É possível que você já tenha ouvido falar da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a Lei Federal 14.133/2021, mas talvez você não ainda não conheça importantes inovações trazidas por ela.

A primeira inovação da qual iremos tratar neste artigo é a seguinte: deixou de existir uma diferença procedimental entre as modalidades concorrência e pregão no que diz respeito à sequência das fases de habilitação e julgamento. Agora, esta última fase passa a anteceder a fase de habilitação nas duas modalidades.

A segunda inovação que abordaremos aqui é a criação de uma nova modalidade de licitação, chamada de diálogo competitivo, que tem por finalidade a realização de um diálogo entre a Administração Pública e os licitantes, visando à obtenção da(s) melhor(es) alternativa(s) capaz(es) de atender às necessidades da contratação.

Essas duas inovações possuem uma íntima relação com a fase preparatória da contratação, o que evidencia a importância do planejamento, tal como já pontuado em publicação anterior do blog (confira clicando aqui).

 

Modalidades de Licitação na Lei 14.133/2021

 

A Lei Federal 14.133/2021 deixou de regular as modalidades de convite e tomada de preços, muito comuns em Municípios de menor porte em razão da sistemática da Lei Federal 8.666/93, que previa a modalidade de licitação de acordo com o valor da contratação.

No entanto, em razão da sobreposição de vigências da Lei Federal 8.666/93 e da Lei Federal 14.133/2021, ainda será necessário conviver com essas duas modalidades durante os dois primeiros anos de vigência da nova lei, como explicamos em outro de nossos artigos.

Nesse cenário, podemos afirmar que existem, atualmente, 7 (sete) modalidades de licitação possíveis à disposição da Administração Pública, embora sejam 5 (cinco) as modalidades listadas no artigo 28 da nova Lei, a saber: pregão, concorrência, concurso, leilão e diálogo competitivo.

Marçal Justen Filho[1], citando Adilson Abreu Dallari, destaca:

 

“(…) deve-se reconhecer que as diferenças entre as diversas modalidades de licitação não se resumem a questões acessórias, tais como âmbito de publicação ou prazo de divulgação. As diferenças procedimentais retratam a necessidade de adequar a disputa ao objeto contratado.

As diversas ‘modalidades’ representam, em verdade, diversas formas de estruturar o procedimento de seleção da proposta mais vantajosa. As diversas espécies de procedimentos distinguem-se entre si pela variação quanto à complexidade de cada fase do procedimento e pela variação quanto à destinação de cada uma dessas fases.

 

Voltando às modalidades de licitação contidas no texto da Lei Federal 14.133/2021, tem-se que as duas primeiras, pregão e concorrência, abrangem e, muito provavelmente continuarão a abranger, a grande maioria dos procedimentos de contratação com a Administração Pública.

O concurso e o leilão têm aplicação mais restrita e em hipóteses bem especificas e, em razão disso, não serão objeto de maiores considerações neste trabalho.

A última das modalidades, o diálogo competitivo, é, como já indicamos, uma inovação legislativa, que tende a ser utilizada em contratações mais complexas.

Nos mesmos moldes de sua antecessora, a Lei 14.133/2021 contemplou definições sobre cada uma das modalidades de licitação:

 

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:

(…)

XXXVIII – concorrência: modalidade de licitação para contratação de bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de engenharia, cujo critério de julgamento poderá ser:

a) menor preço;

b) melhor técnica ou conteúdo artístico;

c) técnica e preço;

d) maior retorno econômico;

e) maior desconto;

XXXIX – concurso: modalidade de licitação para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, cujo critério de julgamento será o de melhor técnica ou conteúdo artístico, e para concessão de prêmio ou remuneração ao vencedor;

XL – leilão: modalidade de licitação para alienação de bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos a quem oferecer o maior lance;

XLI – pregão: modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto;

XLII – diálogo competitivo: modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos;

 

Como se vê, a concorrência é a modalidade que deve ser utilizada para a contratação de bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de engenharia, cujo critério de julgamento pode ser o menor preço, melhor técnica ou conteúdo artístico, preço e técnica, maior retorno econômico ou maior desconto.

O pregão, por sua vez, é obrigatório no caso de aquisição de bens e serviços comuns e o seu critério de julgamento deve ser de menor preço ou maior desconto.

As especificidades de cada um dos critérios de julgamento estão previstas nos artigos 34 a 39 da Lei Federal 14.133/2021.

O critério de menor preço ou maior desconto considera o menor dispêndio para a Administração Pública, desde que atendidos, evidentemente, os parâmetros mínimos de qualidade previstos no edital (artigo 34).

O critério da melhor técnica ou conteúdo artístico considerará, exclusivamente, as propostas técnicas ou artísticas, observando-se o prêmio ou remuneração ao vencedor informados no edital (artigo 35).

O critério de julgamento de técnica e preço leva em consideração a maior pontuação obtida pelo licitante, a partir da ponderação dos fatores objetivos definidos no edital, observando-se as notas atribuídas aos aspectos de técnica e de preço da proposta (artigo 36).

Já o critério de maior retorno econômico tem por objetivo proporcionar economia para a Administração Pública, com base na redução das despesas correntes e mediante a remuneração do contratado de forma proporcional à economia gerada, o que dá origem ao denominado contrato de eficiência (artigo 39).

Podemos extrair, de tudo isso, a relevância da fase preparatória da licitação, uma vez que é em tal momento em que a Administração Pública planejará a execução da obra/contratação dos serviços e definirá a modalidade de licitação, o critério de julgamento, o modo de disputa e a adequação e eficiência a partir das combinações possíveis desses parâmetros.

A fase preparatória, destaque-se, sempre possui o fim de selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública tendo em vista todo o ciclo de vida do objeto licitado (artigo 18, inciso VIII, da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos).

 

Unificação do Procedimento Licitatório

 

Como já pontuado, deixou de existir, com a nova Lei, diferença procedimental entre as fases da concorrência e do pregão. Nas duas modalidades de licitação, daqui em diante, a fase de julgamento antecederá a fase de habilitação.

A Lei Federal 14.133/2021 trouxe esta sequência de fases:

 

Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:

I – preparatória;

II – de divulgação do edital de licitação;

III – de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;

IV – de julgamento;

V – de habilitação;

VI – recursal;

VII – de homologação.

§ 1º A fase referida no inciso V do caput deste artigo poderá, mediante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceder as fases referidas nos incisos III e IV do caput deste artigo, desde que expressamente previsto no edital de licitação.

 

Em suma, tanto no pregão quanto na concorrência, passa-se a analisar primeiro os preços para, depois, analisar-se a habilitação.

Destacamos em nossos outros artigos sobre o tema que tal mudança é muito significativa, pois os licitantes já conhecerão, de pronto, a proposta de melhor preço, o que tende a reduzir e/ou evitar discussões na esfera administrativa e na esfera judicial que, na sistemática da Lei Federal 8.666/93, foram/são muito comuns, nas quais discute-se a habilitação sem que as partes sequer tenham noção dos preços em disputa.

Nesse particular, registre-se que, apesar de ser louvável a iniciativa da nova Lei de acrescentar ao artigo 1.048 do Código de Processo Civil a prioridade de tramitação dos procedimentos judiciais “em que se discuta a aplicação do disposto nas normas gerais de licitação e contratação a que se refere o inciso XXVII do caput do art. 22 da Constituição Federal”, a mudança da sistemática legal no que diz respeito às fases já tende a fazer com as discussões se tornem mais escassas, de modo que tal dispositivo legal precise ser pouco invocado.

Grosso modo, estão com os dias contados os dispendiosos (e muitas vezes inúteis) debates promovidos por licitantes inabilitados que defendem a regularidade da documentação apresentada, mas cujo preço não é competitivo, situações em que o tempo “perdido” não gera nenhum efeito concreto positivo para a licitação.

Trata-se, pois, de uma opção legislativa que melhor atende ao princípio da eficiência que a Administração Pública deve observar.

 

O Diálogo Competitivo

 

Vamos agora à inovação da Lei Federal 14.133/2021 com a criação da modalidade de licitação intitulada diálogo competitivo, contida no artigo 32 da nova norma:

 

Art. 32. A modalidade diálogo competitivo é restrita a contratações em que a Administração:

I – vise a contratar objeto que envolva as seguintes condições:

a) inovação tecnológica ou técnica;

b) impossibilidade de o órgão ou entidade ter sua necessidade satisfeita sem a adaptação de soluções disponíveis no mercado; e

c) impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela Administração;

II – verifique a necessidade de definir e identificar os meios e as alternativas que possam satisfazer suas necessidades, com destaque para os seguintes aspectos:

a) a solução técnica mais adequada;

b) os requisitos técnicos aptos a concretizar a solução já definida;

c) a estrutura jurídica ou financeira do contrato;

III – (VETADO).

§ 1º Na modalidade diálogo competitivo, serão observadas as seguintes disposições:

I – a Administração apresentará, por ocasião da divulgação do edital em sítio eletrônico oficial, suas necessidades e as exigências já definidas e estabelecerá prazo mínimo de 25 (vinte e cinco) dias úteis para manifestação de interesse na participação da licitação;

II – os critérios empregados para pré-seleção dos licitantes deverão ser previstos em edital, e serão admitidos todos os interessados que preencherem os requisitos objetivos estabelecidos;

III – a divulgação de informações de modo discriminatório que possa implicar vantagem para algum licitante será vedada;

IV – a Administração não poderá revelar a outros licitantes as soluções propostas ou as informações sigilosas comunicadas por um licitante sem o seu consentimento;

V – a fase de diálogo poderá ser mantida até que a Administração, em decisão fundamentada, identifique a solução ou as soluções que atendam às suas necessidades;

VI – as reuniões com os licitantes pré-selecionados serão registradas em ata e gravadas mediante utilização de recursos tecnológicos de áudio e vídeo;

VII – o edital poderá prever a realização de fases sucessivas, caso em que cada fase poderá restringir as soluções ou as propostas a serem discutidas;

VIII – a Administração deverá, ao declarar que o diálogo foi concluído, juntar aos autos do processo licitatório os registros e as gravações da fase de diálogo, iniciar a fase competitiva com a divulgação de edital contendo a especificação da solução que atenda às suas necessidades e os critérios objetivos a serem utilizados para seleção da proposta mais vantajosa e abrir prazo, não inferior a 60 (sessenta) dias úteis, para todos os licitantes pré-selecionados na forma do inciso II deste parágrafo apresentarem suas propostas, que deverão conter os elementos necessários para a realização do projeto;

IX – a Administração poderá solicitar esclarecimentos ou ajustes às propostas apresentadas, desde que não impliquem discriminação nem distorçam a concorrência entre as propostas;

X – a Administração definirá a proposta vencedora de acordo com critérios divulgados no início da fase competitiva, assegurada a contratação mais vantajosa como resultado;

XI – o diálogo competitivo será conduzido por comissão de contratação composta de pelo menos 3 (três) servidores efetivos ou empregados públicos pertencentes aos quadros permanentes da Administração, admitida a contratação de profissionais para assessoramento técnico da comissão;

XII – (VETADO).

§ 2º Os profissionais contratados para os fins do inciso XI do § 1º deste artigo assinarão termo de confidencialidade e abster-se-ão de atividades que possam configurar conflito de interesses.

 

A adoção de tal modalidade de licitação, ao menos em um primeiro momento, certamente não será algo tão frequente, uma vez que sua aplicação é restrita às hipóteses que envolvam inovação tecnológica ou técnica, a necessidade de adaptação de soluções disponíveis no mercado ou, ainda, diante da impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela Administração Pública.

Em um futuro breve, porém, espera-se que essa modalidade seja crucial para a obtenção de eficiência por parte da Administração Pública.

Um exemplo para demonstrar essa situação é o da construção de um submarino nuclear.

Conforme informações da Marinha do Brasil, trata-se de um projeto que teve início em julho de 2012, com execução prevista para ter início em fevereiro de 2020 e conclusão estimada para 2029.

Posteriormente, a SINAVAL, instituição que representa os estaleiros brasileiros, informou, nos termos de notícia veiculada em 28/08/2020, que a fase de projeto do primeiro submarino nuclear do Brasil teve sua concepção geral finalizada em janeiro de 2017 e que a fase de projeto foi iniciada em 2019, com conclusão desta fase esperada para fevereiro de 2022. A construção do submarino, em si, teria início em 2023 e término em 2033.

Ou seja, um empreendimento que inicialmente tinha como previsão, entre o nascimento do projeto e a sua conclusão, 17 anos de trabalho, já tem um atraso de mais 4 anos, de modo que, com o avanço tecnológico, a empreitada certamente será objeto de diversos ajustes e adequações ao longo do tempo.

Empreendimentos complexos e de alta tecnologia, tal como o submarino nuclear brasileiro, precisam, necessariamente, de soluções diferenciadas. A lógica do diálogo competitivo é propiciar justamente isso.

Um fato interessante: tão logo publicada a Lei Federal 14.133/2021, foi editada, pela Diretora da Central de Compras da Secretaria de Gestão da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, a Portaria 4.951, de 29 de abril de 2021, designando servidores para a condução do Diálogo Competitivo nº 1/2021, que visará à contratação de solução para o desenvolvimento de medidas sustentáveis para a eficiência energética dos prédios situados na Esplanada dos Ministérios.

Essa, certamente, é uma questão complexa, que demanda a adoção de inovações tecnológicas, uma vez que os prédios dos Ministérios, via de regra, remontam à fundação de Brasília (década de 1960), exigindo, inclusive por razões de interesse público, redução de custos com a utilização de recursos energéticos mais adequados.

Com o tempo, outros usos legítimos e justificáveis da modalidade de diálogo competitivo devem ganhar vulto.

 

Conclusão

 

Buscamos demonstrar, neste artigo, que a alteração da sistemática de fases nos pregões e concorrências devem trazer grandes benefícios para a Administração Pública, limitando discussões que, muitas vezes, resultam apenas em perda de tempo e eficiência nas contratações.

Também destacamos que a modalidade do diálogo competitivo pode permitir ganhos significativos a todos os envolvidos em contratações mais complexas, ainda que, por se tratar de uma novidade com menor alcance prático imediato, ela ainda deva causar certa desconfiança e insegurança. O futuro mostrará se a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos acertou ao instituir no ordenamento jurídico brasileiro essa nova modalidade de licitação (queremos crer que sim).

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*Imagem de Getty Images no Canva Pro.


[1] FILHO, MARÇAL JUSTEN. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, p. 440.

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