Há um tempo atrás discutimos sobre a tributação de área urbanizável: se sobre essas áreas incidiria o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) ou o Imposto Territorial Rural.

Vimos também que nas áreas urbanizáveis ou de expansão urbana, quais sejam, aquelas em que estão situados loteamentos já aprovados pelo Município, independentemente dos melhoramentos previstos em lei (calçamento, canalização, abastecimento de água, esgoto, iluminação), incidirá o IPTU, e não o ITR.

Mas, a partir de qual momento incidirá esse mesmo IPTU sobre as unidades individuais, ou seja, sobre os lotes ou apartamentos?

O artigo de hoje busca responder essa questão, se é possível a cobrança de IPTU sobre as unidades individuais, enquanto as obras estão pendentes de conclusão.

Conceitos iniciais 

Antes de discutirmos o objeto principal desse artigo, que é a incidência de IPTU em unidades em construção, vamos à definição de alguns conceitos que serão necessários para a compreensão do tema. 

Loteamento 

Um loteamento é uma modalidade de parcelamento do solo urbano, previsto na Lei n° 6.766/1979 

As áreas urbanas podem ser divididas por meio do loteamento ou desmembramento.  

Na forma do art. 2º, § 1° da Lei de Parcelamento de Solo, o conceito de loteamento é:

Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

Por sua vez, a definição de lote está contida no § 4°:

4° Considera-se lote o terreno servido de infraestrutura básica cujas dimensões atendam aos índices urbanísticos definidos pelo plano diretor ou lei municipal para a zona em que se situe.

Em suma, o loteamento é a divisão do terreno em áreas menores (lotes), que possuem uma infraestrutura urbana mínima: calçamento, canalização, abastecimento de água, esgoto, iluminação. 

Concluídas as obras, deixa-se de existir um único terreno e passa-se a ter as unidades individuais: os lotes. 

Incorporação 

Já a incorporação imobiliária, assim como já discutimos em outras oportunidades em nosso blog, nada mais é do que a aquisição de um imóvel na planta. 

O terrenista, dono do terreno, vende ou permuta o imóvel com uma incorporadora/construtora, que entregará um edifício com várias unidades.  

Assim como no loteamento, deixamos de ter um único imóvel e passamos a ter várias unidades individuais, que no caso serão os apartamentos. 

Feitos os esclarecimentos iniciais, podemos responder: em que momento o IPTU deixa de incidir sobre todo o terreno e passa a ser cobrado sobre cada unidade, sejam lotes ou apartamentos? 

IPTU 

O IPTU, Imposto Predial Territorial Urbano, é o imposto devido anualmente sobre imóveis situados em zonas urbanas ou de expansão urbana.  

A competência para a instituição e cobrança desse tributo é municipal, na forma do art. 156, I da Constituição e do art. 32 do Código Tributário Nacional 

IPTU x ITR 

Como dito, já destinamos um artigo exclusivo para discorrer sobre a divergência entre o IPTU e o ITR – quando um ou outro é devido. Você pode ler mais a respeito clicando aqui. 

No caso de áreas que anteriormente eram consideradas rurais e se tornaram áreas urbanas, de expansão urbana ou urbanizáveis, o IPTU passa a ser devido a partir do momento em que o projeto do loteamento é aprovado junto ao Município e devidamente registrado, independentemente a realização dos melhoramentos urbanos previstos em lei (art. 32, § 1º, incisos do CTN), em consonância com a Súmula n° 626 do STJ:  

A incidência do IPTU sobre imóvel situado em área considerada pela lei local como urbanizável ou de expansão urbana não está condicionada à existência dos melhoramentos elencados no art. 32, § 1º, do CTN. 

Sendo assim, uma vez aprovado o loteamento, é possível a incidência do IPTU.  

Mas, e enquanto as obras não são concluídas? Como é feita essa cobrança?  

Momento de cobrança do IPTU 

A partir do momento que o imóvel deixar de ser considerado rural, à luz da legislação municipal, passará a incidir o IPTU, em detrimento do ITR. 

E, assim como assentado na Súmula n° 626, desde que esteja aprovado o loteamento junto ao município, é dispensável a presença das melhorias para que passe a ser devido o IPTU. 

Contudo, o tributo deverá incidir sobre a área total do terreno, e não sobre os lotes individualizados, eis que estes sequer foram construídos/concluídos. 

Segundo entendimento adotado pelo TJMG, no julgamento da Apelação Cível de n° 1.0000.23.146008-0/001, de 28/11/2023: “A tributação individualizada sobre condomínio de lotes é possível após a divisão física ou registro das unidades autônomas.” 

Ademais, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já decidiu pela impossibilidade de tributação individualizada de lotes cujas obras de infraestrutura ainda não foram concluídas. Nesse contexto, podemos mencionar os seguintes julgados: 

EMBARGOS INFRINGENTES. TRIBUTÁRIO. IPTU E TCL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. LANÇAMENTO SOBRE UNIDADES NÃO INDIVIDUALIZADAS FORMALMENTE. INVIABILIDADE DO PARCELAMENTO VIRTUAL. Somente após o registro imobiliário do projeto de individualização do imóvel aprovado pelo município é que o IPTU e o TCL poderão incidir sobre cada área individualizada. EMBARGOS ACOLHIDOS. POR MAIORIA. (TJRS. Embargos Infringentes Nº 70064011992, Primeiro Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, Julgado em 07/08/2015) 

APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. EMBARGOS È EXECUÇÃO. IPTU E TCL. LANÇAMENTO SOBRE UNIDADES NÃO INDIVIDUALIZADOS FORMALMENTE. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE AVERBAÇÃO DA INDIVIDUALIZAÇÃO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL. 1. A incidência do IPTU e da TCL sobre unidades autônomas somente se mostra possível após o registro aprovado na matrícula imobiliária do imóvel indiviso. 2. Nos termos do artigo 11, do Regimento de Custas (Lei nº 8.121/82, com a redação dada pela Lei nº 13.471/2010), está a Fazenda Pública isenta do pagamento de custas e emolumentos, devendo, no entanto, arcar com as despesas, salvo as oriundas de Oficial de Justiça, nos termos da ADIn Nº 70038755864. APELAÇÃO DESPROVIDA, POR MAIORIA. SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE EM REEXAME NECESSÁRIO. (TJRS. Segunda Câmara Cível, Relator: Lúcia de Fátima Cerveira, j. em 21/05/2014) 

Em outros Estados, porém, o entendimento tem sido diverso, no sentido de que a partir do registro do loteamento já seria possível efetuar a cobrança de IPTU referentes às unidades individualizadas – ainda que estas não tenham sido concluídas.  

Com o devido respeito ao entendimento dos egrégios Tribunais, esse não nos parece ser o entendimento mais acertado. 

Isso porque, a Lei n° 14.620/2023, que alterou a Lei de Parcelamento de Solo (Lei n° 6.766/1979) trouxe a previsão expressa de que somente após a conclusão das obras do loteamento, com a respectiva emissão do Termo de Verificação e Execução de Obras (TVEO), é que será realizada a individualização formal dos lotes. Tal previsão constou do acréscimo do § 3°, do art. 22 da Lei: 

Art. 22. Desde a data de registro do loteamento, passam a integrar o domínio do Município as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos, constantes do projeto e do memorial descritivo. 

(…) 

  • 3º  Somente a partir da emissão do Termo de Verificação e Execução de Obras (TVEO), o Município promoverá a individualização dos lotes no cadastro imobiliário municipal em nome do adquirente ou compromissário comprador no caso dos lotes comercializados e, em nome do proprietário da gleba, no caso dos lotes não comercializados. 

Sendo assim, somente com a conclusão das obras é que as unidades individuais passarão a existir. 

Ora, se diferente fosse, ou seja, se fosse possível tributar as unidades individuais antes da conclusão das obras, o que o Fisco Municipal faria diante do cancelamento do loteamento, nos termos do art. 23 da Lei de parcelamento de solo? 

Art. 23. O registro do loteamento só poderá ser cancelado: 

I – por decisão judicial; 

II – a requerimento do loteador, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, enquanto nenhum lote houver sido objeto de contrato; 

III – a requerimento conjunto do loteador e de todos os adquirentes de lotes, com anuência da Prefeitura, ou do Distrito Federal quando for o caso, e do Estado. 

Além disso, outro problema prático seria a definição do valor venal desses imóveis de forma individualizada, mas sem a respectiva individualização formal, pois, não é possível adotar os valores já existentes das Plantas Genéricas de Valores. 

Isso porque o imóvel não seria dotado sequer das condições mínimas de urbanização, além de ser necessário, para fins de definição da base de cálculo do imposto, considerar imóveis situados na mesma região geoeconômica, da mesma zona de uso e ocupação do solo e do mesmo setor fiscal.  

De igual modo, a cobrança de unidades autônomas em edifícios estaria condicionada à expedição do respectivo habite-se, assim como julgado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO – TUTELA ANTECIPADA – AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL – SUSPENSÃO DOS EFEITOS DOS PROTESTOS – CRÉDITO TRIBUTÁRIO – ART. 151, V, DO CTN – REQUISITOS PRESENTES. I – Para fins de concessão da tutela antecipada, imprescindível a presença dos requisitos do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”. II – Expedida “Certidão de Baixa e Habite-se” dos lotes meses antes do último dia do ano do exercício anterior, não há se falar, a princípio, em terreno e sim em edificação com unidades autônomas a gerar a cobrança de IPTU. III – Preenchidos os requisitos para concessão da tutela antecipada, nos termos do art. 151, V, do CTN, pertinente o pedido de suspensão dos efeitos dos protestos de CDA’s devidamente identificadas.  (TJMG -  Agravo de Instrumento-Cv  1.0000.18.063644-1/001, Relator(a): Des.(a) Peixoto Henriques , 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/10/2020, publicação da súmula em 14/10/2020)

Portanto, somente com a individualização real e formal das unidades autônomas é que passa a incidir o IPTU de forma individualizada, antes disso, a cobrança de IPTU deverá estar limitada à incidência sobre todo o terreno, observados os critérios estabelecidos pelo respectivo município.

Quem tem a obrigação de pagar o IPTU? 

E em caso de compra de imóvel na planta, seja um lote ou apartamento, a quem cabe a obrigação de pagar o IPTU? 

De acordo com o art. 32 do CTN, o imposto pode ser cobrado do proprietário, de quem exerce o domínio útil sobre o imóvel ou a sua posse: 

Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município. 

Contudo, de acordo com o entendimento consagrado no Tema Repetitivo n° 886 do STJ, o que gera a obrigação do comprador em pagar as despesas do imóvel é a sua relação material com ele. Ou seja, a partir de sua imissão na posse: 

1. a) O que define a responsabilidade pelo pagamento das obrigações condominiais não é o registro do compromisso de venda e compra, mas a relação jurídica material com o imóvel, representada pela imissão na posse pelo promissário comprador e pela ciência inequívoca do Condomínio acerca da transação;

b) Havendo compromisso de compra e venda não levado a registro, a responsabilidade pelas despesas de condomínio pode recair tanto sobre o promitente vendedor quanto sobre o promissário comprador, dependendo das circunstâncias de cada caso concreto; c) Se restar comprovado: (i) que o promissário comprador imitira-se na posse; e (ii) o Condomínio teve ciência inequívoca da transação, afasta-se a legitimidade passiva do promitente vendedor para responder por despesas condominiais relativas a período em que a posse foi exercida pelo promissário comprador.

Assim, enquanto não forem concluídas as obras e entregue a unidade individualizada ao comprador, seja um apartamento ou um lote, as despesas, dentre as quais se inclui o IPTU, não poderão ser exigidas do comprador, mas sim do vendedor. 

Ainda que haja disposição contratual em sentido diverso, esse é o entendimento que prevalece na jurisprudência, no sentido de que é necessária a relação material do comprador com o imóvel para que ele possa ser obrigado a pagar as despesas relativas ao bem. 

Conclusão 

Vimos até aqui que existem entendimentos divergentes quanto à tributação de unidades individuais pelo IPTU antes que as obras estejam concluídas e o registro das respectivas matrículas individuais tenha ocorrido. 

Porém, a nosso ver, o entendimento mais acertado nesses casos é que antes da conclusão das obras e entrega das unidades individuais, somente é possível a tributação do imóvel como um todo, desconsiderando as unidades autônomas que ainda não existem no mundo fático e jurídico. 

Esse entendimento encontra respaldo, inclusive, nas mudanças da Lei de Parcelamento de Solo, advindas pela Lei n° 14.620/2023. 

Ademais, enquanto não houver a imissão na posse do comprador, não é possível imputar a ele a responsabilidade em arcar com as despesas do imóvel, incluindo-se o IPTU. 

Esperamos que este artigo tenha sido útil para esclarecer os principais pontos sobre a tributação pelo IPTU em lotes ou apartamentos ainda em construção.  

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