A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) está em vigor desde agosto de 2020, sendo que os artigos que falam sobre as sanções que podem ser aplicadas pela ANPD em caso de infrações a essa norma entraram em vigor um ano depois, em agosto de 2021.

Porém, mesmo que a LGPD já estivesse em pleno vigor, faltava um detalhe para que as sanções pudessem ser aplicadas: uma resolução que disciplinasse o processo de aplicação.

De fato, embora a LGPD trouxesse previsões que estabeleciam parâmetros e critérios para a aplicação das sanções, tais como a gravidade e a natureza das infrações e dos direitos pessoais afetados, havia ainda a necessidade de detalhar como se daria o processo administrativo, em observância à Lei Federal 9.784/1999, que regula os processos administrativos no âmbito da Administração Pública Federal.

Assim, se, durante algum tempo, o sistema brasileiro de proteção de dados carecia de uma resolução que tivesse tal finalidade, essa carência não existe mais desde a publicação, pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), da Resolução CD/ANPD n°1, de 28 de outubro de 2021.

É sobre ela que falaremos neste artigo.

Para os titulares dos dados pessoais, a Resolução CD/ANPD n°1 também é uma excelente notícia, pois ela esclarece as medidas a serem adotadas quando o agente de tratamento não garante o exercício dos direitos reconhecidos pela LGPD.

 

A quem se aplica a Resolução sobre o processo administrativo disciplinar?

 

A resposta a tal pergunta está bem no início do texto da Resolução CD/ANPD n°1, de 28 de outubro de 2021. Os primeiros destinatários são os esperados: o titular dos dados pessoais e os agentes de tratamento. Só que não para por aí: a Resolução também se destina aos “demais interessados no tratamento de dados pessoais”.

Surge, então, outra questão: quem poderiam ser os “interessados” em um processo administrativo dessa natureza que não os titulares (donos dos dados pessoais) ou os agentes de tratamento (aqueles que fazem uso dos dados pessoais dos titulares)?

A própria Resolução CD/ANPD n°1, no artigo 13, esclarece: é possível que existam pessoas cujos interesses podem ser afetados pela decisão tomada em um processo administrativo, mesmo que não sejam titulares ou agentes de tratamento de dados. É a essas pessoas que a Resolução também se aplica.

Além disso, estão incluídos como destinatários da Resolução CD/ANPD n°1, de 28 de outubro de 2021 as organizações e associações representativas que atuarão em defesa de direitos e interesses coletivos e as pessoas ou as associações legalmente constituídas quanto a direitos ou interesses difusos, incluindo as instituições acadêmicas.

 

As quatro atividades de fiscalização

 

A Resolução CD/ANPD n°1 define de forma muito clara o que se entende por “fiscalização”: trata-se de procedimento que tem por finalidade orientar, prevenir e reprimir as infrações à LGPD, consistindo em 4 atividades:

 

1) Monitoramento;

2) Orientação;

3) Atuação Preventiva;

4) Atividade Repressiva.

 

Monitoramento

 

A atividade de monitoramento é aquela na qual há o levantamento das informações e dos dados relevantes para dar suporte à tomada de decisões da ANPD, assegurando o funcionamento regular desta.

São dois os instrumentos por meio dos quais a atividade de monitoramento é realizada: o Relatório de Ciclo de Monitoramento e o Mapa de Temas Prioritários:

 

  • Relatório de Ciclo de Monitoramento: trata-se de um documento a ser elaborado anualmente para avaliar, prestar contas e planejar a atividade de fiscalização da ANPD. O Conselho Diretor deliberará sobre o documento ao final de cada ciclo e poderá indicar outras necessidades de atuação da ANPD, além de suas competências fiscalizatória e sancionadora. A Resolução CD/ANPD n°1, de 28 de outubro de 2021 prevê que o primeiro ciclo de monitoramento terá início a partir de janeiro de 2022.
  • Mapa de Temas Prioritários: Diferentemente do Relatório de Ciclo de Monitoramento, o Mapa de Temas Prioritários será bianual. O documento estabelecerá os temas prioritários que serão considerados pela ANPD para fins de estudo e planejamento da atividade de fiscalização no período.

 

Orientação

 

A atividade de orientação é a atividade da ANPD baseada na economicidade e na utilização de métodos que objetivam promover a orientação, a conscientização e a educação dos agentes de tratamento e dos titulares de dados pessoais.

Para o exercício da atividade de orientação, a Resolução CD/ANPD n°1 prevê a aplicação de algumas medidas:

 

1) Elaboração e disponibilização de guias de boas práticas e de modelos de documentos para serem utilizados por agentes de tratamento;

2) Sugestão aos agentes regulados da realização de treinamentos e cursos;

3) Elaboração e disponibilização de ferramentas de autoavaliação de conformidade e de avaliação de riscos a serem utilizadas pelos agentes de tratamento;

4) Reconhecimento e divulgação das regras de boas práticas e de governança; e

5) Recomendação de:

 

  • utilização de padrões técnicos que facilitem o controle pelos titulares de seus dados pessoais;
  • implementação de Programa de Governança em Privacidade; e
  • observância de códigos de conduta e de boas práticas estabelecidos por organismos de certificação ou outra entidade responsável.

 

Um destaque importante: medidas aplicadas ao longo da atividade de orientação não são consideradas sanções administrativas.

 

Atividade preventiva

 

A atividade preventiva é aquela na qual aplicam-se medidas que visam a reconduzir o agente de tratamento à plena conformidade ou a evitar ou remediar situações que possam acarretar risco ou dano aos titulares de dados pessoais e a outros agentes de tratamento.

As medidas da atividade preventiva são construídas, preferencialmente, de forma conjunta e dialogada com os agentes de tratamento. Dentre tais medidas, a Resolução CD/ANPD n°1, de 28 de outubro de 2021 destaca: a divulgação de informações; o aviso; a solicitação de regularização ou informe; e o plano de conformidade. Outras medidas poderão ser adotadas caso sejam compatíveis com a Resolução.

Note que a medida preventiva “divulgação de informações” não se confunde com a sanção de publicização da infração. A medida preventiva a que se refere a Resolução trata da divulgação de informações e dados setoriais agregados e de desempenho em sítio eletrônico, como a taxa de resolução de problemas e pedidos de titulares atendidos.

Aliás, assim como as medidas aplicadas na atividade de orientação, as medidas aplicadas na atividade preventiva também não são consideradas sanções.

 

A atividade repressiva – o processo administrativo sancionador

 

É na quarta atividade de fiscalização – a atividade repressiva – que está disciplinado o processo administrativo sancionador, sendo que essa atividade tem como característica, justamente, a atuação coercitiva da ANPD.

É na atividade repressiva que serão aplicadas as sanções previstas na LGPD voltadas à interrupção de situações de dano ou risco, à recondução à plena conformidade e à punição dos responsáveis por meio de processo administrativo sancionador.

 

Sanções da LGPD

 

Antes de adentrarmos na forma como ocorre o processo administrativo sancionador da ANPD em si, queremos relembrá-lo das sanções previstas na LGPD, que podem ser, inclusive, multas:

 

  • Advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;
  • Multa simples, de até 2% do faturamento da pessoa jurídica de direito privado, grupo ou conglomerado no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, limitada, no total, a R$ 50.000.000,00 por infração;
  • Multa diária, observado o mesmo limite total referido acima;
  • Publicização da infração após devidamente apurada e confirmada a sua ocorrência;
  • Bloqueio dos dados pessoais a que se refere a infração até a sua regularização;
  • Suspensão parcial do funcionamento do banco de dados a que se refere a infração pelo período máximo de 6 meses, prorrogável por igual período, até a regularização da atividade de tratamento pelo controlador;
  • Suspensão do exercício da atividade de tratamento dos dados pessoais a que se refere a infração pelo período máximo de 6 meses, prorrogável por igual período;
  • Proibição parcial ou total do exercício de atividades relacionadas a tratamento de dados.

 

Como veremos adiante, tais sanções estarão previstas na decisão proferida pela Coordenação-Geral de Fiscalização, em primeira instância, ou pelo Conselho Diretor, se houver recurso.

 

Aspectos gerais do processo administrativo sancionador

 

O processo administrativo sancionador pode ser instaurado de ofício, ou seja, sem que haja a necessidade de provocação da ANPD para fazê-lo. Há, aqui, uma grande diferença em relação aos processos judiciais, pois, via de regra, a atuação do Poder Judiciário demanda a provocação de uma das partes envolvidas em um determinado litígio.

Em outras palavras, caso tenha fundamento suficiente para tanto, a ANPD pode dar início a um processo administrativo sancionador “por conta própria”.

Outra hipótese é o início de um processo administrativo sancionador como consequência do processo de monitoramento, sobre o qual já tratamos aqui.

Finalmente, um requerimento do titular de dados pessoais, atendidos todos os requisitos normativos, também pode ser a razão da instauração de um processo administrativo sancionador.

Destaque-se que antes do início de um processo administrativo, caso existam indícios de infração ainda insuficientes para a instauração dele, a ANPD, por meio da Coordenação-Geral de Fiscalização, pode fazer averiguações preliminares, as quais podem tramitar em sigilo a critério da própria Coordenação-Geral de Fiscalização.

Uma vez instaurado o processo, é possível a apresentação de proposta de termo de ajuste de conduta pelo interessado. Tal termo será analisado pelo Conselho Diretor e, caso aprovado, suspende-se o processo. Uma vez cumpridas as disposições do termo de ajuste de conduta, arquiva-se o processo.

 

Fases do processo administrativo sancionador da ANPD

 

Fase de instauração e instrução

 

Auto de Infração

 

O auto de infração é o instrumento utilizado para dar suporte material à instauração de um processo administrativo sancionador. Para que seja válido, o auto deve conter os seguintes elementos:

 

  • Identificação da pessoa natural (física) ou jurídica infratora;
  • Enunciação da suposta conduta ilícita imputada ao autuado, com a indicação dos fatos a serem apurados; e
  • Dispositivo legal ou regulamentar relacionado à suposta infração.

 

Defesa

 

Lavrado o auto de infração, a ANPD, por meio da Coordenação-Geral de Fiscalização, intimará o agente de tratamento interessado para apresentar defesa. O prazo máximo para que o agente de tratamento se defenda é de 10 dias úteis, excluído o dia de início e incluído o dia de vencimento do prazo.

 

Produção de provas

 

Independentemente do prazo de defesa do agente de tratamento, a ANPD poderá realizar diligências e juntar novas provas aos autos. O autuado poderá juntar as provas que julgar necessárias à sua defesa, mas é possível que a Coordenação-Geral de Fiscalização indefira algum pedido de prova. Veja que interessante: é possível, inclusive, a utilização de provas produzidas em outro processo (administrativo ou judicial), mesmo aquelas produzidas por autoridade de proteção de dados de outros países.

 

Intervenção de terceiros

 

É possível que haja a inclusão de terceiros interessados no processo. A ANPD poderá solicitar ou admitir a participação de interessado com representatividade adequada, cuja pertinência da participação será avaliada considerando-se a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia em análise no processo administrativo sancionador.

 

Relatório de instrução

 

Uma vez encerrado o prazo de defesa, será elaborado o relatório de instrução, documento que dará suporte material à decisão de primeira instância a ser proferida pela Coordenação-Geral de Fiscalização. Se entre a defesa e a instrução processual forem produzidas novas provas, é facultado um prazo de 10 dias úteis para que o autuado se manifeste antes da elaboração do relatório de instrução, item que encerra a fase de instrução.

 

Fase de decisão de primeira instância

 

Elaborado o relatório de instrução, a Coordenação-Geral de Fiscalização estará apta a proferir sua decisão, que deverá ser motivada, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos levados em conta no julgamento.

É nessa decisão que estará indicada a respectiva sanção, quando cabível, seguindo os parâmetros e critérios definidos no §1º do artigo 52 da LGPD e na regulamentação expedida pela ANPD. A decisão descreverá a sanção e o prazo para seu cumprimento, sendo que a contagem do prazo se dá a partir da intimação da decisão.

Caso a decisão não seja contestada e transcorrido o prazo para cumprimento da sanção administrativa pecuniária sem a sua respectiva comprovação, o processo será remetido para cobrança e execução. É tarefa da Coordenação-Geral de Fiscalização a adoção das providências necessárias ao cumprimento das decisões.

A intimação do autuado encerra a fase de decisão.

 

Fase de recurso

 

É possível contestar tal decisão por meio de recurso? Evidentemente que sim. Afinal, estamos em um Estado Democrático de Direito que assegura, na Constituição Federal, aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral, “o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (artigo 5º, inciso LV). A Resolução CD/ANPD n°1, de 28 de outubro de 2021, por razões óbvias, não poderia contrariar o texto constitucional nesse particular.

O prazo para recurso é de 10 dias úteis contados da data da intimação da decisão proferida pela Coordenação-Geral de Fiscalização e o recurso será analisado pelo Conselho Diretor, que é a instância administrativa máxima.

Caso a decisão seja pelo arquivamento do processo administrativo, a Coordenação-Geral de Fiscalização informará terceiros interessados habilitados no processo, que poderão recorrer ao Conselho Diretor no prazo de até 10 dias úteis da notificação.

A apresentação de recurso suspende os efeitos da decisão, ou seja, até que seja julgado o recurso, não será devido o cumprimento de qualquer sanção que tenha sido determinada na decisão. Esse “efeito suspensivo” é limitado à matéria que tenha sido discutida no recurso.

Vale mencionar que o recorrente pode ser intimado a formular alegações na fase recursal, o que ocorrerá se a apreciação do recurso puder colocar o recorrente em situação mais gravosa do que aquela que ele enfrentaria se não tivesse recorrido. Trata-se de um cuidado que deriva do respeito à observância do princípio jurídico que restringe a chamada reformatio in pejus.

 

Juízo de reconsideração

 

O recurso deve ser apresentado à Coordenação-Geral de Fiscalização que, se for o caso, remeterá o processo para a análise do Conselho Diretor. Ocorre que é possível que a Coordenação-Geral de Fiscalização reconsidere sua decisão antes de realizar essa remessa.

A isso se chama juízo de reconsideração, o qual resultará na produção de uma nova decisão que substituirá para todos os efeitos a decisão anterior. O juízo de reconsideração não poderá agravar a sanção aplicada na decisão. No caso de o juízo de reconsideração resultar na exoneração total da sanção originalmente aplicada, a nova decisão proferida deverá necessariamente ser analisada pelo Conselho Diretor.

 

Fase de cumprimento da decisão e inscrição em dívida ativa

 

Uma vez julgado o recurso pelo Conselho Diretor, o processo será encaminhado para a Coordenação-Geral de Fiscalização para acompanhamento quanto ao cumprimento da decisão. Uma vez cumprida a decisão e não havendo outras providências a serem adotadas, o processo é arquivado.

Havendo sanção pecuniária não quitada até a data do vencimento, o devedor será intimado sobre a existência do débito e a intimação deverá fornecer todas as informações pertinentes à dívida, inclusive aquela relativa à inscrição do devedor no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin), no prazo de 75 dias contados dessa intimação.

Adicionalmente, o débito será encaminhado para inscrição na Dívida Ativa da União.

 

Revisão

 

A qualquer tempo, os processos que resultem em sanções podem ser revistos. A condição para que isso ocorra é que surjam fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada. A apresentação do pedido de revisão não suspende os efeitos da sanção e nem as medidas de execução.

 

Conclusão

 

Para dimensionar corretamente os impactos da LGPD no universo jurídico brasileiro é fundamental compreender quais são e como as sanções previstas na Lei serão aplicadas. Nosso objetivo com este artigo é auxiliar nesse sentido.

Você ainda tinha dúvidas se a LGPD seria uma daquelas Leis que poderia ou não “pegar”, a publicação da Resolução CD/ANPD n°1, de 28 de outubro de 2021 vem para mostrar que, sim, as engrenagens para que ela “pegue” já estão presentes em nosso ordenamento.

Dizendo de outro modo, a LGPD está em pleno vigor e as sanções podem ser aplicadas pela ANDP, o que torna inadiáveis as providências para a adequação daqueles que ainda não investiram nisso.

E aí? Este conteúdo foi útil e valeu o tempo que você dedicou para lê-lo? Ficaremos felizes se a resposta for positiva.

Continue acompanhando nossas publicações e inscreva-se para receber a newsletter. Voltaremos em breve com novos conteúdos sobre proteção de dados.

Caso queira nos avaliar no Google, agradecemos. O seu feedback é muito importante para nós!

Posts relacionados
Share This