Ao longo dos diversos artigos que já publicamos aqui no nosso site, procuramos demonstrar a importância da adequação das empresas à Lei Geral de Proteção de Dados, a LGPD.

Mas será que esta importância pode ser considerada “essencial” a ponto de se tornar um insumo? Definir se a adequação à LGPD é essencial pode significar uma economia para o contribuinte, afinal gastos com LGPD geram créditos de PIS e COFINS.

Foi o que se decidiu recentemente, permitindo-se a um contribuinte aproveitar os seus créditos decorrentes de um trabalho realizado para adequação à LGPD no pagamento de PIS e COFINS.

Veja que interessante essa permissão e que dá mais relevância para um projeto de adequação!

Contudo, há um interessante debate sobre se custos com adequação à LGPD podem mesmo ser considerados como “insumos” e se esse aproveitamento seria regular. Acompanhe o artigo para saber mais sobre este tema.

 

O que é insumo para fins de créditos de PIS e COFINS?

 

De acordo com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento do REsp 1.221.170, as empresas devem considerar como insumo “tudo o que for essencial para o exercício estatutário da atividade econômica”. Ou seja, tudo aquilo que é utilizado na manufatura do produto final da empresa ou na prestação de um serviço, é considerado um insumo por esse tribunal superior.

Podemos traduzir então que o insumo é algo que sem o qual o processo produtivo e a prestação de serviços não podem acontecer; são itens cuja subtração não permite a atividade da empresa ou “acarretam substancial perda da qualidade do produto ou do serviço”.

O entendimento do STJ a respeito do conceito de insumos é mais abrangente do que aquele que defende a Receita Federal. Para o STJ, o conceito de insumo não se atrela necessariamente ao produto, mas ao próprio processo produtivo. Isso quer dizer que há bens essenciais ou que são relevantes ao processo produtivo que nem sempre são empregados diretamente em tal processo.

 

Síntese da relação entre PIS e a COFINS e os Insumos

 

Bem, mas por que é tão importante entendermos o conceito de “insumo”? É que os gastos com insumos geram créditos de PIS (Programa de Integração Social) e COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social).

O PIS e a COFINS são contribuições previstas na Constituição Federal que incidem sobre a receita bruta de faturamento das empresas. Ambos os tributos são não-cumulativos; a não-cumulatividade permite ao contribuinte compensar o que for devido em cada operação com os tributos devidos em operações anteriores.

Como os insumos são essenciais para o produto final ou para a prestação de serviços, os tributos pagos na sua aquisição geram créditos para o contribuinte.

 

Gastos com a adequação à LGPD são insumos?

 

Esta é a pergunta de ouro que, na data de publicação deste artigo, ainda não foi respondida. Há bons argumentos para defender que os gastos com a adequação à LGPD são insumos. Por outro lado, também há bons argumentos para defender o contrário.

Vamos analisar cada lado deste debate:

 

SIM – Gastos com LGPD geram créditos de PIS e COFINS, pois são insumos

 

Aqueles que defendem esta corrente o fazem destacando que a LGPD impõe aos agentes de tratamento uma série de obrigações advindas do reconhecimento dos direitos dos titulares dos dados pessoais.

De fato, como já frisamos em artigos anteriores, a LGPD é norma geral que detalha direitos dos titulares para que a estes seja assegurada a plena proteção dos seus dados pessoais, direito fundamental expresso na Constituição Federal[2].

Assim, a LGPD, ao mesmo tempo que reconhece e outorga ao titular seus direitos em relação aos seus dados pessoais, obriga os agentes de tratamento a realizar diversas ações internas que garantam a adequação aos ditames da lei.

Ao se debruçar sobre os procedimentos necessários ao atendimento do que foi imposto pela LGPD, os agentes de tratamento se deparam com a necessidade de realizar investimentos com segurança da informação, como a qualificação dos profissionais que compõem a empresa; em muitos casos, a contratação de consultoria jurídica especializada, ferramentas e softwares de segurança e gestão da informação, dentre outros gastos[3]. Todas estas despesas são necessárias para assegurar a adequação apropriada à LGPD.

Mas não só isso. Todas estas despesas são essenciais

As despesas são essenciais porque desde a vigência da LGPD as empresas podem ser sancionadas por descumprimento da lei; as sanções podem ser administrativas, aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados por meio de um processo administrativo sancionador ou até mesmo judiciais.

As sanções administrativas previstas na LGPD (em seu artigo 52) são:

 

  • Advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
  • Multa simples, de até 2% do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 por infração;
  • Multa diária, observado o mesmo limite total referido acima;
  • Publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência;
  • Bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua regularização;
  • Eliminação dos dados pessoais a que se refere a infração;
  • Suspensão parcial do funcionamento do banco de dados a que se refere a infração pelo período máximo de 6 meses, prorrogável por igual período, até a regularização da atividade de tratamento pelo controlador;
  • Suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais a que se refere a infração pelo período máximo de 6 meses, prorrogável por igual período;
  • Proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas a tratamento de dados.

 

As sanções administrativas impostas pela LGPD podem ser extremamente pesadas. Sendo assim, elas certamente impõem uma preocupação importante, sendo relevante destacar que uma sanção de suspensão ou proibição de realizar atividades com o uso de dados pessoais pode significar, na prática, a interrupção total das atividades de uma empresa.

Além disso, uma sanção de publicização da infração pode trazer danos reputacionais incalculáveis para uma empresa.

Este cenário é pilar do argumento daqueles que defendem que os gastos com LGPD geram créditos de PIS e COFINS: sendo as sanções tão pesadas, as empresas se sentem obrigadas a gastar com robustos programas de adequação à LGPD; tais gastos são essenciais e, portanto, insumos.

Esse cenário se mostra ainda mais como o certo se levado em consideração o conceito de insumo de acordo com o entendimento do STJ, o qual mencionamos no início deste artigo, que é abrangente e que considera que insumo não se atrela necessariamente ao produto, mas ao próprio processo produtivo.

Ora, se a LGPD faz, por força de lei, parte do processo produtivo da empresa, ainda que tal empresa não tenha como produto final ou serviço ofertado algo diretamente relacionado a dados pessoais, todos os gastos com a adequação à LGPD são insumos, ensejando, portanto, a geração de créditos de PIS e COFINS.

Veja um exemplo análogo, em que  equipamentos de proteção individual (EPIs) fornecidos aos trabalhadores alocados pelas empresas que exploram as atividades de prestação de serviços de limpeza, conservação e manutenção; A Receita Federal considerou estes EPIs como insumos, gerando, assim, créditos de PIS e COFINS. 

Tais EPIs, assim como despesas com tratamento de efluentes para redução de riscos ambientais, são insumos necessários ao cumprimento de imposições legais.

Nesta lógica, também aqueles gastos com a adequação à LGPD são necessários para cumprir determinações legais e devem, portanto, ser considerados insumos.

Este foi o entendimento da 4ª Vara Federal de Campo Grande em sentença proferida nos autos do Mandado de Segurança de n° 5003440-04.2021.4.03.6000. Naquela ocasião, o magistrado entendeu que o contribuinte poderia incluir seus gastos com a adequação da LGPD como créditos de PIS e COFINS.

Nas palavras do Magistrado:

 

Tratando-se de investimentos obrigatórios, inclusive sob pena de aplicação de sanções ao infrator das normas da referida Lei 13.709/2018, estimo que os custos correspondentes devem ser enquadrados como insumos, nos termos do procedente acima citado. Com efeito, o tratamento dos dados pessoais não fica a critério do comerciante, devendo então os custos respectivos serem reputados como necessários, imprescindíveis ao alcance dos objetivos comerciais.

 

Ocorre que esta foi uma decisão de 1ª instância, portanto sujeita à revisão do tribunal, a 2ª instância, o que, de fato ocorreu.

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) entendeu que os gastos com LGPD não geram créditos de PIS e COFINS e reformou a sentença da 4ª Vara Federal de Campo Grande.

Mas quais foram, afinal, os argumentos para a reforma da decisão?

 

NÃO – Gastos com a adequação à LGPD não são insumos

 

Aqueles que defendem esta corrente, o que inclui os desembargadores da 6ª Turma do TRF3, entendem que as despesas com a implementação das empresas à LGPD são meros custos operacionais.

Assim, salvo em relação às empresas cujo produto final ou a prestação de serviço é diretamente relacionada à proteção de dados pessoais, as despesas com a implementação das empresas à LGPD fazem parte do conjunto dos ônus que a atividade empresarial carrega consigo.

Sendo, portanto, meras despesas administrativas e não itens essenciais ao produto final ou à prestação de serviços (cuja ausência o inviabilizaria ou o inutilizaria), não são considerados insumos. Se não são insumos, gastos com LGPD não podem gerar créditos de PIS e COFINS.

Nas palavras do relator do acórdão:

 

 “Não devem, no entanto, ser consideradas insumos as despesas com as quais a empresa precisa arcar para o exercício das suas atividades que não estejam intrinsecamente relacionadas ao exercício de sua atividade-fim e que seriam mero custo operacional. Isso porque há bens e serviços que possuem papel importante para as atividades da empresa, inclusive para obtenção de vantagem concorrencial, mas cujo nexo de causalidade não está atrelado à sua atividade precípua, ou seja, ao processo produtivo relacionado ao produto ou serviço”.

 

Além disso, a LGPD não impõe a necessidade de gastos específicos para a adequação à lei, mas sim uma série de parâmetros do ponto de vista de segurança da informação, de transparência e de outros aspectos que devem assegurar o direito fundamental de proteção de dados pessoais ao titular.

Seria, assim, uma opção da empresa em contratar certos serviços especializados para o cumprimento do disposto na LGPD.

Argumenta-se, ainda, que o conceito de insumo deve levar em conta aqueles bens essenciais, cuja falta impossibilita a realização da atividade empresarial, pelo que, ainda que inicialmente, a falta dos programas de adequação à LGPD não levaria a tal resultado.

 

O futuro do debate: o que podemos esperar

 

O debate sobre a possibilidade de gastos com LGPD gerarem créditos de PIS e COFINS chegará em breve aos tribunais superiores. A primeira oportunidade será com a revisão da decisão da 6ª Turma do TRF3, mas é possível que a discussão do cerne da questão não seja realizada.

Isso porque o autor deste processo optou por discutir o tema por meio de Mandado de Segurança. O Mandado de Segurança é um instrumento jurídico constitucional utilizado para a proteção de direito líquido e certo.

A tramitação de um Mandado de Segurança é mais célere já que não há a produção de provas; a demonstração do direito líquido e certo é feita por meio de documentos pré-constituídos.

Uma vez que não há direito líquido e certo de creditar PIS e COFINS com despesas com adequação à LGPD, é possível que os tribunais superiores julguem o processo sem uma análise do mérito da questão e o encerrem por entenderem que houve equívoco na seleção da via judicial.

Ainda que seja o caso, porém, é certo que este debate chegará aos tribunais superiores eventualmente. Até lá, as empresas podem optar pelo caminho da cautela (aquele pelo qual não consideram gastos com a adequação à LGPD como insumos) ou podem optar pelo caminho um pouco mais ousado (aquele pelo qual consideram que gastos com LGPD geram créditos de PIS e COFINS, por serem insumos).

Como vimos, há bons argumentos para sustentar ambas as posições. E qual é o seu entendimento? Deixe um comentário!

Estamos à disposição caso deseje informações personalizadas sobre a possibilidade de a sua empresa obter créditos de PIS e COFINS em despesas com a adequação à LGPD!

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*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.

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