Por uma questão cultural, a aquisição de um imóvel continua sendo o sonho de muitos brasileiros. Esse é um dos principais motivos pelos quais o setor imobiliário é um dos mais relevantes para a economia do país.

Contudo, a aquisição de um imóvel demanda um grande investimento, motivo pelo qual a maioria da população não dispõe de recursos financeiros suficientes para que a aquisição se dê de forma imediata, ou seja, com o pagamento do preço à vista.

Nesse contexto, o financiamento imobiliário se mostra o caminho mais viável para a aquisição de um imóvel.

Vale destacar, como exemplo, o programa governamental “Casa Verde e Amarela”, anteriormente conhecido como “Minha Casa, Minha Vida”, que possibilita a aquisição de imóveis por famílias cuja renda mensal não ultrapasse R$ 7.000,00 (sete mil reais), ou com renda anual de até R$ 84.000,00 (oitenta e quatro mil reais). Falamos mais sobre esse programa em outra oportunidade (clique aqui para acessar o nosso artigo específico).

Porém, os contratos de financiamento trazem diversos encargos, que, muitas vezes, podem gerar dúvidas, tanto para o comprador quanto para o vendedor do imóvel.

Entre esses encargos estão os chamados “juros de obra”, “taxa de evolução de obra”, ou, simplesmente “taxa de obra”, e é sobre isso que falaremos neste artigo.

 

Fases do financiamento: construção e amortização

 

Para entendermos do que se tratam os juros de obra, é preciso contextualizar as fases do financiamento imobiliário.

Por meio de um contrato de financiamento imobiliário, o interessado (que pode ser o incorporador/construtor ou o adquirente) contrai um empréstimo junto a uma Instituição Financeira para a construção ou aquisição do imóvel.

O dinheiro obtido com o empréstimo é destinado ao custeio da construção ou pagamento do preço do imóvel, enquanto a pessoa que contratou o crédito fará o pagamento parcelado da dívida à Instituição cedente.

No nosso artigo sobre crédito associativo, que é uma modalidade mista de financiamento imobiliário, concedido tanto ao incorporador/construtor quanto ao adquirente, já explicamos que os repasses feitos à construtora/incorporadora ocorrerão mensalmente e de forma gradativa, conforme a evolução da obra.

O andamento da obra estará especificado no Relatório de Acompanhamento de Empreendimento (RAE), emitido pela Instituição Financeira, e definido no Cronograma Físico-Financeiro e de Desembolso, emitido pelo incorporador/construtor.

Nesse contexto, o contrato de financiamento para aquisição de um imóvel na planta possuirá, necessariamente, duas fases: a de construção e a de amortização.

Durante a fase de construção, na qual o imóvel será efetivamente edificado pelo incorporador/construtor, o adquirente não pagará a dívida propriamente dita.

As parcelas de quitação da dívida somente serão devidas na fase de amortização do contrato de financiamento, quando, aí sim, haverá o abatimento no montante da dívida contraída.

Essa fase se iniciará somente com a expedição do Habite-se e entrega das chaves do imóvel ao adquirente, momento de extrema relevância tanto para o comprador quanto para o incorporador/construtor, ao qual já dedicamos um texto exclusivo. Você pode ler mais sobre o tema clicando aqui.

Então, se a fase de amortização da dívida só se inicia após a conclusão das obras, expedição do Habite-se e entrega das chaves, o que será pago durante a fase de construção?

Os juros de obra.

 

O que são os juros de obra

 

Os juros de obra são encargos devidos durante o período de construção do imóvel, cobrados do adquirente do imóvel pela Instituição Financeira que concedeu o financiamento.

Na prática, essa taxa funciona como uma espécie de remuneração da Instituição Financeira pelo financiamento concedido, que só começará a ser efetivamente pago após a conclusão das obras (quando se iniciará a fase de amortização). Eles são devidos em conformidade com os repasses feitos ao incorporador/construtor, de forma gradativa e de acordo com o avanço das obras.

Logo, por sua natureza, os juros de obra somente são devidos nos contratos de financiamento de imóveis vendidos na planta, ou seja, que ainda não foram efetivamente edificados.

Você pode entender mais sobre Incorporação Imobiliária clicando aqui.

 

Para que servem os juros de obra

 

Os juros de obra servem como uma garantia de que a obra será efetivamente construída e entregue ao adquirente, inclusive em casos de falência da empresa responsável ou outras adversidades.

Nesse caso, a Instituição Financeira poderá transferir a obra a outra construtora/incorporadora que tenha condições de concluí-la.

Assim, os juros de obra são uma forma de remunerar a Instituição Financeira, que fará os repasses gradativos ao incorporador/construtor, mas também de garantir a conclusão e entrega da obra.

 

Obrigatoriedade dos juros de obra

 

Uma dúvida muito comum entre consumidores e incorporadores/construtores é sobre a obrigatoriedade dos juros de obra.

A resposta é sim: eles são obrigatórios.

Contudo, para que a cobrança seja exigível, ela deve estar prevista expressamente tanto na promessa de compra e venda do imóvel quanto no contrato de financiamento.

Esse é um detalhe muito importante para incorporadores e construtores, uma vez que, embora não sejam eles os responsáveis pela cobrança, é importante que a informação esteja clara e inequívoca, evitando-se que o consumidor seja surpreendido com a cobrança da taxa.

Esse dever de informação está em consonância com os direitos básicos do consumidor, contidos no Código de Defesa do Consumidor, bem como com as regras trazidas pela Lei do Superendividamento sobre os contratos de financiamento, que deverão apresentar as informações sobre os juros, custos e taxas da forma mais clara e inteligível, de modo que os consumidores estejam cientes do valor total que de fato deverão arcar.

Além disso, para que a cobrança seja legítima, é necessário que conste no contrato o prazo de entrega do imóvel, bem como eventual prazo de tolerância, já que imprevistos podem ocorrer durante a construção.

Inclusive, para que o incorporador/construtor esteja protegido desses “imprevistos”, resguardando-se de eventual responsabilização civil por atraso de obra, é correto e recomendável prever um prazo de tolerância para a entrega do imóvel, que, nos termos do art. 43-A da Lei nº 4.591/64, pode ser de até 180 dias.

 

Legalidade dos juros de obra

 

Como visto, os juros de obra são, sim, obrigatórios, desde que estejam expressamente previstos no contrato de compra e venda e no contrato de financiamento habitacional.

Mas essa cobrança é legal?

A resposta também é sim!

Apesar de não existir previsão legal e expressa acerca da possibilidade da cobrança dos juros de obra, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisão recente, no âmbito do julgamento do REsp 1.729.593/SP (Tema Repetitivo n° 996), reconheceu sua a licitude:

É lícita a cobrança dos juros de obra até o prazo de tolerância para entrega disposto no contrato.

Vale lembrar que também é lícito o prazo de tolerância, desde esteja previsto no instrumento contratual e não seja superior a 180 (cento e oitenta) dias, conforme previsão do artigo 43-A da Lei de Incorporações Imobiliárias (Lei 4.591/1964).

Sendo assim, durante a fase de construção, desde que não ocorra atraso na conclusão das obras e entrega do imóvel, será lícita a cobrança da taxa de evolução de obra, não havendo, para o adquirente, qualquer direito de indenização pelo atraso.

Em síntese, os juros de obra somente serão ilegais se (i) a sua cobrança não estiver prevista expressamente no contrato de compra e venda e (ii) se a cobrança continuar ocorrendo após o fim do prazo de conclusão das obras e entrega das chaves, já acrescido do prazo de tolerância.

Ressalta-se: todas essas condições – prazo de entrega, cobrança dos juros de obra, prazo de tolerância – deverão estar previstas de forma clara e inequívoca nos contratos firmados entre vendedor e adquirente, a fim de prevenir eventual discussão judicial sobre o tema.

Aqui no blog, você encontrará um guia completo para nortear a elaboração de um bom contrato imobiliário, o que não dispensa o acompanhamento de profissionais qualificados em sua estruturação.

Para isso, conte com a nossa equipe, que possui vasta experiência no ramo, para te ajudar a fazer negócios ainda mais prósperos e seguros.

 

Quem cobra e quem paga os juros de obra?

 

Quem cobra os juros de obra é a Instituição Financeira que tiver concedido o empréstimo (mútuo) ao adquirente.

Desse modo, na medida em que os repasses forem feitos à incorporadora/construtora, os juros serão cobrados diretamente do adquirente.

Portanto, a Instituição Financeira cobra e o adquirente paga por esses juros.

A depender do banco, a cobrança será feita por meio de débito em conta ou boleto bancário. Tais informações também deverão constar nos instrumentos contratuais.

 

Até quando são devidos os juros de obra?

 

Como dito, os juros de obra são cobrados durante a fase de construção do imóvel.

Sendo assim, uma vez concluídas as obras e expedido o competente Habite-se, os juros deixam de ser devidos.

O Habite-se, por sua vez, nada mais é que um documento expedido pela autoridade pública municipal competente, atestando que o imóvel recém-construído está em conformidade com as normas estabelecidas pelo Município. Trata-se de uma verdadeira autorização para que o imóvel possa ser habitado, como o nome já diz.

As regras municipais para construção dos imóveis estarão previstas em seu Código de Obras, assunto que já discutimos anteriormente no nosso Blog.

 

Como são calculados os juros de obra

 

Outra dúvida muito comum é sobre como os juros de obra serão calculados.

Não existe uma regra específica e quem fará esse cálculo é a Instituição Financeira, responsável pela cobrança.

Contudo, o valor geralmente cobrado a esse título gira em torno de 2% do valor do imóvel e será cobrado conforme a evolução da obra.

Ou seja, de acordo com o cronograma da construção, se a construção evoluiu 10%, o valor correspondente a esse percentual será pago ao incorporador/construtor. O valor dos juros de obra, então, será calculado sobre o valor do repasse, no percentual delimitado em contrato.

Assim, à medida que a obra evoluir, os repasses serão maiores e, por conseguinte, o valor dos juros também aumentará.

Por essa razão, é de extrema importância que esses valores sejam informados ao adquirente de forma clara, antes mesmo da assinatura do contrato, para que o consumidor possa analisar o impacto da compra em sua renda, evitando-se, assim, a inadimplência, bem como demandas revisionais ou indenizatórias.

 

Casos de inadimplência

 

Até aqui já vimos que a cobrança dos juros de obra é legal e que, uma vez prevista no contrato, seu pagamento é obrigatório.

E em caso de inadimplência? O que acontece?

A depender do contrato de financiamento e de promessa de compra e venda do imóvel, a incorporadora/construtora pode figurar como fiador do adquirente.

Nestes casos, caso o comprador deixe de pagar a taxa de evolução de obra, a incorporadora/construtora poderá ser cobrada e obrigada a efetuar o pagamento.

Contudo, o adquirente não estará isento da cobrança e poderá ser demandado tanto de forma extrajudicial quanto judicial.

Isso porque o instrumento particular assinado por duas testemunhas tem força de título executivo, na forma da legislação processual brasileira.

Assim, o adquirente poderá ser executado judicialmente e ter seus bens constritos para pagamento da dívida, além de ser inscrito nos cadastros de restrição de crédito do SPC e Serasa.

Além disso, caso a entrega das chaves do imóvel seja condicionada à adimplência contratual, ou seja, ao pagamento de todas as parcelas em dia, o inadimplemento poderá impedir a imissão na posse do comprador.

Portanto, o pagamento dos juros de obra é tão importante quanto o do preço do imóvel.

 

Outros encargos contratuais

 

Em regra, os contratos de financiamento imobiliário, sobretudo do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), preveem a taxa de evolução de obra entre os encargos contratuais.

Os encargos contratuais são obrigações mensais que se destinam ao pagamento de algo específico do contrato: juros, amortização, seguros, tarifas e taxas.

Porém, tais encargos não incluem somente a taxa de evolução. Vejamos outras espécies de encargos que poderão ser cobradas do adquirente:

 

  • Parcela de amortização, que é o pagamento da dívida propriamente dita;
  • Juros de obra;
  • Juros de financiamento;
  • Atualização monetária;
  • Tarifa de administração mensal, se devida;
  • Seguro Morte e Invalidez Permanente (MIP): seguro obrigatório destinado à quitação do financiamento em caso de morte ou invalidez permanente do adquirente ou de membro que compõe a renda familiar para pagamento do imóvel;
  • Seguro de Danos Físicos do Imóvel (DFI): seguro obrigatório destinado à reparação do imóvel por fatores externos e inesperados, como incêndios, explosões, inundações, destelhamento e desmoronamento total ou parcial.

 

Cada um dos encargos acima descritos será pago a depender da fase do contrato, se de construção ou de amortização.

Conforme dito, não se cumula juros de obra e parcelas de amortização, vez que pertencem a fases distintas do contrato de financiamento. Contudo, caso o valor da entrada (sinal) seja parcelado, é possível que haja cumulação entre o pagamento da entrada e dos juros de obra, sem que isso configure qualquer irregularidade ou ilegalidade.

 

Juros compensatórios, remuneratórios e moratórios

 

Cabe, ainda, uma diferenciação entre as modalidades de juros previstas em um contrato, para facilitar sua compreensão sobre o tema proposto.

Juros compensatórios ou remuneratórios, nomes que servem para designar a mesma coisa, são aqueles devidos como remuneração ao capital emprestado pelo agente financeiro. Quando um banco empresta determinada quantia a alguém, ele deverá ser compensado por esse empréstimo, assim como um empregado é remunerado pelo salário.

Assim, os juros de obra são uma espécie de juros compensatórios, para justificar o repasse feito à incorporadora/construtora e a ausência de pagamento das parcelas do financiamento pelo adquirente durante o período da construção do imóvel.

Já os juros moratórios são aqueles previstos em contrato para os casos de atraso e inadimplência do comprador, o que não impede que outros encargos sejam previstos para essa mesma situação.

 

Conclusão

 

A aquisição de um imóvel, seja para moradia ou investimento, é um grande passo na vida de qualquer pessoa. Por isso, deve ser acompanhado de muita pesquisa e cuidado.

De igual modo, para o incorporador/construtor, há, na construção de um empreendimento imobiliário, uma série de exigências que deverão ser observadas antes, durante e após a entrega das unidades.

Assim, saber exatamente o que será cobrado e o que efetivamente deverá ser pago é de extrema relevância para todas as partes envolvidas, vez que, conforme vimos até aqui, a parcela do financiamento não é o único valor devido.

E para que os encargos contratuais/financeiros possam ser exigidos do adquirente, é necessária a expressa previsão nos instrumentos de compra e venda e de financiamento.

Esperamos que este artigo tenha sido útil para esclarecer os principais aspectos dos juros de obra, como a sua funcionalidade e forma de cobrança.

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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.

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