Titulares de dados pessoais estão fazendo valer seus direitos reconhecidos pela Lei Geral de Proteção de Dados, a “LGPD”.
É o que revela a matéria intitulada “Brasileiros usam ‘carteiraço da LGPD’ para dar o troco em spam no WhatsApp”, publicada pelo Portal UOL em 18/04/2022, indicando uma interessante mudança cultural.
No artigo que publicamos sobre a eliminação de dados pessoais, relembramos a típica situação na qual empresas entram em contato várias vezes ao dia para oferecer produtos e serviços não solicitados. Quem nunca passou por isso?
É justamente sobre essa situação que se refere a citada matéria, a qual revela que os titulares estão exercendo um dos direitos reconhecidos pela LGPD, o de acesso; trata-se do direito que o titular tem de saber como os seus dados pessoais foram coletados, o porquê, como tais dados pessoais são utilizados, dentre outros.
O “carteiraço” da LGPD
A matéria utiliza exemplos de casos nos quais os titulares não tiveram qualquer relação prévia com a empresa antes de receber o contato oferecendo seus produtos e serviços. Uma vez questionadas, as empresas tendem a cessar completamente tais contatos; esse é o motivo da escolha do termo “carteiraço” no título da matéria, inclusive.
O termo, aliás, é inadequado. É certo que o contato dessas empresas viola a LGPD, já que não existiu o consentimento prévio do titular para que houvesse o tratamento dos seus dados pessoais e não é possível fundamentar o tratamento na base legal do legítimo interesse ou em qualquer outra das oito bases legais restantes.
Ocorre que o termo “carteiraço” é depreciativo; aquele que “dá carteirada” busca uma vantagem ou privilégio em razão de seu cargo, da sua profissão, da sua condição social ou econômica.
O comportamento dos titulares descrito na matéria do UOL é o exercício de direitos que foram reconhecidos pela LGPD; reiteramos que utilizamos a expressão “reconhecidos”, e não “concedidos” pela lei, já que se trata de um verdadeiro reconhecimento de direitos sobre os dados pessoais que o titular já tinha antes mesmo da vigência da LGPD.
Ao reconhecer os direitos do titular, a LGPD deixa claro que o indivíduo é que deve estar em controle dos seus próprios dados pessoais.
Mais relevante do que o uso inadequado do termo que compõe o título da matéria, porém, é identificar a mudança cultural que o comportamento descrito revela.
Se num passado não tão distante o uso indiscriminado de dados pessoais pelas empresas não era algo de grande preocupação para a maior parte das pessoas, o que a matéria indica é que isso está mudando.
E o plot twist é que, ironicamente, as próprias empresas que adotam essa política de marketing “agressivo” estão contribuindo para a mudança cultural: munidos com a arma da LGPD, os titulares combatem a prática desagradável com o exercício dos seus direitos.
Um dos inevitáveis resultados dessa mudança cultural é que as empresas que não se adequarem à LGPD e que mantiverem práticas abusivas em relação a dados pessoais perderão clientes. A imobiliária citada no início da matéria certamente perdeu clientes ou deixou de fazer negócios com outras empresas por adotar a prática ali descrita. Aliás, temos um artigo interessante sobre a LGPD no mercado imobiliário.
A responsabilidade pelo tratamento de dados
Como desenvolvemos no artigo sobre a responsabilidade na LGPD, a lei prevê responsabilidade solidária de todos aqueles envolvidos nas operações de tratamento de dados pessoais, tanto do controlador como do operador, deixando clara a possibilidade de reparação dos danos patrimonial, moral, individual ou coletivo sempre que tais danos decorrerem de violação à legislação de proteção de dados pessoais.
Uma empresa que é conhecida por se envolver em problemas com dados pessoais certamente terá dificuldades para manter negócios com outras empresas.
É por isso que outro resultado da mudança cultural que a matéria do UOL revela é o uso da privacidade e da proteção de dados como fator de aprimoramento da reputação de uma empresa.
O tratamento regular de dados pessoais por uma empresa adequada à LGPD pode e frequentemente é usado pelo departamento de marketing de grandes empresas; elas exploram o fato de que realizam o tratamento correto dos dados pessoais no plano de comunicação para reforçar a confiança do titular dos dados pessoais.
Isso porque, como mencionamos no nosso artigo sobre a monetização de dados pessoais, hoje em dia é cada vez mais difícil fazer parte da vida em sociedade sem fornecer dados pessoais. E, já que parece ser inevitável, o cidadão certamente tenderá a procurar consumir produtos e serviços de empresas que são transparentes quanto ao uso dos dados pessoais.
Assim, a despeito de trazer em seu título um termo inapropriado para descrever o comportamento dos titulares frente a empresas que fazem o uso inadequado de dados pessoais, a matéria nos aponta um interessante horizonte de mudança cultural em relação à proteção de dados pessoais. É fundamental que as empresas se adequem a essa mudança!
*Imagem de Getty Images, no Canva Pro.
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