A revolução digital tem aberto caminhos para novas maneiras de formalizar relações e transformar mercados, e o setor imobiliário não é exceção. Como disse Nick Szabo (1996), “novas instituições e novas formas de formalizar as relações que compõem essas instituições agora são possíveis graças à revolução digital”.
Os contratos, instrumentos fundamentais nas relações jurídicas, vêm ganhando novas dinâmicas com o surgimento dos smart contracts que possibilitam a automação dos processos contratuais usando tecnologias como a blockchain, já abordada em nosso artigo Tecnologia no mercado imobiliário.
A introdução dos smart contracts no setor imobiliário promete simplificar transações complexas, reduzir custos e acelerar processos antes dependentes de uma cadeia burocrática de agentes. Ao serem codificados em linguagem computacional, esses contratos executam automaticamente os termos, oferecendo uma alternativa robusta e de menor risco para ambas as partes.
Contudo, a adoção dos smart contracts também traz desafios jurídicos significativos. A expansão desse tipo de contrato em diversos setores requer atenção especial às questões de validade, execução e segurança jurídica, e a legislação brasileira ainda busca adaptar-se a esse avanço.
Neste artigo, abordaremos as aplicações práticas dos smart contracts no mercado imobiliário, discutindo como essa ferramenta está remodelando o setor, seus benefícios e os desafios que acompanham a implementação de normas regulamentadoras.
Índice
O que significa smart contract?
Em poucas palavras, o smart contract (ou contrato inteligente), é um contrato digital programado para executar automaticamente suas cláusulas, assim que as condições acordadas forem atendidas. Essa automação elimina a necessidade de intervenção humana, agilizando o processo e minimizando erros ou interferências externas, garantindo maior precisão e segurança nas operações.
A execução automática dos smart contracts acontece assim que as condições estipuladas são atendidas, o que agiliza as transações e as torna mais previsíveis. Isso reduz significativamente o risco de disputas contratuais, já que as cláusulas são claras e imutáveis, garantindo o cumprimento dos acordos de forma precisa.
Se ainda parecer complicado, não se preocupe: a lógica do smart contract é simples e segue a regra do “se isso acontecer, então aquilo será feito”.
Exemplificando melhor, ao assinar um contrato de compra e venda utilizando um smart contract, o pagamento pode ser liberado automaticamente assim que as condições do contrato forem verificadas, sem a necessidade de intermediários.
Destaca-se, também, a tecnologia que viabiliza os smart contracts, chamada de blockchain. Ela registra as transações em “blocos” de dados, validados por uma rede descentralizada de computadores, o que torna as informações imutáveis e elimina a necessidade de intermediários.
Enquanto a blockchain garante a integridade dos dados, através de um registro transparente e confiável, o smart contract automatiza a execução das cláusulas contratuais, assegurando que as condições acordadas sejam cumpridas sem intervenção humana.
Juntas, essas tecnologias formam uma combinação poderosa que proporciona mais segurança e eficiência nas transações imobiliárias!
Para entender mais a relação entre blockchain e smart contracts, sugerimos a leitura completa do nosso artigo sobre Tecnologia no mercado imobiliário.
Qual o objetivo dos smart contracts?
Os smart contracts têm como objetivo principal automatizar processos como a compra e venda de imóveis, transferências de propriedade e execução de pagamentos, garantindo que todas as cláusulas pactuadas sejam cumpridas de forma automática, desde que as condições previamente estabelecidas sejam atendidas.
Outro objetivo crucial é a redução de custos. Ao eliminar a necessidade de corretores e cartórios para validar e executar contratos, os smart contracts reduzem significativamente as despesas operacionais, tornando as transações imobiliárias mais acessíveis e rápidas. Isso beneficia tanto as partes envolvidas quanto o mercado como um todo, trazendo mais eficiência.
Além disso, os smart contracts visam proporcionar mais segurança e transparência nessas transações, já que o seu funcionamento está atrelado à tecnologia de blockchain, fazendo com que todas as informações sejam registradas de forma imutável, eliminando o risco de fraudes ou alterações posteriores ao contrato.
Qual a vantagem de um smart contract se comparado a um contrato feito no papel?
Os smart contracts apresentam vantagens evidentes em relação aos contratos tradicionais em papel, a começar pelo fato de serem completamente digitais. Eles são programados com regras específicas acordadas pelas partes, e sua execução ocorre de forma automática através de códigos de computador, sem a necessidade de intervenção humana.
Isso não só agiliza o processo como também elimina a possibilidade de erros manuais e reduz os custos com intermediários.
Lado outro, os contratos tradicionais em papel exigem que as partes envolvidas realizem diversas diligências para garantir o cumprimento de suas cláusulas. Isso inclui a necessidade de verificar a autenticidade das assinaturas, registrar documentos em cartórios ou outros órgãos competentes e acompanhar manualmente o cumprimento de cada obrigação prevista. Esse processo pode ser lento, caro e suscetível a erros, atrasos e interpretações divergentes.
Outra vantagem importante dos smart contracts é a sustentabilidade. Ao eliminar a necessidade de impressão e arquivamento físico de documentos, os contratos digitais reduzem o consumo de papel, contribuindo para práticas mais sustentáveis e ecologicamente responsáveis.
Ao optar por um smart contract, além de melhorar a experiência dos negociantes, reduz-se significativamente o risco de erros e atrasos, trazendo mais eficiência e confiança para as transações, especialmente no setor imobiliário.
Como funcionam os smart contracts?
Para o funcionamento dos smart contracts, é essencial que as instruções sejam claras, fechadas e logicamente estruturadas.
Comumente, utiliza-se a lógica condicional “se → então”, onde cada etapa do contrato é uma sequência de condições e resultados. Isso garante que a execução ocorra de forma autônoma, respeitando exatamente os termos pactuados pelas partes.
O organograma abaixo facilitará a compreensão dos processos básicos de um smart contract em um negócio jurídico:
Nota-se que esses contratos seguem comandos e condições bem definidos, que desencadeiam ações automáticas ao serem atendidos. Essa abordagem permite que as cláusulas sejam executadas de maneira eficiente, ou seja, sem a necessidade de fiscalização do seu cumprimento.
Automação da execução de cláusulas contratuais
Ao programar regras específicas, as partes podem assegurar que as obrigações sejam cumpridas automaticamente, eliminando a necessidade de ações manuais ou de intermediários.
Essa automação permite, por exemplo, que pagamentos sejam liberados automaticamente quando as condições acordadas, como a transferência de propriedade, são atendidas.
Além disso, cláusulas de proteção podem ser incorporadas diretamente no contrato, prevendo penalidades automáticas em caso de descumprimento, o que aumenta a confiança entre as partes e garante que todos os aspectos do acordo sejam executados de forma transparente e eficaz.
Nota-se, portanto, que a automação dos smart contracts é uma característica inovadora e representa uma revolução no modo como os negócios são realizados, especialmente no setor imobiliário, onde a precisão e a eficiência são cruciais.
Aplicabilidade dos smart contracts no setor imobiliário
Popularmente, o setor imobiliário é conhecido pela burocracia e complexidade dos contratos. Contudo, os smart contracts surgem como uma solução inovadora que promete transformar e otimizar as operações mais importantes desse mercado.
Ao automatizar o cumprimento de cláusulas e eliminar intermediários, essa tecnologia simplifica processos, reduz custos e aumenta a segurança nas transações.
Partindo desse pressuposto, exploraremos a seguir a aplicação dos smart contracts em diferentes tipos de negociação imobiliária.
Compra e venda de imóveis
Em negócios de compra e venda de imóveis, os smart contracts oferecem uma solução eficiente e segura. Imagine, por exemplo, um contrato programado para liberar o pagamento ao vendedor apenas após a confirmação da transferência da propriedade.
Nesse cenário, o valor acordado fica “retido” no smart contract e, assim que a transferência for verificada, o pagamento é liberado automaticamente, sem a necessidade de intervenção de terceiros.
Essa ‘’eficiência’’ contratual faz parte da automação dos smart contracts e não apenas simplifica o negócio jurídico, eliminando etapas burocráticas, mas também garante maior segurança às partes envolvidas.
Assim, as transações ocorrem com mais transparência e confiabilidade, já que as regras são executadas sem a possibilidade de manipulação ou alteração unilateral, transformando a forma como os contratos de compra e venda são realizados.
Locações
Já nos contratos de locação imobiliária, os smart contracts reduzem a carga administrativa das imobiliárias, automatizando tarefas essenciais, como a verificação de históricos dos locatários (analisando o seu perfil, incluindo antecedentes financeiros e de inadimplência), a emissão de recibos e o controle de depósitos.
Além disso, o pagamento do aluguel pode ser automaticamente liberado ao locador assim que as condições acordadas forem atendidas, eliminando atrasos e disputas.
O resultado é um processo de locação mais seguro, transparente e confiável para todas as partes envolvidas.
Doações
A aplicação de smart contracts em processos de doação de imóveis também elimina a burocracia tradicional envolvida nessas transações.
Neste modelo de transação, é possível incluir regras que asseguram o cumprimento das condições da doação, como restrições ao uso da propriedade ou prazos para a transferência, contribuindo para a proteção dos interesses das partes envolvidas.
Assim, com a programação dessas cláusulas específicas, podemos confirmar se a propriedade foi transferida de acordo com os termos firmados, garantindo a automação, segurança e transparência, tanto para o doador quanto para o donatário.
Financiamento imobiliário
Os smart contracts não apenas facilitam a compra e venda de imóveis, mas também podem ser utilizados em financiamentos imobiliários. Neste tipo de negócio, eles são programados para liberar os recursos necessários à medida que cada fase do financiamento é concluída, como a entrega da documentação ou a comprovação de pagamento de uma parcela.
Em outras palavras, assim que o comprador cumpre uma condição previamente estabelecida, como o pagamento da parcela mensal, o smart contract automaticamente confirma a transação, atualizando os registros e, em alguns casos, liberando o próximo passo do processo sem necessidade de intervenção humana.
Benefícios dos smart contracts para o setor imobiliário
Como vimos, a introdução dos smart contracts no setor imobiliário proporciona benefícios significativos que vão além da simples digitalização de processos.
Mas afinal, quais são os principais benefícios que tornam essa tecnologia tão impactante no mercado imobiliário?
Para responder a essa questão, abordaremos aspectos como a transparência e segurança nas transações, o dinamismo nas negociações e a redução de custos operacionais, essenciais para entender o verdadeiro potencial dessa inovação no setor.
Transparência e segurança em transações imobiliárias
Os smart contracts garantem uma camada extra de segurança e transparência nas transações imobiliárias. Cada etapa da negociação é registrada de forma imutável em uma rede blockchain, assegurando que todas as informações inseridas permaneçam disponíveis e não possam ser alteradas ou manipuladas sem o consenso das partes.
Esse recurso garante, portanto, que as partes envolvidas tenham acesso a dados transparentes e verificáveis em tempo real, favorecendo um ambiente seguro e confiável para investimentos e negociações imobiliárias.
Dinamismo nas transações imobiliárias
Os smart contracts também promovem dinamismo nas transações imobiliárias ao viabilizar acordos rápidos e simultâneos com a segurança da blockchain.
Esse dinamismo permite, por exemplo, que contratos de compra e venda, financiamento e até de seguros sejam vinculados e executados automaticamente. Isso elimina a espera por aprovações e consolida várias etapas em um único processo contínuo.
Outro aspecto crucial é a flexibilidade para adaptações contratuais, já que os termos do smart contract podem ser atualizados conforme o andamento da negociação, sem a necessidade de retrabalho burocrático.
Essa capacidade de resposta às mudanças de contexto confere maior fluidez ao mercado, oferecendo as partes envolvidas mais controle e liberdade para conduzir operações complexas com agilidade, o que impacta diretamente o ritmo do setor e a satisfação do negócio.
Redução de custos
Em comparação com contratos tradicionais, que frequentemente exigem múltiplas aprovações e serviços de terceiros, o uso de smart contracts também reduz custos operacionais, tornando as transações mais econômicas e viabilizando negócios com menos despesas indiretas.
Em uma transação de locação, por exemplo, o negócio firmado por meio de um smart contract vai automatizar desde a verificação do depósito de garantia até o repasse dos pagamentos mensais ao proprietário, sem necessidade de pessoas conferindo ou confirmando prazos.
Assim, esse modelo elimina várias etapas e custos, permitindo uma gestão mais econômica e fluida para imobiliárias, proprietários, locatários e investidores aumentando a viabilidade financeira das transações.
Validade jurídica dos smart contracts no Brasil
No Brasil, o uso dos smart contracts levanta importantes questões jurídicas, com implicações para o mercado imobiliário e a economia em geral.
Sua validação e aplicabilidade estão em análise através do Projeto de Lei 954/2022, que propõe incluí-los no Código Civil brasileiro, definindo-os como acordos com execução automatizada, garantindo segurança e autonomia com o uso de blockchain e outras tecnologias que eliminam a necessidade de intermediários.
Todavia, enquanto a lei não é aprovada, os smart contracts estão sujeitos às normas de validade dos contratos tradicionais, previstas no Código Civil, que exigem um objeto lícito, possível e determinado para que tenham validade e força executiva. Assim, o uso dessa ferramenta deve cumprir os mesmos requisitos essenciais dos contratos convencionais para serem utilizados nos mais variados tipos de negócios jurídicos.
Nesse cenário, com a interpretação judicial em fase de construção, a atuação de advogados que compreendam as nuances legais e tecnológicas desses contratos é fundamental. Esse acompanhamento jurídico especializado é crucial para garantir segurança e conformidade, especialmente nos contratos de alienação de imóveis, até que uma regulamentação específica para os smart contracts seja aprovada no Brasil.
Conclusão
Até aqui, percebemos que a incorporação dos smart contracts ao mercado imobiliário representa uma revolução que favorece a agilidade e a segurança nas diversas modalidades de transações.
A automação oferecida por essa tecnologia reduz custos, elimina intermediários e assegura a transparência ao simplificar e consolidar etapas antes burocráticas, beneficiando compradores, investidores e imobiliárias. No entanto, essa evolução precisa vir acompanhada de um avanço jurídico, que ainda caminha para se adaptar ao novo cenário tecnológico.
O Projeto de Lei 954/2022 que está em tramitação no Congresso Nacional, é um passo importante ao propor a inclusão dos smart contracts no ordenamento jurídico brasileiro. Esta regulamentação, ao fornecer uma estrutura legal, poderá garantir uma base de segurança jurídica necessária para que esses contratos inteligentes sejam aceitos formalmente.
À medida que as tecnologias se tornam mais acessíveis e regulamentadas, o setor imobiliário ganha em eficiência, transparência e segurança, transformando-se em um ambiente mais confiável e adaptado ao futuro digital. A atuação de advogados especializados é, portanto, essencial não só para orientar essas transações, mas para garantir conformidade com a legislação vigente e proteção contra possíveis fraudes.
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