Introdução 

A regularização da propriedade imobiliária é uma demanda constante no mercado brasileiro e envolve não apenas questões patrimoniais, mas também implicações jurídicas, tributárias e negociais relevantes. Um cenário muito comum (e problemático) ocorre quando o imóvel já foi vendido, mas permanece registrado em nome do vendedor, gerando insegurança jurídica, impedimentos para novas transações e risco de responsabilização fiscal e cível. 

Dando continuidade ao nosso compromisso em fornecer soluções eficazes para demandas imobiliárias, tal como abordado anteriormente no tema da Renúncia do Direito de Propriedade, apresentamos agora um importante instrumento previsto no ordenamento jurídico brasileiro:  a Adjudicação Compulsória Inversa. 

Trata-se de um mecanismo que possibilita ao vendedor – diante da inércia ou recusa do comprador em formalizar a transferência da titularidade – requerer judicial ou extrajudicialmente a adjudicação da propriedade diretamente em nome do adquirente. Essa modalidade inverte a lógica tradicional da adjudicação compulsória, transferindo ao alienante a iniciativa processual para, enfim, desvincular-se do bem e dos ônus a ele associados. 

A evolução legislativa recente, especialmente com a promulgação da Lei nº 14.382/2022, que inseriu o art. 216-B na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973), consolidou a possibilidade de se recorrer também à via extrajudicial, desde que cumpridos determinados requisitos legais, o que representa um avanço expressivo para a desjudicialização e simplificação de procedimentos envolvendo o registro imobiliário. 

É importante destacar que, enquanto a via extrajudicial exige a comprovação do pagamento do ITBI como condição para a lavratura da escritura de adjudicação, a via judicial permite ao vendedor buscar a decisão sem o recolhimento prévio desse tributo, transferindo a obrigação ao comprador, conforme já reconhecido por diversos tribunais no país. 

Nos tópicos a seguir, explicaremos em detalhes como funciona a Adjudicação Compulsória Inversa, seus requisitos, vantagens, caminhos possíveis e cuidados essenciais. Se você vendeu um imóvel que continua em seu nome e está arcando com encargos indevidos, este conteúdo visa ajudá-lo a resolver essa pendência com segurança jurídica e respaldo legal. 

Conceito e Fundamentação Jurídica 

A Adjudicação Compulsória Inversa é um instituto jurídico que, embora recente na prática forense e registral, já se consolida como importante mecanismo de regularização imobiliária. Diferentemente da adjudicação compulsória tradicionalem que o comprador busca o reconhecimento da propriedade em razão da recusa do vendedor em formalizar a escritura —, na modalidade inversa, é o vendedor quem promove a ação para transferir a titularidade ao comprador, diante da inércia deste último em concluir o processo registral. 

A Adjudicação Compulsória encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro desde o Decreto Lei nº 58/1937, que prevê que a inércia do vendedor em outorgar a escritura será corrigida por uma decisão judicial que substituirá o adimplemento da obrigação: 

Art. 16. Recusando-se os compromitentes a outorgar a escritura definitiva no caso do artigo 15, o compromissário poderá propor, para o cumprimento da obrigação, ação de adjudicação compulsória, que tomará o rito sumaríssimo.”  

No mesmo sentido, o Código Civil, em seu art. 1.418, prescreve que “o promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.” 

Já o art. 463 do Código Civil é claro ao prever que “concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive”. 

Ademais, o já mencionado Código Civil permite que o juiz supra a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato, realizado através da expedição de Carta de Adjudicação. 

É o que dispõe o art. 464 do Código Civil: 

Art. 464. Esgotado o prazo, poderá o juiz, a pedido do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caráter definitivo ao contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigação.” 

A norma inovou ao autorizar a adjudicação compulsória — inclusive a inversa — também pela via extrajudicial, sem prejuízo do acesso ao Judiciário. O texto legal estabelece: 

Art. 216-B (Lei nº 6.015/1973): Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo.”  

Com essa inovação normativa, o legislador promoveu maior celeridade e desburocratização na resolução de conflitos fundiários, permitindo ao interessado a possibilidade de optar pela:   

  • Via judicial – através de ação específica perante o Poder Judiciário; 
  • Via extrajudicial – mediante procedimento direto no cartório de registro de imóveis competente. 

Em síntese, a Adjudicação Compulsória Inversa, possibilita ao vendedor regularizar a situação do imóvel, transferindo a propriedade para o comprador, mesmo sem sua colaboração ativa, desde que estejam comprovados o pagamento integral e o cumprimento das demais obrigações contratuais. 

Por que utilizar a Adjudicação Compulsória Inversa? 

A opção pela Adjudicação Compulsória Inversa revela-se uma solução estratégica e eficaz diante de diversos entraves recorrentes na prática imobiliária, sobretudo nos casos em que o imóvel vendido permanece indevidamente em nome do alienante. As principais situações que motivam a utilização desse mecanismo incluem:   

  • Inércia do comprador na lavratura da escritura: Mesmo após o pagamento integral e a posse do bem, é comum que o comprador se omita injustificadamente quanto à formalização da escritura pública, diante dos custos de transferência. 
  • Impossibilidade do comprador: Casos de falecimento, desaparecimento ou incapacidade do comprador inviabilizam o comparecimento para assinatura do ato notarial. 
  • Manutenção de ônus e responsabilidades: Enquanto o imóvel permanece registrado em nome do alienante, ele continua legalmente responsável por tributos, taxas e até ações judiciais relacionadas ao imóvel, ainda que já não o possua de fato. 
  • Dificuldade em novas negociações: A permanência do imóvel em nome do vendedor pode dificultar financiamentos, novas alienações e outros negócios jurídicos que dependam da regularização do bem. 

Entretanto, é fundamental destacar uma diferença importante entre as duas modalidades: o procedimento extrajudicial exige, como condição prévia para a lavratura da escritura, a apresentação da guia do ITBI devidamente quitada. Isso significa que o recolhimento do imposto deve ser realizado antes da formalização da transferência de propriedade no cartório. 

Já na via judicial, há maior flexibilidade quanto a essa exigência. Diversos tribunais estaduais têm reconhecido que, sendo o comprador o responsável legal pelo pagamento do ITBI, é possível que o vendedor obtenha a adjudicação compulsória sem o recolhimento antecipado do tributo. Nesses casos, a sentença judicial supre a vontade do comprador ausente ou omisso, e a carta de adjudicação expedida pelo juízo serve como título hábil para o registro da transferência, cabendo ao tabelião cumprir a ordem judicial, mediante o pagamento apenas dos emolumentos legais correspondentes. 

Assim, embora a via extrajudicial seja geralmente mais célere e econômica, a via judicial pode ser mais vantajosa em contextos específicos, especialmente quando há dificuldades no recolhimento imediato do ITBI ou necessidade de se imputar essa obrigação ao comprador. A escolha entre uma via ou outra deve considerar as particularidades do caso concreto, sempre com o suporte de um profissional especializado em direito imobiliário. 

Passo a Passo da Adjudicação Compulsória Inversa 

Abaixo, explicamos de forma objetiva como se desenvolve cada uma das modalidades: 

1 – Via Judicial: 

A adjudicação compulsória inversa pela via judicial é indicada quando existem entraves que inviabilizam a via extrajudicial, como litígios entre as partes, ausência de documentos exigidos por lei ou dificuldade no recolhimento do ITBI. 

a) Análise Detalhada: O primeiro passo é a análise da viabilidade do caso. Para isso, é fundamental que o vendedor tenha em mãos o contrato de promessa de compra e venda e comprovações de que suas obrigações contratuais foram devidamente cumpridas. 

b) Assessoria jurídica Especializada: A atuação de um advogado com experiência em direito imobiliário é essencial. É ele quem irá avaliar o caso, orientar o cliente, reunir os documentos e elaborar a petição inicial. 

c) Reunião de Documentação: Dentre os documentos normalmente exigidos estão:   

  • Contrato de promessa de compra e venda. 
  • Comprovantes de que o vendedor cumpriu sua parte no contrato (entrega do imóvel etc.). 
  • Documentos pessoais do vendedor e, se possível, do comprador. 

d) Propositura da Ação Judicial: O advogado irá elaborar a petição inicial, apresentando os fatos, os fundamentos jurídicos e os pedidos do vendedor, e ingressará com a ação no foro competente (em regra, o da comarca onde o imóvel está localizado). 

  • Acompanhamento Processual: Monitoramento do andamento do processo, apresentando as manifestações necessárias e acompanhando as decisões judiciais. 
  • Tramitação do Processo: O processo seguirá os trâmites normais da justiça, com possibilidade de audiências, produção de provas e manifestações das partes. 
  • Sentença Judicial: Ao final do processo, o juiz proferirá uma sentença, que poderá julgar procedente ou improcedente o pedido do vendedor.

e) Registro da Carta de Adjudicação: Caso a sentença seja favorável, o juiz expedirá a carta de adjudicação, que será levada ao Cartório de Registro de Imóveis para efetivação da transferência da propriedade. Nessa hipótese, o recolhimento do ITBI poderá ser postergado, recaindo a obrigação sobre o comprador, nos termos da jurisprudência recente do país.  

A decisão do TJ-SP (Processo nº 1001389-56.2021.8.26.0102, maio/2023) ilustra o entendimento sobre adjudicação compulsória inversa. Uma construtora moveu ação contra o promitente comprador inadimplente quanto à transferência de imóvel já quitado. A sentença deferiu a adjudicação, dispensando a escritura e ordenando a transferência (art. 501 do CPC/15), mediante a existência de contrato de promessa de compra e venda, sem cláusula de arrependimento, e pelo pagamento integral. 

Outra decisão do TJ-SP (Apelação nº 1017392-06.2017.8.26.0562, maio/2018) reconheceu o direito do vendedor à regularização da escritura, imputando a mora ao comprador. O julgado confirmou a obrigação do comprador e o direito do vendedor de lavrar a escritura de compra e venda para regularizar a propriedade do imóvel e evitar responsabilidades futuras. 

2 – Via Extrajudicial (Art. 216-B da Lei de Registros Públicos): 

A via extrajudicial é a alternativa preferencial quando todas as condições legais estão presentes e inexiste litígio entre as partes. É mais célere e econômica, mas exige o cumprimento estrito dos requisitos legais. 

a) Análise da Viabilidade: O promitente vendedor, representado por advogado, poderá requerer diretamente ao Cartório de Registro de Imóveis a adjudicação, desde que atendidas as exigências da Lei nº 6.015/73, art. 216-B. 2.

b) Requerimento no Cartório: O pedido deve ser feito diretamente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel. 3.

c) Documentação Necessária (conforme art. 216-B, § 1º):  4.

  1. Instrumento de promessa de compra e venda, de cessão ou de sucessão, quando for o caso;
  2. Prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel. 
  3. Ata notarial lavrada por Tabelião de Notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento. 
  4. Certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda. 
  5. Comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). 
  6. VI – Procuração com poderes específicos.

d)Análise pelo Oficial de Registro: O Oficial do Registro de Imóveis analisará a documentação apresentada, nos termos da legislação registral vigente. Caso sejam constatadas irregularidades, omissões ou inconsistências, o registrador expedirá nota devolutiva fundamentada, indicando expressamente os motivos da recusa e apontando os requisitos legais ou normativos a serem cumpridos para o prosseguimento do procedimento. 

e) Conclusão do Registro: Se tudo estiver em conformidade, o oficial procederá ao registro do domínio em nome do promitente comprador, mediante pagamento dos emolumentos, utilizando como título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou o instrumento que comprove a sucessão (conforme o art. 216-B, § 3º). 

Como se vê, tanto a via judicial quanto a via extrajudicial da Adjudicação Compulsória Inversa possuem etapas bem definidas e exigem análise criteriosa da situação fática e documental. A escolha do caminho mais adequado dependerá do contexto específico do caso, da existência (ou não) de litígios, e da capacidade de reunir toda a documentação exigida pela legislação. 

Independentemente da via escolhida, contar com assessoria jurídica especializada é essencial para garantir a correta condução do procedimento, a proteção dos direitos do vendedor e a regularização definitiva do imóvel, pondo fim às responsabilidades indevidas e trazendo segurança jurídica às partes envolvidas. 

Efeitos da Adjudicação Compulsória inversa 

O efeito primordial do procedimento de Adjudicação Compulsória Inversa reside na transferência compulsória da propriedade do imóvel do vendedor para o comprador, independentemente da anuência deste último. Seja por meio da carta de adjudicação judicial ou do registro extrajudicial, o objetivo central é regularizar a titularidade do bem perante o Cartório de Registro de Imóveis. 

Consequentemente, ocorre a desvinculação legal do vendedor em relação ao imóvel, cessando sua condição de proprietário registral. Tal fato o exime de diversas responsabilidades e encargos inerentes à propriedade, como as obrigações tributárias (IPTU), taxas e despesas condominiais, e a responsabilidade civil por eventuais danos ou litígios relacionados ao bem. 

Ademais, a Adjudicação Compulsória Inversa promove a regularização da situação jurídica do imóvel, alinhando o registro de propriedade com a realidade fática da posse e propriedade do comprador. Essa medida confere segurança jurídica a ambas as partes envolvidas e facilita futuras transações imobiliárias. 

Embora a ação seja iniciada pelo vendedor, seu propósito é compelir o comprador a cumprir sua obrigação de formalizar a transferência da propriedade. A decisão judicial ou o registro extrajudicial suprem a omissão ou inércia do comprador. 

Com a regularização da propriedade, o vendedor adquire a liberdade para realizar novas negociações imobiliárias, sem o impedimento de ter um imóvel já vendido ainda registrado em seu nome. 

Conclusão 

A Adjudicação Compulsória Inversa é uma ferramenta jurídica importante para o vendedor que se encontra em uma situação de impasse na transferência da propriedade de um imóvel já vendido. Ela permite ao vendedor regularizar a situação do imóvel, eliminando responsabilidades tributárias e financeiras, facilitando futuras negociações. 

A possibilidade de realizar o procedimento de forma extrajudicial, com a inclusão do art. 216-B na Lei de Registros Públicos, tornou o processo mais célere e menos burocrático. No entanto, é importante destacar que, nessa modalidade, a guia do ITBI devidamente quitada é um documento obrigatório, devendo ser apresentada previamente à lavratura da escritura pública. 

Por outro lado, a via judicial pode representar uma vantagem para o vendedor, pois é possível obter a decisão judicial de adjudicação compulsória sem a necessidade de pagamento prévio do ITBI, transferindo esse ônus ao comprador. 

Diante disso, é fundamental que o vendedor busque assessoria jurídica especializada para analisar o caso específico, reunir a documentação necessária e dar entrada na ação, seja ela judicial ou extrajudicial, garantindo a proteção de seus direitos e a regularização da situação imobiliária. A compreensão clara do conceito, dos motivos de uso e do passo a passo desse procedimento é essencial para que vendedores e seus advogados possam utilizá-la de forma eficaz e eficiente. 

Lembre-se de que a legislação e a jurisprudência estão em constante evolução e, por isso, contar com a assessoria de um advogado atualizado e especializado é fundamental para garantir a melhor solução para seu caso específico. Consulte nossos especialistas para regularizar a situação do seu imóvel com rapidez, segurança e tranquilidade. 

Esperamos que este artigo tenha fornecido informações valiosas sobre a Adjudicação Compulsória Inversa, auxiliando você a compreender os aspectos legais e práticos desse instituto jurídico. Se você gostou do conteúdo ou ainda possui dúvidas sobre o tema, convidamos você a deixar seu comentário abaixo e a se inscrever em nossa Newsletter para receber nossas próximas publicações em primeira mão. 

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