No dia 1º de abril de 2021 foi publicada a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei 14.133/21, resultado do Projeto de Lei 4.253/2020, e que estabeleceu o novo e completo regramento para as licitações e contratos administrativos, em substituição às normas jurídicas então existentes: Lei Federal 8.666/93 (Lei das Licitações), Lei Federal 10.520/02 (Pregão) e Lei Federal 12.462/2011 (RDC).

Apesar de trazer inovações relevantes, a Lei 14.133/21, como veremos neste artigo, não rompe com a concepção das normas jurídicas anteriores que disciplinavam as licitações e contratos administrativos e nem trata da questão de forma totalmente diferente e nova.

Isso, contudo, não retira o mérito e a relevância dos aprimoramentos trazidos.

Dada a relevância da referida Lei 14.133/21 e as alterações realizadas no universo das licitações e contratos administrativos, o presente texto apresentará de forma breve apenas o panorama geral da nova norma, deixando para artigos subsequentes o maior detalhamento dos institutos, até mesmo porque ainda não ocorreu a sessão do Congresso Nacional para análise dos 26 vetos parciais opostos pela Presidência da República à referida Lei.

Visão geral da lei

A Lei Federal 14.133/21 se divide em cinco títulos, a saber:

  • Título I – Disposições Preliminares: São apresentados capítulos que tratam do âmbito de aplicação da lei, os princípios, as definições e os agentes públicos.
  • Título II – Das Licitações: Trata do procedimento licitatório, da fase preparatória, com tratamento das modalidades de licitação, dos critérios de julgamento, disposições setoriais com disposições próprias para compras, obras e serviços de engenharia e serviços em geral e locação de imóveis, licitações internacionais, do julgamento e da habilitação, do encerramento da licitação e da contratação direta (inexigibilidade e dispensa de licitação), das alienações e dos instrumentos auxiliares (credenciamento, pré-qualificação, procedimento de manifestação de interesse, sistema de registro de preços e registro cadastral);
  • Título III – Dos Contratos Administrativos: Trata do procedimento de formalização dos contratos, das garantias, da alocação dos riscos, das prerrogativas da administração, da duração, da execução e da alteração dos contratos e dos preços, das hipóteses de extinção, do recebimento do objeto, dos pagamentos, das nulidades e dos meios alternativos de resolução de controvérsias.
  • Título IV – Das irregularidades: Trata das infrações e sanções administrativas, das impugnações, dos pedidos de esclarecimentos e dos recursos, do controle das contratações;
  • Título V – Das disposições gerais: Trata do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), de alterações legislativas em outras leis e, por fim, das disposições transitórias e finais.

Cada um dos Títulos acima será objeto de artigo específico, de forma mais detalhada.

Nesta ocasião, faremos o apontamento inicial das inovações e da questão atinente à vigência da Lei.

Principais inovações legislativas

Dentre as alterações trazidas pela Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei 14.133/21), algumas são relativas ao procedimento licitatório e visam conferir maior celeridade e transparência às licitações, enquanto outras têm relação com o contrato administrativo e tem por principal objetivo impedir a paralisação das obras.

Alteração da ordem das etapas: julgamento das propostas antes da habilitação

Em linha com a sistemática adotada na Lei 10.520 (Lei do Pregão) e, posteriormente, na Lei 12.462 /2014 (Regime Diferenciado de Contratação – RDC), a nova Lei mudou a sequência das fases do procedimento licitatório que era adotada como regra (fase de habilitação seguida da fase de apresentação de propostas), de modo que a fase de propostas e o seu respectivo julgamento agora, com a nova sistemática, antecede a fase de habilitação, na forma do que determina o artigo 17 da Lei 14.133/21:

Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:

I – preparatória;

II – de divulgação do edital de licitação;

III – de apresentação de propostas e lances, quando for o caso;

IV – de julgamento;

V – de habilitação;

VI – recursal;

VII – de homologação.

§ 1º A fase referida no inciso V do caput deste artigo poderá, mediante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceder as fases referidas nos incisos III e IV do caput deste artigo, desde que expressamente previsto no edital de licitação.

Tal mudança é significativa já que tende a evitar ou, ao menos, diminuir a quantidade de demandas judiciais até então bastante comuns, quando um licitante, por alguma questão relacionada à fase de habilitação, impetra mandado de segurança apontando eventual ilegalidade nessa fase e, em momento subsequente, depois de longa tramitação do processo judicial, quando a licitação é retomada e realizada a análise das propostas de preços, verifica-se que a ação foi totalmente inútil, uma vez que o licitante em questão não lograria êxito na licitação em razão de sua proposta.

Ou seja, a mudança tem efeitos práticos relevantes.

Mesmo com a mudança das referidas fases, é possível que a habilitação ocorra antes da fase de apresentação de propostas, desde que exista previsão expressa no edital e, na fase preparatória, exista ato administrativo motivando a mudança e explicitando os benefícios que ela tende a gerar, tal como previsto no § 1º do artigo 17, já transcrito acima.

Diálogo competitivo

Outra novidade da Lei 14.133/2021 foi a criação de modalidade denominada diálogo competitivo, no qual a Administração Pública realiza com eventuais interessados previamente selecionados, mediante critérios objetivos, diálogos com o intuito de desenvolver alternativa capaz de atender às suas necessidades:

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:

(…)

XLII – diálogo competitivo: modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos;

Tal modalidade de licitação visa ao estabelecimento de um canal de comunicação para que a Administração Pública e os interessados possam trocar informações relevantes sobre o objeto a ser licitado, com o alinhamento de expectativas e possibilidades, sempre no sentido do melhor atendimento às necessidades da Administração Pública.

Sua utilização ocorrerá em casos que envolvam inovação tecnológica ou técnica, a necessidade de adaptação de soluções disponíveis no mercado ou, ainda, diante da impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela Administração Pública.

Para saber mais sobre as modalidades de licitação reguladas pela nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, veja o nosso artigo dedicado ao tema.

Portal Nacional de Contratações Públicas

Outra criação original foi o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), que consiste em um site oficial destinado à divulgação centralizada e obrigatória de atos previstos como obrigatórios na Lei 14.133/2021, podendo o PNCP ser utilizado, igualmente, para a contratação (facultativa) pelos órgãos e entidades de todos os Poderes e entes federativos.

O PNCP pretende conferir maior transparência às licitações e contratos administrativos, como no caso de dispensa de licitações de menor valor, cujo extrato de pagamento deverá nele ser divulgado e mantido à disposição. É o que dita o artigo 75:

Art. 75. É dispensável a licitação:

I – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores;

II – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras;

(…)

§ 4º As contratações de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão preferencialmente pagas por meio de cartão de pagamento, cujo extrato deverá ser divulgado e mantido à disposição do público no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).

A inserção de tais informações no referido portal dá maior visibilidade e permite à população e órgãos de controle terem facilidade no acesso e na fiscalização, o que contribui para reduzir/inibir a corrupção.

E, ainda, o PNCP poderá ser utilizado no julgamento por melhor técnica e técnica e preço, uma vez que o referido portal servirá também para atribuição de notas por desempenho dos licitantes em contratações anteriores:

Art. 37. O julgamento por melhor técnica ou por técnica e preço deverá ser realizado por:

(…)

III – atribuição de notas por desempenho do licitante em contratações anteriores aferida nos documentos comprobatórios de que trata o § 3º do art. 88 desta Lei e em registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).

Com tal histórico de licitações pregressas, certamente existirá maior preocupação por parte de licitantes com o seu legado, evitando-se, assim, maiores delongas na execução de obras e serviços e, consequentemente, mitigando o risco de eventual inexecução.

Matriz de alocação de riscos

A previsão de matriz de alocação de riscos, anteriormente restrita ao RDC, passa a ser uma possibilidade aplicável a todas as modalidades de licitação, desde que previsto no edital, fato que pode contribuir para, de antemão, ter estabelecido entre as partes os riscos e responsabilidade, evitando-se longas discussões judiciais.

A alocação de riscos também permite uma melhor formação do preço, resultando em economia à Administração Pública, porque o interessado terá a segurança jurídica de não ser demandado ou penalizado, durante a execução do Contrato Administrativo, por determinada atividade ou efeito cujo risco esteja alocado ao Contratante.

Garantia contratual

Outra interessante novidade da Lei 14.133/21 diz respeito à garantia contratual.

Em parte, as disposições atinentes às garantias contratuais são similares ao antigo sistema (Lei 8.666/93), mas existe inovação muito relevante que busca evitar que obras fiquem paralisadas por inadimplemento por parte do contratado.

A Lei 14.133/21 prevê, em seu artigo 102, que na contratação de obras e serviços de engenharia o edital poderá exigir a prestação de garantia na modalidade de seguro garantia e prever a obrigação de a seguradora, em caso de inadimplemento pelo contratado, assumir a execução e conclusão do objeto licitado.

A lógica de tal inserção é conferir maior garantia para a Administração Pública e à coletividade, uma vez que dá maior segurança e certeza quanto à conclusão da obra, mesmo em caso de inadimplemento por parte da contratada, evitando-se, assim, que existam “elefantes brancos” abandonados pelo país.

Tal previsão pode contribuir, e muito, para mudar o cenário de abandono de obras públicas, conforme demonstra o infográfico abaixo, do ano de 2019 e extraído do site da Câmara dos Deputados:

Nova Lei de Licitações - Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria

A simples observação demonstra a relevância da nova disposição, especialmente quando se observa o custo financeiro envolvido para a conclusão de obras, apesar de grande volume de recursos públicos já ter sido gasto.

Além disso, demonstra que, passados mais de 13 anos da criação do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), mais de 1/3 das obras estavam paralisadas.

Diante deste cenário, temos ainda que mais da metade das paralisações de obas públicas se dão por falta de planejamento. Tratamos sobre o Princípio do Planejamento na Nova Lei de Licitações em outro artigo, confira!

O percentual de obras de água e esgoto não entregues também demonstra como construções inacabadas/paralisadas impactam diretamente o saneamento básico, em prejuízo a toda a população.

Outro dado muito relevante é o percentual de contratos da Caixa Econômico Federal que não foram entregues, especialmente quando se considera que os recursos da instituição financeira são utilizados, em grande medida, em obras decorrentes de convênios com Municípios, especialmente de pequeno e médio portes, o que demonstra que a possiblidade de inserção de garantia de conclusão de obras pode mudar, e muito, a atual realidade.

No entanto, por outro lado, é certo que a inserção de tal previsão fará com que as propostas dos licitantes sejam substancialmente maiores em razão do custo da contratação do seguro.

Evidentemente que a exigência de garantia contratual não será inserida em todas as licitações, já que a Administração Pública irá inserir tal previsão apenas em situações em que vislumbre algum tipo de risco acima do normalmente esperado durante a execução do contrato.

Certamente esse será um dos pontos de grandes controvérsias.

Deslocamento dos crimes para o Código Penal

Diferentemente do que era previsto na Lei 8.666/93, os crimes envolvidos nas licitações não foram tratados em Título e/ou Capítulo da nova lei, sendo agora inseridos no Código Penal.

Isso, naturalmente, favorece uma melhor sistematização do assunto.

Possibilidade de definição de cota de mão de obra

Embora isso ainda precise ser regulamentado por Decreto, a Lei 14.133/21 trouxe a possibilidade de o edital exigir que um percentual mínimo da mão de obra alocada para a execução do objeto da licitação seja constituída por mulheres vítimas de violência doméstica e pessoas oriundas ou egressas do sistema prisional.

A regulamentação, se não realizada com vistas à real concretização de (re)integração dessas pessoas, tende a ser mera perfumaria.

No entanto, caso utilizada com seriedade, pode servir como importante instrumento de concretização do direito social ao trabalho.

Apesar de terem sido mencionadas algumas inovações da Lei 14.133/21 existem outros pontos inovadores que serão melhor tratados em artigos subsequentes.

Data da vigência da Nova Lei de Licitações e da revogação das Leis Federais 8.666/93 (Lei das Licitações), 10.520/02 (Pregão) e 12.462/2011 (RDC)

Outro ponto muito relevante da Lei 14.133/21 diz respeito à sua vigência, algo que certamente causará grande insegurança jurídica.

Isso porque ela previu que, depois da sua sanção e publicação, existirá uma convivência dos regimes por ela estabelecidos com aqueles previstos nas atuais Leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11 pelo prazo de 2 anos, ao final do qual as normas anteriores serão revogadas:

Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.

Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.

Art. 192. O contrato relativo a imóvel do patrimônio da União ou de suas autarquias e fundações continuará regido pela legislação pertinente, aplicada esta Lei subsidiariamente.

Art. 193. Revogam-se:

I – os arts. 89 a 108 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, na data de publicação desta Lei;

II – a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei.

Ou seja, existirá a vigência de dois regimes de licitações e contratos durante 2 anos e, durante este prazo, a Administração Pública poderá aplicar qualquer um deles, sendo, entretanto, vedado mesclá-los.

E, dentro desta lógica, pode ocorrer de a Administração Pública optar, em algumas licitações, por utilizar o antigo regime de licitações e em outras, o novo regime.

Tal possibilidade de escolha entre regimes por parte da Administração Pública certamente dará azo a muita insegurança jurídica.

Nesse sentido, qualquer interessado em participar de licitação deve, a partir de agora, ter por base o correto enquadramento acerca de qual norma será seguida pela Administração Pública durante o procedimento licitatório específico.

Diante desta situação, os licitantes devem se atentar e utilizar, com frequência, os institutos da impugnação ou do pedido de esclarecimento sempre que identificada a existência de mescla ou sobreposição dos dois regimes.

Por fim, é importante destacar que, mesmo depois de decorrido o prazo de 2 anos, com a consequente revogação das Leis Federais 8.666/93 (Lei das Licitações), 10.520/02 (Pregão) e 12.462/2011 (RDC), os contratos assinados em sua vigência respeitarão o direito adquirido e seguirão o regime jurídico anterior, no qual foram assinados.

Conclusão

A Lei 14.133/21 apresentou avanços em relação à sistemática anterior (Lei Federal 8.666/93, Lei Federal 10.520/02 e Lei Federal 12.462/2011) e que podem contribuir para o aprimoramento dos procedimentos licitatórios e dos contratos administrativos.

No entanto, a nova Lei continuará a enfrentar os mesmos problemas que as suas antecessoras, especialmente no que diz respeito à fase preparatória da licitação, como falta de informações relevantes, erros e imprecisões que acarretam discussões técnicas e jurídicas, seja durante a licitação, seja durante a execução do contrato administrativo ou mesmo em processos judiciais.

A mera alteração legislativa não tem o condão de, por si só, resolver os problemas.

O grande desafio será a sua implementação paulatina e diária, principalmente em Municípios de médio e de pequeno porte, dotados de menor infraestrutura e pessoal qualificados.

E esse desafio fica ainda maior quando a própria Lei 14.133/21 permite que a Administração Pública continue a utilizar das leis já existentes pelo prazo de até 2 anos da publicação da nova Lei, quando aquelas serão finalmente revogadas.

A coexistência de dois sistemas normativos por 2 anos aumentará significativamente a insegurança jurídica e poderá fazer com que as licitações e os contratos administrativos fiquem envoltos em inúmeras discussões jurídicas.

Enquanto isso, a mentalidade dos agentes públicos que devem aplicá-la e a infraestrutura necessária continuará com as concepções das normas antigas, mantendo-as, mesmo depois de revogadas.

Enfim, só o tempo mostrará se os aprimoramentos da Lei 14.133/21 realmente se efetivarão. Mas isso somente será percebido no futuro e, provavelmente, não será nos 2 próximos anos.

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*Foto: Getty Images.

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