Como já falamos em nosso artigo sobre imóveis rurais, o georreferenciamento é uma técnica utilizada para referenciar a superfície de um terreno, como o nome já indica.

Esse procedimento foi adotado pelo INCRA para padronizar a identificação de imóveis rurais no Brasil, facilitando, assim, a regularização de glebas.

O georreferenciamentoestá diretamente ligado à regularização do imóvel rural, pois é necessário para obter o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) e, também, para o registro em Cartório de qualquer alteração da área do terreno ou transferência de titularidade.

O artigo de hoje traz tudo o que você precisa saber sobre georreferenciamento. Se você é proprietário de um imóvel rural ou está interessado em regularização fundiária, fique conosco até o final desse texto!

 

Definição e finalidade do georreferenciamento

 

O georreferenciamento ou georreferenciação de uma área é o procedimento de discriminação das coordenadas conhecidas em um determinado sistema de referência, a partir de mapas ou imagens de satélites, realizando um levantamento de informações geográficas relevantes, como a forma, dimensão e localização.

Este procedimento, atualmente, é obrigatório para a regularização de imóveis rurais e serve para garantir dados mais precisos e padronizados sobre os limites do terreno, suas confrontações e coordenadas.

A finalidade do georreferenciamento é dar conhecimento das características e condições do terreno ao proprietário e aos órgãos públicos responsáveis.

A padronização do levantamento, principalmente, da localização e limites de imóveis rurais, por meio de coordenadas referenciadas pelo Sistema Geodésico Brasileiro, também diminui as chances de sobreposição de áreas entre propriedades e evita o surgimento de conflitos entre confrontantes e com o Poder Público.

 

Previsão legal

 

A Lei 10.267/2001, conhecida como a Lei do Georreferenciamento, estabeleceu a obrigatoriedade do procedimento para o levantamento de dados sobre propriedades rurais, alterando dispositivos de diversas legislações relativas ao tema.  

O artigo 176, §3º da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973), por exemplo, prevê que, nos casos de desmembramento, remembramento ou parcelamento de imóveis rurais, a identificação do imóvel, na matrícula, deverá conter suas características, confrontações, localização e área, obtidas em memorial descritivo “contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro”.

Nos casos de transferência da propriedade, o georreferenciamento será obrigatório a partir dos prazos de carência estabelecidos pelo Decreto Regulador (Decreto 4.449/2002), variando de acordo com a extensão da área do imóvel.

 

CCIR – Certificado de Cadastro de Imóvel Rural

 

O georreferenciamento, como levantamento de dados obrigatório para imóveis rurais, foi criado no âmbito do Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), sendo imprescindível para a obtenção do Certificado de Imóvel Rural (CCIR).

O CNIR pode ser definido como uma base comum de informações, regulada pelo INCRA, em conjunto com a Secretaria da Receita Federal, produzida e compartilhada pelas diversas instituições públicas federais e estaduais produtoras e usuárias de informações sobre o meio rural brasileiro (artigo 1º, §2º da Lei 5.868/1972, incluído pela Lei 10.267/2001).

No mesmo sentido, o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural é a certificação fornecida exclusivamente pelo INCRA, e corresponde à elaboração de uma planta georreferenciada deste imóvel.

O CCIR, portanto, é o documento exigido para toda alteração de área ou de seu titular em Cartório.

 

Legislação Georreferenciamento - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

 

Distinções importantes

Embora não seja uma novidade, o levantamento de dados pelo georreferenciamento, principalmente nas práticas imobiliárias que envolvem imóveis rurais, ainda é um conceito comumente confundido com outras exigências para a regularização fundiária.

Faremos, a seguir, algumas distinções básicas dentro desse tema.

 

CAR X Georreferenciamento

 

O Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente (SINIMA), é regulado pelo Novo Código Florestal (Lei 12.651/12) e fiscalizado por órgãos ambientais estaduais.

O CAR é um documento obrigatório para todos os imóveis rurais e contém informações ambientais das glebas rurais. O objetivo é possibilitar o controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico, bem como para auxiliar no combate ao desmatamento.

Para o CAR, são solicitados dados semelhantes àqueles colhidos pelo georreferenciamento, como identificação do imóvel por meio de planta e memorial descritivo e indicação das coordenadas geográficas.

Contudo, ao contrário do georreferenciamento, sua finalidade principal é colher informações sobre a localização dos remanescentes de vegetação nativa das Áreas de Preservação Permanente, Áreas de Uso Restrito, áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal.

 

    GEORREFERENCIAMENTO CADASTRO AMBIENTAL RURAL – CAR
Previsão Legal Lei 10.267/2001 Lei 12.651/2012
Regulamentação INCRA SINIMA
Obrigatoriedade Para todos os imóveis rurais nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, observados os prazos de carência do Decreto 4.449/2002. Para todos os imóveis rurais
Informações colhidas Memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA. Identificação do proprietário ou possuidor e sua comprovação, bem como do imóvel por meio de planta e memorial descritivo, contendo a indicação das coordenadas geográficas.
Objetivo Identificar a área, confrontações e localização do imóvel, possibilitando a obtenção do CCIR nos casos de imóvel rural, requisito para a regularização fundiária. Informar a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, das Áreas de Uso Restrito, das áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal.

 

Topografia Cadastral X Georreferenciamento

 

Os conceitos de georreferenciamento e topografia também podem ser facilmente confundidos.

Embora ambos sejam técnicas de identificação da superfície de uma área, elas são baseadas em ciências e padrões distintos.

A Topografia Cadastral é utilizada para realizar os levantamentos para cálculo, divisão, retificação e remembramento de imóveis rurais e urbanos, sendo seus padrões técnicos regulados pela NBR 13.133.

Essa técnica se baseia no plano topográfico local para produzir a planta e o memorial descritivo do imóvel, devendo ser realizado por profissional habilitado e com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), assim como para o georreferenciamento.

O georreferenciamento, porém, se baseia em outros critérios e métodos de posicionamento, conforme os padrões técnicos definidos pela Lei 10.267/2001 e seus regulamentos.

 

  GEORREFERENCIAMENTO TOPOGRAFIA CADASTRAL
Base Sistema Geodésico Brasileiro Plano Topográfico
Padrões técnicos Lei 10.267 e seus manuais técnicos NBR 14.166 e NBR 13.133

 

Obrigatoriedade do georreferenciamento para imóveis rurais

 

Como já mencionado, a Lei 10.267/2001 ficou conhecida como a Lei do Georreferenciamento e alterou diversos dispositivos de outras legislações, incluindo a Lei 5.868/1972 (Sistema Nacional de Cadastro Rural) e a Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), estabelecendo a obrigatoriedade da elaboração de planta georreferenciada do imóvel para toda alteração de área ou de seu titular em Cartório.

Um ano depois, foi publicado o Decreto 4.449/2002 para regular, além de outras questões inerentes ao CNIR, os prazos de carência para a obrigatoriedade do georreferenciamento, que variam conforme a extensão do terreno.

 

Prazos de carência

 

Os prazos de carência consistem no período em que o oficial do registro de imóvel não poderá exigir a planta georreferenciada para a alteração da área ou titularidade do terreno.

Esses prazos estão previstos no artigo 10 do Decreto 4.449/2002:

 

Art. 10.  A identificação da área do imóvel rural, prevista nos <§§ 3o e 4o do art. 176 da Lei no 6.015, de 1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma do art. 9o, somente após transcorridos os seguintes prazos:

I – noventa dias, para os imóveis com área de cinco mil hectares, ou superior;

II – um ano, para os imóveis com área de mil a menos de cinco mil hectares;

III – cinco anos, para os imóveis com área de quinhentos a menos de mil hectares; 

IV – dez anos, para os imóveis com área de duzentos e cinquenta a menos de quinhentos hectares; 

V – quinze anos, para os imóveis com área de cem a menos de duzentos e cinquenta hectares; 

VI – vinte anos, para os imóveis com área de vinte e cinco a menos de cem hectares; e    

VII – vinte e dois anos, para os imóveis com área inferior a vinte e cinco hectares.    

 

Desde a criação da redação original do Decreto Regulador, alguns prazos de carência já decorreram e outros foram alterados, de modo que, na data deste artigo (julho de 2023), estão vigentes os seguintes prazos:

 

ÁREA PRAZO
Igual ou superior a 100 (cem) hectares Obrigatório desde 2018
Igual ou superior a 25 (vinte e cinco) hectares Obrigatório a partir de 20/11/2023
Inferior a 25 (vinte e cinco) hectares Obrigatório a partir de 20/11/2025

 

Como é feito o georreferenciamento?

 

A obrigação de realizar o georreferenciamento do imóvel é do proprietário, que deverá contratar o profissional devidamente qualificado, habilitado pelo CREA e credenciado junto ao INCRA, para a elaboração de memorial descritivo.

O memorial descritivo deverá conter a forma do terreno, seus limites, características, confrontações e coordenadas georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro (SGB), com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA (§3º do artigo 176 da Lei 6.015/1973).

Após o levantamento dos dados e demais pesquisas relacionadas ao imóvel e seus confrontantes, as informações são cadastradas no SIGEF – Sistema de Gestão Fundiária do INCRA, uma ferramenta eletrônica de governança fundiária do território nacional, por meio da qual ocorre a recepção, validação, organização, regularização e disponibilização das informações georreferenciadas de limites de imóveis rurais, públicos e privados (§ 5º do artigo 176 da Lei 6.015/1973).

 

Sistema Geodésico Brasileiro

 

O Sistema Geodésico Brasileiro (SGB) é um conjunto de pontos georreferenciais que descrevem a superfície terrestre delimitada pelas fronteiras do Brasil, possibilitando o mapeamento completo de qualquer área no território nacional com precisão milimétrica, mediante monitoramento por satélite, via Sistema Global de Navegação por Satélite (Global Navigation Satellite Systems – GNSS).

De acordo com a 2ª Edição do Manual Técnico para Georreferenciamento de Imóveis Rurais, elaborado pelo INCRA em 2022, as coordenadas dos vértices definidores dos limites do imóvel devem ser referenciadas ao SGB vigente à época da submissão do memorial descritivo.

Atualmente, o SGB adota o Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas do ano 2000 (SIRGAS2000).

Para identificar as coordenadas do imóvel, o profissional utiliza o GPS (Sistema de Posicionamento Global), que disponibiliza coordenadas de posicionamento, navegação e tempo, proporcionando maior precisão para o levamento georreferenciado.

Hoje já é possível utilizar, também, o sensoriamento remoto (drones, por exemplo), novidade trazida pelo já citado 2ª Edição do Manual Técnico para Georreferenciamento de Imóveis Rurais, de dezembro de 2022, que pode facilitar o trabalho dos profissionais, agilizando o processo de levantamento de dados.

 

Qual profissional contratar para realização do georreferenciamento?

 

O proprietário deverá contratar profissional devidamente habilitado e credenciado para assumir a responsabilidade técnica dos serviços de georreferenciamento de imóvel rural, a fim de atender ao §3º do artigo 176, da Lei 6.015/1973.

A credencial exigida pela lei é referente à habilitação do profissional no respectivo Conselho Profissional (CONFEA/CREA), cuja atribuição de fiscalização esteja expressamente relacionada ao georreferenciamento de imóveis rurais. Também é necessária habilitação junto ao INCRA.

A capacitação do profissional que realizará o georreferenciamento deve contemplar:

 

  • Topografia aplicada ao georreferenciamento;
  • Cartografia;
  • Sistemas de referência;
  • Projeções cartográficas;
  • Ajustamentos;
  • Métodos e medidas de posicionamento geodésico; e
  • Legislação aplicada ao georreferenciamento e registro de imóveis rurais (Recomendável).

 

Em síntese, serão capacitados os engenheiros de Cartografia, Geografia e Agrimensura.

Contudo, caso tenham especialização ou capacitação nas matérias acima, outros profissionais também poderão obter o credenciamento pelo INCRA, por exemplo:

 

  • arquitetos;
  • engenheiros agrícolas;
  • engenheiros de geologia,
  • engenheiros de minas;
  • engenheiros de petróleo;
  • engenheiros de operação;
  • geógrafos;
  • geólogos; e
  • técnicos de nível superior/médio ou tecnólogos, em especial, em agrimensura e topografia;

 

O Conselho Profissional será responsável por emitir certidão que comprove a capacitação do profissional.

Já em relação ao credenciamento pelo INCRA, o órgão disponibiliza a lista de profissionais credenciados em seu site.

Além do credenciamento, também é necessário emitir Anotação de Responsabilidade Técnica (ART), documento que formaliza a definição dos responsáveis técnicos pelo georreferenciamento.

 

Custos do georreferenciamento

 

Em regra, os custos do georreferenciamento devem ser arcados pelo proprietário.

O valor dos serviços varia de acordo com a área e outras condições do terreno.

Além da remuneração do profissional contratado, pode haver cobranças pelo INCRA para a certificação dos trabalhos técnicos, conforme prevê o artigo 8º do Decreto 4.449/2002.

No entanto, estarão isentos do pagamento de custos financeiros os proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais (§3º do artigo 176 da Lei de Registros Públicos).

O módulo fiscal, aliás, é uma unidade de medida agrária criada pela Lei 6.746/1979, definida pelo INCRA, fixada para cada município e expressa em hectares, variando, no território nacional, entre 5ha e 110ha.

A título de exemplo, no município de Abaeté, em Minas Gerais, o módulo fiscal corresponde a 40 hectares; já em Corinto, município do mesmo estado, são 50 hectares.

Portanto, para a isenção das custas pelo georreferenciamento perante o INCRA, no município de Abaeté/MG, a extensão do imóvel rural deve ser inferior a 160 hectares e, em Corinto/MG, inferior a 200 hectares.

Vale destacar que a isenção se aplica somente aos valores cobrados pelo INCRA para a certificação dos dados levantados e memorial descritivo, nos termos do parágrafo único do artigo 8º do Decreto 4.449/2002.

 

Procedimento

 

Para realizar o georreferenciamento de um imóvel, o interessado deve passar por algumas etapas, desde a contratação do profissional capacitado até a submissão dos dados no SIGEF.

Veja no fluxograma a seguir um resumo do passo a passo para a conclusão do georreferenciamento:

 

Fluxograma GeorreferenciamentoLegislação Georreferenciamento - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

 

Após a submissão da documentação para o SIGEF, o INCRA realizará a avaliação do georreferenciamento feito e, caso aprovado, disponibilizará o cadastro atualizado do imóvel.

Em síntese, portanto, a identificação do imóvel rural para fins de registro de alteração da área ou titularidade depende de quatro documentos:

 

  1. Planta Georreferenciada;
  2. Memorial descritivo;
  3. Tabela de georreferenciamento, identificando as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional, conforme Normas e Manuais Técnicos divulgados pelo INCRA; e
  4. Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).

 

Conclusão

 

O georreferenciamento é um procedimento obrigatório para a identificação de imóveis rurais e tem a finalidade de conhecer a forma do terreno, seus limites, características, confrontações e coordenadas georreferenciadas.

Embora não seja mais uma novidade, já que a Lei do Georreferenciamento é de 2001, ainda estão vigentes prazos de carência relativos à obrigatoriedade, motivo pelo qual ainda há muitos imóveis não georreferenciados.

Não há, na lei, previsão de multa ou outra penalidade para quem não cumprir a obrigação de fazer o georreferenciamento. Entretanto, a sua falta poderá, por exemplo, impedir o registro da compra e venda, partilha, desmembramento, remembramento, transferência e hipoteca de glebas rurais.

Além disso, a falta do georreferenciamento pode ter como consequência a desvalorização da propriedade, já que, sem ele, é impossível fazer o registro da transferência da propriedade do imóvel.

Em outras palavras, o georreferenciamento não é apenas obrigatório, mas também inevitável.

Também é importante considerar que uma definição precisa dos limites do terreno otimiza o monitoramento de toda sua extensão, possibilitando maior agilidade na exploração e manutenção da gleba.

O georreferenciamento também garante maior segurança jurídica ao proprietário, principalmente, em caso de eventual esbulho da posse por invasão do imóvel, impedindo, inclusive, a prática chamada de grilagem, considerando que os limites, forma e localização da área estarão devidamente identificados e registrados junto aos órgãos competentes.

Se você chegou até aqui, certamente já entendeu que o georreferenciamento é essencial para qualquer propriedade rural, pois, além de ser requisito para a regularidade do registro, otimiza o gerenciamento do imóvel e das atividades de exploração que nele executadas, como agricultura e agropecuária.

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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.

 

 

 

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