Uma gestão eficiente e transparente é um dos principais desafios na administração de condomínios edilícios. Isso porque, como mencionamos em nosso artigo “Condomínio edilício: aspectos jurídicos e práticos”, os condomínios estão se multiplicando no cenário urbano, sejam residenciais ou comerciais, em razão da procura por ambientes seguros, com mais infraestrutura e qualidade de vida.
No entanto, esses empreendimentos estão cada vez mais diversificados para atender à necessidade do mercado imobiliário. Com isso, aumentam as responsabilidades e obrigações dos síndicos e, por sua vez, exige-se que a administração dos condomínios esteja cada vez mais amparada por uma estrutura jurídica adequada, a fim de possibilitar uma convivência harmoniosa entre os condôminos e boa manutenção das áreas comuns.
Neste contexto, compreender o regimento interno, as taxas condominiais, as formas e limites da cobrança de condôminos inadimplentes é essencial para se evitar conflitos e assegurar a estabilidade financeira do condomínio.
Por isso, no artigo de hoje iremos abordar os principais aspectos legais sobre a administração de condomínios edilícios, focando nas possibilidades para regimento interno, obrigações dos condôminos e síndico, bem como na cobrança de taxas condominiais.
Índice
Relembrando conceitos
Antes de adentrar no nosso tema de hoje, precisamos relembrar alguns conceitos, quais sejam:
- Condomínio edilício
É regido pelo Código Civil e pela Lei nº 4.591/64, e surge quando, em uma edificação ou conjunto de edificações, existem partes que são de propriedade exclusiva de cada proprietário e outras que serão de uso comum de todos os proprietários.
É o ato de registro que fracionará um único imóvel e permitirá que ele seja transformado em vários outros imóveis, chamados de unidades autônomas que integrarão um condomínio edilício.
É “a lei interna do condomínio”, todas as normas que regerão o uso das partes comuns e privativas (neste último caso, especificamente sobre o que afetar os demais condôminos), a convivência e a administração dos bens que integram o condomínio.
As unidades autônomas ou unidades imobiliárias são constituídas por sua área privativa e fração ideal do terreno e das áreas comuns do condomínio.
- Síndico
É aquele que será responsável pela administração e representação do condomínio, condômino ou não, que será eleito em assembleia, cujo mandato será de até 2 anos e poderá ser renovado em nova eleição, desde que não haja impedimento para tanto na convenção.
Para a melhor compreensão sobre o registro dos condomínios edilícios, suas características e elementos principais, indicamos a leitura completa dos nossos artigos anteriores “Condomínio edilício: aspectos jurídicos e práticos”, “Condomínio e incorporação no registro de imóveis” e “Convenção de Condomínio: veja a importância desse poderoso instrumento”.
Regimento Interno do Condomínio
O regimento interno é o conjunto de normas que estabelece regras para a convivência entre os condôminos e o uso das áreas comuns, visando a manter a ordem e a harmonia no condomínio.
Fazendo um paralelo com o sistema legal, enquanto a convenção de condomínio é a “constituição federal” do condomínio, o regimento interno é seu “código civil”, trazendo normas de comportamento, direitos e deveres dos condôminos, a fim de manter a harmonia e a paz condominial.
O Código Civil, em seu artigo 1.334 prevê que a Convenção de Condomínio irá prever, entre outras informações, o Regimento Interno. Em contrapartida, a Lei 4.591/64 dispõe no parágrafo 3º do seu artigo 9º dispõe que, quando a Convenção não prever as regras do Regimento Interno, ela deverá estipular a forma e o quórum para a aprovação do Regimento Interno que deverá ocorrer por contrato ou em assembleia do condomínio.
Ou seja, o Regimento Interno poderá estar incluído na Convenção de Condomínio ou ser um documento complementar dela, que deverá estar devidamente adequado às particularidades, estrutura e dimensão de cada condomínio edilício, a fim de regulamentar desde o comportamento nas áreas comuns, até o uso de vagas de garagem e demais dependências.
Assim, a relevância do Regimento Interno está na prevenção de conflitos, garantindo que todos os condôminos, funcionários e visitantes compreendam seus direitos e deveres, além de assegurar o bem-estar coletivo e a valorização patrimonial do imóvel como um todo.
Elaboração e aprovação
Como mencionamos no tópico anterior, a elaboração do Regimento Interno deve ser realizada com base nas necessidades específicas de cada condomínio, observando a legislação vigente, especificamente o Código Civil e a Lei de Condomínios e Incorporações (Lei nº 4.591/64).
Para ser válido, o regimento precisa ser aprovado por contrato ou em assembleia, de modo a refletir o consenso e/ou aprovação dos condôminos. Ao contrário do que ocorre para Convenção de Condomínio, não existe um quórum específico para a aprovação ou alteração do Regimento Interno, sendo admissível que se utilize o quórum de maioria simples, isto é, equivalente ao primeiro número inteiro acima da metade dos condôminos presentes em assembleia.
Ocorre que, caso o regimento esteja incluído na Convenção de Condomínio e, por eventual falha técnica, não haja previsão específica de quórum reduzido para alteração de suas regras, também se submeterá ao quórum previsto para a convenção, qual seja 2/3 (dois terços) dos votos dos condôminos (artigo 1.351 do Código Civil)
Vale lembrar que, justamente por se tratar de regras que afetarão o uso, gozo, fruição e disposição da propriedade de um bem coletivo, o processo de elaboração deve ser transparente e participativo, garantindo que as regras sejam adequadas às realidades do condomínio e aceitas por seus moradores.
Aplicação e consequências pelo descumprimento
Uma vez aprovado, o regimento interno é de cumprimento obrigatório para todos os condôminos e visitantes. Para garantir o cumprimento das normas, o síndico ou a administradora do condomínio têm o poder de fiscalizar e aplicar as sanções previstas, como advertências e multas, em caso de infrações.
O parágrafo §2º do art. 1.336 do Código Civil traz um importante parâmetro para algumas penalidades a serem estabelecidas pelo Regimento Interno. Segundo o referido dispositivo, aquele condômino que (i) realizar obras que comprometam a segurança da edificação, (ii) alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas; (iii) der às suas partes destinação distinta daquela definida para a edificação, e (iv) utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes a sua propriedade, “pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais, independentemente das perdas e danos que se apurarem”.
Caso não haja multa prevista para esses casos, o mesmo dispositivo estabelece que a assembleia geral deverá defini-la, com o quórum de no mínimo 2/3 dos condôminos restantes.
Já o artigo 1.337, também do Código Civil, traz disposição sobre o condômino que infringir reiteradamente as regras do condomínio, estabelecendo que, por deliberação de 3/4 dos condôminos restantes, poderá o condômino infrator ser constrangido a pagar multa correspondente até o quíntuplo (5x) do valor atribuído à taxa condominial, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Em seu parágrafo único, o referido artigo prevê que, em caso de reiterado comportamento antissocial de um condômino, ele poderá ser obrigado a pagar multa correspondente ao décuplo (10x) do valor da taxa condominial, conforme deliberação em assembleia.
Perceba, portanto, que a própria lei já estabelece uma gradação das penalidades aplicáveis ao condômino infrator, sendo de boa prática jurídica que tanto a convenção quanto o regimento interno respeitem tal gradação.
Embora a lei já autorize a aplicação das penas, independentemente de previsão nos instrumentos jurídicos do condomínio, é recomendável que sejam elas estabelecidas no Regimento Interno, a fim de possibilitar sua aplicação consistente e para reforçar a ordem, evitando, assim, a criação de precedentes negativos que podem fragilizar a autoridade do condomínio.
Taxas Condominiais
Definição e natureza jurídica
As taxas condominiais são valores cobrados dos condôminos para custear as despesas do condomínio, sendo essenciais para a manutenção das áreas comuns, segurança, limpeza, e outras obrigações.
Ao contrário do que ocorre em empreendimentos como os loteamentos de acesso controlado, para os condomínios edilícios, a natureza jurídica das taxas de manutenção é reconhecida como propter rem, isto é, elas são indissociáveis da propriedade do imóvel que pertence ao condomínio, pois sua contribuição é obrigatória, conforme estabelecido por lei.
Assim, aquele que detiver a propriedade do imóvel deverá, inevitavelmente, arcar com suas taxas condominiais e demais despesas que venham a ser devidamente aprovadas em assembleia e rateadas entre os condôminos.
Esses valores são uma espécie de cotização de cada unidade no rateio das despesas mensais, garantindo o funcionamento regular do condomínio.
Formas de cálculo e reajuste
O cálculo das taxas condominiais é realizado com base nas despesas previstas no orçamento anual do condomínio, o que será aprovado em assembleia. A regra geral do artigo 1.336 do Código Civil é que esse valor será proporcional à fração ideal de cada unidade, mas a Convenção de Condomínio poderá prever regra diferente.
Diante dessa liberalidade, não é incomum, principalmente em empreendimentos menores, que a taxa condominial seja definida de forma igualitária para todos os condôminos. No entanto, é importante que isso seja pensado de acordo com as condições e necessidades de cada condomínio.
Por exemplo, quando se trata de um condomínio misto, grande parte das áreas comuns será reservada às unidades residenciais, de modo que seria injusto que as lojas arcassem com a manutenção e custos desses espaços; em contrapartida, é possível que a área das unidades comerciais seja muito superior à de uma unidade residencial, o que também pode ocorrer com unidades residenciais, que sejam duplex ou cobertura, tornando a estipulação de uma taxa igual para todos os condôminos menos satisfatória para a maioria.
Além de sua estipulação, o seu reajuste pode ser motivo de muita discordância entre os condôminos, mas ele é necessário para equilibrar o orçamento diante de aumentos nos custos de manutenção, segurança, e outros serviços. O índice de reajuste também deverá ser aprovado previamente em assembleia, com frequência anual, de acordo com a inflação e outros parâmetros a serem definidos pelos condôminos.
Destinação e controle financeiro
As taxas arrecadadas pela administração do condomínio se destinam exclusivamente à cobertura de despesas condominiais, sendo obrigação do síndico ou administradora prestar contas de todos os gastos aos condôminos, a ser disponibilizada em balancetes periódicos aos condôminos, sendo imprescindível a demonstração de sua transparência e o seu controle financeiro.
Cobrança das Taxas Condominiais
Limites legais para a cobrança
A cobrança das taxas condominiais é um direito assegurado pelo Código Civil e deverá constar também na Convenção do Condomínio, estabelecendo a obrigatoriedade do pagamento para todos os condôminos, independentemente do uso efetivo das áreas comuns.
Aqui se faz uma ressalva acerca da possiblidade de a convenção e/ou o regimento interno estabelecerem taxas extras para a utilização de determinados equipamentos, como salão de festas e espaço gourmet.
O procedimento de cobrança das taxas condominiais deverá ser transparente e seguir o devido processo legal, sendo amplamente estimulado, em nosso ordenamento jurídico, a composição amigável entre as partes, inclusive, de forma extrajudicial ou pré-processual.
O Código Civil também prevê a limitação para a multa aplicável em caso de inadimplência do condômino, dispondo que tal penalidade deverá ser de no máximo 2% do valor taxa.
Já a correção monetária e os juros moratórios aplicáveis serão aqueles expressamente indicados na Convenção de Condomínio e Regimento Interno ou, não sendo previstos, os juros legais estabelecidos no artigo 406 do Código Civil.
Por sua vez, para os juros legais, isto é, aquele não expressamente estipulado entre as partes, o artigo 406 prevê que será equivalente à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), divulgada pelo Banco Central, deduzido o índice de atualização monetária da variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado e divulgado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou do índice que vier a substituí-lo, conforme previsto no artigo 389, também do Código Civil.
Essa nova forma de calcular os juros legais (Taxa Selic – IPCA) é recente, trazida pela Lei nº 14.905/2024, que modificou o Código Civil e pode trazer prejuízo aos condomínios, uma vez que reduziu consideravelmente o entendimento anterior, no sentido de ser de 1% ao mês a taxa de juros legais, o que seria equivalente a 12% ao ano.
Por isso, é imprescindível que a Convenção de Condomínio e Regimento Interno disponham sobre o índice de correção monetária e sobre os juros de mora aplicáveis sobre as taxas inadimplidas.
Caso não esteja previsto nestes instrumentos, a administração deverá se atentar às novas regras que já estão vigentes.
Outro importante limite ao qual a administração do condomínio deverá se atentar é a preservação do nome dos condôminos inadimplentes. Isto porque é veemente proibido qualquer tipo de cobrança que seja vexatória ou ocasione a exposição desnecessária dos inadimplentes, resguardando os limites da dignidade dos moradores. Em contrapartida, o síndico possui o dever de prestar contas aos demais condôminos, que devem ser informados sobre a inadimplência total do condomínio.
Assim, a fim de cumprir com seu dever de transparência, os síndicos:
Devem: disponibilizar lista das unidades inadimplentes em assembleia, para fins exclusivos de prestação de contas;
Não podem: divulgar os nomes dos devedores em qualquer lista nas dependências do condomínio ou nas dependências do condomínio.
Notificação de devedores e etapas administrativas
O ordenamento jurídico atual estimula a composição amigável entre as partes e o síndico deverá ter isso em mente ao iniciar o procedimento de cobrança da taxa condominial, encaminhando primeiro uma notificação extrajudicial ao condômino devedor, com o intuito de informar o valor devido e o prazo para quitação, sob pena de adoção das medidas judiciais cabíveis.
Essa comunicação escrita formalizará a ciência do devedor acerca da sua inadimplência.
Caso o pagamento não seja realizado, o procedimento de cobrança seguirá e cumulativamente, poderão ser adotadas as medidas previstas na legislação e na Convenção de Condomínio, como a suspensão do direito ao voto.
Vale ressaltar que é muito comum e eficaz, para se evitar uma inadimplência ainda maior, apresentar ao devedor opções de parcelamento da dívida, facilitando o pagamento e evitando os custos e a demora de uma ação judicial.
Caso as tentativas conciliação extrajudicial sejam infrutíferas, o condomínio pode recorrer à cobrança judicial, com a execução do valor total devido e incidência de juros e correção monetária.
Medidas Legais contra Condôminos Devedores
Ação de cobrança e execução judicial
Quando o condômino permanece inadimplente mesmo após tentativas amigáveis de cobrança, o condomínio pode recorrer à ação judicial.
Para a cobrança judicial das taxas, o Código de Processo Civil permite que seja utilizado o procedimento de execução, isto é, autoriza a execução direta do valor inadimplido, sem discussões prolongadas que ocorreriam no procedimento comum, em uma ação de cobrança.
Isto porque, em seu artigo 794, o CPC estabelece que as contribuições ordinárias ou extraordinárias de condomínio edilício, taxas e despesas de condomínio são um título executivo extrajudicial.
O procedimento de execução foi criado para satisfazer um crédito de forma célere, sendo sua discussão limitada ao valor, à validade do título e regularidade do processo judicial.
Penhoras e medidas cautelares
Durante a execução judicial da dívida, o condomínio pode solicitar a penhora de bens do devedor, incluindo o próprio imóvel que deu origem à dívida.
Inclusive, o entendimento atual é de que a penhora do imóvel que originou a dívida da taxa condominial é uma hipótese de exceção à impenhorabilidade do bem de família.
O bem de família é o único imóvel utilizado pelo casal ou pela família para moradia permanente e, quando existem vários imóveis, a impenhorabilidade será para aquele de menor valor, conforme estabelecido pela Lei nº 8.009/1990.
Ocorre que, de acordo com entendimento atual, é possível que essa exceção seja afastada, pois, em razão da natureza propter rem das taxas condominiais, o seu pagamento seria indispensável para a manutenção da própria propriedade, o que possibilita a penhora do imóvel bem de família para a satisfação do crédito do condomínio.
Portanto, esta é uma medida que assegura que o condomínio tenha condições de recuperar o montante devido, mesmo que seja necessário recorrer à penhora do imóvel.
Conclusão
A administração de um condomínio é uma tarefa que exige organização, transparência e compromisso para garantir a satisfação dos condôminos e o funcionamento adequado das áreas comuns.
Entre as boas práticas está a elaboração de um regimento interno claro e específico, que evite interpretações ambíguas e minimize conflitos.
A comunicação eficaz pela administração também é fundamental, com reuniões periódicas, informativos e prestação de contas detalhada e acessível, garantindo que todos estejam cientes das despesas e necessidades do condomínio. Tais práticas devem ser utilizadas para fortalecer a confiança dos condôminos.
Além disso, uma assessoria jurídica especializada é essencial para que o condomínio atue de forma segura e efetiva, minimizando conflitos e evitando custos desnecessários com demandas indesejadas.
Isso porque a assessoria ajuda na elaboração e revisão dos instrumentos que instituem e constituem o condomínio, como o regimento interno, a convenção de condomínio, além de orientar a gestão e aplicação de leis que impactam a convivência entre os condôminos e a administração.
Em casos de inadimplência, a assessoria jurídica orienta as melhores práticas de cobrança e define o momento oportuno para uma ação judicial, além de acompanhar o processo até a recuperação do crédito.
Uma assessoria jurídica especializada também oferece relevante apoio na realização das assembleias do condomínio, esclarecendo dúvidas legais e evitando decisões que estejam em desconformidade com dispositivos legais vigentes.
Ter uma assessoria jurídica, portanto, é um investimento imprescindível para a administração dos condomínios, que promove a convivência harmônica entre os condôminos e a valorização dos seus bens comuns.