Na semana passada, publicamos um artigo aqui no blog sobre o conceito e as principais características, limitações e obrigações legais relativas ao imóvel rural.
Em razão das particularidades desse tipo de imóvel, as regras para o parcelamento do solo rural são bem diferentes das aplicáveis ao solo urbano, e esse tema tem sido cada vez mais discutido no ramo do Direito Imobiliário.
É que, nos últimos anos, percebemos um aumento do interesse da população – que se concentra majoritariamente nos centros urbanos – em ter, também, um “refúgio no campo”.
Esse interesse certamente foi intensificado após o início da pandemia de Covid-19, que trouxe a necessidade de isolamento social, com o consequente confinamento de famílias em seus apartamentos e casas na zona urbana.
Diante dessa nova demanda, empresários do ramo imobiliário têm buscado entender cada vez mais as possibilidades de empreendimentos na zona rural, destinados especialmente ao descanso e lazer.
Famílias e grupos de amigos também estão se interessando em adquirir, em conjunto, imóveis rurais com essa mesma finalidade, e dividi-los em pequenas glebas para cada integrante do núcleo ou usar, coletivamente, a área.
Já vimos no artigo sobre o conceito de imóvel rural que a legislação agrária brasileira é extensa, esparsa e complexa, o que tem gerado certa insegurança em torno do assunto.
Por isso, falaremos, hoje, sobre os aspectos legais do parcelamento do solo rural, as possibilidades existentes e os riscos envolvidos.
Índice
- 1 Parcelamento do solo rural
- 2 Como fazer o parcelamento de imóvel em zona rural
- 2.1 Transformação da área de interesse em zona urbana
- 2.2 Desmembramento rural com respeito à Fração Mínima de Parcelamento e criação de associação de proprietários
- 2.3 Implantação de condomínio rural de lotes, com aprovação pelo Município, sem respeitar a FMP
- 2.4 Condomínio voluntário sobre o imóvel
- 2.5 Uso e administração do imóvel por meio de associação, que será a titular da propriedade
- 3 Riscos envolvidos no parcelamento do solo rural
- 4 Conclusão
Parcelamento do solo rural
Diferentemente do parcelamento do solo urbano, que é objeto de uma lei dedicada e específica (Lei 6.766/79), o parcelamento rural não está regulado numa única norma.
Como já explicamos, a Lei 6.766/79 se aplica apenas a áreas urbanas porque a consequência da realização de loteamentos e desmembramentos, espécies de parcelamento urbano, é a criação de núcleos de pessoas, formando verdadeiros bairros.
Com isso, para atender ao fluxo de pessoas gerado, é necessário ter uma infraestrutura mínima (rede de água e esgoto, energia elétrica, segurança pública, transporte público escolas, hospitais etc.) que, em geral, é muito diferente nas zonas rurais e nas zonas urbanas.
Normas sobre parcelamento rural
O Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), que é a norma mais importante para o Direito Agrário, foi a primeira lei a limitar o parcelamento do solo rural, ao prever, no art. 65, que “o imóvel rural não é divisível em áreas de dimensão inferior à constitutiva do módulo de propriedade rural”.
Alguns anos depois, a Lei 5.868/72, que criou o Sistema Nacional de Cadastro Rural, regulamentou a chamada Fração Mínima de Parcelamento, reforçando, no art. 8º, que “nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento”.
Além disso, o §3º do mesmo artigo 8º prevê a nulidade dos atos praticados em desconformidade com a regra, vedando o registro de tais atos sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal de seus titulares ou prepostos.
Vale destacar que, embora o artigo 13 do Decreto nº 59.428/66 ainda faça menção à expressão “loteamento rural”, é tecnicamente incorreto, na atualidade, se referir a qualquer desmembramento rural como um loteamento.
Afinal, a figura do lote remete a um terreno apto à edificação, com toda a infraestrutura urbana à sua disposição, o que, como já mencionamos, não se vê nas zonas rurais.
Além da legislação federal, cada Município também deve regular o parcelamento do solo em suas zonas urbanas e rurais, seja no Plano Diretor, seja em lei municipal específica.
Em âmbito estadual, o Código de Normas da Corregedoria de cada tribunal estadual, aplicável aos serviços extrajudiciais (incluindo os cartórios de notas e de registro), deve trazer as regras para o registro de imóveis em cartório, o que afetará diretamente as possibilidades de parcelamento de imóvel na zona rural.
É possível, também, que os Estados regulem a matéria em leis específicas de zoneamento, criando, por exemplo, regiões turísticas que envolvem territórios de mais de um município.
E não são apenas as limitações de área que devem ser consideradas para o parcelamento do solo rural: como visto no artigo da última semana, o proprietário do imóvel precisa atender e respeitar uma série de encargos e limitações diferentes das impostas à propriedade de imóvel urbano.
De fato, além da diferença em relação ao imposto devido – IPTU para imóveis urbanos e ITR para imóveis rurais – existe a obrigação de emissão e pagamento anual do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), que comprova que o imóvel rural está cadastrado no INCRA.
Também é necessário cumprir as obrigações da seara do Direito Ambiental, como realizar o Cadastro Ambiental Rural (CAR), respeitar as áreas de preservação permanente (APP), as áreas de uso restrito, as áreas consolidadas e a localização da reserva legal.
Fica claro, portanto, que o parcelamento do solo rural, para ser efetuado com segurança, exige um conhecimento aprofundado da complexa legislação vigente.
Fração Mínima de Parcelamento (FMP)
Daremos, agora, uma atenção especial à fração mínima de parcelamento.
Esse é o conceito mais importante para o parcelamento do imóvel rural, e é definido pelo INCRA nos seguintes termos:
É a menor área que um imóvel rural, num dado município, pode ser desmembrado. Corresponde ao módulo de exploração hortigranjeira da Zona Típica de Módulo (ZTM) do município. Ao ser parcelado o imóvel rural, para fins de transmissão a qualquer título, a área remanescente não poderá ser inferior à fração mínima de parcelamento.
A área da FMP varia de cidade para cidade, oscilando entre 2 e 5 hectares, conforme a vocação de uso de determinada região, sempre com a finalidade de garantir que as novas glebas tenham tamanho suficiente para o pleno exercício de uma atividade rural (no caso, a exploração hortigranjeira).
O conceito foi também trazido pelo artigo 8º da Lei 5.868/72, já citado no tópico anterior, mas que convém ser transcrito novamente:
Art. 8º – Para fins de transmissão, a qualquer título, na forma do Art. 65 da Lei número 4.504, de 30 de novembro de 1964, nenhum imóvel rural poderá ser desmembrado ou dividido em área de tamanho inferior à do módulo calculado para o imóvel ou da fração mínima de parcelamento fixado no § 1º deste artigo, prevalecendo a de menor área.
§ 1º – A fração mínima de parcelamento será:
a) o módulo correspondente à exploração hortigranjeira das respectivas zonas típicas, para os Municípios das capitais dos Estados;
b) o módulo correspondente às culturas permanentes para os demais Municípios situados nas zonas típicas A, B e C;
c) o módulo correspondente à pecuária para os demais Municípios situados na zona típica D.
§ 2º – Em Instrução Especial aprovada pelo Ministro da Agricultura, o INCRA poderá estender a outros Municípios, no todo ou em parte, cujas condições demográficas e sócio-econômicas o aconselhem, a fração mínima de parcelamento prevista para as capitais dos Estados.
§ 3º São considerados nulos e de nenhum efeito quaisquer atos que infrinjam o disposto neste artigo não podendo os serviços notariais lavrar escrituras dessas áreas, nem ser tais atos registrados nos Registros de Imóveis, sob pena de responsabilidade administrativa, civil e criminal de seus titulares ou prepostos.
A ideia da FMP é, portanto, garantir que o imóvel rural continue servindo à sua função agrária.
Atente-se, aqui, para os verbos escolhidos pelo legislador para proibir o parcelamento: desmembrar ou dividir.
Isso poderá ter impacto na interpretação de situações de fato às quais sejam imputadas eventuais transgressões da lei.
Exceções à FMP
A legislação estabeleceu algumas situações em que não se exige a observância da FMP para o parcelamento do solo rural.
O Decreto nº 62.504/68 determina que os desmembramentos de imóvel rural que visem a constituir unidades com destinação diversa da de exploração da terra não estarão sujeitos à vedação do artigo 65 do Estatuto da Terra e à FMP, desde que se destinem a alguma das finalidades indicadas nos incisos do artigo 2º:
Art. 2º Os desmembramentos de imóvel rural que visem a constituir unidades com destinação diversa daquela referida no Inciso I do Artigo 4º da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, não estão sujeitos às disposições do Art. 65 da mesma lei e do Art. 11 do Decreto-lei nº 57, de 18 de novembro de 1966, desde que, comprovadamente, se destinem a um dos seguintes fins:
I – Desmembramentos decorrentes de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, na forma prevista no Artigo 390, do Código Civil Brasileiro, e legislação complementar.
II – Desmembramentos de iniciativa particular que visem a atender interesses de Ordem Pública na zona rural, tais como:
a) Os destinados a instalação de estabelecimentos comerciais, quais sejam:
1 – postos de abastecimento de combustível, oficinas mecânicas, garagens e similares;
2 – lojas, armazéns, restaurantes, hotéis e similares;
3 – silos, depósitos e similares.
b) os destinados a fins industriais, quais sejam:
1 – barragens, represas ou açudes;
2 – oleodutos, aquedutos, estações elevatórias, estações de tratamento de água, instalações produtoras e de transmissão de energia elétrica, instalações transmissoras de rádio, de televisão e similares;
3 – extrações de minerais metálicos ou não e similares;
4 – instalação de indústrias em geral.
c) os destinados à instalação de serviços comunitários na zona rural quais sejam:
1 – portos marítimos, fluviais ou lacustres, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias e similares;
2 – colégios, asilos, educandários, patronatos, centros de educação física e similares;
3 – centros culturais, sociais, recreativos, assistênciais e similares;
4 – postos de saúde, ambulatórios, sanatórios, hospitais, creches e similares;
5 – igrejas, templos e capelas de qualquer culto reconhecido, cemitérios ou campos santos e similares;
6 – conventos, mosteiros ou organizações similares de ordens religiosas reconhecidas;
7 – Áreas de recreação pública, cinemas, teatros e similares.
Além disso, a Lei 5.868/72 também estabelece algumas exceções ao registro de imóvel rural com área inferior à FMP, previstas nos incisos do § 4º do já transcrito artigo 8º:
§ 4º O disposto neste artigo não se aplica:
I – aos casos em que a alienação da área destine-se comprovadamente a sua anexação ao prédio rústico, confrontante, desde que o imóvel do qual se desmembre permaneça com área igual ou superior à fração mínima do parcelamento;
II – à emissão de concessão de direito real de uso ou título de domínio em programas de regularização fundiária de interesse social em áreas rurais, incluindo-se as situadas na Amazônia Legal;
III – aos imóveis rurais cujos proprietários sejam enquadrados como agricultor familiar nos termos da Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006; ou
IV – ao imóvel rural que tenha sido incorporado à zona urbana do Município.
Essas e outras hipóteses serão exploradas com mais profundidade em um próximo artigo.
Como fazer o parcelamento de imóvel em zona rural
Com base na legislação atual sobre o tema, identifica-se algumas possibilidades para o parcelamento de imóvel rural, que serão expostas a seguir.
Transformação da área de interesse em zona urbana
Uma primeira possibilidade é a alteração do zoneamento da área onde o imóvel se encontra, saindo de rural para urbana, de expansão urbana ou de urbanização específica.
Para isso, será necessário um prévio estudo de viabilidade promovido pela municipalidade, que deverá seguir os trâmites e exigências do Estatuto da Cidade.
Pela relevância da exigência, vale a transcrição:
Art. 42-B. Os Municípios que pretendam ampliar o seu perímetro urbano após a data de publicação desta Lei deverão elaborar projeto específico que contenha, no mínimo:
I – demarcação do novo perímetro urbano;
II – delimitação dos trechos com restrições à urbanização e dos trechos sujeitos a controle especial em função de ameaça de desastres naturais;
III – definição de diretrizes específicas e de áreas que serão utilizadas para infraestrutura, sistema viário, equipamentos e instalações públicas, urbanas e sociais;
IV – definição de parâmetros de parcelamento, uso e ocupação do solo, de modo a promover a diversidade de usos e contribuir para a geração de emprego e renda;
V – a previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas especiais de interesse social e de outros instrumentos de política urbana, quando o uso habitacional for permitido;
VI – definição de diretrizes e instrumentos específicos para proteção ambiental e do patrimônio histórico e cultural; e
VII – definição de mecanismos para garantir a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização do território de expansão urbana e a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária resultante da ação do poder público.
§ 1º O projeto específico de que trata o caput deste artigo deverá ser instituído por lei municipal e atender às diretrizes do plano diretor, quando houver.
§ 2º Quando o plano diretor contemplar as exigências estabelecidas no caput, o Município ficará dispensado da elaboração do projeto específico de que trata o caput deste artigo.
§ 3º A aprovação de projetos de parcelamento do solo no novo perímetro urbano ficará condicionada à existência do projeto específico e deverá obedecer às suas disposições.
Note que, embora isso seja bastante comum – principalmente nas cidades de interior, com pouca estrutura administrativa –, não basta que o Município edite uma lei simples prevendo, sem maiores justificativas, a alteração do seu perímetro urbano, que nada mais é do que a transformação de zonas então rurais para zonas urbanas.
É preciso que se faça, previamente, um abrangente e multidisciplinar estudo urbanístico, a fundamentar o crescimento da cidade para aquela região e os parâmetros e regras para isso.
Uma vez alterado o perímetro urbano por iniciativa exclusiva do Poder Público Municipal (entendendo-se compreendida, aqui, também a Câmara de Vereadores, que deverá aprovar a lei), será necessário, ainda, requerer a descaracterização do imóvel rural, ato regulado pela Instrução Normativa nº 82/2015, do INCRA.
Uma vez inscrito o imóvel no cadastro municipal, e cancelado o seu cadastro junto ao INCRA, o procedimento a ser seguido para seu parcelamento será o da Lei 6.766/79 (parcelamento urbano), sobre o qual falamos em detalhes aqui.
É preciso saber, contudo, que o procedimento de transformação da área de interesse em zona urbana exige disponibilidade de tempo do interessado, mas também vontade política do Poder Público, já que a ampliação do perímetro urbano deve ser instituída por lei municipal.
Além disso, o parcelamento do solo urbano, por si só, envolve a necessária perda de uma área significativa da gleba original, perda que pode chegar a 50%.
Desmembramento rural com respeito à Fração Mínima de Parcelamento e criação de associação de proprietários
A segunda possibilidade de dividir uma área rural é o desmembramento rural de uma gleba maior, respeitando-se, em relação a todas as novas glebas, a FMP, cuja área, como visto, varia de cidade para cidade.
Nesse formato, as glebas resultantes do desmembramento serão unidades autônomas, com matrícula própria, e cada gleba poderá ter um proprietário diferente.
Essas glebas serão autônomas entre si, ou seja, não haverá a formação de um condomínio.
Caso seja interessante para as partes envolvidas, pode-se criar uma associação para regular o uso de eventuais áreas comuns no imóvel.
O procedimento é simples e não depende de aprovação do município e/ou do INCRA: basta apresentar uma planta e um memorial descritivo ao Cartório de Registro de Imóveis e solicitar o desmembramento.
Esse é um direito potestativo do proprietário de imóvel rural, ou seja, que não depende da aprovação ou de anuência de terceiros.
Contudo, sob a ótica comercial, é preciso considerar que um empreendimento com glebas de áreas superiores à FMP pode não ser viável.
Afinal, a gleba original precisa ter um tamanho considerável, pelo menos duas vezes maior que a área da FMP, para que seja possível o desmembramento regular. E isso pode inviabilizar a comercialização das glebas, já que o valor de um terreno de mais de 2 hectares, por exemplo, é proporcional ao seu tamanho e inacessível para a grande maioria das pessoas.
Implantação de condomínio rural de lotes, com aprovação pelo Município, sem respeitar a FMP
Falaremos, agora, de uma modalidade ainda polêmica, baseada no artigo 1.358-A do Código Civil, que prevê a figura do condomínio de lotes.
Já a defendemos em artigo dedicado ao condomínio rural de lotes.
Vamos à construção do racional: num condomínio não há, juridicamente, uma divisão física ou um parcelamento como ocorre no loteamento.
O imóvel onde é estabelecido o condomínio sofre apenas um fracionamento em partes ideais, que são dele indissociáveis e inseparáveis, o que impõe, a nosso sentir, que ele seja encarado, sempre, como um único imóvel, ainda que existam vários proprietários, detentores de frações ideais tanto do terreno quanto das áreas comuns.
Afinal, como as áreas internas de qualquer condomínio edilício, sejam elas privativas ou comuns, são particulares, inacessíveis ao público externo, não há como não se considerar todo o empreendimento como um único imóvel.
Não se parcela o solo na instituição de um condomínio; não se geram imóveis autônomos entre si, mas, ao contrário, cria-se uma figura jurídica que existirá eternamente, sem qualquer alteração em seu formato, a não ser que uma mesma pessoa adquira todas as frações ideais e decida extinguir o condomínio edilício.
Logo, nesse tipo de empreendimento, cada unidade é autônoma (assim como no condomínio edilício) e pode ser livremente negociada por seus respectivos titulares, mas, ainda assim, elas estarão sempre conectadas ao “todo”, tendo direitos e obrigações relacionados às áreas comuns do empreendimento e aos demais condôminos.
Além disso, como dito, todo o espaço é particular, ou seja, toda a infraestrutura interna do condomínio (vias de circulação, iluminação, segurança, áreas comuns, coleta de lixo etc.) é custeada pelos próprios condôminos (proprietários das frações ideais).
Assim, tratando-se de condomínio de lotes, não haveria um ônus substancial para a municipalidade, já que todos os custos de “funcionamento” daquele núcleo imobiliário seriam gerenciados pelos próprios condôminos.
Em suma, não há no condomínio rural de lotes um efetivo fracionamento de uma área em glebas menores, autônomas e independentes, mas apenas uma divisão jurídica em unidades autônomas que, ao mesmo tempo, são integradas e vinculadas ao todo (condomínio).
Essa modalidade, porém, depende da existência de uma legislação local que admita expressamente o condomínio de lotes em áreas rurais, ou, pelo menos, que o projeto do empreendimento seja aprovado pelo Município, exigência imposta pela Lei de Incorporação Imobiliária e pelo Código Civil.
Condomínio voluntário sobre o imóvel
A quarta modalidade é a aquisição do imóvel rural por mais de uma pessoa ao mesmo tempo, formando-se, assim, o chamado condomínio geral ou voluntário, previsto no artigo 1.314 do Código Civil.
No papel, o imóvel continuará sendo único, ou seja, não haverá desmembramento ou parcelamento, e não haverá lotes ou áreas autônomas.
Tampouco existirá, no condomínio voluntário, áreas pré-definidas de uso exclusivo que possam ser, validamente, alienadas a terceiros (como seria viável na primeira e segunda formatações expostas).
A fração ideal detida por cada condômino, embora possa ser alienada, depende de prévia concessão de direito de preferência aos demais, por força do disposto no artigo 504 do Código Civil:
Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.
Sem prejuízo, os proprietários/condôminos poderão criar uma convenção de condomínio e definir eventuais áreas de uso exclusivo de cada um, assim como tratar das demais regras de utilização do bem, incluindo as áreas comuns, mas essa formatação é bastante frágil, além de poder ser interpretada como parcelamento de fato e clandestino.
Uso e administração do imóvel por meio de associação, que será a titular da propriedade
Por último, existe a possibilidade de aquisição do imóvel rural por associação privada ou outro tipo de pessoa jurídica.
Nesse caso, os interessados no parcelamento do imóvel rural podem, antes de mais nada, constituir uma associação nos termos do artigo 53 e seguintes do Código Civil (pessoa jurídica sem fins lucrativos), e fazer a aquisição do imóvel de interesse em nome dessa associação.
No estatuto social e no regimento interno, os associados poderão regulamentar a utilização das áreas comuns e eventuais áreas privativas (como chalés construídos pela associação que podem ser “alugados”), entre outros assuntos.
Nesta modalidade, observe, os associados não serão proprietários do imóvel, mas apenas de quotas de uma Associação, pessoa jurídica, que será, somente ela, a titular do bem.
Aos associados, enquanto ostentarem essa condição, caberá o direito de uso exclusivo das determinadas áreas e eventuais acessões/benfeitorias que vierem a surgir ou forem construídas.
Isso significa que, caso um associado deseje vender a sua quota e se desassociar, a operação não passará pelo registro de imóveis, porque o objeto da transação será a quota da associação, apenas.
Por outro lado, há uma vantagem aqui: diferentemente do condomínio voluntário, o imóvel terá apenas um proprietário – a associação – o que dá sólida base à argumentação de que, ainda que haja divisão convencional do direito de uso, o imóvel continuará pertencendo a uma única pessoa (jurídica), não podendo se falar em parcelamento irregular (risco que será examinado a seguir).
Riscos envolvidos no parcelamento do solo rural
Com exceção da primeira hipótese apresentada (transformação da área do imóvel em zona urbana), todas as outras modalidades aqui estudadas estão sujeitas a algum risco de impugnação ou questionamento por parte dos órgãos públicos, notadamente o próprio município e o Ministério Público.
Em eventual fiscalização, existirá a possibilidade de as autoridades entenderem que há um uso irregular do imóvel rural, em razão da destinação a fins diversos do agrícola, pecuário, agroindustrial ou extrativista.
No julgamento do REsp 1.317.547/RS, de relatoria do Ministro Herman Benjamin, o entendimento firmado foi de que a ocupação em zona rural, por loteamento ou condomínio irregular, com uso diverso da atividade rural, mesmo que para lazer, “desvirtua usos lícitos do imóvel”.
Como consequência, o(s) proprietário(os) poderão ser condenados a pagar indenização por perdas e danos, a desfazer a implantação e recompor o local ao estado anterior, caso o Município não transforme a área em zona urbana ou de expansão urbana.
Além das implicações civis e administrativas, também existe o risco de condenação pelo crime previsto no art. 50 da Lei 6.766/79, o que já ocorreu em caso julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Apelação Criminal 1.0081.13.001697-5/001).
Por outro lado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao julgar caso semelhante, entendeu que a Lei 6.766/79 trata apenas do parcelamento do solo urbano, e não se aplicaria a fatos relativos à zona rural, e por isso não houve qualquer condenação (Apelação Crime nº 70053630919).
Não existe, ainda, um entendimento pacífico sobre o tema, até porque as legislações municipais são extremamente relevantes para o parcelamento do solo rural e podem trazer possibilidades diferentes para cada cidade.
De toda forma, não podemos ignorar o risco de o Município entender que a implementação de uma dessas possibilidades – que, a nosso ver, são todas regulares – configuraria um parcelamento urbano irregular, ainda que respeitada a Fração Mínima de Parcelamento.
Conclusão
Enquanto o parcelamento urbano pode ser facilmente entendido pela leitura da Lei 6.766/79, o parcelamento do solo rural exige uma análise aprofundada das várias normas existentes sobre o tema.
A legislação municipal, especialmente, é fator determinante para entender que tipos de empreendimentos são possíveis na zona rural.
As possibilidades apresentadas aqui para o parcelamento do solo rural foram construídas com base na legislação atual, mas, ainda assim, carecem de segurança jurídica, pois podem ser entendidas pelos órgãos de fiscalização como parcelamento clandestino, levando à aplicação de penalidades aos proprietários, inclusive criminais.
Por isso, contar com uma assessoria especializada será, com certeza, um grande diferencial para o sucesso do seu empreendimento.
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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.
Parabéns pelos ensinamentos e sugestões
Concordo com o parcelamento rural para fins urbanos regularizados pelos municípios.
O grande problema é a falta de fiscalização durante as edificações, do despejo do esgoto sanitário (fossa) que poluem o subsolo, os córregos e nascentes.
O escoamento de águas pluviais levam o lixo domestico para os córregos e nascentes
O MEIO AMBIENTE RECLAMA
Olá, Carlos! Agradecemos o comentário e o feedback positivo.
PARABÉNS!
Raciocínio logico, embasado e transparente.
Agora só falta buscar na eventual futura jurisprudência a segurança jurídica necessária.
O engessamento legal imobiliza o empreendedor com legislação do século passado. O condomínio de lotes rurais, feito com critério leva à zona rural, empregos, fomenta o comércio. Ê o dinheiro limpo do turismo socorrendo regiões com dificuldades de prosperar.
Será que nossos julgadores são capazes de entender, ou será preciso desenhar?
Olá, Hugo! Agradecemos o comentário e o feedback positivo.
Melissa, boa noite.
Em primeiro lugar gostaria de parabenizá-la pela matéria do site.
Sou engenheiro florestal e tenho muitas duvidas em Relação a Parcelamentos do solo em área rural, respeitando a Fração Minima de Parcelamento.
Já conversei com prefeitos, tabeliões, até funcionário do INCRA e ninguém tem plena convicção no assunto.
Sou do interior de São Paulo e basicamente trabalho com topografia. Na região tem potencial enorme de fazer empreendimentos de sítios, respeitando a FMP de 2,0 ha.
Um exemplo: pegar uma fazenda antiga de 200 hectares e fazer 100 sitios de 20.000 m². Isso juridicamente é possivel? Pela sua explicação isso seria possivel. As prefeituras falam que não é. O cartário tambem fala que só até 10 sítios. Ja me falaram para fazer 10 de 10 e depois subdividir. O MP diz que se o INCRA autorizar pode. Enfim, cada um tem uma opnião.
O que voce pode me auxiliar neste sentido? Desde já agradeço a sua disponibilização.
Olá, Abílio! Que bom que gostou do nosso conteúdo! Entramos em contato por e-mail para tratar da sua demanda.
Brilhante a tese desenvolvida pelo nobre colega. Parabéns continue divulgando essa brilhante aula sobe assunto imobiliária. Peço venia para destacar que o MP tem fiscalizado área rural destinadas a subdivisão. Atualmente com a tecnologia que possibilita fotos aéreas é possível identificar facilmente áreas passíveis de regulamentação. Tenho visto intimações do MP ao município visando providências para coibir esse tipo de empreendimentos. Penso que se houvesse atualizações no plano diretor municipais com extensão de áreas urbanas dentro de área rural, inclusão das áreas especificas nestas expansões, além de atualizações nas legislações municipais facilitaria em muito as regularizações. Peço, se possível, para o nobre colega divulgue decisões judiciais sobre o tema principalmente no que tange o reconhecimento da divisão e regulamentação de área rural para chácaras e veraneios.
Geraldo Amarante da Costa – Advogado
Agradecemos o comentário, Geraldo! De fato, a maioria das legislações municipais carece de atualização. Continuaremos atentos à jurisprudência!
Sou um empreendedor por natureza, como “Loteador” produzi e vendi durante a década de 80 mais de 5.000 lotes como “fração ideal” em “Condomínio Rural”. Na época grandes juristas defendiam este modelo de negócio como “constitucional”, as frações eram registradas normalmente nos Registros de imóveis, todavia o MP nos perseguia culminando em diversos processos criminais. Repito que grandes nomes da advocacia, defendiam e até hoje defendem este modelo de negócio, mas somente graças a Deus, meus processos prescreveram, mesmo quando “condenado” estavam prescritos. Hoje sou estudante de direito (sou apaixonado pelo direito) frequentador assíduo da OAB de Santos e participante de palestras, e quando vejo “doutores” recomendando o Condomínio de Lotes Rurais, eu sempre pergunto:” Dr. o Sr. avisou o MP que este sistema é legal? Muitas vezes aceito pela municipalidade e eu já ouvi da promotora ” Prendo o Senhor e o Prefeito juntos”. kkkk triste mas é verdade. Hoje me dedico ao parcelamento do Solo Rural dentro da FMP (grandes glebas) em áreas de produção agrícola. Gostei dos seus comentários e principalmente das sugestões quanto aos cuidados e riscos. PARABÉNS pela matéria e que o meu caso sirva de exemplo aos interessados, mas ressalto que neste caso o crime cometido é imprescritível ( eu dei sorte), só a pena prescreve.
Olá, Vildner! Esse tema é realmente complexo. Agradecemos pelo comentário e ficamos satisfeitos que tenha gostado do conteúdo! Se pudermos ajudar em algo, conte conosco.
dr Wildner de carvalho o sr poderia me responder uma pergunta, comprei uma parte ideal de 6 ha dentro de um todo de 270 ha do Banco do Brasil fiz escritura mas o escrivão do cartório disse que nao posso registrar ,isso provem??posso ou nao posso??
Olá, Paulo! Agradecemos seu comentário.
Precisaríamos analisar a mencionada escritura para te responder (porque você fala em aquisição de fração ideal), mas, se a compra foi de uma área determinada, com elaboração de memorial descritivo e georreferenciamento, não deveria haver impedimento ao registro.
Vildner, gostaria do seu contato para mais informações sobre o assunto, sou do ramo imobiliário e muita gente tem interesse em fazer empreendimentos dessa forma.
Olá, André! Você pode entrar em contato conosco pelo e-mail contato@lageportilhojardim.com.br ou pelo telefone (31) 2515-9966.
Colegas,
Parabéns pelo artigo!
Muito bem redigido e esclarecedor.
De fato, a legislação vigente é muita antiga e se encontra defasada em relação ao que se tem visto no mercado imobiliário e aos próprios anseios sociais. A demanda por modalidades regulares de comunidades intencionais tem aumentado consideravelmente e o direito não pode se manter alheio a isso.
Compartilho da visão que tanto o condomínio voluntário, com acordos que regulamentem a distribuição de espaços exclusivos. quanto o modelo de associação são regulares, principalmente quando esse é inferior ao percentual que o proprietário titulariza como condômino e quando a distribuição não implica em subdivisão da área em partes de tamanho igual.
Att.,
Olá, Bernardo! Comentários como este enriquecem o debate. Obrigada!
Muito bom este conteúdo
Olá, José! Agradecemos o comentário e o feedback positivo.
Excelente! Como em todos os artigos anteriores. Parabéns e obrigado por compartilhar o vasto conhecimento na área, está sendo de muita importância para o início de minha advocacia no direito imobiliário.
Olá, Tancredo! Agradecemos o feedback e ficamos satisfeitos que esteja te ajudando na sua carreira.
Excelente artigo . O mais claro sobre o tema que li até agora ! Parabéns
Olá, Luis! Agradecemos o elogio e ficamos satisfeitos que tenha gostado.
Materia muito esclarecedora, mas acredito q antes de tudo, tem q ter projeto para prefeito encaminhar para ser aprovado na Câmara Municipal.
Olá, José! Agradecemos o comentário. Sem dúvida, a existência de uma lei municipal facilitaria bastante a aprovação do projeto.