Se você já pensou em participar de um leilão de imóveis, certamente já se perguntou sobre a responsabilidade do arrematante por débitos do imóvel adquirido por essa via.
De fato, é importante que o interessado entenda, por exemplo, quais obrigações podem ser transmitidas a ele juntamente com o imóvel e os riscos aos quais ele estará sujeito, caso seja o arrematante.
O leilão de imóveis é uma operação muito comum em procedimentos de recuperação de crédito e, para quem está “fora” da relação credor-devedor, uma oportunidade interessante para a aquisição de bens.
Os valores para arrematação de imóvel em leilão, muitas vezes, são bastante atrativos e brilham os olhos do interessado.
Mas a empolgação não pode ser maior do que a cautela: assim como em qualquer negociação imobiliária, o adquirente deve se certificar de que entendeu todas as condições do negócio e os riscos que eventualmente estiver assumindo.
No artigo de hoje, falaremos sobre a responsabilidade do arrematante por débitos do imóvel, tendo como base a lei e o entendimento jurisprudencial sobre o tema.
Índice
O que é como funciona o leilão de imóveis?
Leilão é uma forma de alienação de bens em que os interessados disputam um bem, aumentando gradualmente suas ofertas. O arrematante, ou vencedor, será aquele que der o lance mais alto.
Existem diversas modalidades de leilão, mas, neste artigo, falaremos somente dos leilões de imóveis realizados em procedimentos de expropriação, ou seja, em processos de recuperação ou satisfação de crédito, judiciais ou administrativos.
É o caso, por exemplo, de leilões de imóveis com alienação fiduciária em garantia, ou procedimentos de execução judicial de dívida.
Nessas hipóteses, o leilão pode ocorrer na modalidade extrajudicial ou judicial.
Para contextualizar o leitor, antes de tratar especificamente sobre a responsabilidade do arrematante por eventuais débitos do imóvel, falaremos resumidamente sobre essas modalidades de leilão.
Leilão extrajudicial
O leilão extrajudicial de imóveis, como o nome leva a crer, ocorre sem a intervenção do Poder Judiciário, ou seja, sem a necessidade de processo judicial.
Como forma de recuperação de crédito, o leilão extrajudicial pode ocorrer, por exemplo, dentro do procedimento de execução da garantia de alienação fiduciária, previsto na Lei nº 9.514/1997.
Imagine que Bruna (nome fictício) deseje comprar um bem móvel, mas não tem todo o dinheiro necessário. Assim, ela recorre ao Banco X para realizar um financiamento (empréstimo).
Para conceder o financiamento, o Banco X exigirá uma garantia, que poderá ser o próprio imóvel a ser adquirido por Bruna. Após o registro da garantia, então, o Banco X será o credor e proprietário fiduciário do imóvel.
A garantia vigerá até que todas as parcelas do financiamento sejam quitadas. Em caso de inadimplemento, o Banco X poderá executar a garantia, em procedimento realizado pelo cartório onde o imóvel estiver registrado.
Se Bruna não pagar a dívida, a propriedade do imóvel se consolidará em nome do Banco X, que deverá leiloá-lo.
O montante obtido com a arrematação, então, será utilizado para quitação da dívida de Bruna. Se houver um saldo positivo após a quitação da dívida e das despesas relacionadas ao leilão, esse valor será devolvido a ela.
O leilão, nesse caso, é realizado por leiloeiros particulares e, hoje em dia, de forma virtual.
Leilão judicial
O leilão judicial, por sua vez, ocorre com a intervenção do Judiciário, durante o trâmite de um processo judicial.
Essa modalidade de leilão pode ocorrer na fase expropriatória de procedimentos de Cumprimento de Sentença ou em Ação de Execução.
Por exemplo, quando um devedor, cobrado via processo judicial, não paga a dívida, um dos meios de se forçar o cumprimento da obrigação é a penhora de bens. Se um imóvel de propriedade do devedor for penhorado, ele poderá ser leiloado, a fim de que o valor da arrematação seja utilizado para a quitação do débito.
Nesse caso, o imóvel será avaliado por um Oficial de Justiça e, se o valor da arrematação for superior ao valor da dívida, o que sobrar será destinado ao devedor.
Responsabilidade do arrematante por débitos do imóvel
O arrematante, como vimos, é aquele que oferece o maior lance do leilão e adquire a propriedade do bem.
Com a concretização do leilão, portanto, a propriedade do imóvel é transmitida ao arrematante, assim como numa compra e venda.
Porém, assim como na compra e venda, se houver débitos vinculados ao imóvel, como dívidas de IPTU e condomínio, eles serão transmitidos ao adquirente.
No caso da aquisição via leilão, como os preços, muitas vezes, são mais atrativos do que no mercado tradicional, é comum que o interessado esteja disposto a assumir eventuais dívidas do bem, desde que o saldo final ainda seja vantajoso.
Vejamos, então, qual é a responsabilidade do arrematante pelos débitos do imóvel.
Responsabilidade pelos débitos condominiais
A dívida de condomínio possui natureza de obrigação propter rem, ou seja, é uma a obrigação vinculada ao direito real de propriedade e, por isso, acompanha o bem.
Isso significa, em regra, que, ainda que seja referente a parcelas anteriores à transmissão da propriedade, a dívida de condomínio será de responsabilidade do novo proprietário. Trata-se de previsão legal, contida no artigo 1.345 do Código Civil:
Art. 1.345. O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.
No caso da aquisição de imóvel por meio de leilão, porém, a responsabilidade do arrematante será definida pelo conteúdo do edital, instrumento que rege o ato, independentemente da modalidade (judicial ou extrajudicial).
O edital deve conter todas as informações relevantes sobre o imóvel, como, por exemplo, a localização do bem, as suas características, estado de conservação, situação (se está ou não ocupado) e a existência de débitos vinculados, como dívidas de condomínio e IPTU.
Nesse sentido, se houver menção expressa, no edital, a débitos condominiais vencidos, o arrematante deverá arcar com essa dívida, já que ela se transmite com o imóvel e o adquirente optou por arrematar o bem nessas condições.
Por outro lado, se o edital não mencionar a existência de débitos condominiais, ou mencionar, mas determinar expressamente a isenção de responsabilidade do arrematante, ele não poderá ser cobrado por essa dívida.
A responsabilidade do arrematante pelos débitos condominiais do imóvel depende, portanto, do edital do leilão.
Esse é o entendimento majoritário dos Tribunais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça.
Contudo, ainda existe controvérsia em torno do assunto.
É que o art. 908, §1º do Código Civil prevê que, existindo débito condominial, o valor obtido com a arrematação do imóvel deverá ser destinado, também, ao pagamento do débito de condomínio. Assim, o valor do débito condominial seria descontado do valor da arrematação, isentando o arrematante da responsabilidade por tal dívida.
Embora essa regra esteja prevista no Código de Processo Civil, na prática, verifica-se que os tribunais continuam atribuindo ao edital a definição da responsabilidade do arrematante.
Responsabilidade pelos débitos tributários
Assim como os débitos de condomínio, a dívida de IPTU tem a mesma característica propter rem e também acompanha o imóvel.
O Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana tem como fato gerador a propriedade do bem imóvel e é exigível do proprietário atual do bem, de acordo com o art. 130 do Código Tributário Nacional:
Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.
Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.
Veja-se que o parágrafo único do referido dispositivo trata expressamente da hipótese de arrematação em hasta pública, ou seja, em leilão. De acordo com a referida norma, o preço pago pelo arrematante deverá ser destinado ao pagamento da dívida de IPTU, e o saldo, se houver, será utilizado para pagamento da dívida que deu origem ao ato.
Ocorre que, mesmo diante da previsão legal, ainda existe controvérsia em relação à responsabilidade do arrematante por débitos de IPTU. Parte da jurisprudência entende que o que determina a responsabilidade do arrematante é o edital, ainda que a lei disponha de forma contrária.
Em razão da significativa quantidade de processos relacionados a esse assunto, o tema foi afetado para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, cadastrado como Tema 1.134, com a seguinte questão: “Responsabilidade do arrematante pelos débitos tributários anteriores à arrematação, incidentes sobre o imóvel, em consequência de previsão em edital de leilão“.
Com isso, todos os processos com o mesmo assunto ficarão suspensos até o julgamento do recurso afetado, cuja decisão deverá ser aplicada a todos os casos semelhantes, uniformizando-se, assim, a jurisprudência sobre o tema.
Responsabilidade do arrematante por débitos do imóvel vencidos entre a arrematação e a imissão na posse
Quanto às despesas condominiais e de IPTU com vencimento posterior à arrematação, também há controvérsia: uns entendem que a responsabilidade do arrematante se inicia com a lavratura do auto de arrematação, outros entendem que o arrematante só se tornará responsável quando receber a posse do bem, e que a responsabilidade no período entre a arrematação e a imissão na posse seria do ocupante.
De fato, nem sempre o arrematante do imóvel consegue exercer a posse do bem logo após a arrematação.
Além dos trâmites judiciais e em cartório para formalizar a arrematação e transferência da propriedade, que, infelizmente, podem demorar muito mais que o necessário, pode ser necessário retirar o ocupante do imóvel de forma coercitiva, ou seja, por meio de processo judicial.
Caso o leilão tenha ocorrido na modalidade extrajudicial, o arrematante precisará ajuizar uma ação de imissão na posse a fim de obter uma ordem judicial de desocupação do imóvel.
Já se o leilão tiver sido judicial, a desocupação do imóvel pode ser determinada na própria ação que originou o ato.
Seja como for, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de que o arrematante se torna responsável pelas despesas condominiais logo após a lavratura do auto de arrematação, independentemente de o arrematante estar na posse do imóvel.
Destaca-se, nesse sentido, o julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.921.489/RJ:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IPTU. RESPONSABILIDADE DO ARREMATANTE POR DÉBITOS POSTERIORES À ARREMATAÇÃO.
- Constou expressamente do acórdão recorrido que: “Assim, se depois de formalizada a arrematação ela é considerada perfeita, ainda que haja morosidade dos mecanismos judiciais na expedição da carta de arrematação, para a devida averbação no RGI, o entendimento é no sentido de que os débitos fiscais deverão ser suportados pelo arrematante”. Esse entendimento não merece reparo. Isso porque a regra contida no art. 130, parágrafo único, do CTN não afasta a responsabilidade do arrematante no que concerne aos débitos de IPTU posteriores à arrematação, ainda que postergada a respectiva imissão na posse.
- Ressalte-se que a pendência de julgamento do Tema Repetitivo 1.134 (Primeira Seção, Rel. Min. Assusete Magalhães) não impede o julgamento do presente recurso, porquanto a questão submetida a julgamento pelo regime dos recursos repetitivos abrange a responsabilidade do arrematante pelos débitos tributários anteriores à arrematação, incidentes sobre o imóvel, em virtude de previsão em edital de leilão.
- Agravo interno não provido.
(AgInt no REsp n. 1.921.489/RJ, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 28/2/2023, DJe de 7/3/2023.)
O que acontece se o arrematante não pagar os débitos anteriores à arrematação?
Existindo débitos anteriores à arrematação, devidamente indicados no edital do leilão, o que acontece se o arrematante deixar de pagá-los?
Assumindo-se que a responsabilidade seja, mesmo, do arrematante, se ele não quitar os débitos de IPTU e condomínio do imóvel, o arrematante poderá ser cobrado diretamente por tais dívidas, já que será o novo proprietário.
Havendo processo em curso, o polo passivo (pessoa que sofre a cobrança) poderá ser modificado, substituindo-se o devedor original pelo arrematante.
Por fim, o imóvel arrematado poderá até mesmo ser penhorado novamente para, com a nova arrematação, quitar a dívida.
Conclusão
A responsabilidade do arrematante por débitos do imóvel adquirido em leilão ainda é um tema controverso no Direito Imobiliário e Processual Civil.
Embora a lei trate do assunto, tanto no Código Civil quanto no Código Tributário Nacional, a jurisprudência ainda não é pacífico.
Quanto aos débitos condominiais, vimos que o entendimento predominante no STJ é de que, se estiverem discriminados no edital do leilão, a responsabilidade será do arrematante.
Em relação aos débitos de IPTU, apesar de haver previsão expressa na legislação tributária no sentido de que a dívida será paga com o valor da arrematação, muitos editais preveem que a responsabilidade será do arrematante, o que motiva intensa discussão judicial. Por isso, o tema foi afetado para julgamento pelo STJ sob o rito dos recursos repetitivos.
Já os débitos vencidos após a arrematação, mas antes de o arrematante receber a posse do imóvel, devem ser arcados pelo arrematante, conforme entendimento do Tribunal Superior.
Como se vê, é essencial que o interessado em arrematar um imóvel em leilão tenha clareza sobre o negócio e sobre as obrigações que poderá assumir caso seja o arrematante.
Além de se certificar sobre a existência de débitos vinculados ao imóvel, anteriores à arrematação, também é importante fazer uma análise completa do procedimento que deu origem ao leilão, a fim de se resguardar de eventual alegação de nulidade, por exemplo.
A due diligence imobiliária não é um trabalho restrito a operações de compra e venda ou permuta de imóveis, podendo, também, ocupar uma posição importantíssima na assessoria jurídica do arrematante.
Aliás, justamente por ser uma operação muitas vezes bastante vantajosa para o arrematante, que adquire o bem por um valor inferior ao de mercado, é que alguns detalhes podem passar despercebidos para ele.
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