Ao longo do período de vigência da Lei Federal 8.666/93, a Advocacia Geral da União (AGU), na defesa dos interesses da União Federal, e o Tribunal de Contas da União (TCU) foram, paulatinamente, consolidando o entendimento de que o instituto da preclusão lógica, oriundo do direito processual, poderia ser aplicado no contexto dos contratos administrativos.

A seu turno, a Nova Lei de Licitações, Lei Federal 14.133/2021, trouxe um dispositivo legal específico para tratar desse tema.

A aplicação do instituto da preclusão lógica tem relação com a questão do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, uma importante garantia para o particular que contrata com a Administração Pública.

Nesse cenário, vale o questionamento: a preclusão lógica pode afastar tal garantia? É essa a pergunta que buscamos responder neste artigo.

 

O que é a preclusão?

 

A preclusão é um instituto de direito processual que tem por finalidade conferir linearidade e impulso ao procedimento, evitando-se idas e vindas durante a sua tramitação.

A ideia subjacente ao instituto da preclusão é que o procedimento é uma cadeia de atos sequenciados e concatenados para um determinado fim. Nessa cadeia,  o ato antecedente é condição essencial para a prática do ato subsequente, sem que possa haver uma retroação em relação ao ato já praticado.

A preclusão pode ser de 3 espécies: temporal, consumativa ou lógica.

A preclusão temporal é a mais comum e tem relação com a perda da possibilidade de se praticar um ato em um determinado momento em virtude do decurso de um prazo previamente fixado. Um exemplo de preclusão temporal no cenário de licitações é a impossibilidade de apresentação de um recurso administrativo após esgotado o prazo para tanto.

Já a preclusão consumativa é a perda da possibilidade de se praticar um ato em razão de ele já ter sido praticado anteriormente. Exemplo de preclusão consumativa é a interposição de recurso administrativo no primeiro dia do prazo recursal e posterior apresentação, no último dia do prazo, de um recurso mais robusto, o qual, contudo, não terá valor jurídico, já que o primeiro recurso apresentado é que poderá ser apreciado.

A preclusão lógica, por fim, é a perda da possibilidade de se praticar um ato em razão da incoerência lógica dessa conduta em face de outro ato já praticado. Um exemplo de preclusão lógica ocorre quando um licitante observa que existem razões para impugnar o edital de uma licitação, mas não o faz, apresentando normalmente a sua documentação durante a licitação. Posteriormente, esse mesmo licitante, em fase recursal, pretende discutir cláusulas do edital com as quais, ao não impugná-lo e ao apresentar-se para a sequência do procedimento, ele já havia concordado.

Durante o procedimento licitatório em si, não há maiores questionamentos acerca da aplicação do instituto da preclusão, em qualquer de suas espécies.

 

A preclusão e a revisão dos atos praticados pela Administração Pública

 

Todas as espécies de preclusão têm relação com uma ação (no caso da consumativa e da lógica) ou com uma omissão (no caso da temporal) por parte do licitante.

A par da (im)possibilidade de aplicação do instituto da preclusão, contudo, existe a inegável possibilidade de a Administração Pública, em razão dos princípios da autotutela e da legalidade, poder rever os atos que ela própria praticou.

A possibilidade de a Administração Pública rever seus próprios atos é objeto de famosa súmula 473 do STF, segundo a qual “a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

Com efeito, se os processos administrativos buscam alcançar a realidade dos fatos, de modo a permitir a correta e adequada interpretação e a estrita aplicação da Lei pela Administração Pública, impedir que esta reveja seus próprios atos seria correr o risco de que um ente estatal viesse a chancelar injustiças e ilegalidades, o que não faz nenhum sentido.

Nessa esteira, embora muitos dos institutos presentes na legislação processual, como é o caso do instituto da preclusão, possam ser aplicados em processos administrativos, estes possuem a característica de serem menos formais do que os processos judiciais. A propósito, o Brasil adota, em matéria de licitações, o chamado princípio do formalismo moderado.

Logo, deve-se interpretar com cautela e parcimônia a utilização do instituto da preclusão em procedimentos administrativos. Eis o que a mais respeitada doutrina diz a respeito:

 

Deixando de lado o processo legislativo, que não é relevante para o tema ora tratado, não há dúvida de que existem semelhanças e diferenças entre o processo judicial e o administrativo.

Ambos são processos de aplicação da lei. Ambos estão sujeitos aos princípios da legalidade, do formalismo, da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal, da motivação, da publicidade, da economia processual, da segurança jurídica, este último servindo de fundamento às regras que impõem respeito aos direitos adquiridos, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, bem como aos prazos de prescrição e decadência, além das regras legais sobre preclusão. (…)

Assim é que o formalismo, presente nas duas modalidades de processo, é muito menos rigoroso nos processos administrativos, onde alguns falam em informalismo e outros preferem falar em formalismo moderado. (…)

Do mesmo modo que a coisa julgada e a prescrição, o instituto da preclusão — que ocorre quando uma das partes deixa de adotar alguma providência processual de sua alçada — foi transposto para o âmbito dos processos administrativos. No entanto, também não pode ter o mesmo rigor que no processo judicial.

A Administração Pública demonstra tendência de adotar os institutos do processo judicial com o mesmo rigor, muitas vezes em prejuízo dos direitos do administrado, do interesse público e até com maiores ônus para si própria e para o erário.

Cabe aqui a indagação: qual a razão para essa transposição, pura e simples, de princípios do processo judicial para o processo administrativo? (…)

Duas grandes razões aconselham muita cautela na transposição de institutos próprios do processo judicial: (I) de um lado, a elaboração, no decurso do tempo, de determinados princípios específicos dos processos administrativos; é o caso dos princípios da oficialidade, do formalismo moderado (ou informalismo), da verdade material, do interesse público, da economia processual, dentre outros construídos e aplicados muito antes de existir no Brasil uma lei de processo administrativo (Lei n° 9.784, de 29-1-99); (II) de outro lado, o fato de que os atos da Administração Pública estão sempre sujeitos ao controle externo, seja pelo Legislativo, com auxílio do Tribunal de Contas, seja pelo Poder Judiciário; esta é uma grande diferença entre o processo administrativo e o processo judicial: neste, uma vez proferida a decisão final transitada em julgado, não há outro órgão superior que possa dizer que a decisão foi lícita ou ilícita, porque o Poder Judiciário exerce a chamada soberania em sentido jurídico, que compreende o poder de decidir em última instância; não é por outra razão que se diz que a coisa julgada encerra uma verdade legal, fazendo o negro “parecer branco e o quadrado parecer redondo. No processo administrativo, as decisões administrativas mesmo as adotadas na última instância da escala hierárquica, são sempre passíveis de revisão pelos órgãos de controle. Não adianta o apego excessivo aos formalismos, aos prazos para apresentação de recursos ou juntada de documentos, se, por falta de tais providências, a decisão administrativa resultar em ato ilícito que pode ser corrigido pelo Poder Judiciário.[1]

 

No mesmo rumo vai Gabriela Pércio:

 

(…) ao aplicarmos um instituto desenhado por uma lei de Direito Privado em situação diferente da que motivou sua criação, desbordamos dos limites jurídicos e estamos, perigosamente, em franca atividade criativa predestinada à ilegalidade. E, salvo melhor juízo, foi exatamente o que ocorreu em relação ao instituto do Direito Processual Civil denominado “preclusão lógica”, ao ser transposto para a seara do contrato administrativo como obstáculo à repactuação.[2]

 

Por tudo isso, não se pode dizer que uma suposta ocorrência de preclusão impediria a Administração Pública de rever seus próprios atos:

 

A preclusão, para o administrado, sofre maiores restrições do que nos processos judiciais, porque, estando a Administração sujeita ao princípio da legalidade e ao controle judicial, sempre se reconhece a ela o poder-dever de rever os próprios atos, para anulá-los, convalidá-los ou revogá-los. A consequência é que os prazos impostos ao interessado para apresentar suas alegações e provas, bem como para recorrer, se desrespeitados, não impedem a Administração de rever o ato impugnado, se reconhecer a procedência das alegações e provas, ainda que apresentados extemporâneos.[3]

 

O acolhimento de qualquer tese de preclusão de forma absoluta e acrítica vai de encontro a toda essa valiosa construção doutrinária, que apenas enriquece o direito brasileiro e o faz estar alinhado com o que há de mais moderno nos ordenamentos jurídicos mundo afora, ainda que se reconheça que já existem, no Brasil, “alguns dispositivos que foram editados para dar concreção à segurança jurídica, na dimensão da proteção à confiança, ao estabelecer:

 

a) a vinculação da Administração aos padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé, bem como a vedação à adoção retroativa de nova interpretação legal pela Administração Pública, em desfavor do administrado (art. 2º, parágrafo único, IV e XIII, da Lei 9.784/1999);

b) a possibilidade de convalidação ou validação dos efeitos pretéritos de atos administrativos geradores de benefícios eivados de ilegalidade (art. 55 da Lei 9.784/1999);

c) a estabilização dos atos administrativos ampliativos de direitos, praticados há mais de cinco anos (prazo decadencial), salvo comprovada má-fé (art. 54 da Lei 9.784/1999);

d) a possibilidade de flexibilização dos efeitos retroativos das decisões proferidas no controle de constitucionalidade das normas (art. 27 da Lei 9.868/1999 e art. 11 da Lei 9.882/1999),

e) o direito do administrado à indenização em caso de anulação do contrato administrativo, em razão dos prejuízos sofridos, desde que estes não lhe sejam imputáveis (art. 59, parágrafo único da Lei 8.666/1993), que institui normas para licitações e contratos da Administração Pública.[4]”    

 

Preclusão lógica na repactuação de contratos administrativos

 

Dando sequência ao que já se expôs até aqui, pergunta-se: em razão da preclusão lógica, um particular pode ter negado o direito à repactuação de um contrato administrativo para recompor o equilíbrio econômico-financeiro deste? Se sim, quando se configuraria tal preclusão?

A preclusão lógica passou a ser aceita pelo TCU nos Acórdãos 1.827/2008 e 1.828/2008, ambos do Plenário.

Do primeiro caso, extraem-se os seguintes trechos:

 

57. A lei reconhece que a prorrogação pode acarretar a alteração das condições originais da contratação não apenas em relação aos prazos contratuais. Apesar de as cláusulas iniciais do contrato serem mantidas inalteradas, as cláusulas relacionadas aos preços podem ser revistas em respeito ao equilíbrio econômico-financeiro da contratação.

58. Nos termos acima expostos, considero que, nas hipóteses de prestação de serviços contínuos, cada prorrogação caracteriza um novo contrato. Uma vez assinado o termo aditivo, o contrato original não mais pode ser repactuado.

59. Desse modo, no momento da assinatura do Terceiro Termo

Aditivo caberia à contratada, caso ainda não tivesse postulado, suscitar seu direito à repactuação, cujos efeitos retroagiriam à 1/5/2005, data-base que ensejou a celebração de novo acordo coletivo que alterou o salário da categoria profissional. Contudo, o que aconteceu foi tão somente a alteração do prazo contratual, ratificando-se todas as demais cláusulas e condições estabelecidas no contrato original (fls. 269/270, anexo 2, v. 1).

60. Ao aceitar as condições estabelecidas no termo aditivo sem suscitar os novos valores pactuados no acordo coletivo, a empresa Poliedro deixou de exercer o seu direito à repactuação pretérita. Em outros termos, a despeito do prévio conhecimento da majoração salarial decorrente do acordo coletivo ocorrido em maio de 2005, a empresa contratada agiu de forma oposta e firmou novo contrato com a Administração por meio do qual ratificou os preços até então acordados e comprometeu-se a dar continuidade à execução dos serviços por mais 12 (doze) meses.

61. Por conseguinte, considero que a solicitação de repactuação contratual feita pela empresa Poliedro em 10/4/2007, com efeitos retroativos a 1/5/2005, encontra óbice no instituto da preclusão lógica. Com efeito, há a preclusão lógica quando se pretende praticar ato incompatível com outro anteriormente praticado. In casu, a incompatibilidade residiria no pedido de repactuação de preços que, em momento anterior, receberam a anuência da contratada. A aceitação dos preços propostos pela Administração quando da assinatura da prorrogação contratual envolve uma preclusão lógica de não mais questioná-los com base na majoração salarial decorrente do acordo coletivo ocorrido em maio de 2005.”

 

Já no Acórdão 1.828/2008, o TCU consignou, em um primeiro momento, que “há a preclusão lógica quando se pretende praticar ato incompatível com outro anteriormente praticado. In casu, a incompatibilidade residiria no pedido de repactuação de preços que, em momento anterior, receberam a anuência da contratada. A aceitação dos preços quando da assinatura da prorrogação contratual envolve uma preclusão lógica de não mais questioná-los (…)”.

 

Mais adiante, lê-se em tal acórdão:

 

8. A partir da data em que passou a viger as majorações salariais da categoria profissional que deu ensejo à revisão, a contratada passou deter o direito à repactuação de preços. Todavia, ao firmar o termo aditivo de prorrogação contratual sem suscitar os novos valores pactuados no acordo coletivo, ratificando os preços até então acordados, a contratada deixou de exercer o seu direito à repactuação pretérita, dando azo à ocorrência de preclusão lógica.”

 

A partir destes julgados, o TCU passou a adotar o entendimento de que, durante um contrato administrativo, ocorre preclusão lógica quando o contratado formaliza termo aditivo sem ter apresentado, anteriormente, pedido de repactuação do equilíbrio econômico-financeiro.

Em que pese a posição do TCU, entendemos que são pertinentes algumas ponderações.

A assinatura de um contrato administrativo tem por base um procedimento licitatório prévio, que, por sua vez, parte, via de regra, da elaboração de um Termo de Referência e/ou de um Projeto Básico/Executivo. A execução dos serviços previstos, portanto, é dimensionada nesses documentos de referência levando em conta um certo lapso temporal e um fluxo financeiro de pagamentos nele distribuído.

Grosso modo, pode-se partir do pressuposto de que toda obra licitada é complexa. Se assim não fosse, a Administração Pública poderia executar por conta própria (e de maneira mais eficiente) os serviços necessários, tornando desnecessária a licitação.

Podem ocorrer, durante a execução de um contrato administrativo, diversas intercorrências, capazes de impactar a regular execução dos serviços, como, por exemplo, variações de preços de insumos, aumento de tributos ou encargos trabalhistas (convenções coletivas), fatores naturais (excesso de chuvas), atrasos de fornecedores, atrasos de pagamento, alterações no projeto inicialmente licitado , dentre outros.

E todos esses acontecimentos tendem a afetar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, conceito que tem expressa acolhida no artigo 37, XXI, da Constituição Federal: “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

O desequilíbrio econômico-financeiro de um contrato administrativo não pode ser meramente alegado. Ele deve ser comprovado, com demonstração analítica do aumento de custos e da respectiva repercussão disso em relação à execução do contrato, considerando os parâmetros da proposta vencedora da licitação.

Tal demonstração não é simples e precisa levar em conta um determinado intervalo de tempo. Do contrário, um certo aumento pode se mostrar meramente pontual, sem afetar o equilíbrio do contrato propriamente dito (imagine-se um material que aumenta de preço em um mês e cai de preço no mês seguinte, no mesmo patamar).

Naturalmente, para que um pleito de reequilíbrio seja apresentado, faz-se necessário, pois, aguardar-se um período razoável, sendo inviável fazer-se um pleito dessa natureza a cada intercorrência ocorrida no âmbito do contrato administrativo.

Assim, pode acontecer de, durante a vigência do contrato, ser necessária a realização de algum ajuste (acréscimo de serviço, prorrogação de prazo), feita por meio de Termo Aditivo, sem que tenha ocorrido, previamente, algum pedido de repactuação do equilíbrio econômico-financeiro.

A simples formalização de Termo Aditivo anteriormente a um pedido de reequilíbrio pode ser interpretada como razão suficiente, por si só, para permitir a invocação do instituto da preclusão lógica?

Entendemos que não.

A assinatura de um Termo Aditivo não necessariamente substitui a obrigação anterior por outra (o que se chama juridicamente de novação), podendo (e normalmente é isso que ocorre) referir-se apenas a adequações no objeto contratado.

Um exemplo para ilustrar: um contrato administrativo está com seu prazo de vigência próximo do fim, mas a execução do contrato demanda tempo maior do que o inicialmente previsto. No entanto, além do prazo, que exige intervenção imediata, inúmeras alterações de preços estão a impactar a execução do contrato, justificando a repactuação para recuperar-se o equilíbrio econômico-financeiro daquela contratação. Ocorre que, em razão da urgência em resolver-se a questão do prazo, é formalizado, primeiro, apenas o pedido de prorrogação, para posterior apresentação do pleito relativo ao reequilíbrio da equação econômico-financeira definida entre as partes.

Nesse caso, uma aplicação irrefletida do entendimento do TCU, levaria à conclusão de que, como o licitante requereu apenas a prorrogação do prazo, sem mencionar as alterações de preço, o direito à repactuação teria precluído e não poderia mais ser reivindicado.

A nosso ver, à luz do que dispõe a Constituição Federal, essa não seria a maneira mais adequada de tratar o tema.

 

E a posição do Judiciário?

 

Tal discussão, quando levada ao Poder Judiciário, tem recebido tratamento totalmente diverso do adotado pelo TCU.

O entendimento dos Tribunais Regionais Federais pode ser identificado nestes precedentes:

 

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. DECURSO DA PERIODICIDADE ANUAL. REAJUSTAMENTO DE PREÇOS. POSSIBILIDADE. 1. Trata-se de ação, julgada improcedente pelo juízo a quo, que objetivou a condenação da UFRN ao pagamento das diferenças do reajuste oriundo do contrato nº. 018/2011-UFRN, Licitação nº. 14/2010- DMP, modalidade concorrência, incidindo-se a variação do INPC sobre os pagamentos pertinentes às atividades realizadas após um ano, contado da data da proposta. 2. O direito à intangibilidade do equilíbrio econômico financeiro contratual, nos contratos celebrados com a Administração Pública, constitui garantia assegurada ao contratado (art. 55, III da Lei 8.666/93). (…) 5. Não merece acolhimento a alegação da parte recorrida quanto à preclusão lógica do direito da empresa recorrente de obter reajustamento em razão de ela ter assinado os termos aditivos do contrato, vez que as referidas alterações, que passaram a fazer parte do contrato original, não se mostram contraditórias com a pretensão de reajustamento após um ano contado da proposta. 6. Assim, mostra-se inquestionável o direito da recorrente ao reajustamento de preços dos serviços contratados pela Administração Pública, obedecendo, para isso, a fórmula de ajuste expressamente pactuada no contrato administrativo celebrado entre as partes, tudo com acréscimos de juros e correção monetária nos termos no Manual de Cálculos da Justiça Federal. 7. Apelação provida. (AC – Apelação Cível – 0803084-63.2013.4.05.8400, Desembargador Federal Gustavo de Paiva Gadelha, TRF5 – Terceira Turma, D.J 22/01/2015)

 

PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. DECURSO DA PERIODICIDADE ANUAL. REAJUSTAMENTO DE PREÇOS. POSSIBILIDADE. SERVIÇOS EXCEDENTES CUJO VALOR ULTRAPASSA O LIMITE DE 25% PARA EVENTUAIS ACRÉSCIMOS. INDENIZAÇÃO. POSSIBILIDADE.1. Trata-se de ação, julgada improcedente pelo juízo a quo, que objetivou: a) a condenação da UFRN ao pagamento das diferenças do reajuste oriundo do contrato nº. 018/2011-UFRN, Licitação nº. 14/2010-DMP, modalidade concorrência, incidindo-se a variação do INPC sobre os pagamentos pertinentes às atividades realizadas após um ano, contado da data da proposta; b) e o pagamento de uma indenização referente à R$ 39.021,60, relativo a 04 unidades de administração mensal da obra (trabalhadas e não pagas), correspondentes aos profissionais e serviços integrantes da composição do item do preço. 2. O direito à intangibilidade do equilíbrio econômico financeiro contratual, nos contratos celebrados com a Administração Pública, constitui garantia assegurada ao contratado (art. 55, III da Lei 8.666/93).  (…) 5. Não merece acolhimento a alegação da parte recorrida quanto à preclusão lógica do direito da empresa recorrente de obter reajustamento em razão de ela ter assinado os termos aditivos do contrato, vez que as referidas alterações, que passaram a fazer parte do contrato original, não se mostram contraditórias com a pretensão de reajustamento após um ano contado da proposta. 6. No tocante ao pedido de pagamento de indenização referente a 04 unidades de administração mensal da obra, embora tal pleito tenha sido negado administrativamente, com fulcro no art. 65, parágrafo 1º da Lei 8.666/93, tem-se que, apesar de o limite de 25% para eventuais acréscimos e supressões ser ultrapassado ao lançar o valor pretendido pela empresa autora, ela deve ser indenizada pelos serviços excedentes em foco, sob pena de enriquecimento ilícito em prol da Administração, já que o objeto licitado pelo plenamente executado, destacando-se que, em nenhuma parte dos autos, restou demonstrado que as prorrogações do contrato e acréscimos de serviços decorreram de culpa da empresa contratada, também não se podendo asseverar que tais aditamentos de prazo e serviços extraordinários eram previsíveis para tal empresa quando da celebração do contrato administrativo em comento. 7. Apelação provida. (AC – Apelação Civel – 0803367-86.2013.4.05.8400, Desembargador Federal Gustavo de Paiva Gadelha, TRF5, Terceira Turma, D.J 22/01/2015)

 

ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEI Nº 8.666/93. REPACTUAÇÃO. REAJUSTE SALARIAL. CLÁUSULAS ECONÔMICO-FINANCEIRAS. ALTERAÇÃO. ACORDO ENTRE AS PARTES. CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO E ALTERAÇÕES DAS TARIFAS DE TRANSPORTE COLETIVO. BOA-FÉ DA ADMINISTRAÇÃO. 1. Ao contrário das denominadas ‘cláusulas exorbitantes’, que podem ser modificadas unilateralmente pela Administração Pública, as denominadas ‘cláusulas econômico-financeiras’ poderão ser alteradas desde que exista acordo entre as partes que contrataram. 2. Hipótese em que houve um reajuste concedido pela Justiça do Trabalho, um acordo coletivo de 9,68%, que a parte pede que seja incorporado ao contrato. Ao que tudo indica, é legítimo o pedido, na medida em que o contrato tem de ser cumprido, preservada a proposta, sendo uma questão de boa-fé da Administração. (TRF4, Apelação Cível nº 5039537-86.2012.404.7100/RS, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, D.J. 08/10/2014)

 

ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. RESTABELECIMENTO DE EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. POSSIBILIDADE. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO – HOMOLAÇÃO APÓS ASSINATURA DE TERMO ADITIVOREPACTUAÇÃO CONTRATUALPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIOS CONTRATUAIS DE LEALDADE ENTRE AS PARTES E MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO. 1. Na hipótese, a parte autora requereu repactuação do contrato após a assinatura do termo aditivo. Tendo a Convenção Coletiva de Trabalho sido homologada dias após essa assinatura, remanesce direito à parte contratada em ter seu pedido de repactuação aceito como tempestivo. 2. Segundo o princípio da lealdade contratual, a nenhuma das partes cabe o direito de enriquecer sem causa. O princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato se apresenta na equilibrada manutenção da relação dos encargos do particular com a remuneração prestada pelo Poder Público. (TRF4, Apelação Cível nº 5020555-10.2015.4.04.7200/SC, 3ª Turma, Rel. Des. Fernando Quadros da Silva, D.J. 25/04/2017).

 

Na fundamentação do último julgado, o Relator entendeu pela não aplicação da preclusão lógica a pedido de repactuação, o que se extrai do seguinte trecho do voto:

 

Ou seja, o TRT que tem o poder de 1) marcar a data para a assinatura de termos aditivos e 2) determinar em contrato quais documentos serão exigidos para repactuação nos termos, locupletou-se em fixar a data de assinatura de termo aditivo ANTES que a parte contratada tivesse acesso a documentos que poderiam alterar (e alteraram) os valores dos serviços a prestar nos próximos 12 meses e negar o requerimento da contratada em reajustar seus valores.

(…)

Ainda, há que se ter em conta a lealdade nos contratos administrativos. A nenhuma das partes cabe o direito de enriquecer sem causa. E, mantendo-se a negativa da Administração Pública, estar-se-á dando margem para que uma das partes (TRT) receba o serviço contratado sem a devida contraprestação. Há, também, o princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, que se apresenta na equilibrada manutenção da relação dos encargos do particular com a remuneração prestada pelo Poder Público.

 

No sistema jurídico nacional, é cada vez maior a aceitação da proteção da confiança legítima do cidadão/administrado, com o propósito de chegar-se ao que costuma ser chamado de “ambiente de direito seguro”.

Nessa esteira, ganham vulto princípios e institutos como a boa-fé objetiva, a proibição do comportamento contraditório (venire contra factum proprium), a supressio (Verwirkung no direito alemão) e o instituto processual do estoppel (dos sistemas de commom law), o que leva à assertiva de que “no Direito Privado e, com mais razão, no Direito Público, a proteção da confiança das expectativas criadas e o respeito à lealdade transformam-se em importantes equivalentes funcionais ou em acopladores estruturantes e estabilizadores do sistema[5]”.

Nesse sentido, se a Constituição prevê o equilíbrio econômico-financeiro como garantia fundamental do licitante no âmbito dos contratos administrativos, o uso radical do instituto da preclusão lógica para ilidir legítima pretensão do particular em face do Estado não se mostra razoável.

 

A nova Lei de Licitações

 

Como dissemos no início do texto, a Nova Lei de Licitações trouxe dispositivo legal expresso sobre a questão:

 

Art. 131. A extinção do contrato não configurará óbice para o reconhecimento do desequilíbrio econômico-financeiro, hipótese em que será concedida indenização por meio de termo indenizatório.

Parágrafo único. O pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro deverá ser formulado durante a vigência do contrato e antes de eventual prorrogação nos termos do art. 107 desta Lei.

 

O caput do artigo 131 deve ser celebrado, pois pode ser utilizado para evitar discussões desnecessárias ao afastar um argumento muito utilizado pela Administração Pública, muitas vezes de maneira abusiva, para inviabilizar o reconhecimento de direito do particular.

No entanto, o parágrafo único do artigo 131 é problemático. Em comentários ao referido dispositivo legal, Marçal Justen Filho sugere:

 

“3) A exigência de formulação do pleito durante a vigência do contrato

O parágrafo único do art. 131 determina que o pedido de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro deverá ser formulado durante a vigência do contrato. Essa determinação é inconstitucional.

3.1) A instituição de prazo decadencial reduzido

A exigência de formulação do pleito durante a vigência do contrato equivale a criação de prazo decadencial para a pretensão do particular em face da Administração. Equivale a estabelecer que, deixando de formular o pleito antes de encerrado o contrato, haveria a extinção da pretensão de direito material.

3.2) A violação à garantia constitucional do art. 37, inc. XXI

O art. 37, inc. XXI, da CF/1988 assegura a preservação das condições originais da proposta. Essa garantia não comparta limitação por meio de dispositivo lega que torna inviável o exercício da pretensão do particular.”[6]

 

De fato, é provável que tal dispositivo legal venha a ser usado como artifício para a recusa a qualquer pedido de reequilíbrio, em total desrespeito ao que determina a garantia do artigo 37, XXI, da Constituição Federal.

Vejamos como os órgãos administrativos e o sistema judicial brasileiro irão receber a novidade legislativa.

 

Conclusão

 

Apesar de ser possível reconhecer a ocorrência de preclusão durante a execução de contratos administrativos, tal aplicação não pode ser realizada de forma a negar, de maneira absoluta, o direito ao equilíbrio econômico-financeiro, que, por sua relevância e sensibilidade, não pode ser afetado por outros eventos contratuais, tais como a formalização de Termos Aditivos que não configurem novação, mas mero ajuste na relação contratual.

A Nova Lei de Licitações tratou da questão, aderindo, de certa forma, à tese que vem sendo utilizada pelo TCU e pela AGU, mas de maneira controversa que pode resultar, inclusive, em alegações de inconstitucionalidade.

E você? O que pensa a respeito? Contribua com a discussão nos comentários e não deixe de esclarecer sua dúvida. Será um prazer ajudá-lo(a)!

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[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018, pp. 1-3.

[2] PÉRCIO, Gabriela. Da impossibilidade jurídica da preclusão ao direito de repactuar o contrato administrativo. Coluna Jurídica JML. Disponível em <https://www.jmleventos.com.br/pagina.php?area=coluna-juridica&acao=download&dp_id=186>

[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 21.

[4] RAMOS, Daniel Castelo Branco. Tutela do cidadão frente à administração pública: princípio da confiança. Curitiba: Juruá, 2019, pp. 97-98.

[5] DERZI, Misabel Abreu Machado. Mutações, Complexidade, Tipo e Conceito sob o signo da segurança e da proteção da confiança. In: Tratado de Direito Constitucional Tributário. Estudos em Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 245-284.

[6] FILHO, MARÇAL JUSTEN. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, p. 1434.

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