Quando escrevemos sobre o procedimento de licenciamento ambiental, destacamos que ele tem como função precípua a proteção do meio ambiente, limitando e por vezes até impedindo o exercício de atividades econômicas quando elas forem capazes, potencial ou efetivamente, de causar qualquer tipo de degradação ambiental.

Ao lado do licenciamento ambiental e de outros importantes instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, esta cunhada antes mesmo da atual Constituição Federal, a definição de espaços especialmente protegidos já era uma preocupação do legislador.

Dentre tais espaços, um dos mais relevantes é a área de preservação permanente (APP), que remonta ao longínquo ano de 1934, no seio do primeiro Código Florestal Brasileiro (Decreto 23.793/1934), que, em seu artigo 8º, considerava de “conservação perene (…) as florestas protetoras e remanescentes”, reconhecendo a importância ecológica e ambiental de tais formações vegetais.

Posteriormente, já na vigência do segundo Código Florestal Brasileiro (Lei 4.771/1965), editou-se a Medida Provisória 2.166-67/2001, que, pela primeira vez, trouxe a expressão área de preservação permanente ao contexto legal, inaugurando o conceito que foi recepcionado, com levíssimas alterações, pelo terceiro e atual Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/2012).

Hoje dedicaremos um tempo para estudar esse importante instituto da APP, examinando, dentre outros aspectos, sua definição legal, principais funções e espécies.

 

Definição legal de Área de Preservação Permanente (APP)

 

Para se entender a essência da APP, deve-se ter em mente que o seu principal objetivo é prover as condições para que a própria natureza se recupere e/ou mantenha uma determinada área em suas condições originais/nativas, ou pelo menos bem próxima delas.

Como todos os elementos naturais, sejam eles seres vivos ou não, se interrelacionam e são interdependentes, formando um complexo e dinâmico sistema, a proteção de determinadas áreas, em especial as APP´s, é indispensável para se garantir o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, preservando-o para as presentes e futuras gerações.

De uma só vez, a APP cumpre pelo menos três obrigações garantidoras de tal direito constitucional:

 

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

(…)

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;  

(…)

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

 

O inciso III do artigo 225, acima transcrito, é a base constitucional que sustenta a APP, mas a sua definição legal está disposta, efetivamente, na Lei 12.651/2012, atual Código Florestal:

 

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

(…)

II – Área de Preservação Permanente – APP: área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas;

 

Logo, uma Área de Preservação Permanente será sempre uma área protegida e altamente regulada contra a atividade humana, esteja ou não coberta por vegetação nativa, contando com nada menos do que 7 funções ambientais, que serão exploradas em tópico próprio, mais adiante.

Uma APP, para ser instituída e protegida, não depende previamente de nenhum cadastro, registro ou aprovação.

Ela já existirá, por força de lei (ope legis) ou de ato do Chefe do Poder Executivo, quando em qualquer imóvel, urbano ou rural, se verificarem as condições pré-estabelecidas, que vão desde a existência de um corpo d´água até a de complexos biomas, como a restinga.

Vejamos, então, quais são as espécies de APP.

 

Espécies de APP

 

Via de regra, a APP pode existir por força de previsão legal ou por ato do Chefe do Poder Executivo.

 

APP instituída por lei

 

Independentemente da localização, natureza (urbana ou rural) e titulação (pública ou privada) de qualquer imóvel situado no território nacional, serão consideradas áreas de preservação permanente (artigo 4º do Código Florestal):

 

I – as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:

a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;

b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;

c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

II – as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:

a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;

b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;

III – as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;

IV – as áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;

V – as encostas ou partes destas com declividade superior a 45º, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;

VI – as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

VII – os manguezais, em toda a sua extensão;

VIII – as bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;

IX – no topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25º, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;

X – as áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;

XI – em veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado.

 

As quatro primeiras espécies são relacionadas à proteção de recursos hídricos e serão maiores ou menos a depender da dimensão do próprio corpo hídrico que se destinam a proteger, assim como de sua localização rural ou urbana (para o caso de lagos ou lagoas).

Para explicar a razão por trás da instituição de APP´s ao redor de recursos hídricos, invocamos brilhante exposição do Ministro Herman Benjamim, do Superior Tribunal de Justiça – reconhecido por sua consistente defesa do meio ambiente –, que consignou, no julgamento do Recurso Especial nº 1245149, o seguinte:

 

ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE CILIAR (…)

2. Primigênio e mais categórico instrumento de expressão e densificação da “efetividade” do “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, a Área de Preservação Permanente ciliar (= APP ripária, ripícola ou ribeirinha), pelo seu prestígio ético e indubitável mérito ecológico, corporifica verdadeira trincheira inicial e última – a bandeira mais reluzente, por assim dizer – do comando maior de “preservar e restaurar as funções ecológicas essenciais”, prescrito no art. 225, caput e § 1º, I, da Constituição Federal.

3. Aferrada às margens de rios, córregos, riachos, nascentes, charcos, lagos, lagoas e estuários, intenta a APP ciliar assegurar, a um só tempo, a integridade físico-química da água, a estabilização do leito hídrico e do solo da bacia, a mitigação dos efeitos nocivos das enchentes, a barragem e filtragem de detritos, sedimentos e poluentes, a absorção de nutrientes pelo sistema radicular, o esplendor da paisagem e a própria sobrevivência da flora ribeirinha e fauna. Essas funções multifacetárias e insubstituíveis elevam-na ao status de peça fundamental na formação de corredores ecológicos, elos de conexão da biodiversidade, genuínas veias bióticas do meio ambiente. Objetivamente falando, a vegetação ripária exerce tarefas de proteção assemelhadas às da pele em relação ao corpo humano: faltando uma ou outra, a vida até pode continuar por algum tempo, mas, no cerne, muito além de trivial mutilação do sentimento de plenitude e do belo do organismo, o que sobra não passa de um ser majestoso em estado de agonia terminal.

 

De fato, a um só tempo a APP conhecida por mata ciliar garante não só a preservação da qualidade da água, mas também a melhoria do próprio solo, que absorve mais nutrientes e “segura” enchentes, além da proteção da fauna e flora.

Se você está pensando que “ciliar” vem de “cílios”, invocando analogicamente a sua importância para os olhos, a ideia está correta.

Nos incisos V, VIII, IX e X, a principal justificativa para a existência de APP´s é a estabilidade geológica, haja vista que a retirada da cobertura vegetal deixa o solo diretamente exposto à ação climática (principalmente chuvas e ventos), potencializando o risco de deslizamentos e erosões.

A declividade superior a 45º caracteriza uma encosta bastante íngreme, exercendo a vegetação uma função primordial para garantir a estabilidade do morro, não só em função das raízes, mas também em virtude da copa das árvores. As copas mitigam a ação das precipitações sobre o solo, viabilizando a melhor absorção da água, evitando a “lavagem” da camada mais superficial e abastecendo as nascentes.

A preservação dos topos de morros e montanhas, assim como das bordas de tabuleiros, por sua vez, ajuda na manutenção da biodiversidade e reduz os riscos de erosão e descolamento de rochas (vale lembrar, aqui, sobre a tragédia ocorrida no início de 2022 em Capitólio/MG).

Já as APP´s em locais com altitude superior a 1.800 metros se justificam em virtude da alta biodiversidade e do endemismo de determinadas espécies de fauna e flora.

Finalmente, as demais espécies de Áreas de Preservação Permanentes (restingas, manguezais e veredas) se fundam em biomas que exercem importantes funções ambientais.

 

APP instituída por ato do Chefe do Executivo

 

Além das espécies legais pré-definidas de APP, o artigo 6º do Código Florestal ainda permite que o “Chefe do Poder Executivo”, declarando determinas áreas como de interesse social, institua novas APP´s.

Por força do artigo 23 da Constituição Federal, é competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios tanto a proteção do meio ambiente (inciso VI) quanto a preservação das florestas, da fauna e da flora (inciso VII). Portanto, não há dúvida de que, ao se referir ao “Chefe do Poder Executivo”, a lei delegou tanto ao Presidente da República quanto aos Governadores (estaduais e distritais) e Prefeitos a atribuição de instituir, em suas respectivas esferas de governo, APP´s para além daquelas já estabelecidas em lei, desde que seja declarado o interesse social.

Logo, quando as áreas cobertas por florestas ou outras formas de vegetação estiverem destinadas a alguma das finalidades a seguir, o Chefe do Poder Executivo, reconhecendo o fato, poderá constituir APP para:

 

I – conter a erosão do solo e mitigar riscos de enchentes e deslizamentos de terra e de rocha;

II – proteger as restingas ou veredas;

III – proteger várzeas;

IV – abrigar exemplares da fauna ou da flora ameaçados de extinção;

V – proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico, cultural ou histórico;

VI – formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias;

VII – assegurar condições de bem-estar público;

VIII – auxiliar a defesa do território nacional, a critério das autoridades militares.

IX – proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional.

 

É de se notar que os cenários são, de certa forma, mais amplos e genéricos, justamente para viabilizar um juízo discricionário, inerente à Administração Pública, na formulação de Políticas Públicas e de proteção ambiental.

 

Principais funções de uma Área de Preservação Permanente

 

Em maior ou menor grau, cada espécie de Área de Preservação Permanente se destina a cumprir uma função ambiental, tendo a legislação citado, exemplificativamente, 7 delas, a saber:

 

  1. Preservação dos recursos hídricos;
  2. Preservação da paisagem;
  3. Preservação da estabilidade geológica; 
  4. Preservação da biodiversidade;
  5. Facilitação do fluxo gênico de fauna e flora,
  6. Proteção do solo; e
  7. Garantia do bem-estar das populações humanas.

 

Algumas das funções listadas se revelam de forma mais óbvia, como a preservação dos recursos hídricos (mais associada às matas ciliares), da estabilidade geológica (nas APP´s de encostas, topos de montanhas e morros e altitude) e proteção do solo (de forma geral, em todas as APP´s).

A preservação da paisagem é uma função mais estética que, ao mesmo tempo, contribui para outra função, que á de garantia do bem-estar das populações humanas.

Afinal, como já visto, é direito constitucional de todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

De especial relevo, e também contribuindo com o bem-estar humano, é a preservação da biodiversidade, sem a qual muitas das atividades e soluções do homem se inviabilizariam, e a facilitação do fluxo gênico de fauna e flora, a garantir a perpetuação das espécies e a aplicação prática da famosa teoria de Darwin sobre a seleção natural e a evolução das espécies.

Naturalmente, a relevância e o efeito benéfico das APP´s não se limitam às 7 funções listadas na lei, sendo elas uma peça-chave para a efetiva preservação e restauração das funções ecológicas mais básicas, potencialmente corrompidas ou afetadas pela atividade humana.

 

Exceções

 

Como, para toda regra, há exceções, o Código Florestal previu algumas hipóteses em que a Área de Preservação Permanente não precisará ser observada. São elas:

 

  • No entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d´água naturais (logo, se você fizer, por exemplo, um pequeno lago na sua propriedade rural, não precisará respeitar APP em volta dele);
  • Nas acumulações naturais ou artificiais de água com superfície inferior a 1 hectare, embora seja vedada, em tais casos, a nova supressão de áreas de vegetação nativa sem a prévia autorização do órgão ambiental competente;
  • Na pequena propriedade ou posse rural familiar (área menor do que 4 módulos fiscais, explorada mediante o trabalho pessoal do agricultor familiar e empreendedor familiar rural), admitindo-se o plantio de culturas temporárias e sazonais de vazante de ciclo curto na faixa de terra que fica exposta no período de vazante (seca) dos rios ou lagos, que, em rigor, é uma APP, desde que, cumulativamente, não implique supressão de novas áreas de vegetação nativa, conserve-se a qualidade da água e do solo e seja protegida a fauna silvestre;
  • Nas áreas urbanas consolidadas, caso o município legisle nesse sentido (ver tópico a seguir); e
  • Nas áreas rurais consolidadas (ver tópico próprio, abaixo).

 

APP em área urbana consolidada

 

Em dezembro de 2021 foi promulgada a Lei 14.285 que, além de alterar a Lei 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, também inaugurou, no Código Florestal, o conceito de área urbana consolidada.

Até então, existia um conflito direto entre a proteção conferida pela Lei 6.766/79 às “águas correntes” (faixa não edificável de 15 metros) e APP definida no Código Florestal para os recursos hídricos que, como visto, tem medida mínima de 30 (trinta) metros.

Ao julgar a divergência sob o rito dos recursos repetitivos (Tema Repetitivo nº 1010), o Superior Tribunal de Justiça fixou a tese de que o Código Florestal, por garantir proteção mais ampla ao meio ambiente, deveria prevalecer sobre a Lei de Parcelamento do Solo.

Menos de um ano depois da apresentação desse entendimento, coube ao Congresso, com a promulgação da aludida Lei 14.285/2021, dispor em sentido conflitante para, na tentativa de agradar “gregos e troianos”, extirpar da Lei 6.766/1979 a previsão da faixa non aedificandi de 15 metros nas áreas urbanas consolidadas, eliminando a divergência entre diplomas normativos, mas, ao mesmo tempo, atribuir aos municípios a competência para, discricionariamente, reduzir a faixa de APP mínima prevista no Código Florestal.

Na prática, à exceção de municípios com governos mais inclinados à proteção ambiental, a tendência provável é a de se reduzir a faixa de APP ao longo dos cursos d´água em áreas urbanas consolidadas, seja para permitir a regularização fundiária de locais irregularmente ocupados, seja para garantir uma maior arrecadação com a implantação de empreendimentos imobiliários nessas áreas.

A permissão para isso está, agora, expressa no § 10 do artigo 4º do Código Florestal:

 

§ 10. Em áreas urbanas consolidadas, ouvidos os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente, lei municipal ou distrital poderá definir faixas marginais distintas daquelas estabelecidas no inciso I do caput deste artigo, com regras que estabeleçam: 

I – a não ocupação de áreas com risco de desastres; 

II – a observância das diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico, se houver; e  

III – a previsão de que as atividades ou os empreendimentos a serem instalados nas áreas de preservação permanente urbanas devem observar os casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental fixados nesta Lei.  

 

Para arrematar, registre-se que o inciso XXVI do artigo 3º do Código Florestal delimita o que pode ser considerada uma área urbana consolidada:

 

Art. 3º Para os efeitos desta Lei, entende-se por:

(…)

XXVI – área urbana consolidada: aquela que atende os seguintes critérios:

a) estar incluída no perímetro urbano ou em zona urbana pelo plano diretor ou por lei municipal específica;

b) dispor de sistema viário implantado;

c) estar organizada em quadras e lotes predominantemente edificados;

d) apresentar uso predominantemente urbano, caracterizado pela existência de edificações residenciais, comerciais, industriais, institucionais, mistas ou direcionadas à prestação de serviços; 

e) dispor de, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados:  

1. drenagem de águas pluviais;

2. esgotamento sanitário;

3. abastecimento de água potável;

4. distribuição de energia elétrica e iluminação pública; e

5. limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos;

 

Área rural consolidada

 

Em paralelo à área urbana consolidada, igualmente foi contemplada com um “relaxamento legal” a chamada área rural consolidada, que, de acordo com o inciso IV do mesmo artigo 3º do Código Florestal, é a “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio”.

O pousio nada mais é do que um descanso concedido ao solo para que ele recupere seu potencial de fertilidade depois da plantação e colheita.

Logo, para que uma área rural seja considerada “consolidada”, deve-se provar que ela já estava ocupada antes de 22 de julho de 2008 com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris (agricultura, silvicultura ou pecuária), ainda que, na ocasião do marco temporal fixado, a área estivesse em regime de pousio.

Feita tal comprovação, o proprietário contará com a benesse de continuar exercendo as atividades anteriores, sem punição, devendo apenas recompor faixas consideravelmente menores do que as aplicáveis pela regra geral, conforme disposto nos artigos 61-A, 61-B e 61-C do Código Florestal.

Grosso modo, essa previsão é uma clara anistia a proprietários de imóveis rurais, incentivando, de maneira indireta, o descumprimento de obrigações legais.

 

É possível intervir em APP?

 

Via de regra, a vegetação situada em uma APP deve ser mantida e/ou recomposta pelo proprietário da área, a teor do artigo 7º do Código Florestal.

Por se tratar de um espaço protegido, não se admite qualquer intervenção na APP sem prévia e expressa autorização do órgão ambiental competente (que, como visto no artigo sobre o licenciamento ambiental, poderá ser das esferas federal, estadual ou municipal), salvo em “caráter de urgência, de atividades de segurança nacional e obras de interesse da defesa civil destinadas à prevenção e mitigação de acidentes em áreas urbanas” (§ 3º do artigo 8º do Código Florestal).

Além disso, se houver ocorrido supressão não autorizada de vegetação situada em APP, o proprietário do imóvel, ainda que não tenha sido responsável pelo desmatamento, será obrigado a recompor a vegetação, conforme previsto no § 1º do artigo 7º da lei em referência.

Não fosse o suficiente, o § 2º do mesmo artigo 7º classifica a obrigação de recomposição da APP como direito real, transmissível ao sucessor em caso de alienação no imóvel, mostrando-se, nesse cenário, extremamente relevante, na aquisição de qualquer imóvel, a prévia e completa realização de uma due diligence imobiliária.

Afinal, note que, se você vier a adquirir um imóvel rural, para quaisquer fins, que tenha áreas de APP com vegetação suprimida, terá, inevitavelmente, de recompor tal vegetação, sujeitando-se, em caso de descumprimento, às penalidades legais (que serão vistas no próximo tópico).

Só se admite a intervenção humana e a supressão de vegetação nativa em APP´s em três hipóteses gerais, quais sejam, utilidade pública, interesse social ou intervenção de baixo impacto ambiental.

Vejamos, em tabela, o que é contemplado em cada um desses gêneros, descritos em diferentes incisos do artigo 3º do Código Florestal:

 

Intervenção em APP - Utilidade pública - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

 

Intervenção em APP - Interesse social - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

 

Intervenção em APP - Baixo impacto - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

 

Sempre tenha em mente que, mesmo que a hipótese desejada de intervenção se enquadre perfeitamente em uma das exceções legalmente previstas, ainda assim será necessária a prévia autorização do órgão ambiental para que a supressão da vegetação nativa possa ser realizada, sendo a inobservância de tal exigência punida, além de multa, com a obrigação de recomposição da vegetação, ou seja, a intervenção não autorizada em APP, depois de 22 de julho de 2008, não é passível de posterior regularização.

Em outras palavras, enquanto não for recomposta a vegetação suprimida sem autorização, é vedada a concessão de novas autorizações de supressão de vegetação (§ 3º do artigo 7º do Código Florestal).

Ainda, a depender da espécie da Área de Preservação Permanente, não será possível o enquadramento de algumas das hipóteses gerais previstas na tabela acima.

Para a supressão de vegetação nativa em nascentes, dunas e restingas, apenas serão admitidas as hipóteses de utilidade pública.

Já nas restingas fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues, assim como nos manguezais, em toda a sua extensão, a intervenção é excepcionalmente admitida apenas nos locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida para execução de obras habitacionais e de urbanização, em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda. Isso é de especial relevância para a regularização fundiária em cidades costeiras.

 

Penalidades por intervenção não autorizada

 

“Não sabia das restrições, desmatei e intervi em APP. E agora?

Sinto dizer, mas, além das sanções administrativas e civis, você estará sujeito a uma ação penal.

O § 3º do artigo 225 da Constituição Federal é claro a respeito das três dimensões de responsabilidade:

 

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

 

Já há muito, doutrina e jurisprudência são pacíficas acerca da natureza objetiva da responsabilidade civil por dano ambiental, o que significa que, independentemente de culpa ou dolo, ou seja, mesmo que você cometa uma infração ambiental sem saber que o está fazendo, há o dever de indenizar.

Essa responsabilidade objetiva se funda no § 1º do artigo 14 da já mencionada Lei 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente:

 

Art. 14 – Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

(…)

§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

 

Logo, sempre que uma intervenção não autorizada em APP causar um efetivo dano ambiental (e a supressão de espécies nativas, por si só, é um dano ambiental), o proprietário do imóvel responderá objetivamente pela indenização/compensação do referido dano. Essa é, essencialmente, a responsabilidade civil.

Na esfera administrativa, há a previsão de sanções pecuniárias (ou seja, multa) e não pecuniárias (como advertência, apreensão de animais e produtos florestais, embargo de obra ou atividade, demolição, dentre outros) tanto na legislação federal (artigo 72 da Lei 9.605/1998) quanto nas leis estaduais e municipais.

A título de exemplo, no estado de Minas Gerais as sanções administrativas estão elencadas no Decreto 47.383/2018, que contém nada menos do que 8 (oito) penalidades relacionadas a intervenções indevidas em APP, com multas que variam, em 2022, entre R$ 477,03 e R$ 14.310,90 por hectare atingido (algumas penalidades ainda são multiplicadas por exemplar suprimido).

Finalmente, a mais temida dimensão da responsabilidade: a criminal.

A já citada Lei 9.605/1998, em conjunto com as sanções administrativas, também estabelece as sanções penais às quais se sujeitam aqueles que cometem crimes ambientais.

Ao contrário da responsabilidade civil, que é objetiva, tanto a responsabilidade administrativa quanto a criminal são subjetivas, ou seja, dependem de culpa do agente.

É importante registrar que os crimes previstos na referida lei podem ser cometidos por pessoas físicas ou jurídicas. Quando forem realizados pelas últimas, seus diretores, administradores, membros de conselho e de órgão técnico, auditores, gerentes, prepostos e até mandatários podem, por força do artigo 2º, serem diretamente responsabilizados, na medida da sua culpabilidade.

Como o tema em estudo é a Área de Preservação Permanente, vejamos, então, quais são os crimes direta ou indiretamente relacionados a ela, todos previstos na Lei 9.605/1998, bem como suas respectivas penas:

 

Art. 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:

Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.

 

Art. 39. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente:

Pena – detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

 

Art. 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:

Pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa.

 

Art. 44. Extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

 

Art. 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

 

Art. 50. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de dunas, protetora de mangues, objeto de especial preservação:

Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

 

Art. 53. Nos crimes previstos nesta Seção, a pena é aumentada de um sexto a um terço se:

I – do fato resulta a diminuição de águas naturais, a erosão do solo ou a modificação do regime climático;

II – o crime é cometido:

a) no período de queda das sementes;

b) no período de formação de vegetações;

c) contra espécies raras ou ameaçadas de extinção, ainda que a ameaça ocorra somente no local da infração;

d) em época de seca ou inundação;

e) durante a noite, em domingo ou feriado.

 

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

§ 1º Se o crime é culposo:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

§ 2º Se o crime:

I – tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;

II – causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;

III – causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;

IV – dificultar ou impedir o uso público das praias;

V – ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:

Pena – reclusão, de um a cinco anos.

§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.

 

Mais do que “doer no bolso”, portanto, a intervenção indevida em Área de Preservação Permanente pode resultar na prisão do infrator.

Por isso, sempre que for necessário intervir em uma APP, e isso é razoavelmente comum em empreendimentos imobiliários, nada deve ser feito até que se obtenha, regularmente, a necessária autorização ambiental para supressão de vegetação.

Uma vez obtida tal autorização, cabe ao empreendedor zelar para que a efetiva supressão se dê nos limites do autorizado, já que, se uma área maior for suprimida, também haverá a prática de crime e a atração das sanções administrativas e civis.

 

Conclusão

 

Na condição de uma das mais importantes e abundantes áreas de proteção ambiental, com funções indispensáveis à preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Área de Preservação Permanente deve ser respeitada e encarada, a todo tempo, como uma área especial.

Preferencialmente, a destinação a ser dada a qualquer APP é a sua preservação integral, ou seja, a manutenção da vegetação nativa sem qualquer intervenção humana ou a recomposição natural da floresta, quando se tratar de área desmatada.

Se for, todavia, necessária a supressão parcial da APP, só o faça depois de obter a necessária autorização ambiental para evitar as pesadas sanções legais.

Ao adquirir um imóvel, principalmente se ele for rural (onde as áreas protegidas são mais abundantes), sempre verifique se todas as possíveis APP´s encontram-se preservadas e corretamente dimensionadas, sob pena de ser futuramente obrigado(a) a recompô-las, além de estar sujeito(a) às penalidades analisadas neste artigo.

Uma due diligence bem feita é a forma ideal de garantir que o imóvel a ser adquirido está de acordo com a legislação, inclusive as possíveis APPs. Entenda melhor como fazemos uma due diligence imobiliária aqui!

Como recado final, diga-se que a Área de Preservação Permanente não precisa ser vista como um obstáculo a ser superado em um novo empreendimento, mas, ao contrário, ela é um importante elemento agregador e valorizador, especialmente no atual momento em que as pessoas buscam, cada vez mais, se reconectar à natureza.

Reforcemos a conhecida vocação brasileira de proteção ao meio ambiente!

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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.

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