento sucessório. E, sabendo da multiplicidade de fatores relacionados ao que vem a ser planejamento sucessório, é importante estabelecermos um conceito que contemple de maneira adequada todas as dimensões jurídicas pertinentes ao nosso objeto de estudo.  

Nessa linha, podemos definir como planejamento sucessório a junção de elementos do direito das sucessões, do direito de família, do direito societário e do direito tributário com o objetivo de reorganizar o patrimônio de uma ou mais pessoas físicas de maneira que, a partir da prática coordenada de uma série de atos jurídicos lícitos, a transmissão desse patrimônio aos sucessores, em vida ou mesmo após a morte do(s) proprietário(s) original(ais), possa ser feita do modo mais econômico e organizado possível

Reparou que utilizamos, em tal conceito, tanto a ideia de economia quanto a ideia de organização? Levando isso adiante, chegamos a uma equação pela qual economia + organização = eficiência

Queremos que você compreenda o que é um planejamento sucessório eficiente e como fazê-lo. Antes, todavia, vamos aos porquês.

 

Por que fazer um planejamento sucessório (eficiente)? 

 

Um planejamento sucessório eficiente extrapola a simples motivação de pagar menos tributos. Não se trata, tampouco, de um mero planejamento matrimonial. 

 Um planejamento sucessório eficiente permite:

 

  • reduzir o tempo necessário à completa transmissão de patrimônio aos sucessores, tornando os procedimentos sucessórios menos burocráticos; 
  • harmonizar questões entre os sucessores, de modo que estes conheçam, antecipadamente, qual é a parcela do patrimônio à qual terão direito, o que pode prevenir ou limitar conflitos; e 
  • organizar a sucessão em vida, para que o desejo do chamado “autor da herança” seja respeitado e, idealmente, para que tal desejo possa ser conciliado com os interesses dos sucessores. 

 

De qualquer forma, o foco inicial de um planejamento sucessório costuma ser, de fato, a busca por economia fiscal. E aí precisamos falar sobre o ITCD e sobre o inventário. 

 

O ITCD e o inventário 

 

Em oportunidade anterior, já tratamos, no blog, do ITCD, o imposto estadual que incide:

 

  • nas doações,
  • quando há excedente de meação entre ex-cônjuges ou ex-companheiros,
  • na cessão de direitos hereditários,
  • na instituição, extinção e renúncia de usufruto
  • e, no que aqui nos interessa, na transmissão de patrimônio causa mortis.

 

Produzimos também conteúdos sobre a possibilidade de venda de bens do espólio pelo inventariante sem autorização judicial e compra e venda de imóvel em inventário. O inventário nada mais é do que o procedimento obrigatório para a apuração de todos os bens, direitos e obrigações de uma pessoa falecida para que seja feita a posterior transmissão, aos sucessores, de tais bens, direitos e obrigações. 

Um disclaimer: estamos utilizando o termo sucessores neste texto de modo genérico, em referência tanto aos herdeiros testamentários (as pessoas beneficiadas em testamento por aquele que faleceu) quanto aos herdeiros legítimos, que podem ser necessários (caso dos ascendentes, descendentes e cônjuge/companheiro sobrevivente) ou facultativos (caso dos parentes colaterais até o 4º grau, que são os irmãos, sobrinhos, tios e primos). Sem entrar em detalhes técnicos que extrapolam a finalidade deste material, vale mencionar que o mercado costuma chamar de sucessores os herdeiros que ficam com a incumbência de dar continuidade aos negócios do falecido. 

Ocorre que, existindo ou não essa continuidade, a transmissão de patrimônio, via de regra, se dá por meio do procedimento de inventário, que pode ser feito judicialmente ou extrajudicialmente, com a nomeação de um inventariante que será o responsável pela administração do patrimônio.  

A conclusão do inventário, por sua vez, com a consequente partilha de bens, depende, necessariamente, da quitação do ITCD. Convidamos você a conferir, no nosso já citado artigo sobre compra e venda de imóvel em inventário, a referência a um interessante estudo sobre as regras de cada Estado em relação a esse imposto, cuja alíquota pode variar de 2% a 8% do valor de avaliação do acervo patrimonial transmitido. 

Além da incidência direta do tributo, um inventário necessariamente atrairá outros gastos, como as custas, no caso de inventário judicial, ou os emolumentos de cartório, no caso de inventário extrajudicial (possível quando há consenso entre os sucessores e quando não existem nem sucessores menores ou incapazes, nem testamento e nem bens situados no exterior).  

Um detalhe: por exigência legal, não há inventário, seja judicial ou extrajudicial, sem a presença de advogado, ou seja, os honorários advocatícios também devem ser incluídos nesse rol de despesas necessárias para a conclusão de um procedimento sucessório pelas vias tradicionais. A fixação dos honorários é recomendada pela OAB em percentual sobre o chamado monte-mor (que é todo o patrimônio existente a ser partilhado), sobre os quinhões hereditários ou sobre a meação do cônjuge/companheiro sobrevivente (a depender do regime de casamento).   

Assim, a princípio, é do ITCD e de um inventário caro e complicado que quem busca fazer um planejamento sucessório tenta fugir. 

Diante disso, não é melhor contratar um advogado antes do inventário para, com um planejamento sucessório eficiente, reduzir os custos e obstáculos que a sucessão costuma apresentar? 

É isso que muita gente já tem feito. 

 

Como fazer um planejamento sucessório eficiente? 

 

Já dissemos que um planejamento sucessório pode envolver desde operações mais simples até complexas “engenharias” societárias. Existem diversas ferramentas que são utilizadas para que a forma de partilhar os bens não fique na mão de sucessores que muitas vezes sequer possuem equilíbrio emocional e preparo técnico para lidar com certas situações.  

A eficiência de um bom planejamento sucessório estará, justamente, na habilidade, criatividade e domínio dos institutos jurídicos que os profissionais contratados para o serviço terão ao utilizar tais ferramentas

Venha conosco conhecer quais são elas! 

 

As principais ferramentas utilizadas na elaboração de um planejamento sucessório 

 

As famosas holdings patrimoniais 

 

A expressão holding é utilizada para classificar as pessoas jurídicas constituídas para serem titulares de bens e direitos. Fala-se em holdings puras, aquelas destinadas somente a administrar um patrimônio, e em holdings mistas, aquelas que, além da administração patrimonial, também praticam operações no mercado diretamente. 

Grosso modo, quando se constitui uma holding patrimonial no contexto de um planejamento sucessório, o que se quer é transferir bens das pessoas físicas para a pessoa jurídica, a fim de que a transmissão de patrimônio aos sucessores se dê de maneira gradual, mediante transferências de quotas e arranjos no capital social, sem o pagamento do ITCD.  

Basicamente, as regras da sucessão estarão previstas no contrato/estatuto social e ela será processada “dentro” da pessoa jurídica, de maneira totalmente lícita desde que, naturalmente, os atos praticados não configurem simulação. 

Ainda que não seja possível transmitir integralmente o patrimônio no âmbito da sociedade constituída entre o(s) detentor(es) original(ais) dos bens e o(s) sucessor(es), algo que demanda tempo e recursos por parte dos sócios da holding patrimonial, a avaliação feita pelo Fisco estadual quando da abertura da sucessão para efeito de pagamento do ITCD também seguirá critérios diferentes daqueles que ela seguiria no caso da transmissão direta desses bens. Como? 

O melhor exemplo para visualizar o que descrevemos ocorre com os imóveis. Vamos desprezar, no caso, as hipóteses de isenção do imposto, ok? Suponha que o proprietário de um imóvel faleceu e que ele não tenha feito nenhum planejamento sucessório. Em circunstâncias normais, os sucessores terão de procurar a respectiva Secretaria Estadual de Fazenda e declarar o valor do imóvel para que seja feita a apuração da base de cálculo do ITCD, passo necessário para a realização do inventário.

Bom, se o valor do imóvel informado pelos sucessores não for aceito pelo Fisco, este irá reavaliar o imóvel segundo os seus próprios parâmetros (em geral, os Estados de melhor estrutura possuem um banco de dados que é alimentado pelas informações dos Municípios e por evidências colhidas no mercado imobiliário). E, acredite, essa reavaliação poderá ser significativamente gravosa e diretamente proporcional às necessidades de arrecadação do Estado naquele momento. 

Se esse mesmo proprietário fez um planejamento sucessório e constituiu uma holding em cujo capital o imóvel em questão tiver sido integralizado, a transmissão de tal bem, consubstanciado em quotas da pessoa jurídica, terá, a rigor, de levar em consideração o balanço da sociedade para que se chegue ao valor patrimonial das quotas, de modo que fatores como prejuízos acumulados poderão fazer com o que o valor final do imóvel, indiretamente, seja menor do que o valor que ele teria se fosse avaliado de maneira individualizada para a definição da base de cálculo do ITCD. 

Não se devem desprezar as eventuais distorções e abusos praticados pelo Fisco no que se refere a critérios de (re)avaliação e às peculiaridades das legislações estaduais, como você poderá ver em outro de nossos artigos, mas tampouco deve ser desprezada a economia que essa ferramenta de planejamento sucessório pode proporcionar. 

 

Sociedade limitada ou sociedade anônima? 

 

Uma holding patrimonial utilizada para viabilizar planejamentos sucessórios pode ser uma sociedade limitada ou uma sociedade anônima e a decisão de adotar um ou outro tipo societário deverá ser tomada em atenção ao perfil das pessoas envolvidas.  

Como curiosidade, vale mencionar que, embora também possa ser utilizado para caracterizar pessoas jurídicas que adotam a forma de sociedades limitadas, o conceito de holding deriva da Lei 6.404/1976, a nossa Lei das Sociedades Anônimas. 

Na sociedade limitada, cuja estrutura societária é mais simples, a responsabilidade de cada sócio pelas obrigações da pessoa jurídica restringe-se ao valor das quotas que aquele sócio possui, embora todos os sócios sejam solidariamente responsáveis pela integralização do capital social, conforme determina o artigo 1.052 do Código Civil

A administração da sociedade limitada pode ser exercida por uma ou mais pessoas físicas, sócias ou não sócias, designadas em contrato social ou em ato à parte. As deliberações, salvo se específicas das funções de administrador, são tomadas pelos sócios em reunião ou assembleia, de acordo com as regras do contrato social.  

Já na sociedade anônima, cada sócio se obriga somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir. Logo, uma vez integralizado o valor de suas ações, o sócio não possuirá nenhuma responsabilidade pelas obrigações assumidas pela sociedade anônima, nem mesmo subsidiariamente. 

Tomada a decisão sobre qual tipo societário adotar, o profissional contratado para elaborar um planejamento sucessório deverá instruir os clientes sobre as regras que irão reger a pessoa jurídica constituída e sobre os cuidados a serem observados para a consecução dos objetivos finais na utilização de tal ferramenta.  

Nesse cenário, instrumentos como acordos de sócios – acordos de quotistas (na sociedade limitada) ou acordos de acionistas (na sociedade anônima) – são muito válidos para refinar a estratégia e promover o ajuste fino que a tornará as estratégias escolhidas verdadeiramente eficientes.  

 

Conhecimento técnico multidisciplinar e sensibilidade 

 

A utilização de uma holding patrimonial como ferramenta para o planejamento sucessório, por possuir um grau de complexidade mais elevado, demanda um sólido conhecimento técnico multidisciplinar de advogados e contadores, além de sensibilidade na escolha do melhor modelo e de regras contratuais/estatutárias assertivas e aderentes à realidade de sucessores e sucedido(s).  

Com efeito, de nada adianta construir uma estrutura jurídica muito sofisticada para uma família que não esteja habituada a determinados procedimentos formais e à linguagem rebuscada da legislação societária, por exemplo. Esse é um erro que se percebe em diversas das soluções padronizadas, genéricas e impessoais de planejamento sucessório que têm sido comercializadas Brasil afora. 

Além disso, esta é também uma queixa comum de pessoas “traumatizadas” por tentativas de imposição de uma cultura excessivamente corporativa em ambientes de empresas familiares (figuras tão frequentes em nossa economia).

 

A jurisprudência do STF sobre a imunidade do ITBI na integralização de capital com bens imóveis 

 

Como mencionado, constitui-se uma holding patrimonial no bojo de um planejamento sucessório para permitir a transferência de bens das pessoas físicas para uma pessoa jurídica. Quando esses bens são imóveis, entra em cena o ITBI. 

Para conhecer mais sobre o ITBI, leia nosso artigo a respeito, no qual falamos brevemente sobre uma discussão bem atual no direito tributário brasileiro, atinente à imunidade desse imposto municipal na transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em integralização de capital e na transmissão ocorrida em virtude de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica (artigo 156, II, §2º, da Constituição Federal). 

Simplificadamente, pode-se definir a imunidade tributária como sendo a proibição imposta pela Constituição Federal à cobrança de um determinado tributo em certas situações, previsão que, no caso do ITBI, destina-se a incentivar a livre iniciativa e a estimular o empreendedorismo.  

O que nos interessa, aqui, é o alcance da imunidade do ITBI na integralização de capital com bem imóvel em uma holding patrimonial, hipótese excepcionada quando a atividade preponderante da pessoa jurídica é a compra e venda, locação ou arrendamento mercantil de imóveis (o Código Tributário Nacional e a respectiva legislação municipal é quem definirão o que se entende por atividade preponderante). 

E por qual razão esse tema passou a ser tão relevante quando se fala em planejamento sucessório?  

A primeira razão é que integralizar capital com bens imóveis é algo muito comum quando se trata da constituição de uma holding patrimonial com a finalidade de implementação de um planejamento sucessório

A segunda razão é que, em agosto de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou, em decisão não unânime (o placar da votação foi 7 x 4), o Recurso Extraordinário 796.376/SC, no bojo do Tema 796 do regime da repercussão geral (sistema a partir do qual uma decisão passa a ter eficácia geral e efeito vinculante em relação às decisões proferidas pelos demais órgãos do Poder Judiciário sobre aquele mesmo assunto). 

O processo envolvia a integralização de bens imóveis no capital social de pessoa jurídica, havendo uma significativa diferença entre o capital social e o valor dos imóveis integralizados, que era bem superior. 

Na oportunidade, foi fixada a tese de que “a imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”. 

Em termos práticos, a decisão do STF implica que “sobre a diferença do valor dos bens imóveis que superar o valor do capital subscrito a ser integralizado, incidirá a tributação pelo ITBI, conforme trecho do voto do Ministro Alexandre de Morais. 

Até então, independentemente do valor do capital social, não ocorria a cobrança do ITBI nos casos em que o sócio detentor de um imóvel integralizava capital em uma pessoa jurídica por meio da transferência de tal bem, exceto se essa pessoa jurídica tivesse como atividade preponderante a compra e venda, a locação ou o arrendamento mercantil de imóveis, como já referimos. 

O assunto rende algumas polêmicas. Para alguns, a decisão foi além da simples definição quanto ao alcance da imunidade do ITBI relativamente ao valor dos bens transferidos em comparação com o valor do capital social a ser integralizado.  

Eis o trecho do aludido voto do Ministro Alexandre de Moraes que gerou a discussão: 

 

(…) as ressalvas previstas na segunda parte do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 aplicam-se unicamente à hipótese de incorporação de bens decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. 

É dizer, a incorporação de bens ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, que está na primeira parte do inciso I do § 2º, do art. 156 da CF/88, não se confunde com as figuras jurídicas societárias da incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas referidas na segunda parte do referido inciso I. 

(…) 

Em outras palavras, a segunda oração contida no inciso I – ‘nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil’ – revela uma imunidade condicionada à não exploração, pela adquirente, de forma preponderante, da atividade de compra e venda de imóveis, de locação de imóveis ou de arrendamento mercantil. Isso fica muito claro quando se observa que a expressão ‘nesses casos’ não alcança o ‘outro caso’ referido na primeira oração do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF. 

(…) 

Ou seja, a exceção prevista na parte final do inciso I, do § 2º, do art. 156 da CF/88 nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso. 

 

A partir desse voto, diversos contribuintes passaram a considerar que a imunidade do ITBI na integralização de capital com bens imóveis valeria também no caso de pessoas jurídicas que se dedicam a atividades imobiliárias, e muitas holdings constituídas para planejamento sucessório acabam exercendo tal papel em razão da tributação mais favorecida comparativamente àquela que ocorre no caso de exploração de atividades imobiliárias por pessoas físicas. 

Se esse assunto é do seu interesse, saiba que há um caminho a ser percorrido para a obtenção do resultado pretendido (imunidade do ITBI na integralização de imóvel no capital social de holding), mas o fato é que já existe um volume considerável de ações tramitando em nosso Poder Judiciário em função dessa discussão.

 

A jurisprudência do STJ sobre base de cálculo do ITBI x base de cálculo do IPTU 

 

Outra discussão judicial pertinente ao universo do planejamento sucessório diz respeito às teses relativas ao cálculo do ITBI fixadas pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em março de 2022, no julgamento, sob o rito dos recursos especiais repetitivos, do Tema 1.113, quais sejam: 

 

  • a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; 
  • o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo Fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio; e 
  • o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido de forma unilateral. 

 

Gestadas na análise de operações de compra e venda, que também podem ser utilizadas como ferramenta em planejamentos sucessórios mais arrojados, essas teses fatalmente repercutirão, daqui em diante, nas análises econômicas, avaliação de riscos e validação de estratégias feitas por quem se dedica ao assunto.

 

 O julgamento da ADIn 2446 e a norma geral antielisiva no direito tributário brasileiro  

 

Como os planejamentos tributários fazem parte do escopo de atividades desenvolvidas para a concretização de planejamentos sucessórios eficientes, outro julgamento que precisa ser mencionado neste texto é aquele que vem sendo conduzido pelo STF nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2446, ajuizada pela Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), na qual questiona-se a (in)constitucionalidade da Lei Complementar 104/2001 na parte em que ela acrescentou o parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN), com a seguinte redação: 

Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. 

No julgamento virtual, suspenso em outubro de 2021 e concluído em 08 de abril de 2022, os Ministros do STF declararam, por maioria, a constitucionalidade da chamada norma geral antielisiva, voltada para que o Fisco possa se opor a planejamentos tributários tidos como abusivos

Pode-se afirmar, portanto, que, daqui em diante, o capricho e a precisão técnica na elaboração de planejamentos sucessórios fazem-se ainda mais necessários para garantir segurança jurídica aos interessados.  

 

Testamento 

 

Saindo da esfera dos planejamentos sucessórios mais complexos, tem-se a figura do testamento, regulada pelo artigo 1.857 e seguintes do Código Civil e definida pela Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais como o “ato jurídico revogável e solene mediante o qual uma pessoa, em plena capacidade e na livre administração e disposição de seus bens, vem instituir herdeiros e legatários, determinando cláusulas e condições que dão destino à parte disponível de seu patrimônio após a sua morte”.  

Trata-se, pois, de um instrumento que permite a alguém decidir, em vida, qual destino os seus bens terão após a sua morte, sem a inclusão, obviamente, do patrimônio que constitui a chamada “legítima dos herdeiros necessários”.  

Ainda que o testamento permita organizar e harmonizar questões para os sucessores, ele é uma ferramenta de planejamento patrimonial que não gera economia em relação ao ITCD.

 

Doação (com ou sem reserva de usufruto) 

 

Outra ferramenta de planejamento sucessório que permite resolver situações em vida é a doação, com ou sem reserva de usufruto (que é o direito, temporário ou vitalício, assegurado a alguém para que possa gozar ou fruir de um bem cuja propriedade passou a pertencer a outra pessoa, o nu-proprietário). 

Entretanto, as doações, igualmente, não possuem nenhuma vantagem no que se refere ao ITCD, o que esvazia um pouco a sua atratividade para quem busca se planejar em termos sucessórios. 

 

Regime de bens do casamento e pacto antenupcial 

 

Já mencionamos, no início deste trabalho, que encarar planejamentos matrimoniais relativamente ao regime de bens entre os cônjuges (artigo 1.639 e seguintes do Código Civil) como soluções suficientes e completas em termos de planejamento sucessório pode ser uma visão muito limitada. Dizemos o mesmo, ademais, do instituto do pacto antenupcial, pelo qual, em momento anterior ao casamento, o casal regulamenta as questões patrimoniais deste.  

De toda forma, a definição do regime de bens e a celebração de pacto antenupcial não deixam de ser ferramentas úteis para estabelecer algumas balizas que resultarão em efeitos sucessórios previamente definidos.

 

Seguros de vida e os chamados “planos por sobrevivência” (VGBL e PGBL) 

 

Aqui, a essência é a mesma: ferramentas de planejamento sucessório que, após um período de acumulação de recursos, garantem aos sucessores uma renda mensal (vitalícia ou temporária) ou um pagamento único. 

Contratar um seguro de vida (com valores liberados aos sucessores sem tributação e de imediato) ou destinar parte do patrimônio a um VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) ou a um PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) podem ser alternativas interessantes sobretudo por oferecem liquidez. 

Sem entrarmos em minúcias do ponto de vista técnico, o VGBL, apesar de ser popularmente visto como produto de previdência privada, é classificado como seguro de pessoa (mais próximo do seguro de vida), enquanto o PGBL é enquadrado como um plano previdenciário típico. 

Em caso de falecimento, os recursos financeiros depositados em VGBL ou PGBL são diretamente liberados aos sucessores no curto prazo (em até 30 dias), mas os demais bens do patrimônio do falecido precisam ser inventariados. Ressalte-se que o mercado tem oferecido algumas soluções de natureza híbrida, um misto de seguros e investimentos, com alocação de recursos em fundos de renda variável e aplicações em ativos no exterior, algo que tem fomentado questionamentos fiscais e gerado, em consequência, disputas judiciais. 

Quanto à tributação ou não pelo ITCD, há uma tendência jurisprudencial, e não uma jurisprudência já pacificada, no sentido de considerar-se o PGBL como tributável e o VGBL como não tributável pelo imposto estadual, mas há oscilação nas decisões dos Tribunais de Justiça dos Estados.  

A par do ITCD e das controvérsias que acompanham a sua (não) incidência, há tributação pelo Imposto de Renda, com alíquotas e a forma de cobrança definidas de acordo com a modalidade (sobre a totalidade do valor no caso do PGBL e sobre os rendimentos no caso do VGBL) e possibilidade de opção por regime de tributação progressivo ou regressivo, o que exige estudo caso a caso também em função da possibilidade de abatimentos e em virtude das diferenças práticas que se verificam conforme o prazo da contratação.  

Trocando em miúdos, pelos aspectos tributários, não há ciência exata e respostas prontas no que se refere à utilização de VGBL e PGBL como ferramentas de planejamento sucessório

 

Justiça fiscal e capacidade contributiva 

 

Em nosso artigo sobre gentrificação e tributação, propusemos algumas reflexões sobre justiça fiscal e capacidade contributiva.  

Antes de nos dirigirmos à parte final deste texto, sugerimos, novamente, uma ponderação: como manter o respeito à justiça fiscal e à capacidade contributiva quando, por força de sucessão, um cidadão desprovido de liquidez financeira é alçado, de uma hora para a outra, à condição de proprietário de um patrimônio muito valioso?  

No atual panorama legislativo e jurisprudencial, essa situação leva, forçosamente, à necessidade de o sucessor se desfazer de parte do patrimônio herdado para custear a transmissão de bens operada em decorrência da sucessão, o que impõe embaraços que o sucessor, no mais das vezes, não está preparado para enfrentar.  

Destarte, na linha do que defendemos aqui, esse é mais um motivo que encoraja a busca por planejamentos sucessórios eficientes.  

 

Conclusão 

 

Dados do Sebrae e do IBGE divulgados no ano de 2018 dão conta de que 65% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional é gerado por empresas familiares, que empregavam, em tal recorte estatístico, 75% da força de trabalho e representavam 90% dos empreendimentos do país. Esses números possivelmente aumentaram desde então. 

Por outro lado, na realidade brasileira, por fatores econômicos, sociais e culturais, o conforto patrimonial que pode ser gerado por uma sucessão não é a regra. Somem-se a isso (i) as carências estruturais que levam à morosidade e pouca qualidade das decisões judiciais, (ii) as dificuldades que os cartórios ainda encontram para lidar com os inventários extrajudiciais e (iii) as turbulências frequentemente vivenciadas no curso dos procedimentos de apuração do ITCD junto os Fiscos estaduais.  

Se propusemos, anteriormente, uma equação cujo resultado são planejamentos sucessórios eficientes, podemos tranquilamente dizer que os pontos que listamos acima resultam na equação da burocracia, dos altos custos e da ineficiência geral dos inventários no país. 

Se pudermos condensar todas as ideias aqui desenvolvidas em uma só passagem, ela seria: um bom (eficiente) planejamento sucessório serve para otimizar, do ponto de vista do tempo, do dinheiro e do bem-estar de todos os envolvidos, a transmissão de patrimônio após a morte

Quer facilitar a vida de seus sucessores e garantir que a sua visão patrimonial seja perpetuada? Faça um planejamento sucessório!   

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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.

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