Quem está ou já esteve na posição de executado em uma execução judicial indevida certamente sente ou sentiu bastante ansiedade por uma solução rápida, que nem sempre se mostra possível.

Via de regra, os embargos à execução são a figura processual para enfrentar uma execução e, embora tenham conteúdo jurídico de defesa, eles constituem uma ação autônoma, que precisa ser distribuída pelo executado como se fosse um novo processo, que começa “do zero”.

Isso ocorre tanto no caso das execuções de modo geral, combatidas por meio dos embargos à execução regulados nos artigos 914 a 920 do Código de Processo Civil, quanto no caso das execuções fiscais, cujos embargos são abordados nos artigos 16 a 20 da Lei 6.830/1980 (a chamada Lei de Execução Fiscal)[1].   

Assim, por se tratar de procedimento com natureza jurídica de ação autônoma (e, historicamente, essa autonomia foi uma característica tradicional dos embargos até alterações mais recentes em nossa legislação, no contexto do chamado sincretismo processual), os embargos se sujeitam à notória morosidade do Poder Judiciário.

De fato, pela necessidade de distribuir uma “nova” ação, com todos os trâmites que isso acarreta, o tempo até a solução buscada pelo executado pode ser muito longo, o que se torna especialmente delicado nos casos de execuções nitidamente indevidas.

Afinal, ninguém quer ficar sujeito a um processo do qual não deveria fazer parte, ainda mais se esse fato desconfortável perdurar por muito tempo, certo?  

Para casos como esse, há um instrumento processual que, apesar de não ser tão comentado, possivelmente por não estar previsto na legislação de forma mais evidente, é muito utilizado na prática e amplamente aceito por nossos Tribunais. Trata-se da exceção de pré-executividade.

Você já ouviu falar dela? Quer saber quando ela é cabível e como ela funciona?

Abordaremos o tema em detalhes neste texto. Vamos lá!

 

Conceito e origens

 

Em termos gerais, a exceção de pré-executividade é uma ferramenta de defesa incidental e atípica nos processos de execução, apresentada por meio de uma simples petição juntada diretamente aos autos, sem, portanto, a necessidade de distribuição de uma “nova” ação como ocorre no caso dos embargos.

“Traduzindo”, é uma forma de defesa em face de uma execução indevida que é feita no próprio processo executório, que já está em curso, e não um novo processo em separado – como os são os embargos.

Para que a exceção de pré-executividade seja aceita, a matéria a ser discutida precisa envolver questões de ordem pública e dispensar a necessidade de produção de novas provas no processo.

Em outras palavras, se os pontos a serem discutidos dependerem do exame detalhado de provas que já não estejam, de imediato, à disposição do juiz responsável pelo caso, a defesa não poderá ser feita via exceção de pré-executividade e todo o caminho “normal” dos embargos à execução terá de ser percorrido.

E como surgiu a exceção de pré-executividade?

É comum caracterizarmos a exceção de pré-executividade como uma construção doutrinária e jurisprudencial, uma vez que a figura nunca foi tratada expressamente na legislação brasileira.

Com efeito, no texto do Código de Processo Civil de 1973, não mais vigente, toda e qualquer defesa do executado em um processo de execução, fosse este fundado em título executivo judicial ou extrajudicial, deveria ocorrer por meio dos embargos, cujo processamento dependia do oferecimento prévio de uma garantia.

Todavia, não era razoável que, na totalidade dos casos, o suposto devedor tivesse que, primeiro, oferecer bens à penhora ou depositar quantia em dinheiro para somente depois poder se defender.

Isso porque existem matérias de ordem pública aptas a colocar fim a uma execução e sobre as quais o juiz, mesmo sem ser provocado, teria de se pronunciar (aquilo que, no jargão jurídico, chamamos de conhecer de ofício).

Ocorre que, na dinâmica do processo e tendo em vista as conhecidas carências estruturais do Poder Judiciário, nem sempre o juiz cumpria essa missão, exigindo que o devedor tivesse de oferecer uma garantia para, só então, conseguir demonstrar as razões pelas quais a execução não deveria prosseguir, algo bastante embaraçoso e tormentoso.

Para resolver essas situações, passou-se a admitir que o executado alegasse, nos autos da própria execução e sem a necessidade de distribuir os embargos, matéria defensivas que, por serem de ordem pública, deveriam ter sido conhecidas de ofício pelo juiz.

Como não havia previsão na lei, a doutrina denominou tal incidente, de caráter excepcional, como exceção de pré-executividade, expressão que, para alguns juristas, seria tecnicamente imprecisa, uma vez que as defesas envolvendo matérias que podem ser conhecidas de ofício são designadas objeções, e não exceções.

Por isso, o incidente é intitulado por alguns como objeção de pré-executividade, mas o nome mais consagrado é, sem dúvida, exceção de pré-executividade.

Com o passar do tempo, a prática forense e a doutrina foram ampliando o alcance dessa figura processual, que, há muito, passou a ser uma realidade reconhecida inclusive em Súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como veremos adiante, e até mesmo referenciada, ainda que indiretamente, no Código de Processo Civil vigente (o CPC/2015).

 

Exceção de pré-executividade no CPC/2015

 

Como já referido, a exceção de pré-executividade é fruto de construção doutrinária e jurisprudencial, mas seu uso e relevância passaram a ser tão significativos que até mesmo a legislação processual passou a contemplá-la, ainda que de forma sutil.

Vejamos o que diz o artigo 518 do CPC/2015:

 

Art. 518. Todas as questões relativas à validade do procedimento de cumprimento da sentença e dos atos executivos subsequentes poderão ser arguidas pelo executado nos próprios autos e nestes serão decididas pelo juiz.

 

Note-se que, por mais que a legislação processual não utilize a nomenclatura exceção de pré-executividade, a figura está lá, nas entrelinhas da norma, que confere ao executado o direito de suscitar, nos próprios autos e a qualquer tempo, defesas quanto à validade da execução. Isso nada mais é do que a essência do instituto da exceção de pré-executividade.

E quais são as defesas passíveis de serem invocadas por meio de exceção de pré-executividade?

São aquelas como a alegação de:

1) Ilegitimidade passiva ou ativa – que podemos “traduzir” como a inadequação da presença de uma determinada pessoa em algum dos polos do processo;

2) Prescrição do título objeto da execução – que é a perda do direito de exercer uma determinada pretensão em juízo;

3) Decadência – que, grosso modo, é a perda do poder de exigir um direito;

4) Falta de interesse de agir do credor – a ausência de utilidade do processo para aquele que ajuíza uma ação; e

5) Existência de vícios formais que não podem ser corrigidos em um determinado título executivo.

Outra referência esparsa à exceção de pré-executividade na legislação brasileira pode ser enxergada no parágrafo único do artigo 803 do CPC/2015:

 

Art. 803. É nula a execução se:

I – o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível;

II – o executado não for regularmente citado;

III – for instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrer o termo.

Parágrafo único. A nulidade de que cuida este artigo será pronunciada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, independentemente de embargos à execução.

 

Veja-se que, novamente, não houve menção ao termo exceção de pré-executividade, mas o conceito do instituto está ali, subjacente no parágrafo único de tal artigo.

A grande questão é que a utilização da exceção de pré-executividade passa, sempre, pela necessidade de demonstrar que a defesa em questão não depende de novas provas para ser analisada e acolhida.

A defesa deve ser inquestionável e imediatamente acessível ao juiz com base naquilo que já está contido nos autos (ainda que se trate de um elemento trazido pela primeira vez com a própria petição de exceção de pré-executividade).

Vamos a um exemplo para ilustrar?

 

Exemplo prático

 

Imagine uma situação hipotética em que o credor ajuíze uma ação de execução com base em um título executivo extrajudicial (cheque, nota promissória, duplicata etc), pleiteando receber do suposto devedor a quantia de R$10.000,00.

O suposto devedor, por sua vez, ao ser convocado para integrar a relação processual, se espanta com a cobrança, uma vez que aquele débito objeto da execução já havia sido pago por ele.

Nessa circunstância, são duas as possibilidades:

1) o suposto devedor possui uma prova pré-constituída quanto à quitação do débito (recibo de pagamento); ou

2) o devedor, conquanto tenha quitado o débito, não possui nenhum documento que ateste esse fato, sendo necessária a comprovação por meio de testemunhas a serem ouvidas no processo.

No primeiro caso, é evidente que o suposto devedor poderia utilizar a exceção de pré-executividade, visto que o recibo de quitação é prova suficiente para invalidar, de pronto, a exigibilidade do título executivo (artigo 803, inciso I, do CPC).

Já no segundo caso, por mais que seja verdadeira a alegação de que o débito foi pago, há a necessidade de produção de provas no curso do processo para demonstrar que ocorreu a quitação, o que tornaria a defesa incompatível com os limites aceitos em relação à exceção de pré-executividade.

Assim, a única solução possível seria se defender por meio dos embargos à execução, com todos os ônus que isso atrai.

 

Procedimento

 

A apresentação de uma exceção de pré-executividade, que, repita-se, é feita mediante uma simples juntada de petição aos autos do processo executório, não depende do pagamento de custas processuais, ao contrário do que ocorre nos embargos à execução,

Para que uma exceção de pré-executividade possa ser apresentada, tampouco é necessário oferecer bens à penhora ou efetuar um depósito judicial para garantir a satisfação do direito exigido pelo credor.

Além disso, não há um prazo predeterminado para que a exceção de pré-executividade seja utilizada, sendo ela passível de invocação a qualquer tempo, desde que observados os limites já abordados neste texto.

De todo modo, em respeito às garantias do contraditório e da ampla defesa, previstas no artigo 5º, LV, da Constituição Federal e no artigo 9º do CPC, o juiz deverá ouvir a outra parte do processo (o exequente/credor) antes de julgar a exceção de pré-executividade.

Quando o juiz não estabelece um prazo específico para que o exequente/credor se manifeste, fica presumida a concessão do prazo geral de 5 (cinco) dias úteis contados a partir da intimação, conforme o artigo 218, § 3º, do CPC.

Se, depois dessas etapas, o juiz acolhe a exceção de pré-executividade, a execução é declarada extinta em decisão que resolve o mérito do processo, cabendo ao credor, se assim desejar, interpor recurso de apelação para levar o caso à instância superior.

Por outro lado, não sendo acolhida a exceção de pré-executividade, a execução segue o seu rumo natural e a decisão proferida pelo juiz terá natureza interlocutória, e não terminativa, devendo ser questionada, se for o caso, por meio do recurso de agravo de instrumento, que será julgado em segunda instância pelo Tribunal competente.    

Em regra, embora a exceção de pré-executividade trate de questões que podem pôr fim à execução, ela não suspende o andamento do processo, que continuará avançando. Este é o posicionamento do STJ, retratado no julgamento do Recurso Especial nº 450.852/RS:

 

Execução. Penhora. Exceção de pré-executividade. Penhora sobre o faturamento da empresa. Precedentes.

1. A simples manifestação da exceção de pré-executividade não tem o poder de suspender o processo de execução.

2. Possível, na esteira da jurisprudência da Corte, a penhora sobre o faturamento da empresa, como decidido no EREsp nº 279.580/SP, Relator o Ministro Humberto Gomes de Barros (Corte Especial, DJ de 19/12/03).

3. Recurso especial não conhecido.

(REsp 450.852/RS, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/06/2005, DJ 03/10/2005, p. 240)

Seja como for, pela gravidade das questões tratadas, o que se espera, diante da apresentação de uma exceção de pré-executividade, é que ela seja processada e julgada de imediato, pois não é razoável que uma execução contestada em tal nível prossiga sem que exista certeza se ela é devida ou não.

Uma menção curiosa: a rigor, embora isso seja bastante incomum, nada impede que sejam apresentadas mais de uma exceção de pré-executividade em um mesmo processo, desde que os fundamentos de uma e de outra sejam distintos.

 

A exceção de pré-executividade nas execuções fiscais

 

Um dos ambientes em que a exceção de pré-executividade mais se faz presente é no universo das execuções fiscais, no qual é muito frequente a existência de discussões sobre ilegitimidade passiva, prescrição, decadência e vícios na formação do título executivo judicial (as famosas Certidões de Dívida Ativa – CDAs).

A propósito, desde outubro de 2009, aplica-se o entendimento contido na Súmula 393 do STJ, segundo a qual “a exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória”.

No cotidiano do Poder Judiciário, inundado por execuções fiscais, a exceção de pré-executividade é a melhor solução até mesmo para casos pitorescos, como cobranças de tributos feitas equivocadamente a homônimos ou a pessoas que já faleceram.

 

Conclusão

 

A exceção de pré-executividade, apesar de estar “oculta” nos textos legais, é um mecanismo de defesa importantíssimo que garante o encerramento mais rápido de processos que, nitidamente, não podem ter sequência, sob pena de graves ilegalidades.

Quando bem utilizada, e não havendo abusos por parte de quem a propõe (muitas vezes em discussões que não podem ser resolvidas sem uma robusta produção de provas), a exceção de pré-executividade é um “tiro certo” que economiza tempo e dinheiro de quem precisa se defender de uma execução descabida.

Com os controles eletrônicos utilizados pelo Fisco e por outros tipos de credores, é cada vez mais raro que situações muito esdrúxulas ainda cheguem ao Poder Judiciário sob a forma de execuções indevidas, mas isso ainda acontece e ninguém quer ou pode esperar meses ou anos para se ver livre de uma cobrança que, evidentemente, sequer deveria existir.

Mesmo em cenários mais específicos, como na fase de cumprimento de sentença, pode-se fazer uso da exceção de pré-executividade, com impactos altamente perceptíveis em termos de eficiência e celeridade quando comparamos o uso de tal instituto aos mecanismos convencionais de defesa do executado.   

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*Foto de Getty Images, no Canva.


[1] Não falaremos, neste artigo, dos embargos à execução previstos no artigo 884 da CLT, pois a utilização, na Justiça do Trabalho, da exceção de pré-executividade, nosso objeto de estudo, tem contornos bastante específicos, que fugiriam dos propósitos do texto.

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