A situação econômica a nível mundial foi drasticamente afetada com a pandemia da COVID-19.
No Brasil, o impacto foi ainda maior que o restante do mundo, levando o endividamento e o inadimplemento, tanto de famílias quanto de negócios, para níveis recorde.
Tal cenário afeta diretamente o mercado, já que um indivíduo endividado se torna um consumidor em potencial a menos, prejudicando a cadeia de consumo de bens e serviços, especialmente quando essa circunstância de endividamento foge do controle.
Em pesquisa recente (2021) da Confederação Nacional do Comércio de Bens (CNC), foi apurado o que cerca de 75,6% dos brasileiros se encontram endividados. Nesse contexto, a Lei do Superendividamento (Lei 14.181, de 1º de julho de 2021) foi editada na tentativa de amenizar a situação de penúria financeira de grande parte dos brasileiros.
Por trazer disposições de extrema relevância para a forma de consumo e de oferta de crédito, analisaremos hoje os principais aspectos e alterações no ordenamento jurídico trazidas pela Lei do Superendividamento, de forma a demonstrar sua aplicabilidade e cabimento tanto para os consumidores quanto para os fornecedores de bens e serviços.
Índice
O que é a Lei do Superendividamento?
A intitulada “Lei do Superendividamento” traz em seu conteúdo disposições voltadas, principalmente, à proteção de consumidores que se encontram em situação de superendividamento, de forma a permitir a renegociação de suas dívidas sem que isso prejudique sua subsistência e de sua família, protegendo o chamado “mínimo existencial”.
Alterando e incluindo dispositivos no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto do Idoso, a lei visa a proteger, especialmente, consumidores em situação de vulnerabilidade.
Do mesmo modo, a Lei do Superendividamento prevê a instauração de medidas para a educação e disciplina dos consumidores, no sentido de se criar um ambiente de consumo mais consciente, o que é benéfico para todas as partes envolvidas na cadeia econômica.
Para tanto, a Lei criou um procedimento similar ao que ocorre na recuperação judicial, destinado a empresas que estão passando por severa crise financeira e precisam de um plano de recuperação para adimplir suas obrigações e continuar suas atividades.
O procedimento previsto na Lei do Superendividamento é direcionado exclusivamente às pessoas físicas que se encontram extremamente endividadas e sem condições de garantir o cumprimento de suas obrigações sem prejuízo do necessário para se viver.
A proposta da Lei se assemelha, ainda, a outro instituto já há muito previsto em nosso ordenamento: a insolvência civil, que se configura quando as dívidas da pessoa física ou jurídica, neste último caso quando ela for não empresária (ou seja, sociedades simples, associações, fundações, dentre outras), superarem o seu patrimônio, podendo o credor ou o próprio devedor apresentar o pedido judicial para execução por concurso universal de credores, assim como na falência da pessoa jurídica.
Logo, enquanto a insolvência civil se assemelha à falência, a Lei do Superendividamento trouxe previsões muito próximas, no plano civil, da recuperação judicial de sociedades empresárias. Veja mais sobre os tipos de sociedades aqui.
Apesar de possuir um lado extremamente social, ligado à cidadania e à garantia da dignidade da pessoa humana, a Lei do Superendividamento pode, ainda, auxiliar no desenvolvimento econômico do país, viabilizando o pagamento de dívidas e a contratação de obrigações de forma consciente, de forma a impulsionar o mercado e garantir o crescimento da economia.
O que é o superendividamento?
O conceito de superendividamento está previsto no artigo 54-A, § 1º do Código de Defesa do Consumidor, incluído pela Lei do Superendividamento:
§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
Assim, conceitua-se o superendividamento como a impossibilidade do consumidor de arcar com todas as suas dívidas de consumo sem prejudicar o seu próprio sustento.
É possível vislumbrar essa circunstância quando um consumidor tem mais dívidas do que de fato aufere de renda em um mês, sendo considerado como superendividado para fins de aplicação da lei.
Pense-se, por exemplo, em um cidadão com uma renda líquida de R$ 5.000,00, com um apartamento financiado, um carro financiado, a fatura do cartão de crédito, as despesas ordinárias com energia, aluguel, condomínio, IPTU, alimentação, transporte. Sendo a soma dessas despesas mensais superiores à sua renda líquida, ele se encontrará em situação de superendividamento.
Mínimo existencial
A Lei do Superendividamento reforça, ainda, um outro conceito já conhecido no meio jurídico: o mínimo existencial.
Talvez seja ele, no contexto da nova lei, o principal a ser analisado, já que é o mínimo existencial que ditará e definirá se o sujeito está, de fato, superendividado.
De fato, considera-se superendividado o consumidor que não consegue adimplir com suas dívidas de consumo sem prejuízo do seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.
Porém, esse conceito ainda não é regulado, inexistindo, até o momento, critérios para fixação do que pode ser considerado mínimo existencial.
A lei remeteu a um futuro regulamento (que, na prática, é feito por um Decreto do Poder Executivo Federal) a delimitação dos critérios de aferimento do mínimo existencial, mas pecou em não fixar prazo para que isso ocorra.
Tal definição é imprescindível para aplicação da Lei, pois é esse critério que estipulará qual o percentual máximo da renda do consumidor que poderá ser utilizado para pagamento de dívidas.
Alimentação, moradia, saúde, segurança, educação, todos esses são direitos sociais que devem fazer parte do mínimo para a sobrevivência de um indivíduo.
As discussões para a conceituação e definição do que será considerado como “mínimo existencial” ainda estão em aberto na Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), desde a publicação da Lei.
Como a própria Lei prevê a edição de uma regulamentação para definir o critério de “mínimo existencial”, devemos aguardar a sua elaboração nos próximos meses, o que facilitará a aplicação da Lei, evitando definições arbitrárias e prejudiciais aos consumidores ou até mesmo aos credores.
Quem pode ser beneficiado com a Lei?
A Lei do Superendividamento, como já dito, é destinada aos consumidores (pessoas físicas) que se encontram na situação de superendividamento e desejam, por meio de um acordo extrajudicial ou judicial, quitar as suas dívidas de forma conjunta.
Basicamente, ao consumidor passa a ser facultado requerer a convocação de seus credores para celebração de um acordo coletivo para pagamento.
A Lei do Superendividamento não é aplicável a pessoas jurídicas, as quais estão submetidas ao procedimento de recuperação judicial ou falimentar.
Sistema Nacional de Defesa do Consumidor
O Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) é composto por diversos órgãos públicos que atuam, conjuntamente à Senacon, para a proteção dos direitos dos consumidores. Fazem parte do SNDC: Ministério Público, Defensoria Pública, Procons e entidades civis de defesa do consumidor.
A função destes órgãos passa a ser ainda mais relevante no âmbito da Lei do Superendividamento, já que o consumidor poderá requerer junto a eles o procedimento extrajudicial de convocação dos credores para a composição amigável e renegociação de dívidas.
Principais medidas e alterações
Como dito anteriormente, a Lei do Superendividamento incluiu e alterou dispositivos no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto do Idoso, considerando a vulnerabilidade desses grupos.
Não obstante as previsões para solucionar a questão do superendividamento da pessoa física, a lei busca uma alteração no modelo de consumo, para torná-lo mais consciente e menos nocivo aos próprios consumidores.
Parte-se de um pressuposto, que se sabe ser verdadeiro no contexto brasileiro: de que grande parte da população tem pouca ou nenhuma instrução financeira, faltando a muitos o discernimento para controlar receitas e gastos.
Para além disso, a baixa renda média do brasileiro, somada a uma alta informalidade e a uma inflação sempre presente, em maior ou menor grau, acaba forçando muitas pessoas, ainda que responsáveis e instruídas, a se endividar.
Medidas como o fomento à educação financeira e ambiental dos consumidores são apenas algumas das previsões que a nova Lei traz, visando a um melhor preparo e instrução do indivíduo para o mercado, de forma que a inadimplência não se torne algo banal e corriqueiro.
Ainda, a lei busca coibir o superendividamento para evitar a exclusão social do consumidor, o que, numa primeira análise, pode parecer um benefício apenas para a pessoa física.
No entanto, um indivíduo sem restrições de consumo beneficia toda a cadeia econômica: o comerciante recebe adequadamente do consumidor final e consegue adimplir com suas obrigações, além de contrair novas, o que gerará vantagens para os seus fornecedores e demais membros envolvidos na relação de forma sucessiva. Ou seja, o benefício é para todos!
Maior transparência
De forma a garantir uma maior clareza nas contratações, em especial, nas que envolvam concessão de crédito, as instituições financeiras passam a ser obrigadas a informar de forma clara e inequívoca o Custo Efetivo Total da operação.
Embora tal obrigação, na prática, já existisse em função dos princípios gerais de defesa do consumidor, agora o dever de informação foi ainda mais reforçado.
Não basta informar a porcentagem de juros que será aplicada, mas, sim, demonstrar o valor final que o consumidor, de fato, irá pagar, de forma resumida e inteligível no contrato.
Além disso, a Instituição deverá informar a quantidade de parcelas, valores e o contato, inclusive eletrônico, do fornecedor.
As propostas de crédito deverão ter um prazo de validade, que não poderá ser inferior a 2 (dois) dias.
O fornecedor também deverá informar sobre a possibilidade de liquidação antecipada da dívida, com redução proporcional dos juros e demais acréscimos.
Fim do abuso na contratação
Além da exigência expressa de maior transparência no ato de contratação de empréstimo, as instituições financeiras de crédito estão proibidas de pressionar os consumidores a contratar créditos e serviços.
Essa coação pode ocorrer por meio daquelas propostas “irrecusáveis”, como a concessão de empréstimo sem análise de crédito ou, ainda, para negativados.
Tais medidas passam a ser vedadas por força da Lei do Superendividamento no ato de oferta de crédito, sendo facultado ao consumidor que for lesado por tais práticas pleitear, judicialmente, pela redução dos juros, dilação de prazo para pagamento ou até mesmo indenização por perdas e danos.
Novos cuidados a serem tomados pelos fornecedores
Considerando as vedações trazidas pela Lei, em especial, para as instituições financeiras, é necessária uma maior cautela quando da oferta de crédito ao consumidor.
Observe-se que essa oferta de crédito não é feita exclusivamente por instituições financeiras.
Uma incorporadora que financia parte do preço de um imóvel, a prazo, para o comprador, também estará, na prática, concedendo-lhe um crédito.
A loteadora que vende seus lotes com planos de pagamento de 10 (dez) anos, igualmente, estará concedendo um crédito ao consumidor.
Logo, é indispensável que todas as empresas do mercado que, de uma forma ou outra, concedam crédito ao consumidor, seja por meio de mútuos diretos (financeiro), seja por meio de vendas a prazo, adequem seus contratos padrões para atender, à risca, os requisitos do novo artigo 54-B do Código de Defesa do Consumidor, incluído, naturalmente, pela Lei do Superendividamento:
Art. 54-B. No fornecimento de crédito e na venda a prazo, além das informações obrigatórias previstas no art. 52 deste Código e na legislação aplicável à matéria, o fornecedor ou o intermediário deverá informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre:
I – o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem;
II – a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento;
III – o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de 2 (dois) dias;
IV – o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor;
V – o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito, nos termos do § 2º do art. 52 deste Código e da regulamentação em vigor.
§ 1º As informações referidas no art. 52 deste Código e no caput deste artigo devem constar de forma clara e resumida do próprio contrato, da fatura ou de instrumento apartado, de fácil acesso ao consumidor.
§ 2º Para efeitos deste Código, o custo efetivo total da operação de crédito ao consumidor consistirá em taxa percentual anual e compreenderá todos os valores cobrados do consumidor, sem prejuízo do cálculo padronizado pela autoridade reguladora do sistema financeiro.
§ 3º Sem prejuízo do disposto no art. 37 deste Código, a oferta de crédito ao consumidor e a oferta de venda a prazo, ou a fatura mensal, conforme o caso, devem indicar, no mínimo, o custo efetivo total, o agente financiador e a soma total a pagar, com e sem financiamento.
Desse modo, as empresas deverão sempre informar:
- O custo total da operação;
- O percentual de juros, o valor individualizado da parcela e o prazo para pagamento;
- Os riscos de contratação e impossibilidade de pagamento diante da quantia contratada;
- Se o valor das parcelas será ou não fixo;
- A possibilidade de liquidação adiantada da dívida, assegurado o direito de redução de encargos de forma proporcional;
- O prazo de validade de propostas, que não pode ser inferior a 2 (dois) dias;
- O endereço do fornecedor de crédito, inclusive, eletrônico;
- A possibilidade de fornecimento de cópia física do contrato pelo consumidor;
Além disso, a empresa deve se abster da chamada abusividade de oferta, com ligações constantes para oferecer crédito, em especial, a idosos e analfabetos, que são grupos de extrema vulnerabilidade, o que pode tornar a contratação passível de rescisão e revisão judicial.
Enfim, a clareza na prestação do serviço garante que o negócio não será declarado nulo ou anulável, acarretando prejuízos para a empresa.
Para tanto, todos esses requisitos deverão constar expressamente do contrato, o que será mais bem adequado por um profissional habilitado e especializado na área. Conte com a nossa equipe caso precise de qualquer auxílio!
Procedimento
Requerimento
A fim de assegurar os direitos dos consumidores em situação de superendividamento, a nova lei traz um procedimento para a renegociação das dívidas em bloco.
Desse modo, o consumidor não mais precisará renegociar com cada um de seus credores individualmente, podendo fazer uso da “Conciliação no Superendividamento”, prevista no dispositivo que passou a integrar o Código de Defesa do Consumidor no artigo 104-A.
Primeiramente, cabe ao consumidor escolher a modalidade em que seu requerimento será feito: se extrajudicial ou judicial.
Sendo extrajudicial, o consumidor deverá procurar o Procon de seu município, ou, na falta deste, a Defensoria Pública ou o Ministério Público e formular tal solicitação, indicando a universalidade de seus credores, bem como dos valores devidos, além de demonstrar sua condição de superendividamento (em que suas dívidas prejudicam ou impossibilitam a garantia de seu mínimo existencial).
Optando pela via judicial, o juiz instaurará o processo de repactuação de dívidas, designando audiência conciliatória com todos os credores do consumidor, sendo obrigatória a presença de cada um deles.
Exigências
As dívidas que poderão ser objeto de renegociação, em conformidade com a Lei do Superendividamento, são as decorrentes de relação de consumo. Ou seja, dívidas contraídas entre particulares não serão abarcadas pela lei.
Além disso, dívidas contraídas dolosamente, ou seja, já sem o intuito de serem adimplidas, não serão passíveis de renegociação no âmbito da lei, embora essa prova seja de difícil materialização.
Ainda, não são abarcadas pela Lei dívidas contraídas para aquisição de bens de luxo, como carros e imóveis de alto padrão, já que o objetivo da lei é garantir a subsistência do consumidor em situação de vulnerabilidade, e não incentivar a inadimplência por motivos frívolos.
Por fim, não poderão ser submetidas à renegociação pela Lei do Superendividamento aquelas dívidas provenientes de contratos de crédito com garantia real, de financiamentos imobiliários, alienação fiduciária e de crédito rural, já que o próprio bem adquirido é garantia de adimplemento do débito.
Há de se ressaltar que somente é considerado financiamento imobiliário aquele fornecido pelos integrantes do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), Sistema Brasileiro de Poupança e empréstimo (SBPE) ou do Sistema Financeiro Habitacional (SFH).
Desse modo, contratos de financiamento pactuados diretamente com construtoras ou incorporadoras podem ser sujeitos à Lei do Superendividamento.
O pedido para conciliação em casos de superendividamento não consistirá em declaração de insolvência civil, ou seja, na impossibilidade do consumidor em arcar com suas dívidas.
Porém, só poderá ser feito novo pedido após decorridos 2 (dois) anos da liquidação do plano anteriormente homologado, para que não haja reincidência na situação de superendividamento.
Plano de pagamento de dívidas
A audiência de conciliação entre consumidor e credores, que pode acontecer tanto de forma extrajudicial (Procon) quanto judicial reunirá os representantes de todos os credores indicados.
Nessa audiência, será apresentado pelo consumidor um plano para o pagamento de suas dívidas, assim como é exigido da pessoa jurídica no âmbito da recuperação judicial.
Demonstra-se, a partir desse plano, a possibilidade de pagamento do consumidor, ou seja, com qual valor poderá arcar mensalmente, bem como os prazos para pagamento de todas as dívidas que serão abarcadas no plano.
Assim, são renegociadas as condições de pagamento, mas não há remissão (perdão ou abatimento parcial) da dívida, o que consagra o principal objetivo da lei, que é garantir o adimplemento das obrigações do devedor, sem permitir a inadimplência.
O prazo a ser proposto pelo consumidor no plano de pagamento não poderá ser superior a 5 (cinco) anos.
No plano de pagamento deverá constar:
- Medidas para dilação dos prazos de pagamento e redução dos encargos da dívida, de forma a facilitar seu pagamento;
- Previsão de suspensão ou extinção das ações judiciais em curso;
- Previsão da data de exclusão do consumidor dos cadastros de inadimplentes (SPC/Serasa);
- Condicionamento dos efeitos do plano à abstenção do consumidor de condutas que agravem sua situação financeira, como a contratação de novas dívidas.
Homologação
Celebrado o acordo entre as partes, o plano de pagamento será homologado, se tornando um título executivo judicial, com força de coisa julgada, para os casos em que o acordo for celebrado judicialmente.
Os acordos celebrados extrajudicialmente, poderão ser levados à homologação judicial, ou uma vez observados os requisitos, poderão constituir título executivo extrajudicial, produzindo os mesmos efeitos.
Desse modo, descumprida qualquer disposição do acordo, as partes poderão executá-lo judicialmente, exigindo compulsoriamente o seu cumprimento.
Ausência na audiência de conciliação
Como dito anteriormente, o comparecimento do credor na audiência de conciliação é obrigatório.
Mas, caso este não compareça ou não esteja devidamente representado por procurador habilitado com poderes para transigir (firmar acordo), a penalidade prevista para o credor é a suspensão da exigibilidade da dívida e a interrupção de incidência de encargos de mora.
Ainda, o credor poderá ser sujeitado, de forma compulsória, ao plano de pagamento proposto pelo consumidor e o pagamento desse débito somente se dará após o pagamento dos credores presentes na audiência de conciliação.
Ou seja, uma vez citado, é muito importante o comparecimento do credor na audiência de conciliação para que não haja qualquer prejuízo ao recebimento do seu crédito.
Negativa de acordo
Caso haja negativa no acordo por parte dos credores, o que acontecerá?
Diante dessa situação, será instaurado o processo de repactuação de dívidas para revisão dos contratos mediante plano judicial compulsório.
Os credores serão citados e poderão apresentar suas razões no prazo de 15 (quinze) dias para justificar a negativa de adesão ao plano voluntário ou a negativa de renegociação.
O juiz poderá designar um administrador para apresentar um plano de pagamento, desde que isso não onere excessivamente as partes.
Ainda que o plano judicial seja compulsório, fazendo com que credores estejam obrigatoriamente submetidos a ele, será assegurado como direito mínimo do credor o recebimento do valor principal, corrigido pelos índices oficiais, com previsão de liquidação total da dívida após a quitação do pagamento do plano consensual, devendo a primeira parcela ser paga em até 180 (cento e oitenta) dias e as demais, em parcelas iguais e sucessivas.
Ou seja, a lei induz os credores a aceitarem a proposta de acordo ofertada pelo consumidor, desde que assegurados o valor do principal, acrescido de correção monetária e que a totalidade da dívida seja paga em até 5 (cinco) anos.
A Lei do Superendividamento prestigia a conciliação para renegociação da dívida, já que, quanto antes a questão for resolvida, mais rápido se iniciarão os pagamentos – prezando pelos princípios da economia processual e celeridade.
Assim, a conciliação se tornará benéfica para todas as partes: aos credores, que ainda que num prazo mais longo, receberão o seu crédito, sem vê-lo fulminado pela prescrição; e aos consumidores, que conseguirão adimplir com suas dívidas, sem que isso lhes prejudique a própria sobrevivência.
Outras previsões
Como a Lei do Superendividamento prestigia a conciliação, há a previsão da instituição de núcleos de conciliação e mediação especificamente para os conflitos oriundos do superendividamento.
Ainda, busca fomentar o consumo consciente, incentivando a propagação de práticas voltadas à educação financeira e ambiental dos consumidores.
Diante da necessidade de um consumo mais cuidadoso, fica vedado às instituições de crédito oferecerem linhas de crédito com fundamento na ausência de análise prévia aos órgãos de cadastros de inadimplentes.
Alteração ao Estatuto do Idoso
Outra previsão da lei é que a negativa de crédito ao idoso com base em seu superendividamento não será considerada crime, por força do § 3° que foi incluído ao artigo 96 do Estatuto do Idoso.
O artigo 96, basicamente, define como crime a negativa discriminatória de fornecimento de serviços ou produtos à pessoa idosa, simplesmente pelo fato de ela ter idade avançada.
Conexão dos contatos
Apesar de implícita a regra da legislação cível de que “o acessório acompanha o principal”, a partir da Lei do Superendividamento passa a constar expressamente tal conexão, coligação ou interdependência do contrato principal do fornecimento de produto ou serviço e os contratos acessórios de crédito.
Por exemplo, se você contrata a instalação de armários junto à prestadora de serviços, mas, para o pagamento desse serviço, você precisa contratar um financiamento com uma instituição de crédito, o contrato principal será o de prestação de serviços e o de financiamento, acessório.
Diante dessa relação entre os instrumentos contratuais, caso o principal seja resolvido (encerrado) por exercício do direito de arrependimento, o acessório também o será.
Ainda, na circunstância do produto não ser entregue ou a prestação de serviços não ser realizada, o consumidor poderá pedir a rescisão junto ao fornecedor de crédito, ao administrador do cartão de crédito, ou a qualquer empresa pertencente ao mesmo grupo econômico.
Nesse mesmo sentido, caso seja declarada a invalidade ou ineficácia do contrato principal, o mesmo ocorrerá em relação ao contrato de crédito acessório, assegurado o direito de regresso da instituição contra o fornecedor de produtos ou serviços.
Interrupção nas cobranças
A Lei do Superendividamento prevê a vedação de cobrança por parte do fornecedor quando a compra feita por cartão de crédito tiver sido contestada. Para garantir esse direito, o consumidor deverá contestar a compra em até 10 (dez) dias anteriores ao vencimento da fatura. Assim, o consumidor poderá efetuar o pagamento deduzindo a quantia que foi contestada, até que a contestação seja apurada.
Recusa na entrega de documentos
Passa a ser proibida, expressamente, a negativa por parte dos fornecedores em entregar cópia física dos contratos principais ou acessórios, mesmo após a conclusão do contrato.
Dificultar bloqueio de cartões
Ainda, é vedado aos fornecedores, em especial, às administradoras de cartão, impedir ou dificultar a anulação de atos fraudulentos com cartão de crédito, dificultar o bloqueio do cartão ou o inviabilizar o pedido de restituição dos valores que foram indevidamente recebidos pela administradora.
Conclusão
A Lei do Superendividamento visa, principalmente, a proteger o consumidor em situação de vulnerabilidade, impedindo que lhe seja exigido o adimplemento de dívidas de forma a prejudicar sua subsistência.
Para tanto, foi criado um procedimento para a repactuação conjunta de todas as suas dívidas sem prejuízo de seu mínimo existencial.
A medida, a princípio, beneficia a figura do consumidor.
No entanto, ao pensarmos que, a partir da conciliação, o consumidor não só poderá adimplir suas obrigações como o credor receberá o que lhe é devido, ainda que num prazo superior ao original, essa situação passa também a lhe ser benéfica.
De fato, é melhor que uma dívida seja paga em um período maior do que nunca ser paga.
Além disso, as desvantagens de não aceitar uma conciliação são muitas, conforme vimos ao longo do texto, já que o crédito poderá ser pago somente no final do pagamento daqueles credores que aceitaram o acordo.
Assim, a conciliação se mostra a melhor medida para esses casos, de modo que o credor receberá o que lhe compete e o consumidor poderá pagar suas dívidas sem que isso lhe afete a própria sobrevivência e de sua família.
Ainda, a lei objetiva um consumo e oferta de crédito mais conscientes, de forma a inibir a oferta abusiva que agrava a situação de superendividamento do consumidor.
É certo que o consumo consciente passa por uma alteração de paradigma da sociedade, em que a inadimplência não seja mais algo banalizado pelos consumidores, exigindo destes uma nova postura, já que, para se utilizar dos benefícios previstos na lei, há um prazo para que o consumidor volte a pleitear a reconciliação, contado da conclusão do plano de pagamento anterior.
Em síntese, o cumprimento regular das obrigações traz benefícios para todas as partes envolvidas na cadeia de consumo.
Deixamos, por fim, o alerta aos fornecedores para que revisem seus contratos padronizados, de forma a prever, com a maior clareza e transparência possível, todos os encargos e custos de financiamentos e vendas a prazo.
Esperamos que esse conteúdo lhe tenha sido, de alguma forma, útil. Não deixe de conferir, também, nossos conteúdos anteriores.
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