Na mesma linha de raciocínio de nosso artigo anterior, vimos o quão importante é a matrícula de um imóvel, que corresponde à sua própria “certidão de nascimento”.

Vimos, também, a necessidade de que o registro seja o mais fidedigno possível e traduza a realidade fática daquele bem.
Ocorre que, em algumas situações, especialmente nos condomínios, a matrícula mãe do imóvel não necessariamente representará a exatidão da situação de fato que existe naquele local.

Isso porque os condôminos podem individualizar suas frações e utilizá-las de forma exclusiva, apesar do condomínio juridicamente existir.

Nesse contexto, veremos o instituto da estremação, figura consideravelmente recente e que por meio de um procedimento simplificado é capaz de trazer uma correspondência mais verossímil à matrícula do imóvel, individualizando-o do restante do condomínio.

 

O que significa estremação

 

Estremar, com “s” mesmo, o que pode causar certa estranheza, significa delimitar, separar, demarcar com estremas.

 

Portanto, a estremação de um imóvel é o procedimento em que é feita a delimitação de determinada área, que já existe no mundo fático, para a matrícula do imóvel.

 

Pense na seguinte situação: uma grande extensão de terra que pertence a 20 (vinte) proprietários distintos há 10 (dez) anos. Eles dividiram a terra em áreas menores com cercas, de modo que todos estão de acordo com a área destinada a cada um. Porém, essa área delimitada não consta da matrícula do imóvel. Nessa situação, o condômino interessado poderá proceder à estremação do seu imóvel, desde que cumpridos os requisitos.

 

Esse procedimento é aplicável a condôminos pro diviso, que já exercem a posse exclusiva sobre determinado trecho, apesar de tal individualização não constar na matrícula do imóvel. 

Além disso, poderá ser feito de forma administrativa, junto ao cartório de circunscrição do imóvel.

O imóvel, ainda, poderá ser rural ou urbano.

Para melhor compreensão do instituto e do seu procedimento, faremos uma breve explicação acerca dos condomínios pro diviso x pro indiviso

 

Condomínio

 

Condomínio, no geral, é um dos temas mais recorrentes em nosso blog.

Isso porque, essa forma de copropriedade pode ter vários desdobramentos e se dar em diversas modalidades.

Para rememorar, haverá um condomínio de determinado bem quando ele pertencer a mais de uma pessoa simultaneamente, detendo cada uma delas uma fração ideal ou quota da coisa.

Assim, quando há um condomínio, o condômino detém uma fração ideal sobre o todo, mas não sobre uma área fisicamente localizada/determinada.

O condomínio pode se dar tanto em bens móveis quanto imóveis.

Existem várias formas de se classificar um condomínio. Para o tema de hoje, a classificação que nos interessa é quanto à forma, se pro diviso ou pro indiviso.

 

Condomínio pro diviso x condomínio pro indiviso

 

Um condomínio será classificado como pro indiviso quando não for possível determinar a fração ideal de cada condômino e a totalidade do imóvel é utilizada por todos. Ex.: a área comum em um condomínio edilício. Por não ser possível a determinação da área, não há como proceder com a estremação.

Por sua vez, o condomínio será pro diviso quando a fração ideal do condômino estiver demarcada no solo, por cercas ou muros. Tal como explicamos no exemplo do item anterior: todos os condôminos dividiram o terreno em lotes menores e essa situação é de consentimento de todos. Nessa situação, em que já existe uma divisão fática prévia, a estremação da área é permitida e de certa forma, indicada, conforme veremos a seguir.

Essas classificações só são perceptíveis faticamente, já que na matrícula do imóvel só há a descrição do todo na chamada matrícula mãe.  

À primeira vista, não vislumbramos nenhum problema em permanecer em condomínio (juridicamente) já que cada condômino exerce a sua posse de forma individualizada.

Contudo, a depender da transação que se deseja realizar com o imóvel ou sua fração ideal, o coproprietário acaba por encontrar dificuldades diante da falta de determinação e individualização da área do imóvel na sua respectiva matrícula.

Alguns problemas comuns são: dificuldade para obtenção de crédito, quando se pretende usar o imóvel como garantia; dificuldade para a venda; impossibilidade de desmembramentos, retificações da descrição do imóvel, averbação de construções e etc.

Considerando os entraves que um condômino pode possuir na tentativa de exercer seus direitos de proprietário, se faz necessária a adoção de medidas para individualiza-lo. 

 

Histórico

 

Antes do ano de 2005, para se extinguir um condomínio pro diviso e criar matrículas individuais para cada um dos lotes somente era possível por meio da ação de divisão ou de uma escritura pública de divisão.

O grande problema dessas modalidades é que para proceder com a divisão é necessária a participação de todos os condôminos no procedimento, o que o torna muitas das vezes inviável.

Com o Projeto “Gleba Legal”, instituído em 2005 pela Corregedoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul (Provimento n° 07/2005 da CGJ/RS), a estremação do imóvel se tornou possível, tudo mediante procedimento extrajudicial, direito nos Cartórios de Notas e, posteriormente, no de Imóveis. 

Posteriormente, foi editado o Projeto “More Legal”, também da CGJ/RS, em 2009, que auxiliava os proprietários a procederem a regularização individual de seus lotes. 

Em Minas Gerais, o Código de Normas revogado (Provimento n° 260/CGJ/2013) já previa o procedimento desde o ano de 2013.

E qual é a vantagem de se optar pela estremação em face da ação judicial de divisão ou da escritura pública de divisão?

A grande vantagem é que no procedimento de estremação não se exige a participação de todos os condôminos, mas tão somente dos respectivos confrontantes do imóvel a ser estremado, que podem ser ou não condôminos.

Além disso, com a individualização do imóvel na matrícula, é regularizada a sua situação e se torna mais simples as transações imobiliárias com o bem.

Ainda, o condomínio não necessariamente será extinto. Portanto, aqueles condôminos que desejarem permanecer em condomínio, poderão o fazê-lo sem maiores complicações, já que somente a área do interessado é que deixará de fazer parte do condomínio.

A estremação está prevista, inclusive, no Código de Processo Civil:

 

Art. 571. A demarcação e a divisão poderão ser realizadas por escritura pública, desde que maiores, capazes e concordes todos os interessados, observando-se, no que couber, os dispositivos deste Capítulo.

 

Já no atual Código de Normas de Minas Gerais (Provimento n° 93/CGJ/2020), o procedimento de estremação está previsto nos arts. 1.149 e seguintes:

 

DA ESTREMAÇÃO DE IMÓVEIS EM CONDOMÍNIO DE FATO 

Art. 1.149. Nas circunscrições imobiliárias possuidoras de condomínios pro diviso que apresentem situação consolidada e localizada, a regularização de frações com abertura de matrícula autônoma, respeitada a fração mínima de parcelamento de imóvel rural ou a área mínima de lote urbano, tanto na área a ser estremada quanto na remanescente, será feita com a anuência dos confrontantes das parcelas a serem individualizadas.

 

Vejamos, a seguir, quais são os requisitos para realizar a estremação e como funciona o seu procedimento.

 

Requisitos

 

Assim como na retificação de área, na estremação não há aquisição de propriedade, mas tão somente a sua regularização perante o registro de imóvel competente.

Logo, se não há transferência de propriedade, não há incidência do ITBI, tampouco do ITCD

Então, o que é preciso para realizar a estremação de sua área?

Primeiramente, para a estremação é necessária a existência de um condomínio de fato: cada proprietário exerce sua posse individualmente sobre determinada área, enquanto na matrícula do imóvel há um condomínio de direito, em que todos os proprietários possuem apenas uma fração ideal, não identificada. 

 

REQUISITOS DA ESTREMAÇÃO
Consenso Todos os confrontantes deverão concordar com a estremação, ou seja, com a delimitação da área cuja propriedade e posse já vinham sendo exercidas de forma exclusiva no mundo fático.Na forma do art. 1.150 do Provimento n° 93/2020, são considerados confrontantes: “o titular de direito real ou o ocupante, a qualquer título, da área lindeira à fração demarcada, integrante ou não do condomínio da área maior.”
FMP ou área mínima de lote urbano A área a ser estremada não poderá ser inferior à fração mínima de parcelamento quando rural ou à área mínima de lote urbano quando urbana.
Posse O proprietário deverá exercer de forma exclusiva a posse sobre o imóvel há mais de 5 (cinco) anos. Poderá ser somada a posse de proprietários anteriores, tal como na usucapião. A posse será comprovada mediante simples declaração do proprietário, corroborada com a declaração dos confrontantes.O requisito temporal é necessário para comprovar a situação consolidada da posse, ou seja, dotada de caráter de irreversibilidade, não podendo ser adquirida por terceiros, por exemplo, mediante usucapião.
Escritura pública A estremação deverá ser efetivada mediante escritura pública, em Cartório de Notas.
Requerimento Deverá ser apresentado o requerimento pleiteando a estremação do imóvel, especificando a área, suas limitações, confrontantes, proprietários e demais informações necessárias.
Documentos topográficos A planta do imóvel e seu memorial descritivo deverão ser apresentados junto ao requerimento, demonstrando a exatidão da área a ser estremada, bem como o ART do profissional de engenharia responsável pelos trabalhos, devidamente quitado.
Matrícula do imóvel A fim de comprovar a propriedade do bem, deverá ser apresentada a matrícula mãe do imóvel.
Outros documentos Outros documentos poderão ser exigidos a depender da natureza do imóvel, se rural ou urbano e, ainda, a depender do Estado, que a partir do seu respectivo Código de Normas poderá tratar o procedimento de estremação de forma distinta. 

 

Apesar dos documentos topográficos exigidos, para ilustrar de forma inequívoca a área a ser estremada, é dispensada a apuração da área remanescente em condomínio – o que poupa tempo e recursos.

 

Procedimento

 

O procedimento de estremação se inicia, portanto, no Cartório de Notas, com a lavratura da respectiva escritura.

Será necessária a aquiescência dos confrontantes nesse momento, bem como a apresentação dos documentos topográficos, de modo a permitir a elaboração da escritura com a descrição exata da área.

Para a estremação urbana, os lotes não poderão ser inferiores a 125m², na forma do artigo 4°, II da Lei 6.766/1979. Nos imóveis rurais, deverá ser atendida a Fração Mínima de Parcelamento (FMP) do Município. 

Feita a escritura de estremação, que deve contar com a concordância dos confrontantes do imóvel, ela deverá ser apresentada com os demais documentos ao Cartório de Registro de Imóveis onde está sua respectiva matrícula.

O procedimento de estremação será efetivado pelo Cartório de Registro de Imóveis competente, mediante o requerimento do interessado.

Com todos os documentos em mãos e regulares, será feita a estremação do imóvel, abrindo-se uma matrícula individual para a área em questão.

Caso haja algum ônus real sobre o imóvel e que tenha relação com a área a ser estremada, ele deverá ser transferido para a nova matrícula.

Feita a estremação, o requerente não mais estará em condomínio: será o único proprietário de seu imóvel, cuja posse já vinha sendo exercida há anos de forma exclusiva. 

Assim, o proprietário da área estremada possuirá maior segurança jurídica, já que seu bem estará descrito de forma individualizada e detalhada no registro de imóveis, além de possuir maior liberdade no exercício de sua propriedade, em especial para transações que envolverem o bem, vez que será dispensável qualquer concordância prévia dos (exs) condôminos.

 

Conclusão

 

Vimos que com a estremação fica mais fácil regularizar e individualizar um imóvel, o que traz diversos benefícios, tais como: a facilitação para obtenção de crédito, para a compra e venda da área e a dispensa a aquiescência de todos os condôminos para as transações que envolvam o imóvel.

Além de permitir que o registro seja mais fidedigno à realidade fática do bem, o proprietário da área estremada passa a deter uma maior liberdade quanto à sua propriedade.

Portanto, sempre que seja possível e atendidos os requisitos, a estremação é um procedimento recomendado.

Esperamos que o artigo tenha te ajudado a tirar as suas dúvidas e a aprender um pouco mais sobre esse importante instrumento de regularização fundiária.

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