O avanço da tecnologia promoveu profundas modificações no mundo dos negócios, introduzindo, inclusive, novas formas de transferência de valor e novas formas de investimento.

A moeda em papel (dinheiro), representação física do poder de compra, tornou-se de certo modo obsoleta diante de novas ferramentas financeiras, às quais se juntaram, nos últimos tempos, os criptoativos.

Você se interessa por criptoativos? Já participou de alguma operação feita com base neles?

O uso dessa modalidade de “moeda virtual”, que é uma espécie de ativo intangível, está em constante expansão em todo o mundo e já responde por parte significativa de negociações realizadas em países de economia mais relevante. Tanto que, segundo dados de pesquisa divulgada pela revista Exame, o número de usuários de criptoativos atingiu a impressionante marca de cerca de 106 milhões de pessoas no início de 2021.

E no Brasil? Bom, para ilustrar como essa realidade vem tomando corpo por aqui, basta citar que a Câmara dos Deputados aprovou recentemente, na noite do dia 07/12/2021, um projeto de lei que busca regulamentar o tema no Brasil, estabelecendo, aliás, a criação de um órgão fiscalizador para autorizar e monitorar o funcionamento de exchanges de ativos digitais no país. O PL 2.303/15 será encaminhado para votação no Senado.

Ainda que o marco legal relativo aos criptoativos ainda esteja em formação em terras brasileiras, já existem esforços no que se refere à fiscalização e tributação das operações realizadas com eles.

É o que abordaremos neste texto. Venha descobrir conosco um pouco mais sobre essa forma de expressão de riqueza no mundo digital!

 

Conceituação

 

O termo criptoativos descreve a representação virtual de valores transacionados (ativos virtuais) protegidos com criptografia, que permitem a realização de operações que são executadas e armazenadas nas redes de computadores, como informado pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

A Receita Federal definiu assim o conceito de criptoativos, conforme texto da Instrução Normativa n.º 1888/2019:

 

Criptoativo: a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal.

 

Existem diversos tipos de criptoativos, sendo o mais comum deles as chamadas criptomoedas, como, por exemplo, o bitcoin.

Essa representação virtual de ativos surgiu de forma a permitir que indivíduos e empresas efetuassem pagamentos e transferências financeiras em meio eletrônico diretamente a terceiros, sem a necessidade de intermediação de instituições financeiras.

Como uma nova forma de operação financeira direta, as transações de criptoativos sofrem tributação e geram obrigações perante o Fisco? É dessa tributação de criptomoedas que trataremos a seguir.

 

Tributação

 

Se os criptoativos são representações virtuais de valores monetários reais, as transações feitas com eles, evidentemente, refletem no patrimônio das pessoas e empresas envolvidos, o que atrai a tributação.

Para entender de que maneira isso ocorre, é necessário definir alguns conceitos.

 

Natureza jurídica dos criptoativos

 

Em sua obra “Bitcoin: A moeda na era digital”, Fernando Ulrich afirma que o próprio conceito de moeda é impreciso e vago.

O autor sugere, na página 83, que moeda seria “qualquer bem econômico empregado (…) como meio de troca”. Nessa linha, os criptoativos seriam nada mais nada menos do que um tipo de moeda.

Entretanto, é tradicional o entendimento de que só pode ser tido como moeda algo que um Estado defina como tal, como se vê a partir dos pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 478.410/SP, que definiu as características essenciais e intrínsecas de moeda: o curso legal e o curso forçado.

O curso legal aproxima a moeda ao conceito de exclusividade de circulação, para caracterizá-la como meio de pagamento. Por sua vez, o curso forçado impossibilita a conversão do valor monetário em outro valor.

Nesse sentido, o então Ministro Relator Eros Grau esclareceu em seu voto vencedor: ainda que em determinadas situações utilizemos a ideia de moeda de forma imprecisa (“daí dizer-se que a ação de companhia é a ‘moeda do acionista’; que determinado número índice é a ‘moeda de conta’; ou que a aceitação de bens de certa categoria para pagamento de determinada obrigação lhes atribui a qualidade de ‘moeda’”), isso não significa que tais elementos sejam, juridicamente, moeda.

Essa mesma lógica está contida na já citada Instrução Normativa nº 1888/2019, que, ao definir o que é um criptoativo, destaca que ele “não constitui moeda de curso legal”, ou seja, que criptoativos não se caracterizam por terem exclusividade de circulação.

Em outras palavras, ainda não é possível descrever um criptoativo como moeda no sentido legal do termo, seja diante da ausência de curso legal (ampla circulação e imposição da aceitação da moeda), seja diante da ausência de curso forçado (não há lastro em ouro e não há, a princípio, controle do governo, e sim uma atribuição de valor feita pelos próprios usuários).

 

Forma de Tributação dos criptoativos

 

Como a base legal para o tratamento dos criptoativos ainda carece de aprofundamento, algo que parece estar com os dias contados diante do PL 2303/15, o Fisco brasileiro adota uma posição baseada em classificações contábeis aceitas internacionalmente.

Nessa linha, as criptomoedas podem ser consideradas abrangidas pela classificação de ativos intangíveis, cuja tributação analisamos em artigo anterior, havendo por aqui, já há algum tempo, este pronunciamento da Receita Federal, extraído do Manual das Perguntas e Respostas Sobre a Declaração do Imposto de Renda de Pessoas Físicas de 2017:

 

MOEDA VIRTUAL – COMO DECLARAR

447 — As moedas virtuais devem ser declaradas?

Sim. As moedas virtuais (bitcoins, por exemplo), muito embora não sejam consideradas como moeda nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas na Ficha Bens e Direitos como “outros bens”, uma vez que podem ser equiparadas a um ativo financeiro. Elas devem ser declaradas pelo valor de aquisição. Atenção: Como esse tipo de “moeda” não possui cotação oficial, uma vez que não há um órgão responsável pelo controle de sua emissão, não há uma regra legal de conversão dos valores para fins tributários. Entretanto, essas operações deverão estar comprovadas com documentação hábil e idônea para fins de tributação.

 

 

ALIENAÇÃO DE MOEDAS VIRTUAIS

607 — Os ganhos obtidos com a alienação de moedas “virtuais” são tributados?

Os ganhos obtidos com a alienação de moedas virtuais (bitcoins, por exemplo) cujo total alienado no mês seja superior a R$ 35.000,00 são tributados, a título de ganho de capital, à alíquota de 15%, e o recolhimento do imposto sobre a renda deve ser feito até o último dia útil do mês seguinte ao da transação. As operações deverão estar com- provadas com documentação hábil e idônea.

 

Nota-se que a tributação está vinculada à constatação de existência de ganho de capital, hoje regulado, para as pessoas físicas, pelo artigo 21 da Lei 8.981/1995:

 

Art. 21.  O ganho de capital percebido por pessoa física em decorrência da alienação de bens e direitos de qualquer natureza sujeita-se à incidência do imposto sobre a renda, com as seguintes alíquotas: (Redação dada pela Lei nº 13.259, de 2016)

I – 15% (quinze por cento) sobre a parcela dos ganhos que não ultrapassar R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais); (Redação dada pela Lei nº 13.259, de 2016)         

II – 17,5% (dezessete inteiros e cinco décimos por cento) sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais) e não ultrapassar R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); (Redação dada pela Lei nº 13.259, de 2016)             

III – 20% (vinte por cento) sobre a parcela dos ganhos que exceder R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) e não ultrapassar R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais); e                     (Redação dada pela Lei nº 13.259, de 2016)

IV – 22,5% (vinte e dois inteiros e cinco décimos por cento) sobre a parcela dos ganhos que ultrapassar R$ 30.000.000,00 (trinta milhões de reais).   (Redação dada pela Lei nº 13.259, de 2016)

 

No caso das pessoas jurídicas, o ganho de capital é apurado nas alienações de bens e direitos tratados como investimentos, ativos imobilizados, ativos intangíveis e aplicações em ouro, correspondendo à diferença positiva verificada entre o valor da alienação e o valor contábil do bem alienado, a qual é acrescida à base de cálculo determinada na legislação do Imposto de Renda conforme a opção adotada (lucro real, lucro presumido, lucro arbitrado), nos termos do artigo 32 da mesma Lei 8.981/1995:

 

Art. 32. Os ganhos de capital, demais receitas e os resultados positivos decorrentes de receitas não abrangidas pelo artigo anterior serão acrescidos à base de cálculo determinada na forma dos arts. 28 ou 29, para efeito de incidência do Imposto de Renda de que trata esta seção.

§ 1º O disposto neste artigo não se aplica aos rendimentos tributados na forma dos arts. 65, 66, 67, 70, 72, 73 e 74, decorrentes das operações ali mencionadas, bem como aos lucros, dividendos ou resultado positivo decorrente da avaliação de investimentos pela equivalência patrimonial.

§ 2º O ganho de capital nas alienações de bens ou direitos classificados como investimento, imobilizado ou intangível e de aplicações em ouro, não tributadas na forma do art. 72, corresponderá à diferença positiva verificada entre o valor da alienação e o respectivo valor contábil. (Redação dada pela Lei nº 12.973, de 2014)

§ 3º Na apuração dos valores de que trata o caput, deverão ser considerados os respectivos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976.                         (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)

§ 4º Para fins do disposto no § 2º, poderão ser considerados no valor contábil, e na proporção deste, os respectivos valores decorrentes dos efeitos do ajuste a valor presente de que trata o inciso III do caput do art. 184 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)

§ 5º Os ganhos decorrentes de avaliação de ativo ou passivo com base no valor justo não integrarão a base de cálculo do imposto, no momento em que forem apurados. (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)

§ 6º Para fins do disposto no caput, os ganhos e perdas decorrentes de avaliação do ativo com base em valor justo não serão considerados como parte integrante do valor contábil. (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)

§ 7º O disposto no § 6º não se aplica aos ganhos que tenham sido anteriormente computados na base de cálculo do imposto. (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014)     

 

Declaração sobre Operações Realizadas com Criptoativos

 

Por meio da Instrução Normativa nº 1.888/2019, a Receita Federal regulamentou uma declaração específica relativa às operações com criptoativos, cuja obrigatoriedade é direcionada à “pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos”, bem como às pessoas físicas ou jurídicas que realizem operações sem a intermediação de tais empresas ou por meio de exchanges localizadas fora do país:

 

Art. 6º Fica obrigada à prestação das informações a que se refere o art. 1º:

I – a exchange de criptoativos domiciliada para fins tributários no Brasil;

II – a pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil quando:

a) as operações forem realizadas em exchange domiciliada no exterior; ou

b) as operações não forem realizadas em exchange.

§ 1º No caso previsto no inciso II do caput, as informações deverão ser prestadas sempre que o valor mensal das operações, isolado ou conjuntamente, ultrapassar R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

§ 2º A obrigatoriedade de prestar informações aplica-se à pessoa física ou jurídica que realizar quaisquer das operações com criptoativos relacionadas a seguir:

I – compra e venda;

II – permuta;

III – doação;

IV – transferência de criptoativo para a exchange;

V – retirada de criptoativo da exchange;

VI – cessão temporária (aluguel);

VII – dação em pagamento;

VIII – emissão; e

IX – outras operações que impliquem em transferência de criptoativos.

 

Como se vê, o texto da norma especifica as operações que devem ser declaradas e estabelece um valor mínimo mensal como “linha de corte” para a imposição de obrigatoriedade da declaração.

Com o tempo, a tendência é que as exigências formais e a abrangência da regulação cresçam na mesma medida em que crescem o volume e a diversidade de operações realizadas com criptoativos mundo afora.

 

Conclusão

 

A empresa de análises de mercados Chainalysis divulgou há cerca de um ano o estudo Global Cryptocurrency Adoption Index, no qual o Brasil figurava em 13º lugar na adoção global de criptomoedas. O levantamento foi baseado em métricas como valor recebido em rede, valor transferido no varejo em rede, número de depósitos on-chain e volume de negociação ponto a ponto (P2P). Estávamos atrás de potências como os Estados Unidos, 6º no ranking, e de vizinhos como a Colômbia (9º), ocupando a 13ª colocação geral – mas a 6ª em valores recebidos e a 5ª no varejo.

A metodologia dessa pesquisa mudou em 2021, mas o Brasil continuou em posição parecida, no 14º lugar. É certo, no entanto, que o mercado brasileiro possui um enorme potencial para a realização crescente de operações com criptoativos, o que continuará a despertar a atenção e a mobilizar os esforços das autoridades de fiscalização do país.

Considerando que os criptoativos, em essência, nasceram ao largo do controle de autoridades financeiras oficiais, é de se esperar que o Fisco esteja sempre “um passo atrás” no que se refere aos mecanismos de controle das operações realizadas com essas representações digitais de valor.

De qualquer forma, o futuro já chegou para uma Receita Federal que possui:

 

  • um supercomputador fabricado pela IBM batizado de T-Rex, capaz de processar e cruzar dados de uma quantidade de contribuintes correspondente ao Brasil, Estados Unidos e Alemanha juntos, com 7 centros de armazenamento e processamento de dados em território nacional;
  • um software como o Harpia, desenvolvido pelo ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e pela UNICAMP para integrar e sistematizar as bases de dados fiscais federais, estaduais e municipais; e
  • um sistema como o HAL, que rastreia as transações bancárias de todas as instituições financeiras do país, criando uma pasta de arquivos para cada correntista.

 

Assim, estando na vanguarda em termos tecnológicos, o Fisco brasileiro precisa apenas de uma legislação mais robusta para que possa transformar a tributação das operações com criptoativos em uma fonte substancial de arrecadação.

Com o PL 2303/15 e outras iniciativas semelhantes, é uma questão de tempo para que essa legislação esteja entre nós e para que você, que opera ou pensa em operar com criptoativos, tenha de estar bem assessorado a fim de compreender os meandros da tributação à qual estará sujeito.

Cenas dos próximos capítulos!

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*Imagem de David McBee, no Pexels.


Referências

DAS NEVES, Bárbara; CÍCERI, Pedro Vítor Botan. A TRIBUTAÇÃO DOS CRIPTOATIVOS NO BRASIL: DESAFIOS DAS TECNOLOGIAS DISRUPTIVAS E O TRATAMENTO TRIBUTÁRIO BRASILEIRO. Revista Jurídica da Escola Superior de Advocacia da OAB-PR Ano 3 – Número 3 – Dezembro de 2018.

E SOUZA, Martelene Carvalhais Pereira. GANHO DE CAPITAL E AS NOVAS ALÍQUOTAS DE IMPOSTO DE RENDA A PARTIR DE 2017. Disponível em: https://www.mlfconsultoria.com.br/blog-mlf/ganho-de-capital-e-as-novas-aliquotas-de-imposto-de-renda-a-partir-de-2017

CAMPOS, Roberto. TRIBUTAÇÃO DE CRIPTOATIVOS: POR QUE E COMO ACONTECE. Disponível em: https://xpeedschool.com.br/blog/tributacao-de-criptoativos-por-que-e-como-acontece/

VASCONCELLOS, Thiago. Uso de criptomoedas é possível em operações societárias. Dispinível em: https://www.conjur.com.br/2018-jan-08/thiago-vasconcellos-uso-bitcoins-viavel-operacoes-societarias

ULRICH, Fernando. Bitcoin – A moeda na era digital. 1 Ed. São Paulo, 2014, Mises Brasil.

CRIPTOATIVOS: ENTENDA COMO FUNCIONA E COMO INVESTIR EM ATIVOS. Disponível em: https://www.modalmais.com.br/blog/criptoativos

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