Introdução 

O sucesso de um empreendimento imobiliário não se limita ao seu retorno financeiro, mas perpassa também pela qualidade da construção, o que garantirá a sua segurança e solidez – evitando-se, assim, que tanto o construtor/incorporar quanto o consumidor tenham problemas severos no futuro. 

Nesse contexto, os vícios construtivos podem se tornar um verdadeiro passivo para o empreendedor do ramo imobiliário.  

Para que o empresário evite tais obstáculos, é necessário que, para além da qualidade a ser observada na execução da obra, ele se proteja sob o aspecto jurídico, quanto aos prazos e limites de sua responsabilidade perante os adquirentes. 

Embora já tenhamos dedicado um de nossos artigos para discutir os vícios construtivos, o tema é sempre recorrente e relevante no mercado imobiliário, já que existem milhares de ações cujo objeto é a (in)existência de vícios construtivos em imóveis. 

Por se tratar de um tópico sensível na relação entre empreendedor e consumidor, esse tema está em constante discussão e mudança. E é justamente sobre essas alterações que falaremos no artigo de hoje. 

Diversas são as iniciativas legislativas, institucionais e setoriais que buscam enfrentar os desafios relacionados aos vícios construtivos, tais como, a multiplicidade de entendimentos jurisprudenciais, a ausência de parâmetros técnicos uniformes e a fragilidade na regulamentação legal sobre prazos de garantia e prescrição – o que abre margem para decisões conflitantes.  

Nesse contexto, este artigo objetiva apresentar uma análise atualizada sobre o tema dos vícios construtivos, com foco nas alterações legais e jurisprudenciais, que contribuem significativamente para o avanço das discussões sobre o assunto.  

O que são vícios construtivos? 

Antes de apresentarmos as novidades sobre o tema, vale a pena rememorar o que são considerados “vícios construtivos”.  

Relembrando o conceito já exposto em artigo anterior do Blog: um vício construtivo é toda anomalia que torna o uso do imóvel impróprio ou inadequado. Podem ser falhas, imperfeições ou deformidades que venham a surgir na construção.  

Os vícios podem decorrer tanto da falha na execução dos serviços e baixa qualidade dos materiais utilizados quanto na ausência de manutenção adequada pelo possuidor/proprietário do imóvel, por mau uso, por efeitos naturais e também pelo próprio decurso do tempo. 

Assim, é muito importante identificar a causa do vício para fins de responsabilização das partes. 

Panorama atual dos vícios construtivos 

Há alguns anos, incorporadores e construtores vêm sofrendo os efeitos da chamada “indústria do vício construtivo”. Assim como, infelizmente, existe em nosso país uma “indústria do dano moral”, que banaliza e desvirtua por completo o instituto, alguns escritórios vêm propondo ações de responsabilidade civil com a alegação genérica de existência de vícios construtivos, sem qualquer embasamento técnico. 

Por essa razão, cada vez mais é exigido do construtor não só o cuidado na execução das obras: mas a prevenção dessas situações por meio da proteção jurídica de seu empreendimento, a partir de contratos imobiliários mais sólidos e robustos para evitar, futuramente, alegações infundadas e intempestivas de vícios construtivos.  

Essas ações predatórias se propagam principalmente dentre os empreendimentos da Faixa 1 do Minha Casa, Minha Vida, e hoje já somam quase 200 mil ações. Assim, recursos públicos que, a princípio, seriam destinados para suprir o déficit habitacional do país, precisam ser redirecionados para o custeio desses processos judiciais.  

No ano de 2024, segundo informações da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), publicadas pelo Jornal O Tempo, 8.500 ações sobre vício construtivo foram ajuizadas somente na Faixa 1 do MCMV. Segundo a Caixa Econômica Federal, em 2024, a instituição teve de arcar com um valor de R$ 92,4 milhões nesses processos.  

Nesse contexto, tornou-se urgente a atuação conjunta dos setores públicos e privados para evitar essa advocacia predatória, padronizar procedimentos, qualificar a perícia técnica e discutir reformas legislativas que buscam a proteção tanto dos empreendedores quanto dos consumidores.  

Jurisprudência atualizada 

Diante das milhares de ações ajuizadas sobre vícios construtivos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais (TNU) têm consolidado entendimentos importantes sobre o tema. 

Vejamos a seguir os principais julgados e entendimentos recentes sobre o assunto. 

  • Incidente de uniformização da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) n° 5005261-71.2013.4.04.7010. Tema n° 314: “Os vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional, sendo nula cláusula contratual em contrário. Desde que o sinistro tenha ocorrido no período de vigência contratual, a cobertura securitária prolonga-se no tempo, de modo a abranger os vícios descobertos após a extinção do contrato (vícios ocultos)”. 
  • AREsp n° 1.596.846/GO do Superior Tribunal de Justiça (STJ): No julgamento do recurso, a Quarta Turma do STJ reformou a decisão do TJGO, no sentido de que a existência de vícios construtivos em um imóvel não induz à automática condenação da construtora ao pagamento de danos morais, sendo necessária a comprovação da existência de abalo psicológico causado pela situação vivenciada. Logo, o mero inadimplemento contratual não implica em lesão à honra ou violação da dignidade humana. 
  • REsp n° 2.097.352/SP do STJ: Segundo o entendimento da Terceira Turma do STJ, por unanimidade, é cabível a inversão de ônus da prova em ação que discute vícios na construção de imóvel adquirido no Programa Minha Casa, Minha Vida, diante da evidente assimetria técnica, informacional e econômica das Partes.  
  • Tema n° 1.301 do STJ: Está pendente de julgamento na sistemática dos recursos repetitivos o Tema n° 1.301, que discute a “possibilidade, ou não, de se excluir da cobertura securitária os danos decorrentes de vícios construtivos em imóveis financiados no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação e vinculados ao FCVS”. Os processos sobre o tema estão afetados em todo o território nacional.  
  • Recomendação n° 16 do Conselho da Justiça Federal: Embora não se trate, especificamente, de um entendimento jurisprudencial, essa alteração no âmbito das ações judiciais da Justiça Federal deve ser mencionada. Em maio de 2023, a Corregedoria-Geral da Justiça Federal emitiu a Recomendação n° 16, que estabelece um fluxo processual e quesitos padronizados para ações que discutem vícios construtivos em imóveis do PMCMV – Faixa 1. Com a medida, busca-se uniformizar e melhorar a performance do Judiciário nessas ações, diante do aumento considerável de processos sobre o tema nos últimos anos. 

Projetos de lei em tramitação 

Além dos entendimentos jurisprudenciais mais atualizados, é importante destacarmos o movimento do Poder Legislativo sobre o tema. 

PL 3997/2024  

O Projeto de Lei n° 3997 de 2024, proposto pelo Senador Flávio Azevedo, altera o Código Civil para estabelecer o prazo prescricional para as ações que buscam reparação pelos danos causados por vícios construtivos. 

A iniciativa é de grande relevância, já que a discussão sobre qual prazo é aplicável às ações de vício construtivo é extensa e controversa. 

Isso porque, existem vários prazos prescricionais distintos em nosso ordenamento jurídico: 

  • Prazo trienal (três anos) para ações de indenização por danos morais e materiais (art. 206, § 3º, V do Código Civil;  
  • Prazo quinquenal (cinco anos) para ações de cobrança em contratos particulares de compra e venda (art. 206, § 5º, I do Código Civil); 
  • Prazo decenal (dez anos), de acordo com o art. 205 do Código Civil. 

Além disso, existem os prazos de garantia legal e decadenciais, que podem gerar (e geram) certa confusão aos empreendedores e aos próprios operadores do Direito: 

  • Prazo quinquenal de garantia legal de solidez e segurança das construções, na forma do art. 618 do Código Civil; 
  • Prazo decadencial de 180 (cento e oitenta) dias para a propositura da ação contra o empreiteiro/construtor, a contar do surgimento do vício ou do defeito, dentro do prazo legal anterior (art. 618, parágrafo único do Código Civil); 
  • Prazo decadencial de 90 (noventa) dias para reclamar dos vícios em imóveis no âmbito de relações consumeristas, na forma do art. 26, II do CDC. 

Veja-se, são muitos os prazos e situações em que uma regra ou mais pode ser aplicada ao caso concreto. 

Em seus julgados mais recentes, o STJ tem adotado o entendimento de que o prazo para ações indenizatórias que versam sobre vícios construtivos é decenal, aplicando-se o art. 205 do Código Civil: O prazo prescricional para pretensão indenizatória por vícios construtivos é decenal, conforme art. 205 do CC. (AgInt no AREsp 2499655 / MS, AgInt no AREsp 2088400 / CE, AgInt no AREsp 2304871 / DF, AgInt no REsp 2139242 / SP). 

Mas não é incomum ver decisões judiciais em sentido diverso, de modo que a padronização e especificação dos prazos em projeto de lei é fundamental para evitar maiores controvérsias sobre o assunto.  

Pelo PL 3997/2024, o prazo para as ações indenizatórias por danos causados por vícios construtivos será de 5 (cinco) anos, a contar: 

“Art. 206.  

(…) 

IV – a pretensão de reparação pelos danos causados por vícios de construção, contado o prazo:

a) para o construtor, da expedição do alvará de Habite-se. 

b) para o incorporador, da entrega das chaves ao adquirente.” (NR)

O projeto atualmente aguarda o parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). 

Embora todos esses prazos estejam previstos em lei, é muito importante que o contrato entre construtor/incorporador x adquirente delimite exatamente o prazo aplicado, bem como no manual do proprietário conste os prazos de garantia de cada elemento do imóvel, além dos prazos de manutenção que devem ser realizadas pelo proprietário. Essas informações devem estar claras e acessíveis para evitar a responsabilização do construtor por erro de terceiros. Para isso, é fundamental contar com o suporte jurídico de uma assessoria especializada em Direito Imobiliário 

PL 4749/2009 e PL 243/2011 

Os Projetos de Lei n° 4749/2009 e 243/2011 objetivam aumentar o prazo de garantia legal previsto no Código Civil, de 5 (cinco) para 10 (dez) anos.  

Os projetos já tramitam há muitos anos sem que tenham sido aprovados. Porém, em 23/04/2025 a CCJ emitiu parecer favorável à aprovação dos projetos e conversão em lei.  

Desafios e Perspectivas 

Um dos principais desafios a ser combatidos em relação aos vícios construtivos é a insegurança jurídica quanto aos prazos de garantia, decadência e prescrição, tanto para os consumidores quanto para os empreendedores. É muito importante que o Poder Legislativo estabeleça esses prazos e critérios de forma clara, na tentativa de diminuir o passivo judicial que o tema gera constantemente.  

A judicialização em massa, como nos casos das ações do PMCMV – Faixa 1, é um outro grande problema do setor. Ações iniciadas com base em defeitos mínimos, sem o acompanhamento de fundamentação técnica, tumultuam o Judiciário e redirecionam, indevidamente, recursos públicos para o combate dessas ações. 

As dificuldades técnicas em relação às provas periciais dessas ações, que são fundamentais para dirimir esse tipo de controvérsia, também são um desafio do tema. A ausência de padronização de quesitos ou de procedimentos na realização das perícias também pode prejudicar consumidores e construtores. Além disso, o deferimento de inversão de ônus da prova coloca o empreendedor como o responsável pela produção e custeio da prova técnica, o que pode aumentar ainda mais suas despesas com o processo.  

Outra dificuldade em relação às ações que versam sobre vícios construtivos diz respeito à multiplicidade de responsáveis, já que os consumidores, muitas das vezes, demandam a construtora, a incorporadora, a instituição financeira e a seguradora ao mesmo tempo, o que pode atrapalhar a defesa das empresas e a atribuição de responsabilidades.  

Quanto às perspectivas e tendências, a reforma legislativa do tema, que busca delimitar o prazo prescricional das ações que discutem vícios construtivos, traz mais segurança para o setor e também para os consumidores. 

Além disso, o Judiciário tem buscado padronizar as decisões sobre o assunto, tais como os temas que foram discutidos neste artigo, sobre inversão de ônus de prova, impossibilidade de indenização “automática” por danos morais, cobertura securitária obrigatória de vícios estruturais e também sobre o prazo prescricional aplicável a essas ações. 

O crescente avanço da desjudicialização também é sentido no mercado imobiliário, especialmente para a resolução de conflitos entre consumidores e construtores via conciliação e mediação. Além disso, estruturar um bom setor pós-venda é importante para que as construtoras diminuam possíveis litígios. 

Ademais, o uso de inteligência artificial na construção civil também pode ser empregado para identificar e prevenir falhas construtivas, o que minimiza as chances de demandas futuras nesse sentido. 

Além disso, instituições públicas e o Poder Judiciário vêm trabalhando conjuntamente para padronizar procedimentos e diminuir o passivo judicial sobre vícios construtivos. 

Conclusão 

Sabemos o quanto os vícios construtivos preocupam o incorporador, construtor e empreendedor do setor imobiliário. Trata-se de um problema que pode, muitas das vezes, ser evitado com uma boa estruturação do projeto, que envolve, não só a qualidade da edificação, como também (e principalmente) uma assessoria jurídica especializada, que permite identificar e delimitar os prazos e responsabilidades de cada uma das partes. 

Sobre o tema, vimos que o Judiciário tem buscado padronizar entendimentos e procedimentos, de modo a diminuir o volume de ações e coibir a advocacia predatória, em especial nos casos dos imóveis do Programa Minha Casa, Minha Vida – Faixa 1. 

Além disso, os projetos de lei que estão em tramitação e discutem a fixação específica de prazos prescricionais para pleitear indenização por danos causados por vícios construtivos nos direciona a um caminho de maior estabilidade jurídica e até mesmo técnica no âmbito da construção civil.  

Por mais que ainda estejamos vivenciado um período de instabilidade e insegurança jurídica sobre o tema, as perspectivas frente aos projetos de lei em tramitação são positivas. 

Esperamos que este artigo tenha sido útil para apresentar as principais novidades legislativas e jurisprudenciais sobre os vícios construtivos, tema tão relevante para o setor imobiliário. 

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