Há algum tempo, falamos aqui no Blog sobre o procedimento para a compra e venda de imóveis que estavam em processo de inventário.

Embora esses negócios sejam extremamente comuns, o procedimento para sua conclusão nem sempre era tão simples – ou rápidos.

Afinal de contas, todos nós teremos que lidar com a única certeza da vida em algum momento e com as repercussões jurídicas que a morte pode causar.

Naquela oportunidade, explicamos que, ainda que o processo de inventário não tivesse sido finalizado, era possível efetuar a compra ou a venda desse imóvel, desde que fosse obtida a respectiva autorização judicial para tanto, por meio do alvará judicial.

Porém, com a crescente desjudicialização e desburocratização das demandas (um caminho que, diga-se de passagem, torcemos para que não tenha mais volta), esse procedimento mudou e, aparentemente, para melhor!

Essa mudança veio com a edição da Resolução n° 571, de 26 de agosto de 2024, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que alterou a vigente Resolução n° 35/2007, que “disciplina a lavratura dos atos notariais relacionados a inventário, partilha, separação consensual, divórcio consensual e extinção consensual de união estável por via administrativa.”

Agora, o procedimento para a compra e venda de imóvel que esteja inventariado se tornou ainda mais simples e eficaz. E é justamente sobre esse tema que discutiremos no artigo de hoje.

O que é um inventário?

O inventário é um procedimento, que pode ocorrer tanto em via judicial quanto administrativa (cartórios), para a apuração dos bens e direitos deixados por um falecido e posterior partilha entre os sucessores/herdeiros.

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O que é um inventário?

Isso ocorre para que haja a transmissão desses bens, direitos e obrigações aos sucessores legais da pessoa falecida, pois, de acordo com o princípio da saisine, que parte da premissa de que não existe um direito sem o seu respectivo titular, os bens são transferidos imediatamente aos herdeiros.

Isso pode parecer um pouco confuso, mas pense num exemplo simples: O Sr. João era casado e possuía dois filhos. Ele falece e deixa uma casa e um veículo. Quem é/são o(s) dono(s) dos bens deixados pelo Sr. João? Se o Sr. João já faleceu, ele não pode ser dono de mais nada. Logo, a princípio, os novos proprietários desses bens serão seus filhos e seu cônjuge.

No inventário, judicial ou extrajudicial, são indicados todos os bens da pessoa que morreu, bem como as dívidas deixadas por essa pessoa. Após esse levantamento de bens e direitos, é feita a divisão entre os sucessores, de acordo com as regras previstas no Código Civil.

Você pode ler mais sobre o processo de inventário clicando aqui.

Contrato de compra e venda de imóvel em inventário

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Contrato de compra e venda de imóvel em inventário.

Outro cuidado na compra e venda de imóvel em inventário, sobre o qual também já tratamos em nosso Blog, é na elaboração do respectivo contrato de compra e venda.

Um bom contrato de compra e venda, ou até mesmo a promessa de compra e venda, é fundamental para proteger o comprador de eventuais danos, seja por controvérsias relativas ao próprio inventário ou aos herdeiros, seja por vícios construtivos existentes.

Assim, ainda que o procedimento de compra e venda de imóveis em inventário tenha sido facilitado, não se pode renunciar a certas formalidades, tais como, a de um contrato bem redigido, que servirá de base para a elaboração da escritura pública (título translativo de propriedade).

Além do contrato, cabe ressaltar a importância da due diligence imobiliária, uma verdadeira análise prévia e completa de risco em relação ao negócio, que verificará, não só as pendências do inventário, como àquelas inerentes ao próprio imóvel e aos antigos proprietários.

Cessão de direitos hereditários

Outra possibilidade para se transferir um imóvel inventariado é por meio da cessão de direitos hereditários.

Porém, sobre esse instrumento, nos cumpre fazer um alerta:

Até a partilha dos bens, aquela totalidade de bens e direitos forma uma universalidade: o chamado monte-mor, que por sua natureza, é indivisível. Assim, até o momento em que seja feita a divisão, todos os herdeiros são proprietários dessa integralidade de bens e não do imóvel x ou da aplicação y, por exemplo.

Apenas na hipótese de existir um único imóvel, e concordando todos os herdeiros, é que essa cessão seria efetiva. Mas, ainda assim, é um instrumento jurídico que vale a pena ser mencionado.

Alvará judicial

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Alvará judicial.

Assim como mencionado, dedicamos há algum tempo um artigo inteiro sobre a importância do alvará judicial para a compra e venda de imóveis em inventário.

O alvará judicial, nada mais é que um documento expedido pelo Juízo que contém uma autorização específica para algo. No caso que estamos comentando, a autorização seria para a venda de um bem que faz parte de um processo de inventário.

Essa autorização, até então imprescindível para a venda do imóvel, deveria ser dada pelo próprio Juízo do inventário.

Isso se fazia necessário pelo mesmo alerta que fizemos em relação à cessão de direitos hereditários, em relação a existência de uma universalidade de bens e direitos até a efetiva partilha.

Logo, para a venda de um ativo em específico, era necessária a expressa autorização judicial, por meio de um alvará, em que constariam as informações do bem a ser alienado, do comprador etc.

Porém, com a edição da Resolução 571/2024, essa realidade mudou. Vejamos, a seguir, essa relevante alteração para o mercado imobiliário e para a desburocratização dos processos.

Resolução 571/2024 do CNJ

A Resolução 571/2024 do CNJ trouxe diversas alterações para os procedimentos realizados em via extrajudicial, tais como os divórcios, as separações de fato e, também, para os inventários.

Essa resolução altera a já existente Resolução 35/2007 do CNJ, que dispõe sobre a prática desses atos extrajudiciais.

Dentre essas mudanças, podemos mencionar a autorização expressa de que inventários sejam feitos extrajudicialmente, mesmo quando ele envolva interesses de menores. É o que dispõe o recém criado art. 12-A:

Art. 12-A. O inventário poderá ser realizado por escritura pública, ainda que inclua interessado menor ou incapaz, desde que o pagamento do seu quinhão hereditário ou de sua meação ocorra em parte ideal em cada um dos bens inventariados e haja manifestação favorável do Ministério Público.

Já em relação a compra e venda de imóveis em inventário, a resolução passou a prever, expressamente, a desnecessidade de autorização judicial:

Art. 11-A. O inventariante poderá ser autorizado, através de escritura pública, a alienar móveis e imóveis de propriedade do espólio, independentemente de autorização judicial, observado o seguinte:

Observe-se que a partir dessa disposição, a mera autorização em escritura pública é suficiente para que se faça a venda de um bem inventariado. 

A dispensa da autorização judicial para a prática desse ato é um considerável avanço, tanto para a figura do comprador, como para os vendedores, que poderão mais facilmente concluir o processo de inventário, que por vezes é extremamente moroso.

Desde que haja a concordância de todos os herdeiros e do cônjuge/companheiro da pessoa falecida, o inventariante por eles nomeado poderá receber essa autorização, via escritura pública, para alienar o imóvel.

Esse procedimento facilita em muito a compra e venda dos imóveis em inventário, evitando-se demandas judiciais que, infelizmente, tendem a ser extremamente demoradas.

Porém, além da concordância dos herdeiros, para que esse procedimento de compra e venda se concretize, é necessária a observância de alguns outros requisitos que também estão previstos na resolução. Vejamos quais são eles a seguir.

Requisitos para a venda de imóvel em inventário sem alvará judicial

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Requisitos para a venda de imóvel em inventário sem alvará judicial.

Os requisitos para a celebração da escritura pública que autoriza o inventariante a alienar um ou mais imóveis do inventário estão previstos nos incisos I a VI do art. 11-A da resolução. São eles:

I – discriminação das despesas do inventário com o pagamento dos impostos de transmissão, honorários advocatícios, emolumentos notariais e registrais e outros tributos e despesas devidos pela lavratura da escritura de inventário; 

Deverão constar da escritura quais foram as despesas para sua celebração, bem como os tributos incidentes sobre a operação de compra e venda do imóvel inventariado.

II – vinculação de parte ou todo o preço ao pagamento das despesas discriminadas na forma inciso anterior; 

Além das despesas, a escritura deve conter qual será a destinação do valor obtido com a venda do imóvel: se ele será utilizado para pagar alguma dívida em específico, ou para o pagamento de despesas do inventário, honorários advocatícios, entre outros.

III – não constar indisponibilidade de bens de quaisquer dos herdeiros ou do cônjuge ou convivente sobrevivente; 

O patrimônio dos herdeiros e do cônjuge sobrevivente, à época da transação, deverá estar livre de qualquer indisponibilidade ou demais restrições judiciais.

IV – a menção de que as guias de todos os impostos de transmissão foram apresentadas e o seus respectivos valores; 

Deverá ser comprovado que todos os tributos incidentes sobre a transação foram devidamente pagos.

V – a consignação no texto da escritura dos valores dos emolumentos notariais e registrais estimados e a indicação das serventias extrajudiciais que expedirem os respectivos orçamentos; e 

Deve constar da escritura qual é a estimativa dos emolumentos de cartório incidentes sobre a transação de compra e venda, bem como os respectivos cartórios que forneceram os valores.

VI – prestação de garantia, real ou fidejussória, pelo inventariante quanto à destinação do produto da venda para o pagamento das despesas discriminadas na forma do inciso I deste artigo.

O inventariante deverá prestar uma garantia de que o produto da venda será, de fato, destinado ao pagamento inicialmente previsto, e não para outros fins.

Após o pagamento integral dessas despesas, a garantia estará automaticamente extinta.

Cabe ressaltar que mesmo que o imóvel seja vendido antes da partilha, e apesar de não fazer mais parte desta, ele deverá ser devidamente registrado no inventário, para fins de cálculo dos quinhões hereditários.

Inclusive, o bem vendido deverá constar da escritura ou formal de partilha, para que não seja arguida nenhum tipo de nulidade posterior.

Uma vez observados todos esses requisitos, o procedimento poderá prosseguir sem maiores dificuldades.

Vantagens

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Resolução 571/2024 do CNJ.

Apenas pela simplificação que a Resolução 571/2024 nos trouxe, já temos uma grandiosa vantagem em relação ao procedimento anterior. Afinal, não será mais necessária a prévia autorização judicial, o que sabemos que, infelizmente, pode demorar um tempo considerável.

Aliada a essa desburocratização, podemos mencionar, também, a redução do tempo e dos custos no procedimento, independentemente da forma de processamento do inventário, seja judicial ou extrajudicial.

Com isso, a venda dos imóveis pode ocorrer de forma muito mais célere, permitindo que os herdeiros utilizem o produto da venda para o custeio das despesas do inventário ou de eventuais débitos que a pessoa falecida tenha deixado, gerando economia de tempo e dinheiro.

Ou seja, esse novo procedimento traz diversos benefícios para facilitar a conclusão de um procedimento que por vezes é extremamente longo, numa fase tão delicada para todos os envolvidos.

Conclusão

Até aqui, vimos que a Resolução 571/2024 do CNJ trouxe mudanças significativas para os procedimentos extrajudiciais, que são aqueles realizados fora do âmbito judicial, ou seja, em via administrativa através dos cartórios de notas e de registro.

Dentre essas mudanças, sofreram alterações o divórcio, a separação de fato e o inventário extrajudicial.

Para nós do Direito Imobiliário, a mudança mais significativa diz respeito à dispensa de alvará judicial para a venda de imóveis inventariados, podendo ela ser realizada por autorização dos demais herdeiros ao inventariante via escritura pública.

Isso viabilizará mais negócios dessa espécie, o que tende a tornar os próprios procedimentos de inventário ainda mais céleres, diminuindo a quantidade de imóveis irregulares, já que grande parte das controvérsias que remanescem nesses processos dizem respeito às custas e despesas, o que seria sanado com o produto da venda de um ou mais bens imóveis.

De toda forma, mesmo que o processo para a venda de imóvel em inventário tenha se tornado mais simples, certos cuidados ainda devem ser tomados, tais como, a celebração de um bom contrato de compra e venda e a realização de uma due diligence. Para isso, conte com a nossa equipe. Estamos disponíveis para ajudar!

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