Em outro artigo do blog, tratamos da diferença entre os contratos de promessa de compra e venda e de compromisso de compra e venda de imóvel.

Naquela oportunidade, vimos que o compromisso cria uma obrigação irretratável entre as partes, de modo que os contratantes deverão, obrigatoriamente, firmar o contrato definitivo de compra e venda. Por sua vez, a promessa de compra e venda, que não tem previsão legal específica, não possui a caraterística de irretratabilidade, ou seja, admite o arrependimento ou desistência.

Até aqui, então, já sabemos que o compromisso se traduz em uma obrigação irretratável. Mas qual a implicação prática disso para as partes?

Uma vez pactuado o compromisso de compra e venda, se as partes não podem mais desistir do negócio, ele, obrigatoriamente, terá de ser concluído. E é justamente nesse contexto que surge o direito à adjudicação compulsória.

Recentemente, foi editada a Lei 14.382, de 27 de junho de 2022, que, além de regulamentar o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP), ampliando os serviços de registro público de forma eletrônica, alterou uma série de dispositivos legais.

Dentre essas alterações, está prevista a possibilidade de se efetuar a adjudicação compulsória pela via extrajudicial, que, até então, só podia ser realizada por meio de ação judicial.

No texto de hoje, trataremos das alterações relativas à adjudicação compulsória extrajudicial e quais as suas consequências para a celebração dos contratos.

O que é adjudicação compulsória extrajudicial?

Antes de tratarmos do procedimento extrajudicial de adjudicação compulsória, é necessário definir o instituto.

A palavra adjudicar significa: “entregar por sentença a posse”, “declarar quem é que tem direito a algo”, ou, ainda, “estabelecer vínculo com”. Veja que o próprio sentido da palavra está atrelado a um ato judicial.

Já o termo compulsório se refere a algo que é obrigatório.

Portanto, a adjudicação compulsória é a entrega de determinado bem por força de decisão judicial.

E como é feita essa entrega do bem?

Em realidade, é necessário o ajuizamento de uma ação para adjudicar o imóvel, considerando a ausência do documento para o registro e transferência do bem, qual seja, a escritura pública e definitiva de compra e venda do imóvel.

Imagine a seguinte situação: o comprador A celebra o compromisso de compra e venda com o vendedor B, para a aquisição do imóvel X.

O comprador A efetua o pagamento acordado, mas, ao final, o vendedor B morre antes de assinar a escritura pública de compra e venda.

Sem a escritura pública, o comprador A não poderá transferir a propriedade do imóvel para o seu nome.

É num cenário como esse que se faz necessário o requerimento de adjudicação compulsória, por meio do qual o juiz autorizará a transferência da propriedade do bem mediante a chamada “Carta de Adjudicação”.

O direito à adjudicação compulsória já estava previsto no Decreto Lei n° 58/1937, que trata sobre loteamentos:

Art. 22. Os contratos, sem cláusula de arrependimento, de compromisso de compra e venda e cessão de direitos de imóveis não loteados, cujo preço tenha sido pago no ato de sua constituição ou deva sê-lo em uma, ou mais prestações, desde que, inscritos a qualquer tempo, atribuem aos compromissos direito real oponível a terceiros, e lhes conferem o direito de adjudicação compulsória nos termos dos artigos 16 desta lei, 640 e 641 do Código de Processo Civil. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973).

Vejamos, ainda, como o Código Civil trata a matéria:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Portanto, para que o comprador tenha o direito à adjudicação compulsória do imóvel, é necessário que o compromisso de compra e venda tenha cláusula de irretratabilidade, ou seja, não permita o arrependimento.

Caso o vendedor se negue a concretizar a compra e venda por meio da escritura pública, ou se a lavratura da escritura se tornar impossível por qualquer motivo, o comprador poderá requerer a adjudicação compulsória.

O requisito de registro do compromisso de compra e venda junto ao Cartório de Registro de Imóveis deixou de ser exigido com a Lei 14.382/2022, corroborando com o entendimento já adotado pelo STJ, na Súmula n° 239: O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

Contudo, tal requisito foi relativizado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se extrai do texto da Súmula n° 239: O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.

Esse entendimento, em síntese, origina-se da classificação da adjudicação compulsória como um direito pessoal e que, portanto, dispensaria o prévio registro no cartório, o que é requisito para direitos reais. Uma vez que a ação de adjudicação fosse julgada procedente, seria expedido o competente título de transferência, tornando, neste momento, obrigatório o seu registro.

Trata-se, por fim, de um entendimento voltado à política social, e que rechaça a tese de que o direito do comprador estaria condicionado ao prévio registro, mesmo após ter adimplido integralmente com sua obrigação.

Ainda que o registro do compromisso de compra e venda nos pareça ser seguro a ambas as partes envolvidas, de fato, não nos parece razoável condicionar o direito de quem cumpriu regularmente sua parte no contrato a uma formalidade.

Feito o negócio, pago o preço, se o vendedor ou um terceiro se negar a outorgar a escritura definitiva de compra e venda, o comprador terá o direito de exigir efetivação da transferência da propriedade.

A grande novidade é a possibilidade da adjudicação (que, pela própria etimologia da palavra, depende de uma decisão judicial) pela via extrajudicial, introduzida pela Lei 14.382/2022, sobre a qual falaremos a seguir.

Adjudicação compulsória extrajudicial

Além de regulamentar o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP), trazendo uma perspectiva de facilitação de acesso aos serviços de registros públicos por meio eletrônico, a Lei 14.382/2022 alterou uma série de dispositivos da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/1973).

Agora, a adjudicação compulsória de imóvel pode ser realizada de forma extrajudicial, ou seja, diretamente em cartório.

A novidade foi inserida no artigo 216-B da LRP:

Art. 216-B. Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel, nos termos deste artigo.  

§ 1º São legitimados a requerer a adjudicação o promitente comprador ou qualquer dos seus cessionários ou promitentes cessionários, ou seus sucessores, bem como o promitente vendedor, representados por advogado, e o pedido deverá ser instruído com os seguintes documentos:  

I – instrumento de promessa de compra e venda ou de cessão ou de sucessão, quando for o caso;  

II – prova do inadimplemento, caracterizado pela não celebração do título de transmissão da propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, contado da entrega de notificação extrajudicial pelo oficial do registro de imóveis da situação do imóvel, que poderá delegar a diligência ao oficial do registro de títulos e documentos;  

III – ata notarial lavrada por tabelião de notas da qual constem a identificação do imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade;  

IV – certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação; 

V – comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI);  

VI – procuração com poderes específicos.  

§ 2º O deferimento da adjudicação independe de prévio registro dos instrumentos de promessa de compra e venda ou de cessão e da comprovação da regularidade fiscal do promitente vendedor.     

§ 3º À vista dos documentos a que se refere o § 1º deste artigo, o oficial do registro de imóveis da circunscrição onde se situa o imóvel procederá ao registro do domínio em nome do promitente comprador, servindo de título a respectiva promessa de compra e venda ou de cessão ou o instrumento que comprove a sucessão.

Pela redação do artigo 216-B, o procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial nos parece, a princípio, simples. Contudo, somente a vivência prática nos mostrará eventuais dificuldades para a efetivação do procedimento.

A lei deixa claro que o uso da via extrajudicial é uma mera faculdade do contratante, que poderá, caso prefira, utilizar-se da via judicial.

Vejamos quais são as exigências para a realização do procedimento pela via extrajudicial:

Quanto ao cartório competente: O procedimento deverá ser realizado junto ao cartório de registro de imóveis da situação do imóvel, ou seja, aquele em que o imóvel está devidamente registrado e possui um número de matrícula.

Quanto aos legitimados para requerer a adjudicação compulsória extrajudicial: O pedido pode ser feito pelo promitente comprador, seus sucessores ou algum cessionário, caso os direitos do compromisso de compra e venda tenham sido cedidos a terceiros.

O requerimento pode, ainda, ser formulado pelo próprio promissário vendedor.

Imagine só a seguinte situação: o comprador efetua o pagamento do preço, mas se nega a celebrar a escritura de compra e venda definitiva, por não ter condições de arcar com o ITBI e as despesas e emolumentos de cartório. Todavia, o vendedor não deseja permanecer, formalmente, como proprietário do imóvel. Nesse caso, ele mesmo poderá requerer a adjudicação compulsória para transferir a propriedade ao comprador. É uma hipótese muito remota, mas possível, e que o legislador teve o cuidado de tratar.

Ressalta-se que tanto promissário comprador quanto o devedor deverão estar devidamente representados por advogado, como na grande maioria dos procedimentos extrajudiciais.

Quanto aos documentos necessários: o requerimento de adjudicação compulsória extrajudicial deverá estar, necessariamente, acompanhado dos seguintes documentos:

  • instrumento particular de compromisso de compra e venda, ou documento que comprove a cessão de direitos ou a sucessão, quando for o caso;
  • prova da negativa de celebração do título definitivo de propriedade, caracterizado pela inércia ou negativa na celebração do título de transmissão de propriedade plena no prazo de 15 (quinze) dias, a partir de notificação extrajudicial prévia pelo oficial do registro de imóveis, ou de registro de títulos e documentos. Assim, o oficial notificará a parte contrária e, após transcorridos 15 dias da notificação, será comprovada a negativa de direito à transmissão da propriedade;
  • ata notarial lavrada no Cartório de Notas, constando a identificação o imóvel, o nome e a qualificação do promitente comprador ou de seus sucessores constantes do contrato de promessa, a prova do pagamento do respectivo preço e da caracterização do inadimplemento da obrigação de outorgar ou receber o título de propriedade;
  • certidões negativas de ação, emitidas pela comarca de situação do imóvel, que comprovem não haver nenhum litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação;
  • comprovante de pagamento do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI);
  • procuração com poderes específicos ao advogado, que será o responsável por apresentar o requerimento e dar o devido andamento ao procedimento, tal como em uma ação judicial;
  • o comprovante de pagamento dos emolumentos de cartório.

Uma vez apresentados os documentos, o oficial de registro de imóveis procederá ao registro em nome do promitente comprador, utilizando como título o próprio documento particular de compromisso de compra e venda, o de cessão de direitos ou o que comprove a sucessão.

Ao que tudo indica, o procedimento parece ser célere e eficaz, trazendo uma resolução rápida a um conflito que, se levado a via judicial, poderia se estender por muitos anos.

Destaca-se que a escolha da via extrajudicial é uma faculdade das partes, já que a modalidade judicial continua válida. Isso ocorre também no caso da usucapião extrajudicial. Inclusive, temos um outro artigo sobre a diferença entre os dois institutos, confira: Diferenças entre usucapião e adjudicação compulsória extrajudicial.

Porém, assim como toda novidade, como a adjudicação compulsória extrajudicial se trata de um instrumento ainda muito recente, as dificuldades somente aparecerão com a prática. Siga acompanhando o nosso blog para acompanhar as novidades!

Conclusão

Como vimos, a adjudicação compulsória é o instrumento cabível quando, firmado um compromisso de compra e venda de imóvel, uma das partes se nega a lavrar escritura pública para a transferência da propriedade do bem, ou a transferência se torna impossível por qualquer motivo.

Nestes casos, atendidos os requisitos da lei, a transferência da propriedade será efetivada independentemente da participação da outra parte.

Até pouco tempo atrás, o pedido de adjudicação compulsória só podia ser feito de forma judicial.

Agora, a possibilidade da via extrajudicial, o procedimento tende a ser mais célere e menos oneroso, trazendo uma resolução eficaz para a parte que se sentir lesada com a negativa de outorga da escritura definitiva de compra e venda de imóvel.

Esperamos que este conteúdo tenha te ajudado a entender um pouco mais sobre o tema.

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*Imagens de Getty Images no Canva Pro.

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