Vivemos em uma era em que já não é mais possível vislumbrar a vida e o trabalho sem o emprego de tecnologia.
Muitas das vezes, quando estamos sem o básico acesso à Internet, nos vemos impossibilitados de realizar tarefas simples do nosso dia-a-dia: nos comunicar, executar tarefas de nossos trabalhos, ter acesso a um documento etc.
Esse é um movimento sem volta: já sabemos que, dia após dia, a tecnologia adentra cada vez mais os mais variados campos da vida humana: saúde, comunicação, lazer etc.
A tendência é que os serviços e as atividades cada vez mais sejam executados em meio digital e automatizados, como, por exemplo, com o emprego de inteligência artificial – que, inclusive, tem sido tema recorrente na mídia.
Mas se os serviços, cada vez mais, vêm sendo ofertados em meio digital, como por exemplo, as plataformas de streaming (Netflix, Prime Video, Spotify e outras), ou, ainda, pelo e-commerce, como fica a tributação de serviços digitais?
Fato é que, não importa o meio em que esses serviços serão executados ou disponibilizados – o Fisco irá tributá-los.
Mas, como tributar essas demandas de forma correta e eficaz?
De outro lado, temos que a legislação tributária brasileira, além de extremamente complexa (sendo uma das mais complicadas do mundo), é consideravelmente antiga, já que o nosso Código Tributário remonta os anos 60 (Lei 5.172/1966). Nessa época, ainda que houvesse alguma informação a respeito da internet, o meio digital não era utilizado ou disseminado na sociedade.
Essa virada cultural, em que a Internet passou a ser não só um meio de comunicação, mas parte ativa de nossas vidas, aconteceu nos anos 90, em uma escala mundial.
Assim, como o Direito busca, mas nem sempre consegue, acompanhar todas as mudanças sociais, instauram-se esses contrassensos acerca de qual legislação e como aplica-la em situações que o legislador, a princípio, não previu.
Por conta dessas modificações sociais que a legislação não consegue acompanhar, há muito se vem discutindo sobre a Reforma Tributária – tanto pela necessidade de atualização quanto de simplificação da legislação.
Recentemente, a Reforma Tributária foi aprovada na Câmara dos Deputados e aguarda a aprovação pelo Senado Federal.
Por força da Reforma, alguns tributos que discutiremos hoje – e que são motivos de longos debates – deixarão de existir: ICMS (Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) e ISS/ISSQN (Imposto sobre serviços de qualquer natureza), que serão substituídos pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
Mas, como a Reforma, após aprovada, só surtirá efeitos a partir de 2026, ainda é importante entendermos o que está atualmente vigente.
E esse é o tema do nosso artigo de hoje: a tributação de serviços digitais, conforme a legislação vigente.
Índice
ISS x ICMS – quando incidem?
Como dito, a legislação tributária brasileira é uma das mais complexas do mundo.
São inúmeras leis, decretos, instruções normativas (anuais), e cabe aos advogados, empresários e contadores estarem a par de todas elas.
Por isso, conhecer e compreender o Direito Tributário não é tarefa fácil.
Dentre esses desafios e severos debates, estão o ISS e o ICMS.
As discussões constantes existem pela similaridade de incidência desses impostos, apesar de serem de competências distintas.
Vamos às definições:
ICMS
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), possui previsão constitucional no artigo 155, II e compete aos Estados a sua instituição:
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
Portanto, na compra e venda de qualquer mercadoria, ou na prestação dos serviços de transporte de bens, pessoas ou valores, entre Estados ou entre Municípios e na prestação de serviços de comunicação, será devido o ICMS.
A Lei geral que regulamenta o ICMS é a Lei Complementar 87/1996, conhecida como Lei Kandir.
Em síntese, o ICMS é devido ao Estado em que a mercadoria se encontre ou tenha início a prestação de serviços.
Por se tratar de um imposto estadual, cada Estado tem a competência para definir a alíquota incidente. Em decorrência das diferenças de alíquota, bem como pelo fato do local de pagamento do imposto ser o de saída e não o de destino, foi instituído o DIFAL (Diferencial de alíquota do ICMS) pela Emenda Constitucional 87/2015 e ao Convênio ICMS 93/2015, em que o percentual de diferença entre o Estado remetente e o destinatário será devido ao Estado que recebe a mercadoria/serviço.
Por exemplo, a alíquota de ICMS em São Paulo é de 12%. No Rio de Janeiro, a alíquota é de 18%. Nesse caso, para as mercadorias que saem de São Paulo com o destino ao Rio de Janeiro, é devido 12% de ICMS ao Estado de São Paulo e mais 6% ao Estado do Rio de Janeiro, a título de DIFAL.
A medida tem por objetivo minimizar os efeitos de uma guerra fiscal entre os Estados e evitar que haja um recolhimento desproporcional entre eles.
Feita essa breve introdução acerca do ICMS e sua incidência, necessária para compreender as hipóteses de incidência do ISS, passaremos agora à sua análise.
ISS ou ISSQN
O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), também possui previsão constitucional no artigo 156, III e compete aos Municípios a sua instituição:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(…)
III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
Veja que o ISS incidirá de forma residual: ou seja, todo serviço que não for tributado pelo ICMS, o será pelo ISS.
A Lei geral que regulamenta o imposto é a Lei Complementar 116/2003. Nela são definidas as alíquotas mínima e máxima do imposto (2 a 5% do valor do serviço).
Na lei, há o Anexo I, que especifica os serviços os quais estão submetidos à incidência do ISS. O texto legal é bem específico ao determinar que o imposto será devido sobre a prestação dos serviços ali discriminados, ainda que essas atividades não integrem a atividade preponderante da empresa.
Segundo o STF, no âmbito do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 784.439, com repercussão geral reconhecida (Tema 296), definiu-se que “lista de incidência do ISS é taxativa, mas extensível a atividades inerentes às previstas na lei”. Portanto, a lista é taxativa, mas admite interpretação análoga aos serviços que são similares ou, ainda, desdobramentos daqueles especificados na lei.
Sobre o local em que o imposto é devido, a regra geral é de que o ISS deverá ser recolhido no Município em que o estabelecimento do prestador se localiza, ou, caso não haja um estabelecimento físico, no local de domicílio do prestador. As exceções à regra estão previstas nos incisos do artigo 3° da Lei.
Mas e aos serviços digitais, como definir o estabelecimento para fins de recolhimento do ISS?
E, ainda, no âmbito das plataformas digitais, o que é considerado produto e o que é considerado serviço?
Essas são as principais divergências entre esses impostos na tributação digital. Então como acontece a tributação de serviços digitais? Veremos a seguir!
ICMS ou ISS nos serviços digitais?
Em se tratando de serviços e não sendo aqueles em que incidirá o ICMS (transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação), a rigor, será devido o ISS.
Nesse mesmo sentido, o STF definiu em 2021, que incide ISS, e não ICMS, nas operações de softwares. Isto é, naquelas em que o consumidor contrata uma licença para uso de determinado programa digital.
Como nesses casos não há a transferência de titularidade, tampouco de algo corpóreo, o que faria incidir o ICMS, incidirá o ISS.
Veja que os serviços atinentes ao desenvolvimento e licenciamento de softwares (programas) estão na Lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003:
1.02 – Programação.
1.03 – Processamento, armazenamento ou hospedagem de dados, textos, imagens, vídeos, páginas eletrônicas, aplicativos e sistemas de informação, entre outros formatos, e congêneres.
1.04 – Elaboração de programas de computadores, inclusive de jogos eletrônicos, independentemente da arquitetura construtiva da máquina em que o programa será executado, incluindo tablets, smartphones e congêneres. (Redação dada pela Lei Complementar nº 157, de 2016)
1.05 – Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação.
Mas para além da discussão se incide ICMS ou ISS sobre os serviços digitais, outras polêmicas envolvem a tributação desse tipo de serviço.
Como é a tributação de serviços digitais?
A esse ponto, vimos que o desenvolvimento de serviços na esfera digital é algo consideravelmente novo, de modo que não foi previsto originariamente na legislação tributária brasileira.
Trata-se de adaptação da legislação para abarcar uma nova realidade vivida pelos brasileiros, que passou a incluir, quase que de forma intrínseca, a utilização de sistemas e plataformas digitais, nas mais variadas esferas da vida.
Já concluímos que, em regra, os serviços digitais serão tributados pelo ISS.
Vimos também que o Município que será beneficiado pelo imposto é aquele em que está sediado o estabelecimento da empresa, ou o domicílio do prestador.
Mas e no caso dos serviços digitais, prestados por empresas digitais e que não possuem uma sede física? E, ainda, prestam serviços para todo o país, quando não, também prestam serviço ao exterior.
Fato é que, cada dia mais, as receitas auferidas por plataformas digitais aumentam, já que a nossa tendência é consumir cada vez mais esse tipo de serviço: Netflix, Spotify, Uber, Ifood…
Assim, a primeira polêmica acerca da incidência do ISS nesses serviços diz respeito ao local em que o ISS é devido.
Primeiramente, as empresas com sede no Brasil, tributadas pelo ISS na prestação de serviços digitais, poderão atrair recolhimento muito maior a um Município em detrimento de outros, o que causará certo desequilíbrio, já que a prestação de serviços digitais se estende a todo país.
Outra polêmica diz respeito às alíquotas do ISS (2% a 5%), que são consideravelmente menores quando comparadas às do ICMS (7% a 18%), o que pode nos levar a crer que esses serviços estão sendo “privilegiados”, no que diz respeito à tributação.
Ocorre que, muitas dessas empresas que prestam serviços no Brasil, estão sediadas no exterior. Com isso, elas não estão submetidas apenas ao ISS. Também é devido nessas operações o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), o IOF, o PIS/Cofins-Importação, o CIDE e também o ISS: tudo sobre o valor das receitas que são remetidas ao exterior. Somando-se os tributos, chega-se a quase 50% do valor da operação. Portanto, não se trata de uma tributação branda.
Por fim, uma outra polêmica que ainda pode ser trazida à discussão acerca do ISS em serviços digitais, diz respeito aos serviços de publicidade digital.
O STJ já definiu que sobre a publicidade veiculada em meio digital, incidirá o ISS.
Em contrapartida, temos a previsão na Lei Complementar 116/2003:
Art. 2° O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País;
E quando a publicidade é contratada por empresa do exterior? Trata-se de hipótese de não incidência ou de incidência do ISS?
A publicidade, a princípio, é serviço tributado pelo ISS, já que está prevista no Anexo I da Lei Complementar 116/2003.
Mas, se o serviço de publicidade é contratado por empresa situada no exterior, há uma exportação de serviços, o que afasta a incidência do ISS.
Confuso, não é? São inúmeros os desdobramentos e as problemáticas quando o assunto é a tributação de serviços digitais, por ser difícil precisar o local do estabelecimento, da prestação dos serviços ou, ainda, a qual local o tributo é devido.
Por isso, para garantir segurança jurídica quanto ao recolhimento de tributos em sua empresa, é necessário contar com a assessoria de especialistas na matéria, profissionais que dominem os conceitos jurídicos e contábeis pertinentes ao segmento em questão.
São diversas as situações recentíssimas e que ainda não foram tratadas pelo legislador brasileiro.
Mas como as transações em meio digital se tornam cada vez mais comuns e corriqueiras, é necessário que a legislação abarque essas situações fáticas o quanto antes.
Conclusão
Compreender a legislação tributária brasileira, por si só, já é um grande desafio.
Quando envolvemos serviços digitais, uma realidade crescente e que ainda não foi tratada especificamente pelo legislador, a dificuldade aumenta.
Vimos que, em regra, os serviços digitais serão tributados pelo ISS, que possui competência municipal do local do estabelecimento.
Porém, com os inúmeros desdobramentos em que a prestação de serviços digitais pode se dar, é importante estar atento às principais regras e eventuais mudanças, que, muitas das vezes, podem ser inconcebíveis àquele que não possui conhecimento jurídico. Por isso, é recomendado contratar um advogado especialista em Direito Tributário para atender à sua demanda e às especificidades de seu negócio.
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